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COP26, nono dia. Obama fez ‘mea culpa’, um ministro discursou de calções e uma ONG apurou que a maior delegação é a dos lobistas dos fósseis

A quatro dias do fim da COP26, o ex-Presidente norte-americano Barack Obama monopolizou as atenções, com uma intervenção centrada nos dramas que enfrentam os pequenos Estados insulares, vulneráveis à subida dos oceanos. Um deles, o Tuvalu, recorreu à criatividade para mostrar que está em vias… de desaparecer

Simon Kofe, ministro dos Negócios Estrangeiros do Tuvalu, gravou a sua mensagem para a COP26 com os pés dentro da água do Oceano Pacífico REUTERS

A situação tem a sua graça, ao ponto de o próprio protagonista rasgar o sorriso, como está patente na foto que ilustra este texto. Mas o problema é realmente grave e só essa circunstância levou Simon Kofe, ministro dos Negócios Estrangeiros do Tuvalu, a substituir as calças do seu fato formal por uns calções para gravar um discurso com as águas do oceano Pacífico pelos joelhos.

A pose e o cenário criaram ambiente para a transmissão de uma mensagem que acontecerá esta terça-feira na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), em Glasgow: o Tuvalu está na linha da frente dos países mais expostos às alterações climáticas e a sua sobrevivência está ameaçada pela subida dos mares.

“A declaração sobrepõe o cenário da COP26 com situações da vida real que enfrentamos no Tuvalu devido aos impactos das mudanças climáticas e à subida do nível do mar”, disse o ministro, num comentário ao vídeo. “E destaca a ação ousada do Tuvalu para resolver questões muito prementes relativas à mobilidade humana em contexto de alterações climáticas.”

‘Uma montanha’ de cinco metros

A iniciativa do governante do Tuvalu não foi tão extrema quanto um histórico conselho de ministros do Governo das Maldivas que se realizou debaixo de água. Mas o drama do Tuvalu — um Estado insular na região da Polinésia, onde o ponto mais alto não chega aos cinco metros — está à vista de todos.

O país foi, aliás, um dos arquipélagos visitados pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, em junho de 2019, num périplo que levou o português à capa da revista “Time”, com uma expressão grave e preocupada junto ao título “O nosso planeta está a afundar-se”.

Em Glasgow, esta segunda-feira — dia dedicado ao tema “Adaptação, perdas e danos” —, coube a Barack Obama sair em defesa dos pequenos Estados insulares. O ex-Presidente dos Estados Unidos recordou as suas origens havaianas e fez um mea culpa em nome do mundo desenvolvido: “Como era verdade há cinco anos, não fizemos o suficiente e as nossas ilhas estão mais ameaçadas do que nunca”, disse.

“Todos nós temos uma parte a desempenhar, todos temos trabalho a fazer, todos nós temos sacrifícios a fazer. Aqueles de nós que vivem em grandes nações ricas têm um fardo adicional a fazer, trabalhando, ajudando e auxiliando aqueles que são menos responsáveis ​​e menos capazes mas mais vulneráveis ​​a esta crise que se aproxima.”

Era Obama quem estava na Casa Branca quando foi assinado o Acordo de Paris (2015), que comprometeu 196 Estados e a União Europeia a manterem o aquecimento global abaixo dos 2°C – e se possível abaixo dos 1,5°C.

Na sequência do Acordo, os países desenvolvidos foram instados a aumentar o seu envolvimento no combate climático, nomeadamente ajudando a mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano (86 mil milhões de euros) para serem gastos nos países em desenvolvimento em ações conducentes à redução de emissões de gases com efeito de estufa e em projetos de adaptação às mudanças climáticas.

Esse objetivo continua por cumprir, ouviu-se em Glasgow. “Entre outros, os EUA estão lamentavelmente longe de pagar a sua parte justa do financiamento climático”, acusou o primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama, que discursou a seguir a Obama. “Agora nós, os mais vulneráveis, somos instruídos a engolir e esperar.”

O governante recordou que, desde o Acordo de Paris, as Fiji já foram atingidas por 13 ciclones e acrescentou: “As nações desenvolvidas estão a falhar-nos”.

“É como se eu atirasse lixo para o seu quintal e dissesse para você pagar para limpá-lo, mesmo que isso signifique que você não pode pagar a hipoteca, nem comprar comida. Você não pode fazer nada porque tem de gastar todo o seu dinheiro com o lixo que eu atirei para o seu quintal”

Mia Mottley
 primeira-ministra de Barbados, país afetado pelas alterações climáticas, discursando na COP26

Segundo o diário britânico “The Guardian”, as nações africanas estão particularmente impacientes e pressionam no sentido de, ainda esta semana, se iniciarem as discussões relativas a um megapacote anual de 700 mil milhões de dólares (605 mil milhões de euros) a partir de 2025 para ajudar as nações em desenvolvimento a adaptarem-se à crise climática, designadamente na ajuda à necessária rápida descarbonização para manter o aquecimento global em 1,5°C.

“Este trabalho precisa de começar agora”, apelou Tanguy Gahouma-Bekale, o presidente do Grupo Africano de Negociadores sobre Mudanças Climáticas. “As conversações sobre finanças demoram tempo, por isso precisamos de ter um roteiro agora com etapas claras sobre como atingir as metas após 2025 que garanta o fluxo de dinheiro todos os anos.”

Lixo na rua. Um mau prenúncio?

Com a cidade escocesa tomada pela cimeira, um assunto em particular parece ter transbordado as mesas dos debates e contaminou as ruas de Glasgow — o problema do lixo. Aproveitando a importância da cimeira e todo o mediatismo que gerou, os trabalhadores da limpeza da autarquia de Glasgow iniciaram uma greve por melhores condições.

Esta segunda-feira, contabilizando já oito dias de luta, os grevistas receberam a visita, e a solidariedade, do antigo líder do Partido Trabalhista do Reino Unido Jeremy Corbyn.

Segundo a publicação “The Glasgow Times”, os trabalhadores estão a analisar uma nova proposta do município, na sequência de “conversações construtivas” no final da semana passada, que poderá levar ao fim do protesto já esta terça-feira.

A confirmar-se, será a garantia de ruas mais verdes e asseadas na reta final da COP26, que termina na sexta-feira. Já dos corredores da cimeira não há garantias de que saiam compromissos fortes e consensuais a quase 200 países que refreiem a degradação do planeta e mantenham viva a meta máxima de 1,5ºC para o aquecimento da Terra.

Uma análise da Global Witness, tornada pública esta segunda-feira, escancarou as portas de um resultado desapontante. “Se o lóbi dos combustíveis fósseis fosse uma delegação de um país na COP, seria a maior com 503 delegados”, apurou a organização internacional que se dedica a estabelecer vínculos entre a exploração de recursos naturais e conflitos, pobreza, corrupção e abusos de direitos humanos.

“O lóbi dos combustíveis fósseis na COP é maior do que o total combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas alterações climáticas nas últimas duas décadas: Porto Rico, Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão”, detalha a Global Witness. E “27 delegações oficiais de países registaram lobistas de combustíveis fósseis, incluindo Canadá, Rússia e Brasil”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui