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Netanyahu ganhou. Contra tudo e contra todos

O chefe de Governo israelita fez uma corrida de trás para a frente e levou o seu Likud à vitória nas eleições legislativas. Perante sondagens adversas, Benjamin Netanyahu dramatizou o discurso e espantou o mundo com uma vitória que já poucos esperavam

Estou emocionado com a pesada responsabilidade que o povo de Israel colocou sobre os meus ombros”, disse Benjamin Netanyahu esta quarta-feira, junto ao Muro das Lamentações, o local mais sagrado para os judeus, escassas horas após vencer as eleições legislativas. “Agradeço muito a decisão dos cidadãos israelitas de me escolherem contra todas as probabilidades.”

Contrariando todas as sondagens, que apontavam para uma vitória da coligação de centro-esquerda União Sionista, o Likud (direita), no poder, arrebatou a vitória, assegurando 30 lugares no próximo Parlamento israelita (120 lugares). A União Sionista elegeu 24 deputados e o seu líder, o trabalhista Yitzhak Herzog, já disse que não participará num governo de unidade nacional liderado por Netanyahu.

Por que razão a vitória de Netanyahu foi uma surpresa?

Durante semanas, as sondagens apontavam para um empate entre o seu Likud e a União Sionista, de Yitzhak Herzog. Num golpe polémico, Netanyahu foi a Washington — a convite da liderança republicana do Congresso dos EUA e à revelia da Casa Branca — onde proferiu um discurso agressivo contra o Irão e o seu programa nuclear. A manobra não surtiu efeitos e, nas sondagens, Bibi, como é conhecido, viu o rival de esquerda descolar para uma vitória quase certa. O primeiro-ministro apostou então na dramatização do seu discurso tentando atrair votos de vários partidos da direita: “Se não votarem no Likud, a esquerda vencerá”, alertou na véspera das eleições. Porém, a tirada que mais correu mundo foi: “Se eu for eleito, não haverá Estado palestiniano”, uma promessa claramente destinada a seduzir o eleitorado do Habayit Hayehudi (Casa Judaica), um partido de direita liderado por Naftali Bennett, atual ministro da Economia e opositor a uma Palestina independente.

Será Bibi o próximo primeiro-ministro?

A lei israelita diz que o Presidente do Estado deve convidar o membro do Parlamento com melhores condições para formar governo. Nunca, desde a fundação de Israel (1948), um partido obteve maioria absoluta e desta vez não foi exceção. O futuro passa por um governo de coligação e Netanyahu parece ser o melhor colocado para conseguir o apoio de uma maioria parlamentar. Minutos após o encerramento das urnas, o diário israelita “Haaretz” noticiava que Netanyahu e Naftali Bennett tinham concordado iniciar conversações. Na “esfera de influência” de Bibi está ainda o Yisrael Beytenu (extrema-direita), do ministro dos Negócios Estrangeiros Avigdor Lieberman, e dois partidos religiosos ultra-ortodoxos, o Shas e o Judaismo da Torah Unida. Todos somados, garantem 57 deputados. Ficam a faltar quatro para a maioria necessária, que Netanyahu tentará conseguir junto do Kulanu, um novo partido liderado por um ex-dissidente do Likud.

O que defende o Kulanu?

“Todos nós” é um projeto político de Moshe Kahlon, um ex-ministro do Likud que ocupou as pastas das Comunicações (2009-2013) e da Segurança Social (2011-2013) e que acabou com o monopólio no sector dos telemóveis, o que originou uma queda drástica dos preços das comunicações em Israel. Essa popularidade traduziu-se agora em 10 deputados eleitos. O Kulanu é o partido mais ao centro de todos os que conseguiram representação parlamentar e é o fiel da balança que pode decidir a cor do próximo governo israelita. Sensível às questões sociais, diz-se que Moshe Kahlon preferiria participar num executivo do trabalhista Herzog do que de Netanyahu — este, durante a campanha, ofereceu-lhe o ministério das Finanças.

Um dos mais prestigiados membros do Kulanu, Michael Oren, ex-embaixador de Israel nos EUA, afirmou: “Sei muito bem que um Irão com poder nuclear é uma ameaça existencial. Mas os israelitas consideram, de forma esmagadora, que o custo de vida neste país e o preço da habitação é a maior ameaça existencial de todas. A minha adesão a este partido foi uma espécie de ‘é a economia, estúpido’”.

Que representatividade conseguiram os israelitas árabes?

Cerca de 20% da população israelita é árabe. Nestas eleições, três partidos árabes foram a votos integrados numa coligação inédita — a Lista Árabe Unida, que foi a terceira formação mais votada, com 14 deputados. “Estamos a viver um momento histórico”, reagiu o líder da Lista Árabe, Ayman Odeh. “Tivemos a maior votação desde 1999. Vamos impedir Netanyahu de formar governo.” Porém, para os árabes, a sensação é agridoce, pois não conseguiram impedir a vitória do Likud. Paralelamente, há algum ceticismo relativamente à solidez da nova formação política, que engloba nacionalistas árabes, comunistas e islamitas. Muitos consideram-na mais uma aliança técnica do que um verdadeiro partido político.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 18 de março de 2015. Pode ser consultado aqui

Netanyahu forçou eleições. E corre o risco de as perder

Israel vai a votos na terça-feira. As últimas sondagens apontam para a derrota do atual primeiro-ministro e para a vitória de uma coligação de esquerda. Resta saber quem terá mais condições para formar um governo de coligação — como sempre Israel tem sido governado desde a sua fundação

Bandeira do primeiro-ministro de Israel WIKIMEDIA COMMONS

QUE ELEIÇÕES SÃO ESTAS?

Exatamente 5.881.696 israelitas estão convocados para eleger, esta terça-feira, um novo Parlamento (Knesset). Regra geral, as legislativas em Israel decorrem de quatro em quatro anos — as últimas foram em 2013. Porém, estas são antecipadas, provocadas pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que, em dezembro, solicitou a dissolução do Knesset. Bibi despedira dois membros do seu Governo (o ministro das Finanças, Yair Lapid, e a da Justiça, Tzipi Livni) a quem acusou de fazerem oposição interna. Lapid e Livni tinham-se oposto à compra de um avião oficial. A maioria das assembleias de voto abre às 7 da manhã e encerra às 10 da noite (mais duas horas do que em Lisboa).

HÁ UM VENCEDOR ANTECIPADO?

Durante largas semanas, as sondagens apontavam para um empate técnico entre o Likud (direita), de Netanyahu, e a União Sionista, nova coligação de centro-esquerda liderada pelo trabalhista Yitzhak Herzog e que engloba o Hatnua de Tzipi Livni. Na reta final da campanha, a União Sionista tomou a dianteira, sendo-lhe creditados 25 deputados, mais quatro do que o Likud. Ironicamente, a quebra do Likud seguiu-se ao polémico discurso do primeiro-ministro israelita no Congresso dos Estados Unidos, a 3 de março, à revelia da Casa Branca. Também não o ajudou vários escândalos relativos aos gastos do casal Netanyahu na residência oficial em Jerusalém. Várias ilegalidades têm sido apontadas, designadamente de que a primeira dama, Sara, terá ficado com o dinheiro do depósito de vasilhame das garrafas utilizadas na residência.

QUEM SERÁ PRIMEIRO-MINISTRO?

Netanyahu encabeça a lista do Likud. Yitzhak Herzog é o nº 1 da União Sionista e, em caso de vitória, rodará com Tzipi Livni, a sua nº 2, no cargo de primeiro-ministro. Porém, vencendo Likud ou União Sionista, isso não significa que os líderes serão automaticamente primeiro-ministro. Segundo a legislação, o Presidente israelita atribuirá a tarefa de formação de um novo governo ao membro do Knesset que considerar ter melhores condições para formar um governo de coligação viável. Até à data, nunca um partido conseguiu formar governo por si só. Nestas eleições não será exceção: o Knesset tem 120 membros, pelo que a maioria absoluta de 61 lugares está muito distante dos resultados atribuídos pelas sondagens aos dois principais partidos.

QUE PARTIDOS PODEM ELEGER DEPUTADOS?

Vinte e seis partidos submeteram uma lista de candidatos ao Comité Central de Eleições, mas para ter uma representação parlamentar cada partido terá de garantir 3,25% do total de votos expressos (até agora a fasquia estava nos 2%), o que corresponderá a quatro deputados. Segundo as sondagens, os partidos com hipótese de atingir essa fasquia são: Likud (direita) de Benjamin Netanyahu; União Sionista (centro-esquerda), de Yitzhak Herzog; Lista Árabe Unida, de Ayman Odeh; Yesh Atid (centro-esquerda), de Yair Lapid; Habayit Hayehudi (direita), de Naftali Bennett; Kulanu (centro), de Moshe Kahlon; Yisrael Beitenu (extrema-direita), de Avigdor Lieberman; Meretz (esquerda), de Zahava Gal-On; e três partidos ultra-ortodoxos: Shas, de Aryeh Deri, Judaismo da Torah Unida, de Yaakov Litzman, e Yahad, de Eli Yishai.

OS ISRAELITAS ÁRABES PODEM VOTAR?

Cerca de 20% da população israelita é de cultura árabe. Cidadãos do país, têm direito a votar como qualquer israelita judeu, desde que tenham 18 anos feitos. Os palestinianos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza não podem votar — o primeiro está ocupado por forças israelitas, o último é alvo de um bloqueiro israelita por terra, mar e ar. Já os colonos judeus da Cisjordânia têm direito a voto. Desde a criação de Israel, nunca um partido árabe integrou a coligação governamental, mas, nestas eleições, espera-se um forte aumento da participação dos eleitores árabes. Pela primeira vez, três formações árabes (Balad, Ta’al e Hadash, este um partido árabo-judaico) concorrem coligadas na Lista Árabe Unida, uma consequência da nova regra dos 3,25% que torna a formação de um grupo parlamentar mais difícil e os imulsionou para uma formação única. Segundo as sondagens, deverá ser a terceira maior representação no Knesset.

QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS INTERNACIONAIS DO NOVO PRIMEIRO-MINISTRO?

A nível internacional, surpreendentemente, a principal tarefa do futuro primeiro-ministro é recuperar a relação com o seu principal aliado. Seis anos de governação de Netanyahu degradaram como nunca a relação entre Israel e os Estados Unidos. Obama e Netanyahu veem-se, hoje, com grande desconfiança.

Uma segunda grande questão prende-se com o programa nuclear do Irão. Paralelamente ao distanciamento em relação a Telavive, Washington empenhou-se nas negociações com Teerão, que decorrem na Suíça, visando um primeiro acordo sobre o nuclear até ao final de março. Em Israel — potência nuclear não-oficial —, essa eventualidade causa calafrios. No recente discurso no Congresso norte-americano, Netanyahu disse a palavra “Irão” 107 vezes.

QUE FUTURO PARA O PROCESSO DE PAZ ISRAELO-PALESTINIANO?

Benjamin Netanyahu não abandonou a retórica oficial de “Dois Estados para dois povos”, mas na prática tudo fez para a inviabilizar, impulsionando a construção de colonatos na Cisjordânia e ordenando duas operações militares na Faixa de Gaza (2012 e 2014). O diálogo israelo-palestiniano é inexistente e as ações unilaterais dos palestinianos nas Nações Unidas são disso expressão. Tzipi Livni, a nº 2 da União Sionista é grande defensora da solução de dois Estados.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 16 de março de 2015, e republicado no “Expresso Online”, no dia seguinte . Pode ser consultado aqui e aqui

“Bibi” Netanyahu formará governo

Dez dias após as eleições, o Presidente Shimon Peres convidou o líder do Likud (direita) a formar governo. Tzipi Livni fica na oposição

DONKEY HOTEY / WIKIMEDIA COMMONS

Após reunir-se hoje, separadamente, com Benjamin Netanyahu (Likud) e Tzipi Livni (Kadima), na sua residência em Jerusalém, o Presidente Shimon Peres acabou com o suspense que se vivia em Israel desde as eleições de 10 de Fevereiro e convidou “Bibi” Netanyahu a formar governo.

O Likud foi o segundo partido mais votado nas eleições, mas Peres considerou que reúne mais condições para formar um governo de unidade nacional. Dos 120 lugares no Parlamento (Knesset), Netanyahu conta com o apoio de 65 deputados de seis partidos: Likud, Yisrael Beitenu, Shas, United Torah Judaism, National Union e Habayit Hayehudi. Livni tinha apenas o apoio expresso dos 28 membros do Kadima. O Partido Trabalhista, o Meretz e os partidos árabes não recomendaram qualquer candidato a Shimon Peres.

Netanyahu (que já serviu como primeiro-ministro entre 1996 e 1999) afirmou que convidará o Kadima — o partido mais votado nas eleições — para negociações com vista à adesão ao governo. Mas fontes próximas da antiga agente da Mossad já afirmaram que a não ser que Netanyahu concorde com a rotação no cargo de primeiro-ministro, “não há nada que conversar”.

“Hoje, foram estabelecidos os fundamentos de um governo de extrema direita sob a liderança de Netanyahu”, escreveu Livni num sms enviado a 80 mil membros do Kadima. “O caminho desse governo não é o nosso. Vocês não votaram em nós para providenciarmos um certificado kosher a um governo de direita. Precisamos de providenciar uma alternativa de esperança na oposição”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de fevereiro de 2009. Pode ser consultado aqui