Os sul-coreanos escolhem, esta quarta-feira, o seu próximo Parlamento. Nos boletins de voto, haverá candidatos afetos a um novo partido antissistema que tem concentrado a insatisfação dos eleitores desiludidos com os partidos tradicionais. O custo de vida e a elevada inflação dos alimentos tornaram o cebolinho um dos protagonistas destas eleições legislativas
A visita de um chefe de Estado a um mercado, com os órgãos de informação atrás, é um momento que, à partida, não antecipa grande interesse para além do seu lado pitoresco. Mas na Coreia do Sul, a ida do Presidente Yoon Suk-yeol a um supermercado, num bairro de Seul, a 18 de março, originou grande polémica.
Junto à banca do cebolinho, o líder sul-coreano pegou num molho e disse: “Acho que 875 won [0,60€] por cebolinho é um preço razoável”. O comentário desencadeou um coro de críticas e tornou esta planta aromática um tema de campanha das eleições legislativas desta quarta-feira, com os líderes da oposição a usarem o episódio para acusar o Presidente de estar desfasado da realidade quotidiana dos cidadãos.
Rapidamente se apurou que na véspera, naquele mesmo espaço, o preço do cebolinho era de 1000 won (0,70€) e uma semana antes era vendido a 2760 won (1,90€). No próprio dia da visita de Yoon, o preço médio do cebolinho no comércio a retalho era de 3018 won (mais de 2€).
Para expor a discrepância de preços no mercado, políticos afetos à oposição desataram a comprar cebolinho a diferentes preços e a sugerir, com ironia, que o Presidente passasse a visitar os supermercados locais para controlar os preços.
Nas sondagens, o custo de vida e a elevada inflação dos alimentos surgem como grandes preocupações dos eleitores sul-coreanos. Na quarta maior economia asiática, o preço do cebolinho tornou-se assim uma arma de arremesso político.
As eleições desta quarta-feira visam eleger os 300 deputados que vão ter assento na Assembleia Nacional nos próximos quatro anos. A atual maioria parlamentar é afeta ao Partido Democrático (PD, centro-esquerda), que se opõe ao Partido do Poder Popular (PPP, conservador), do Presidente Yoon Suk-yeol.
O Presidente — que detém o poder executivo, já que na Coreia do Sul o sistema é presidencial — vai a caminho de metade do seu mandato, que será único por determinação constitucional. Ganhou as eleições presidenciais por escassos 0,73%, a margem mais magra da história do país, o que ditou um mandato de grande dificuldade. Estas eleições são vistas também como uma espécie de referendo à sua atuação.
“Ao longo dos últimos dois anos, o mandato tem sido marcado por uma forte oposição por parte da maioria simples no Parlamento, marcada por conflitos, obstruções legislativas e dificuldades na aprovação de orçamentos, a que se juntam vários escândalos e até um debate em torno da qualidade da democracia na Coreia do Sul”, diz ao Expresso Rita Durão, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).
“Apesar do Presidente ter certos poderes independentes, reformas estruturais nas áreas da economia, educação, saúde ou do trabalho — que são cada vez mais pedidas pelos sul-coreanos e nomeadamente pelos mais jovens — necessitam de apoio dos dois maiores partidos.”
Outros temas quentes da campanha eleitoral foram a greve prolongada de milhares de médicos, em protesto contra o plano governamental de reforma do sector, a fraca taxa de crescimento demográfico da Coreia do Sul — que tem 52 milhões de habitantes e a taxa de fertilidade mais baixa do mundo — e também a corrupção.
Desde 1987, quando o país ascendeu ao clube das democracias, cinco Presidentes foram detidos, julgados ou condenados a penas de prisão, no âmbito de casos de corrupção.
Um dos casos mais recentes teve no centro a primeira dama. Kim Keon Hee foi filmada secretamente a receber uma mala Christian Dior no valor de 2200 dólares (pouco mais de 2000€). A lei anticorrupção sul-coreana proíbe os cônjuges de funcionários públicos de receberem presentes de valor superior a um milhão de won (680€).
Nas fileiras da oposição também se lida com o problema. Durante a campanha eleitoral, o líder do Partido Democrático, Lee Jae-myung, compareceu três vezes em tribunal para responder em processos por corrupção.
Novos partidos a tempo das eleições
A política sul-coreana tem sido amplamente dominada por dois partidos. Atualmente, o PPP detém a presidência e o PD goza de maioria simples na Assembleia Nacional. Em conjunto, têm quase 250 em 300 deputados. Mas o próximo Parlamento pode ser mais fragmentado.
A pensar nestas eleições, antigos líderes destas duas formações fundaram novos partidos. Em janeiro, foi fundado o Partido Nova Reforma, coliderado por um antigo presidente do PPP, Lee Jun-seok, e por um ex-primeiro-ministro, Lee Nak-yon. No mês seguinte, um grupo dissidente do PD liderado por um antigo primeiro-ministro, Lee Nak-yon, fundou o Partido Novo Futuro.
“Existe muita flexibilidade partidária na política sul-coreana, focada em líderes carismáticos, sem forte lealdade a um partido específico”, explica Rita Durão, doutoranda em Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa. “Há, muitas vezes, partidos novos ou fusão de partidos durante o período de eleições.”
À semelhança de outros países, como Portugal, o descontentamento de muitos sul-coreanos relativamente ao modus operandi dos partidos tradicionais e de sucessivos escândalos que salpicam a classe política levou à emergência de um ‘partido de protesto’ — o Partido da Reconstrução da Coreia.
“Este partido tem vindo a subir nas sondagens devido à insatisfação generalizada com o Governo e a oposição que, muitas vezes, têm membros e líderes envolvidos em escândalos. A postura mais populista, ‘antigoverno’ ou ‘antissistema’ acaba por apelar aos eleitores cansados e desiludidos com o status quo do sistema político atual”, acrescenta a investigadora.
Pedras no sapato
Fundado há pouco mais de um mês, o novo partido é liderado por Cho Kuk, um antigo ministro da Justiça que enfrenta uma pena de dois anos de prisão por fraude. O político foi condenado por usar a sua influência para beneficiar de favores académicos, nomeadamente admissões universitárias para os seus filhos e interferir na investigação de um caso de corrupção.
A 8 de fevereiro, um tribunal de recurso confirmou a sentença aplicada em primeira instância. Segundo o jornal “The Korea Times”, a justiça “não colocou Cho sob detenção imediata, alegando baixo risco de fuga, poucas hipóteses de destruição de provas e a necessidade de garantir o seu direito de defesa”.
A Assembleia Nacional determinará a agenda da política interna para os próximos quatro anos, mas não será relevante ao nível da política externa, área que é da competência do Presidente. Após subir ao poder, Yoon Suk-yeol endureceu a relação com a Coreia do Norte.
“O atual Presidente tem sido fortemente criticado pela sua tendência em alinhar-se com os Estados Unidos (fortalecendo a aliança de segurança) e com o Japão (um caso muito delicado dadas as tensões entre os dois países por razões históricas), alienando e antagonizando a China (a parceira económica mais importante da Coreia do Sul)”, conclui Rita Durão.
“Independentemente do resultado eleitoral, a agenda da política externa de Yoon Suk-yeol vai permanecer inalterada.” Mas uma vitória do seu partido criará condições parlamentares para que governe sem estar refém de uma maioria adversa e possa deixar marca no país.
(FOTO Apoiantes do Partido Democrático, de oposição ao Presidente sul-coreano, numa ação de campanha, em Seul ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGES)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui





