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Coronavírus “ressuscitou” Netanyahu de uma “morte” anunciada

Aquele que era o principal opositor do primeiro-ministro de Israel está disposto a aliar-se a Benjamin Netanyahu num governo de unidade nacional. Benjamin Gantz, líder da aliança centrista Azul e Branco, justifica a reviravolta com a necessidade de combater o coronavírus

Se o coronavírus infetasse também partidos políticos, a coligação israelita Kahol Lavan entraria para as estatísticas como a primeira vítima mortal. A formação de centro-esquerda, que tinha em mãos a tarefa de formar Governo em Israel ruiu, quinta-feira à noite, depois de o seu líder, o antigo general Benjamin Gantz, se ter proposto para a presidência do Parlamento (Knesset).

Ao fazê-lo, deixou de ser hipótese para chefiar um futuro Executivo e mostrou-se disponível para participar num Governo de unidade nacional ao lado do primeiro-ministro cessante, Benjamin Netanyahu, contra quem sempre se bateu desde que chegou à fila da frente da política.

“Acima de tudo, creio que não devemos arrastar Israel para uma quarta eleição neste momento tão desafiador, em que o país está a lidar com a crise do coronavírus e suas consequências”, escreveu “Benny” Gantz na rede social Twitter. Refere-se ao facto de o país ter votado em abril e setembro de 2019 e março de 2020, sem conseguir solução governativa. Em seguida Gantz dirigu-se diretamente aos seus parceiros de coligação: “Discordamos sobre esse ponto”.

A revolta dos antigos parceiros

Os visados por Gantz são Yair Lapid e Moshe Ya’alon, números 2 e 3 da Kahol Lavan (Azul e Branco, como a bandeira de Israel), não se contiveram nas críticas ao volteface protagonizado por Gantz.

“A crise do coronavírus não nos dá direito ou permissão para abandonarmos os nossos valores”, reagiu Yair . “Prometemos não nos sentarmos às ordens de um primeiro-ministro que enfrenta três acusações criminais [por corrupção]. Prometemos não fazer parte de uma coligação de extremistas e chantagistas [extrema-direita e religiosos ultraortodoxos]. Dissemos que não permitiríamos que ninguém minasse a democracia de Israel. E nesta semana de todas as semanas, em que os ataques ao sistema judicial foram do pior, é dado um prémio àqueles que desobedecem à lei. Um prémio à criminalidade.”

Na quarta-feira Yuli Edelstein, aliado de Netanyahu (do partido conservador Likud), demitiu-se da presidência do Knesset, onde estava há sete anos. A renúncia foi apresentada horas antes de terminar o prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal de Israel para que se procedesse à eleição do seu sucessor.

A deliberação judicial foi desencadeada por uma petição da Azul e Branco, que tencionava pôr um dos seus no cargo e acabar com o domínio do Likud de Netanyahu. Para tal, contava beneficiar da existência de 61 deputados (num total de 120) afetos à oposição. “Penso que a decisão do Supremo Tribunal é errada e perigosa”, acusou Edelstein. “O nosso povo precisa de união e de um governo de unidade nestes dias.”

Separar as águas no Parlamento

Fundada em fevereiro de 2019, a aliança Azul e Branco (centro-esquerda) era composta por três fações: o Yesh Atid, do ex-jornalista Lapid, que já tinha experiência política e eleitoral acumulada; o Resiliência de Israel, de Gantz, chefe de Estado-Maior das Forças de Segurança de Israel entre 2011 e 2015; e o recém-criado Telem, de Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu.

Criada a tempo de disputar as legislativas de abril de 2019 — as primeiras de três (inconclusivas) em menos de um ano —, tinha como objetivo primordial arredar do poder Netanyahu, que é hoje o israelita com mais tempo à frente do Governo de Israel.

Conhecida a reviravolta de Gantz, os seus parceiros de coligação formalizaram um pedido no sentido de separar águas entre os deputados eleitos pelo Kahol Lavan: as duas fações ignoradas por Gantz seguirão juntas, numa formação que manterá o nome Kahol Lavan.

Após ver o início do seu julgamento — previsto para 17 de março — adiado para 24 de maio, por causa da pandemia de coronavírus, Netanyahu saca de mais uma vida que já se pensava que não tivesse.

(FOTO Benjamin Netanyahu, no Forum de Davos de 2018 FLICKR WORLD ECONOMIC FORUM)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de março de 2020. Pode ser consultado aqui

Nunca ninguém mandou tanto tempo como Benjamin Netanyahu

Benjamin Netanyahu torna-se este sábado o israelita que mais tempo ocupou o cargo de primeiro-ministro. Completa 4876 dias no poder, ultrapassando David Ben-Gurion, um dos pais fundadores do Estado de Israel

Benjamin Netanyahu foi o primeiro chefe de Governo de Israel a nascer no país — em Telavive, a 21 de outubro de 1949, um ano após a criação do Estado. Foi também o primeiro-ministro mais novo a assumir o cargo — tinha 47 anos. A partir deste sábado acumula um terceiro recorde: passa a ser o governante que exerceu a chefia do Governo durante mais tempo.

Ultrapassa o histórico David Ben-Gurion, um dos pais fundadores do Estado de Israel, que foi primeiro-ministro durante 4875 dias: entre 14 de maio de 1948 e 26 de janeiro de 1954 e novamente entre 3 de novembro de 1955 e 26 de junho de 1963.

Aos 69 anos, “Bibi”, como é chamado, foi primeiro-ministro durante 13, em dois períodos não consecutivos: de 18 de junho de 1996 a 6 de julho de 1999 e desde 31 de março de 2009. Este sábado, completa 4876 dias no cargo.

Uma longa caminhada — que poderá continuar após as eleições legislativas marcadas para 17 de setembro — resumida em 10 momentos.

OS PRIMEIROS TRAVOS DO PODER

Benjamin Netanyahu acaba de ser eleito líder do partido Likud, a 21 de março de 1993, em Katzrin ESAIAS BAITEL / GETTY IMAGES

A 4 de novembro de 1995, dois anos após israelitas e palestinianos assinarem os Acordos de Oslo — o último esboço de paz firmado até hoje —, a esperança cai por terra com a notícia do assassínio do primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, às mãos de um fanático judeu. Na liderança do Likud (direita), um dos partidos históricos de Israel, havia dois anos, Benjamin Netanyahu protagonizara uma mudança geracional — da era dos pais fundadores do Estado para o tempo dos cidadãos já nascidos no país. O desaparecimento de Rabin precipita o país para eleições, a 26 de maio de 1996: o Likud vence e Netanyahu toma posse como primeiro-ministro. Herda um país em choque e cético quanto ao seu futuro próximo.

OLHAR OS PALESTINIANOS… COM DESCONFIANÇA

O primeiro encontro entre Yasser Arafat e Netanyahu, a 4 de setembro de 1996, em Erez NADAV NEUHAUS / GETTY IMAGES

Netanyahu encontra-se com Yasser Arafat pela primeira vez a 4 de setembro de 1996, na passagem fronteiriça de Erez, entre Israel e a Faixa de Gaza. A convivência entre ambos pautar-se-ia sempre pela desconfiança, agravada pelas discordâncias de Netanyahu em relação às premissas dos Acordos de Oslo. Para o israelita, não faz sentido — e só encoraja o extremismo — negociar por etapas, fazendo concessões sem que haja um entendimento relativamente aos principais assuntos, como o estatuto de Jerusalém. No poder, Netanyahu não rasga Oslo, mas não faz dele uma prioridade. Os colonatos judeus em território palestiniano intensificam-se irreversivelmente.

RELAÇÃO ENVENENADA COM O HAMAS

Captura de ecrã de um vídeo onde se vê Netanyahu a amachucar e a atirar para o caixote do lixo um documento político do Hamas REUTERS

Nascido na Faixa de Gaza, sob ocupação israelita, o movimento islamita Hamas — que na sua Carta fundadora pugna pelo desaparecimento de Israel — nunca teve em Netanyahu um interlocutor. Em 1997, o primeiro-ministro israelita tenta mesmo decapitar o grupo e autoriza uma operação da Mossad para assassinar o seu líder, Khaled Mashal, na Jordânia. Disfarçados de turistas canadianos, cinco agentes conseguem injetar veneno em Mashal, numa rua de Amã, mas são descobertos. Em fúria, o rei Hussein exige a Israel a cedência do antídoto sob pena de anular o tratado de paz jordano-israelita celebrado três anos antes. Fortemente pressionado pela Casa Branca, onde estava Bill Clinton, Netanyahu cede.

CHOQUE DE FRENTE COM O “BULLDOZER”

Benjamin Netanyahu sentado ao lado de Ariel Sharon de quem foi ministro dos Negócios Estrangeiros e das Finanças GIL COHEN MAGEN / AFP / GETTY IMAGES

Entre os dois períodos que serviu como primeiro-ministro, Netanyahu tem uma fase, fora da política, em que trabalha no sector privado e outra em que participa — como ministro dos Negócios Estrangeiros e das Finanças — em governos liderados por Ariel Sharon. A carreira política leva um forte impulso quando o “bulldozer” promove um plano unilateral de retirada de tropas e colonos da Faixa de Gaza e posterior devolução do território à Autoridade Palestiniana. Netanyahu discorda em absoluto e, a 7 de agosto de 2005, demite-se. Muitos israelitas interpretam a saída de Israel de Gaza como um sinal de fraqueza e identificam-se com a posição assumida por Netanyahu. Em dezembro desse ano, ele recupera a liderança do Likud e lança-se novamente no combate pela liderança do país.

A PALESTINA, SEGUNDO NETANYAHU

Benjamin Netanyahu junto a um mapa relativo à construção de novas casas para judeus na parte oriental (árabe) de Jerusalém MENAHEM KAHANA / AFP / GETTY IMAGES

A 6 de abril de 2009, menos de três meses após entrar na Casa Branca, Barack Obama dirige-se ao mundo islâmico com um discurso na Universidade do Cairo, intitulado “Um novo começo”. “Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade de contínuos colonatos israelitas”, diz. Em Israel, Netanyahu é novamente primeiro-ministro, havia uma semana. A 14 de junho seguinte, num discurso na Universidade Bar-Ilan, nos arredores de Telavive, o israelita enumera as suas condições para apoiar uma Palestina independente: Jerusalém seria a capital unificada de Israel, os palestinianos não teriam exército e abdicariam do direito de regresso dos refugiados. Netanyahu reclama também o direito ao “crescimento natural” dos colonatos existentes na Cisjordânia. Fecha assim a porta ao Estado com que os palestinianos sonham.

O DESENHO DA AMEAÇA IRANIANA

Discursando na Assembleia Geral da ONU, a 27 de setembro de 2012, com o Irão em mente LUCAS JACKSON / REUTERS

A 27 de setembro de 2012, Netanyahu sobe ao palanque da Assembleia Geral da ONU munido de um marcador e de uma cartolina com o desenho de uma bomba prestes a detonar. “A questão relevante não é quando vai o Irão obter a bomba”, diz. “A questão relevante é em que fase deixa de ser possível impedir que o Irão obtenha a bomba.” E traça na cartolina uma linha vermelha a partir da qual o Irão não deve ser autorizado a continuar a enriquecer urânio. Nesse discurso, Netanyahu pronuncia a palavra “Irão” 110 vezes. Nos anos que se seguiriam, falar da República Islâmica e das suas ambições nucleares torna-se um clássico nos discursos de Netanyahu nas Nações Unidas, em especial após a assinatura do acordo internacional de 2015 — que ele considera “um erro histórico”.

COMPREENSIVO PARA COM… ADOLF HITLER

Benjamin Netanyahu aponta para um mapa que localiza os campos de extermínio de judeus (Holocausto), durante a II Guerra Mundial JANEK SKARZYNSKI / AFP / GETTY IMAGES

“Hitler não queria exterminar os judeus na altura, ele queria expulsar os judeus. E Haj Amin al-Husseini [o grande mufti de Jerusalém] foi ter com ele e disse: ‘Se os expulsar, eles virão todos para aqui [para a Palestina]’.” Segundo Netanyahu: Hitler terá perguntado: “O que devo fazer com eles?” O mufti respondeu: “Queime-os”. Foi nestes termos que Netanyahu descreveu o encontro entre Hitler e Husseini, em novembro de 1941, perante a plateia do 37.º Congresso Mundial Sionista, a 20 de outubro de 2015, em Jerusalém. Pouco importa se, com estas palavras, choca milhões de judeus com histórias do Holocausto na família. O objetivo é lançar a dúvida e contaminar a pretensão dos palestinianos de continuarem a viver naquela terra.

TOLERÂNCIA ZERO NA FAIXA DE GAZA

Benjamin Netanyahu junto a uma bateria do escudo anti-aéreo Cúpula de Ferro, com que Israel interceta os “rockets” lançados desde a Faixa de Gaza JACK GUEZ / REUTERS

Nos últimos dez anos, a Faixa de Gaza foi alvo de três operações militares israelitas de grande envergadura — só na primeira não era Netanyahu primeiro-ministro. A mais mortífera, a “Barreira Protetora” em 2014 — justificada com a necessidade de retaliar o rapto de três jovens colonos… na Cisjordânia —, começa cerca de um mês após Hamas e Autoridade Palestiniana (AP) anunciarem a formação de um governo de unidade nacional (2 de junho). As duas fações palestinianas estavam desavindas desde 2007 quando o Hamas tomou o poder pela força em Gaza e a Cisjordânia ficou sob controlo da AP. Segundo a ONU, na “Barreira Protetora” morreram 2251 palestinianos, em sete semanas de bombardeamentos. Israel confirmou 67 militares e seis civis mortos.

A CONTAS COM A JUSTIÇA

Benjamin Netanyahu é inquirido, no Supremo Tribunal de Israel, em 2016, sobre a legalidade de um negócio aprovado pelo Governo JIM HOLLANDER / REUTERS

Na agenda de Netanyahu, os próximos dias 2 e 3 de outubro estão provavelmente marcados a vermelho. Está prevista para essas datas a sua audição no âmbito de três grandes investigações a casos de corrupção em que a polícia recomendou que Netanyahu fosse indiciado por suborno, fraude e abuso de confiança. Caberá ao procurador-geral de Israel, Avichai Mendelblit, decidir se as provas são suficientemente fortes para acusá-lo. Se for acusado e continuar a ser primeiro-ministro, não está legalmente obrigado a renunciar, apenas se for condenado e quando esgotados todos os recursos. Netanyahu diz que a atuação da polícia é “uma caça às bruxas”. Em maio passado, é notícia um pacote legislativo em preparação visando fintar as determinações dos tribunais e que pode beneficiá-lo com imunidade. Não vai avante porque Netanyahu não se aguenta no Governo.

REFÉM DOS PARTIDOS RELIGIOSOS

O casal Netanyahu, Benjamin e Sara, celebrando a vitória do Likud nas eleições legislativas de 9 de abril passado THOMAS COEX / AFP / GETTY IMAGES

Nas eleições de 9 de abril passado, os dois partidos mais votados elegem cada um 35 deputados. Mas a escassa vantagem de 0,33% dos votos a favor do Likud é suficiente para que Netanyahu seja reconduzido num quinto mandato — o quarto consecutivo — como primeiro-ministro de Israel. Porém, as negociações para formar governo revelam-se uma missão impossível. Netanyahu garante o apoio dos partidos religiosos ultraortodoxos, prometendo continuar a isentá-los do cumprimento do serviço militar. Essa exceção é polémica, já que a tropa é obrigatória e universal em Israel (com exceções), e vale a Netanyahu a oposição da extrema-direita de Avigdor Lieberman, essencial à maioria parlamentar necessária. Num país em que os executivos são sempre de coligação, Netanyahu torna-se o primeiro candidato a primeiro-ministro a não conseguir formar governo.

(Uma fotografia de Benjamin Netanyahu rodeada de boletins de voto, na sede do Likud, em Telavive AMIR COHEN / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui

Benjamin Netanyahu, o governante “cinco em um”

Para além da chefia do governo de Israel, Benjamin Netanyahu é atualmente o titular de quatro ministérios. Esta concentração de poder não é inédita no país e costuma ser sintoma de crise

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel WWW.KREMLIN.RU / WIKIMEDIA COMMONS

primeiro-ministro de Israel chamou a si, esta semana, a condução dos ministérios da Defesa e da Imigração e Integração. Com esta acumulação de funções, Benjamin Netanyahu fica responsável, durante a semana de trabalho (e em sentido figurado), por um ministério por cada dia útil já que, para além destes três cargos, ele é ainda ministro dos Negócios Estrangeiros e da Saúde.

“Certamente que não é bom que o primeiro-ministro detenha tantas pastas”, diz ao Expresso Natan Sachs, diretor do Centro de Políticas sobre o Médio Oriente do Brookings Institution, Washington D.C.. “Neste caso, há uma combinação de três situações. [Desde o início], Netanyahu manteve os Negócios Estrangeiros para si, o que enfraquece o ministério consideravelmente em comparação com o gabinete do primeiro-ministro.”

Em relação ao da Saúde, que ele detém desde 28 de novembro de 2017, “é dirigido por um vice-ministro, e ele é ministro só no papel. Os restantes [que herdou no passado domingo] são resultado da última crise política, ou seja, Netanyahu é ministro por defeito após a renúncia dos titulares. É bem possível que ele designe ministros para alivia-lo, incluindo um ministro dos Negócios Estrangeiros.”

Desde que o atual governo iniciou funções, a 14 de maio de 2015, Netanyahu já tinha, pontualmente, assegurado as pastas das Comunicações, da Cooperação Regional, da Economia e Indústria e do Interior. “É comum os primeiros-ministros israelitas ficarem com várias pastas após crises na coligação governativa e a saída de ministros”, explica ao Expresso Aluf Benn, editor chefe do diário israelita “Haaretz”.

“Historicamente, os primeiros-ministros também asseguraram o ministério da Defesa durante 27 dos 70 anos de vida de Israel.” Aconteceu com David Ben-Gurion, Menachem Begin, Yitzhak Rabin e Shimon Peres, por exemplo.

Trégua é “rendição ao terrorismo”

Netanyahu ficou com a pasta da Defesa após a demissão do ultranacionalista Avigdor Lieberman, apresentada no dia 14 em protesto com a forma como o primeiro-ministro geriu a última crise na Faixa de Gaza. Três dias antes, os serviços secretos israelitas tinham averbado um fracasso quando comandos infiltrados no território palestiniano — para uma missão não especificada — foram detetados pelo Hamas, o movimento islamita que controla Gaza.

Perseguidos enquanto fugiam, foram “protegidos” por fortes bombardeamentos de caças israelitas, de que resultou a morte de sete palestinianos, incluindo um comandante do Hamas. Na operação, morreu também um tenente-coronel israelita.

O Hamas não foi brando na resposta e lançou sobre território israelita a ‘chuva’ de foguetes mais intensa desde a guerra de 2014. Uns foram intercetados pelo escudo antimísseis Cúpula de Ferro, outros atingiram áreas civis, matando uma mulher, em Ashkelon.

Um vídeo tornou-se popular nas redes sociais: disparado pelo Hamas, um rocket Kornet — um míssil antitanque de fabrico russo — atinge um autocarro militar israelita, criando a sensação de que o Hamas ‘batera o pé’ ao poderoso Tsahal (Forças de Defesa de Israel).

Israel retaliou com bombardeamentos em Gaza durante alguns dias. que mataram mais cinco palestinianos. Quando se temia uma nova guerra em Gaza, foi assinada uma trégua — uma “rendição ao terrorismo”, acusou Avigdor Lieberman, no mesmo dia em que se demitiu de ministro da Defesa.

“Netanyahu é um ‘falcão’ em muitas coisas, incluindo ao nível do compromisso com os palestinianos, o que torna o conflito israelo-palestiniano muito mais difícil de resolver”, comenta Natan Sachs. “Mas ao contrário da imagem que tem, ele não é aventureiro ou alguém muito interessado em ir para a guerra. Ele é primeiro-ministro há muito tempo [entre 1996 e 1999 e desde 2009], mas teve apenas um grande conflito — em Gaza, em 2014 — o qual, na verdade, ele também não queria. Netanyahu descobriu que os eleitores gostam de um líder que soa como um ‘falcão’, mas não de um líder que os mande para a guerra.”

A opção de Netanyahu por uma trégua com o Hamas afastou, por momentos, o espectro de uma nova guerra na região, mas trouxe instabilidade política ao executivo que lidera. A decisão não foi unânime dentro da frágil coligação governamental — composta por cinco partidos (Likud, Kulanu, Lar Judaico, Shas e Judaísmo Unido da Torah) e apoiada no Parlamento (Knesset) por 61 de 120 deputados — e voltou a ser notícia, em Israel, a possibilidade de antecipação das eleições agendadas para 5 de novembro de 2019.

“Estamos numa situação particularmente complexa ao nível da segurança”, afirmou Netanyahu, no domingo, num discurso transmitido pela televisão. “Em tempos como estes, não se derruba um governo. É irresponsável… Estamos numa batalha intensa e, no meio de uma batalha, não abandonamos os nossos postos. No meio de uma batalha, não fazemos política. A segurança da nação está para além da política.

Uma sondagem divulgada na terça-feira revelou que para 58% dos inquiridos não foi a segurança do país que levou Netanyahu a afastar a hipótese de eleições antecipadas, mas antes motivações de ordem política.

“Netanyahu pode ganhar ou perder com eleições antecipadas”, conclui Natan Sachs. “Por um lado, é suspeito em vários casos de corrupção, e poderia sair beneficiado se ganhasse umas eleições antes de os enfrentar. Por outro, as suas últimas movimentações em Gaza — procurando um cessar-fogo com o Hamas — foram muito impopulares em Israel, uma vez que foram acompanhadas por foguetes mortais disparados pelo Hamas que apenas foram parcialmente retribuídos. Mais tempo [no poder] permitirá a Netanyahu distanciar-se disso.”

Artigo publicado no Expresso Online, a 23 de novembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Hitler não queria matar os judeus, defende o primeiro-ministro de Israel

A violência entre israelitas palestinianos passou dos atos às palavras. Netanyahu afirmou que o responsável pelo Holocausto foi o Mufti de Jerusalém, enquanto na UNESCO os palestinianos lutam para que o Muro das Lamentações seja “parte integrante” da Esplanada das Mesquitas

O primeiro-ministro israelita defendeu, esta terça-feira, que Adolf Hitler não tinha intenção de matar os judeus durante o Holocausto. Segundo Benjamin Netanyahu, o responsável pelo extermínio de seis milhões de judeus foi Haj Amin al-Husseini, o Mufti de Jerusalém (líder religioso muçulmano), que sugeriu a ideia ao líder nazi alemão.

“Hitler não queria exterminar os judeus naquela altura, ele queria expulsá-los”, afirmou Netanyahu num discurso perante o Congresso Mundial Sionista, que decorre em Jerusalém entre terça e quinta-feiras. Descreveu, de seguida, o que se passou no histórico encontro entre as duas personalidades, a 28 de novembro de 1941, na Alemanha: “Haj Amin al-Husseini visitou Hitler e disse: ‘Se os expulsar, todos eles irão para lá [para a Palestina]’.” Segundo Netanyahu, Hitler terá perguntado: “O que devo fazer com eles?” O Mufti respondeu: “Queime-os”.

Não é a primeira vez que o primeiro-ministro israelita responsabiliza Al-Husseini pelo Holocausto. Em 2012, diante do Parlamento de Israel (Knesset), referiu-se ao Mufti como “um dos principais arquitetos” da “solução final”.

“Em nome dos milhares de palestinianos que combateram ao lado das tropas aliadas na defesa da justiça internacional, o Estado da Palestina denuncia estas declarações moralmente indefensáveis e inflamatórias”, reagiu Saeb Erekat, secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina (OLP). “É um dia triste da história que o líder do Governo israelita odeie tanto o seu vizinho que esteja na disposição de absolver o criminoso de guerra mais reconhecido na história, Adolf Hitler, pelo assassínio de seis milhões de judeus durante o Holocausto. Netanyahu devia parar de usar esta tragédia humana para marcar pontos com fins políticos”.

Palestinianos ao ataque na UNESCO

As palavras de Netanyahu surgem no mesmo dia em que se espera que a UNESCO se pronuncie sobre uma polémica proposta de resolução apresentada por um grupo de países árabes. Nela pede-se que o Muro das Lamentações — o lugar mais sagrado do judaísmo — seja designado “parte integrante” do complexo onde se situa a Mesquita de Al-Aqsa — o terceiro lugar mais sagrado dos muçulmanos, em Jerusalém.

A iniciativa, que devia ter sido votada na terça-feira, foi adiada e desencadeou fortes críticas não só em Israel, mas também ao mais alto nível da organização. A diretora-geral da UNESCO, a búlgara Irina Bokova, lamentou a proposta, defendendo que a alteração do estatuto da Cidade Velha de Jerusalém e dos seus Muros, património da Humanidade reconhecido por aquela organização cultural, poderá “incitar a novas tensões”.

Fisicamente, o Muro das Lamentações (também chamado Muro Ocidental) e a Mesquita de Al-Aqsa estão integrados num complexo conhecido por Esplanada das Mesquitas — em rigor, os muçulmanos chamam ao espaço Al-Haram al-Sharif (literalmente Santuário Nobre) e os judeus Monte do Templo. Localiza-se na Cidade Velha de Jerusalém, na parte leste do município, anexada por Israel durante a Guerra dos Seis Dias (1967).

A atual vaga de violência entre israelitas e palestinianos foi agravada por rumores que davam conta de que Israel se preparava para controlar todo o Monte do Templo, incluindo a Mesquita de Al-Aqsa. Israel negou as acusações, afirmando não ter quaisquer planos para alterar o “status quo” do local — que os judeus podem visitar, mas não usar para orações.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de outubro de 2015. Pode ser consultado aqui

Um cartoon para uma das frases que está a agitar o mundo

Primeiro-ministro de Israel chegou esta quarta-feira à Alemanha, horas após defender que Hitler não quis exterminar os judeus. Em Israel, há quem o acuse de estar a banalizar o Holocausto

Após Netanyahu defender que Hitler não quis exterminar os judeus, um sobrevivente do Holocausto manda-o estudar História. Desde as profundezas do inferno, o Führer agradece a “absolvição”. CARLOS LATUFF

Benjamin Netanyahu quis culpar os palestinianos pelo Holocausto, mas as suas palavras voltaram-se contra ele. Ao defender que foi o Mufti de Jerusalém que, em 1941, sugeriu a Adolf Hitler que exterminasse os judeus, o primeiro-ministro de Israel tornou-se alvo de muitas críticas e da chacota de ilustradores, como o brasileiro Carlos Latuff, de quem o Expresso reproduz o cartoon que pode ver no início do texto.

A polémica estalou horas antes de uma visita do primeiro-ministro de Israel à Alemanha, onde já se encontra. Agendada para o início do mês, a deslocação foi adiada em virtude da mais recente vaga de violência israelo-palestiniana.

“Todos os alemães conhecem a história da obsessão racista criminosa dos nazis que levou à rutura civilizacional que foi o Holocausto”, reagiu à polémica Steffen Seibert, porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel. “Isto é ensinado nas escolas alemãs por uma boa razão, nunca deve ser esquecido. E não vejo razão para mudarmos a nossa visão da história de forma alguma. Sabemos que a responsabilidade por este crime contra a humanidade é alemã.”

Moshe Zimmermann, estudioso do Holocausto e do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém, criticou as palavras do líder israelita: “Qualquer tentativa para desviar a responsabilidade de Hitler para outros é uma forma de negação do Holocausto”, disse ele à Associated Press. “Banaliza o Holocausto.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de outubro de 2015. Pode ser consultado aqui