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Derrota estrondosa das FARC na primeira vez que foi a votos

A antiga guerrilha colombiana, com que o Governo de Bogotá celebrou o acordo de paz de 2016, participou, este domingo, nas eleições para o congresso. Os eleitores mostraram que não esquecem os seus crimes

Os colombianos foram a votos, este domingo, pela primeira vez desde a assinatura do acordo de paz entre o Governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a 24 de novembro de 2016, e deram a sua preferência às forças críticas a essa conquista histórica.

Em causa esteve a eleição de um novo Congresso (108 senadores e 166 deputados para a Câmara dos Representantes), num escrutínio que assinalou a participação inédita das FARC, transformadas em partido político após a conclusão do processo de desarmamento, conservando o mesmo acrónimo — Forças Alternativas Revolucionárias Comuns (FARC).

Com mais de 90% dos votos contados — os resultados finais são esperados esta segunda-feira —, os partidos conservadores de direita concentram as preferências de voto. O Centro Democrático, do ex-Presidente Álvaro Uribe — um feroz opositor ao acordo de paz —, foi o mais votado, com um total de 51 congressistas: 19 senadores e 32 deputados na câmara baixa. Álvaro Uribe foi reeleito senador.

Por força dos termos do acordo de paz, as FARC têm, à partida, 10 assentos garantidos — cinco em cada câmara legislativa —, qualquer que seja o resultado. Os parciais dizem que não deverão ir além dos 0,4% para o Senado e 0,3% para a Câmara dos Representantes.

A escassa confiança dada às FARC pelo eleitorado decorre de um sentimento predominante na sociedade colombiana segundo o qual, antes de poder ir a votos, a antiga guerrilha deveria pagar pelos crimes praticados durante 52 anos de guerra civil.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de março de 2018. Pode ser consultado aqui

Uma crise invisível

Mais de sete milhões de colombianos vivem como refugiados dentro do seu próprio país. Em todo o mundo, só a Síria tem mais deslocados internos. O conflito armado de 52 anos entre o Estado colombiano e vários grupos de guerrilha é a principal causa para este êxodo forçado, mas não a única…

“Senhoras e senhores: há uma guerra a menos no mundo, é a guerra na Colômbia!” Juan Manuel Santos, o Presidente colombiano, vem repetindo esta ideia desde que o Estado colombiano e o principal grupo guerrilheiro — as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)  encetaram um processo de diálogo visando o fim de um conflito que dura há 52 anos. Repetiu-o, mais uma vez, em Oslo (Noruega), no passado dia 10, no seu discurso de agradecimento após receber o Prémio Nobel da Paz.

É verdade que as armas se calaram no país, mas para mais de sete milhões de colombianos — num país com uma população global a rondar os 47 milhões —, a guerra continua a outro nível: forçados a fugir das povoações onde viviam, perderam tudo, deixando para trás casas e terras. “A Colômbia tem o segundo mais alto número de deslocados internos em todo o mundo, embora a situação seja completamente diferente da da Síria (onde o número é maior), que tem sido dilacerada pela guerra”, diz ao Expresso Louise Hojen, investigadora no Council on Hemispheric Affairs, Washington D.C. (EUA).

Conflito armado não explica tudo

Instituições como o Centro de Monitorização dos Deslocados Internos (Genebra), o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados e o próprio Governo de Bogotá têm contabilidades não coincidentes quanto ao número exato de deslocados. “Mas todos concordam que são mais de 10% da população e que o número é superior a 7,4 milhões de pessoas”, refere Louise Hojen.

Em 2014, as FARC terão sido responsáveis por 69% dos deslocados surgidos nesse ano, número que caiu para 37% em 2015. O Exército de Libertação Nacional (ELN) e os chamados grupos criminosos emergentes (BACRIM) também têm quota de responsabilidade, a um nível menor. Porém, o conflito armado não explica tudo…

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Assistência humanitária a deslocados internos, na Colômbia WIKIMEDIA COMMONS

Desastres naturais, interesses empresariais e a narcoindústria, “que está profundamente enraizada na economia e sociedade colombianas”, partilham com o conflito armado a corresponsabilidade por um tão grande número de deslocados. Apesar dos esforços da paz nos últimos anos, “enquanto existir o mercado mundial da droga haverá a produção e o tráfico, o que agravará o número de deslocados internos na Colômbia”, diz a investigadora. Este tem crescido continuamente, mas “é importante realçar que o aumento anual de deslocados é o mais baixo de sempre”.

O problema é especialmente grave nas áreas rurais. “Não só proprietários são expulsos ou mortos em nome do acesso às suas terras, como outros aceitam trabalhar no cultivo da coca, dado ser lucrativo. A indústria da droga é responsabilidade pelo agravamento de vários problemas, mas medidas tomadas pelo Governo para combatê-la também têm tido um impacto negativo na questão dos deslocados, como a pulverização aérea das áreas de cultivo, apoiada pelos Estados Unidos.”

Em Oslo, o Presidente Juan Manuel Santos não evitou o problema, afirmando a necessidade de se repensar a estratégia de combate ao narcotráfico. “Temos autoridade moral para afirmar que, após décadas de luta contra o narcotráfico, o mundo ainda não conseguiu controlar este flagelo que alimenta a violência e a corrupção por toda a nossa comunidade global”, disse. “Não faz sentido prender um camponês que cultiva marijuana quando hoje em dia, por exemplo, o seu cultivo e uso são legais em oito estados norte-americanos. A forma pela qual está a ser travada esta guerra contra as drogas é igual ou talvez até mais danosa do que todas as guerras juntas que o mundo está a travar. É hora de mudar a nossa estratégia.”

Escândalo Body Shop

Uma terceira causa para o problema dos deslocados internos na Colômbia ganhou grande visibilidade internacional em 2009, quando a imprensa britânica expôes a relação comercial entre a conceituada marca de cosméticos Body Shop e a empresa colombiana Daabon, a quem a Body Shop comprava 90% do óleo de palma que usava.

A Daabon estava envolvida no despejo de famílias de camponeses da “Hacienda Las Pavas”, na província de Bolívar (norte), onde instalou uma nova plantação. A Body Shop acabaria por romper o contrato com a Daabon e, dias depois, esta anunciou o fim da produção de óleo de palma em Las Pavas.

“Grandes empresas nacionais e internacionais são responsáveis por deslocamentos internos. Serviram-se do conflito armado em nome de interesses económicos”, refere Louise. A Cementos Argos S.A., que é a maior cimenteira colombiana, comprou terrenos onde foram feitos despejos. Apesar de nunca se ter provado que era culpada por deslocamentos na atualidade, para Louise isso torna a cimenteira “apoiante passiva” do problema.

“Os deslocamentos forçados têm afetado pequenas famílias e comunidades inteiras por todo o país. A maioria das vítimas são indígenas e afro-colombianos e a maior parte dos casos acontece nas regiões ricas em recursos”, diz Louise Hojen. É o caso de La Guajira (norte), onde vários despejos foram forçados por empresas de exploração mineira.

Que respostas?

“O Governo não tem sido muito proativo no que respeita à ajuda aos milhões de deslocados internos por toda a Colômbia”, aponta a investigadora. “Sobretudo antes de Juan Manuel Santos ser eleito Presidente, em 2010, a situação era terrível e as conversações de paz não eram encorajadas.”

A restituição de terras e a recompensa às vítimas constam do pacote negocial entre Bogotá e as FARC. Falta agora concretizar. A tarefa é gigantesca e enfrenta a oposição nomeadamente do ex-Presidente Álvaro Uribe — de quem Juan Manuel Santos foi ministro da Defesa. “Quando Uribe era Presidente, introduziu a Lei da Paz e Justiça, em 2005, para desmobilizar grupos armados e iniciar um processo de compensação às vítimas. Foi francamente aplicada e a maioria das vítimas nunca deu a cara com medo de retaliações por parte dos grupos armados.”

O mesmo aconteceu com a Lei 1448, de 2011, a chamada Lei das Vítimas, que atribui às autoridades municipais a responsabilidade pela assistência às vítimas. A falta de pessoal e de recursos financeiros têm dificultado a aplicação da legislação. “O processo de reparação das vítimas e de restituição das terras é demasiado lento”, conclui Louise Hojen, “tal como a resposta para cidades sobrecarregadas, como Bogotá, para onde fugiram milhões de deslocados”.

(Foto principal: Colômbia em fuga dentro do seu próprio país COLOMBIA INCLUYENTE)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 19 de dezembro de 2016. Pode ser consultado aqui

FARC, 50 anos de vida e de luta

A maior guerrilha colombiana celebra hoje 50 anos. No país, as FARC decretaram um cessar-fogo, enquanto na capital cubana negoceiam a paz com o Governo

Aos 50 anos de vida, a guerrilha mais antiga da América Latina acusa o peso da idade. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) assinalam esta terça-feira meio século de atividade, cumprindo um cessar-fogo unilateral, decretado a 20 de maio para vigorar durante as eleições presidenciais. O escrutínio realizou-se no domingo e o seu resultado é revelador do desgaste do povo colombiano relativamente às ações da guerrilha.

Juan Manuel Santos, o Presidente em funções, que tem promovido “negociações de paz” com as FARC desde finais de 2012, não foi além do segundo lugar com 25,6% dos votos. As eleições foram ganhas pelo candidato conservador do Centro Democrático, Óscar Iván Zuluaga (29,2%), um firme opositor a esse diálogo que ganhou popularidade ao defender uma política de tolerância zero para com as FARC. Zuluaga prometeu mesmo suspender as conversações até que a guerrilha “termine todas as atividades criminosas”.

A segunda volta das presidenciais está marcada para 15 de junho. A trégua das FARC termina amanhã.Não é a primeira vez que os guerrilheiros pousam as armas. Durante as conversações em curso com o Governo já o fizeram por três vezes, mas este cessar-fogo unilateral foi o primeiro decretado conjuntamente com o outro grupo rebelde colombiano, o Exército de Libertação Nacional (ELN).

Cessar-fogo inédito 

Em entrevista à agência Efe, o chefe do gabinete das Nações Unidas na Colômbia, Fabrizio Hochschild, considerou a trégua conjunta “um sinal do fim do conflito armado e uma esperança de futuro”.

Porém, a confiança mútua escasseia entre as partes… Numa mensagem comemorativa do 50º aniversário das FARC, o seu líder, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como “Timochenko”, afirmou: “Sabemos bem que a única coisa que a oligarquia espera de nós é uma entrega humilhante, mas na mesa somos duas partes e as nossas aspirações são totalmente diferentes”.

As conversações entre Governo e guerrilha decorrem na capital cubana. “Não fomos para Havana por nos considerarmos vencidos, nem por temer a extinção com a qual pretendem amedrontar-nos todos os dias. Estamos ali porque entendemos que nada está definido na luta de classes e interesses na nossa pátria”, afirmou o líder das FARC.

O Governo colombiano, por seu lado, anunciou que, apesar da trégua, manterá as operações militares. “Não vamos deixar de persegui-los simplesmente porque fazem o favor de deixar de cometer um dos seus tantos crimes”, afirmou o ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón. “Cada vez que adotamos tréguas bilaterais, isso significa um fortalecimento dos grupos armados. Quando renunciarem às armas, iremos parar de persegui-los, com muito gosto.”

Coca e sequestros são lucro

As FARC nasceram a 27 de maio de 1964 na região de Tolima (região andina da Colômbia) para defender a República de Marquetalia, um pequeno território autónomo, habitado por agricultores comunistas, que o exército pretendia controlar. Entre os que, então, pegaram em armas para defender a comunidade estava Manuel Marulanda, fundador e comandante carismático das FARC. Conhecido como Tirofijo (“tiro certeiro”), dada a precisão dos seus disparos, morreu em 2008. Segundo as FARC, de ataque cardíaco.

Marxistas-leninistas, bolivarianas e anti-imperialistas, as FARC mantêm, 50 anos depois, as reivindicações de sempre: combater a oligarquia burguesa que controla o Estado e liderar uma revolução social no país em defesa dos mais desfavorecidos.

Têm como fontes de financiamento os sequestros, a extração mineira ilegal e a produção e tráfico de drogas. A 17 de maio último, em Havana, a guerrilha comprometeu-se a cooperar com o Governo no sentido de convencer os agricultores a cultivarem colheitas alternativas à coca. Até 2013, a Colômbia liderou a produção mundial de cocaína, hoje é o Peru.

As FARC continuam a controlar grandes áreas rurais do país. Estima-se que o número de combatentes não supere os 20 mil homens e mulheres (há fontes que apontam para menos de metade) e que a guerra civil já tenha morto 200 mil pessoas.

IMAGEM Bandeira das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) WIKIMEDIA COMMONS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de maio de 2014. Pode ser consultado aqui