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Santo Sepulcro: o local mais sagrado para os cristãos abriga seis igrejas e é guardado por muçulmanos

O templo construído sobre os lugares que simbolizam a crucificação, o túmulo e a ressurreição de Jesus é um dos locais mais sensíveis à face da Terra. Dentro do Santo Sepulcro, vivem em permanência monges de diferentes ritos cristãos. A sã convivência entre todos depende do cumprimento de um conjunto de regras estabelecidas no século XIX e ao zelo de duas famílias muçulmanas

Na época da Páscoa, a cidade de Jerusalém recua mais de 2000 anos no tempo. No Domingo de Ramos, uma procissão no Monte das Oliveiras recria a entrada triunfal de Cristo na cidade, com os fiéis a empunharem folhas de palmeira.

Na Sexta-Feira Santa, o cortejo da Via Sacra, que reconstitui o trajeto de Cristo a carregar a cruz até ao Calvário, percorre as ruas estreitas da Via Dolorosa, através dos bairros muçulmano e cristão da Cidade Velha. No domingo de Páscoa, o Santo Sepulcro — construído no século IV no local onde se crê que Jesus foi crucificado, sepultado e depois ressuscitou — torna-se o centro da cristandade.

Ano após ano, as cerimónias realizam-se com a devoção de sempre, mas nesta Páscoa, em particular, os peregrinos estão ausentes. “Não há turistas em Jerusalém, por causa da guerra. À última hora, muitas viagens começaram a ser canceladas. Só me lembro da cidade assim vazia no tempo da pandemia”, diz ao Expresso Adeeb Jawad Joudeh Alhusseini, um palestiniano muçulmano que tem um cargo único no Santo Sepulcro.

Adeeb ostenta o título de “Depositário das Chaves do Santo Sepulcro e Titular do Selo do Túmulo Sagrado”. É ele que tem a responsabilidade de guardar a chave que abre a porta do templo que abriga o túmulo de Jesus. Fá-lo no cumprimento de uma tradição — e obrigação — familiar que dura há mais de oito séculos. “Este é um trabalho honorário. Não recebemos dinheiro por fazê-lo. É um trabalho que estimamos e do qual nos orgulhamos como família”, diz.

Adeeb Joudeh Alhusseini segura a chave do Santo Sepulcro enquanto dá explicações a William, durante a visita do príncipe britânico, em 2018 GALI TIBBON / AFP / GETTY IMAGES

Os Joudeh AlHusseini são uma das famílias mais antigas de Jerusalém. Receberam a chave do Santo Sepulcro em 1187 após Saladino ter reconquistado aos cruzados aquela que é uma cidade santa para judeus, cristãos e muçulmanos.

Este líder muçulmano garantiu que o Santo Sepulcro mantivesse o seu caráter cristão, recusou transformá-lo numa mesquita e facilitou o acesso de peregrinos. Mas temendo que, entre os fiéis que rumassem à Terra Santa, pudessem estar soldados infiltrados com a intenção de tomar a igreja, ele ordenou que a chave do Santo Sepulcro fosse dada a uma família nobre muçulmana.

“Se eu tivesse rezado na igreja, ela estaria perdida para vocês, uma fez que os crentes [muçulmanos] ter-se-iam apropriado dela dizendo: ‘Omar rezou aqui’.”

Califa Omar para Modesto, patriarca de Jerusalém, na década de 630, após se ter recusado entrar no Santo Sepulcro

A honraria atribuída aos Joudeh AlHusseini consta de firmões (decretos) emitidos por sucessivos sultões que governaram Jerusalém, atualmente guardados nos arquivos otomanos, na Turquia, e que atestam a história desta família.

Hoje com 59 anos, Adeeb tinha oito quando o pai lhe confiou as chaves do Santo Sepulcro pela primeira vez. Jawad, o seu filho mais velho, atualmente com 26 anos, será o seu sucessor nesta missão famíliar. A segurança da chave não lhe causa particular ansiedade: “Tenho um cofre em casa”, revela.

O momento de abertura da porta do Santo Sepulcro atrai muitas atenções HAZEM BADER / AFP / GETTY IMAGES

Com algumas exceções, a alta e pesada porta do Santo Sepulcro abre, diariamente, às 4h. Esse momento obedece a um ritual coreográfico que atrai muitos curiosos. Em representação dos Joudeh AlHusseini, Adeeb traz a chave e entrega-a a um membro de outra família muçulmana — os Nusseibeh —, que são basicamente os porteiros do Santo Sepulcro.

Wajeh Nusseibeh bate na aldraba, sinalizando para dentro do Santo Sepulcro que é hora de abrir a porta. Do interior, alguém faz passar uma escada para o exterior, através de uma pequena janela rasgada na porta. Nusseibeh sobe a escada até à altura da fechadura e destranca-a. Depois desce a escada, destrava a fechadura inferior e devolve a chave a Adeeb AlHusseini que a guarda até ao dia seguinte.

Às 21h, quando o Santo Sepulcro encerra, só o porteiro intervém já que a chave não é necessária. Todo o cerimonial de abertura pode ser visto no vídeo abaixo.

Quando o templo está fechado, há vida no interior. “Dentro do espaço de Santo Sepulcro, há três comunidades que vivem lá, fazem a sua vivência religiosa, as suas expressões cultuais”, explica ao Expresso João Lourenço, Professor catedrático emérito da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.

As igrejas que têm monges em permanência dentro do Santo Sepulcro são os ortodoxos gregos, os católicos latinos (franciscanos) e os ortodoxos arménios.

“Procuram conviver dentro daquilo que significa expressões culturais convergentes e, ao mesmo tempo, matrizes de expressão diferentes que resultam muito do acumular de questões históricas e locais da proveniência dos próprios crentes desses ritos”, acrescenta este padre franciscano.

“Cada comunidade religiosa pode receber visitantes”, explica Adeeb AlHusseini. “Os monges e seus convidados fazem orações noturnas até de madrugada. Eu chego às 4h, abro a porta e as orações continuam até as 8h.”

O Santo Sepulcro é visitado por fiéis de vários ritos cristãos LATIFEH ABDELLATIF / AFP / GETTY IMAGES

Além das igrejas que vivem dentro do Santo Sepulcro, outras três confissões cristãs estão presentes no complexo desta igreja: os coptas egípcios, os ortodoxos etíopes e os ortodoxos siríacos. Vivem nas redondezas da basílica e têm direitos limitados no acesso a determinadas zonas do mausoléu.

“Tudo isto é um acumular de tradições, de vivências, de expressões culturais de séculos”, acrescenta João Lourenço. “E é um pouco na diferença entre o objetivo comum que todos têm e as tradições que todos e cada um acumulam que se encontra o sentido para a existência de um decreto que tenta regulamentar as convivências” — o Status Quo, firmado em 1852.

Este decreto estabelece orientações que levem a um equilíbrio, a uma situação de justiça e a uma convivência sã e ordenada entre as diferentes confissões cristãs na Terra Santa. E reflete-se na vida dentro de lugares religiosos de significado histórico como o Santo Sepulcro, em Jerusalém, ou a Igreja da Natividade, em Belém.

O Status Quo detalha a divisão do espaço físico (capelas, túneis, grutas), coordena os serviços litúrgicos, os horários das orações, os direitos de circulação através das várias secções, as áreas partilhadas e as que são de uso exclusivo.

Contribui, em teoria, para criar harmonia e reduzir o potencial de conflito entre as várias igrejas. Nenhuma pode fazer alterações dentro do Santo Sepulcro — fazer obras ou mudar o horário de uma procissão, por exemplo — sem a concordância das outras.

Em 1852, quando este decreto foi firmado, o mundo estava tomado pela tensão entre o Império Russo e o Império Otomano que levaria à Guerra da Crimeia (1853-1856).

“Nessa guerra, as confissões cristãs orientais tomaram partido. A Rússia protegia muito os ortodoxos russos na Terra Santa, o que nem sempre ia ao sabor dos ortodoxos gregos”, explica João Lourenço, doutorado pela Pontifícia Universidade Antonianum, de Jerusalém, onde estudou no início da década de 1980. “Perante esse acentuar das tensões, o Império Turco procurou regulamentar essa vivência interna para que não houvesse conflitos latentes.”

A “escada imóvel” é o que melhor simboliza o Status Quo. Está colocada na fachada do edifício desde a primeira metade do século XVIII. Não se sabe quem a pôs ali e ninguém lhe toca para não criar fricções ALBERTO PIZZOLI / AFP / GETTY IMAGES

Na prática, a convivência nem sempre é tão clara como no papel. A 9 de novembro de 2009, a polícia israelita teve de entrar no Santo Sepulcro para sanar confrontos físicos entre ortodoxos gregos e arménios, durante uma procissão dos últimos junto a Edícula (túmulo de Jesus). Os gregos exigiam a presença de um dos seus monges temendo que os arménios usassem a procissão para subverter os termos acordados de acesso ao local.

Na atualidade, há uma disputa declarada em torno de uma pequena igreja localizada no telhado do Santo Sepulcro — Deir al-Sultan —, reclamada pelos ortodoxos etíopes e pelos coptas egípcios. No verão de 2002, num dia particularmente quente, um religioso egípcio (copta) moveu a cadeira colocada junto à entrada do telhado uns centímetros para fugir do sol, o que foi interpretado como um ato hostil e uma violação dos limites acordado. Sete monges etíopes e quatro egípcios foram hospitalizados na sequência de confrontos.

O Expresso pergunta a Adeeb se já testemunhou conflitos entre as diferentes igrejas. “Essa é uma pergunta embaraçosa para mim, que não gosto de interferir na privacidade dos outros. Perdoe-me, as comunidades estão autorizadas a responder, mas estou fora desse assunto”, respondeu, assumindo uma posição neutral entre as várias denominações cristãs.

A pluralidade religiosa na Terra Santa e, em particular, a complexidade cristã “é fruto de muita história acumulada”, conclui o padre João Lourenço. O modelo de coexistência praticado numa região tão vulnerável a tensões e disputas tem evitado males maiores.

(FOTO Procissão de Domingo de Ramos, junto à Edícula, que abriga o túmulo de Jesus, no interior da Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém MOSTAFA ALKHAROUF / ANADOLU / GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de março de 2024. Pode ser consultado aqui e aqui e aqui

Noite infeliz em Belém

As festividades foram canceladas na cidade onde Jesus nasceu. “Não podemos celebrar quando o nosso povo está a ser morto”

O presépio da Igreja Evangélica Luterana da Natividade de Belém lembra as crianças mortas em Gaza MAJA HITI / GETTY IMAGES

O little town of Bethlehem
How still we see thee lie
Above thy deep and dreamless sleep
The silent stars go by

Ó pequena cidade de Belém
Tão quieta te encontramos
Sobre o teu sono profundo e sem sonho
Passam as estrelas silenciosas

Este clássico das canções de Natal, que anima a época há mais de 100 anos, descreve uma localidade idílica que em tudo contrasta com a realidade presente da cidade onde, segundo a tradição cristã, Jesus Cristo nasceu. Belém fica no território palestiniano da Cisjordânia, ocupado por Israel há mais de 50 anos. Devido à guerra na Faixa de Gaza, as festividades foram canceladas. “Não foi difícil tomarmos a decisão”, diz ao Expresso o presidente da Câmara de Belém, Hanna Hanania. “Não podemos celebrar o Natal enquanto o nosso povo está a ser morto. E também a Cisjordânia está sob bloqueio militar.”

Não é a primeira vez que a conflitualidade afeta as celebrações natalícias em Belém, “mas não desta maneira”, diz o autarca. “Esta é a situação mais difícil por que o povo palestiniano já passou. Durante a pandemia, ainda tivemos algumas festividades virtuais e acendemos a árvore de Natal [na Praça da Manjedoura, contígua à Igreja da Natividade], numa cerimónia para um número limitado de pessoas. Desta vez, cancelámos tudo. Nunca enfrentámos uma guerra destas, testemunhamos crimes de guerra todos os dias, a maioria dos mortos são crianças. Como podemos festejar?”

Em Belém, apenas se mantêm as cerimónias religiosas dos vários ritos cristãos — a 25 de dezembro (para os católicos), 7 de janeiro (ortodoxos) e 19 do mesmo mês (arménios). Na Igreja Evangélica Luterana da Natividade de Belém, o presépio é um amontoado de pedras sobre o qual está deitado um menino Jesus envolto num keffiyeh, o tradicional lenço palestiniano. A instalação recorda as crianças de Gaza que ficaram sem teto ou pereceram sob escombros.

“O Natal é, por excelência, uma história palestiniana, muito ligada ao que se passa hoje em Gaza”, diz ao Expresso o reverendo evangélico luterano Mitri Raheb, a partir de Belém. “Essa história fala da sagrada família, que tem de deixar Nazaré, no norte da Palestina, por decreto imperial, para ir para Belém, no sul — como aconteceu com o nosso povo em Gaza. Fala de Herodes, um ocupante sanguinário que tentou matar todas as crianças de Belém — em Gaza já foram mortas mais de 8000 crianças. Jesus nasce numa manjedoura porque não tem outro lugar — é o que está a acontecer a 50 mil mulheres grávidas em Gaza, que têm os seus filhos em tendas. E fala sobre o anjo que canta ‘glória a Deus nas alturas’, que significa glória ao Todo-Poderoso — e não aos poderosos. Hoje, Jesus é, na verdade, uma das pessoas em Gaza. Se alguém quiser vê-lo, é lá que ele está.”

Belém é visita indispensável para qualquer cristão que rume à Terra Santa no encalço dos passos de Jesus. É ali que se localiza a Igreja da Natividade, construída no século IV sobre a gruta onde os cristãos acreditam que José e Maria descansaram e Jesus nasceu. Outros destinos obrigatórios são Nazaré (no norte de Israel) e Jerusalém, que palestinianos e israelitas querem para capital dos seus Estados.

Ao longo do ano, Belém recebe entre milhão e meio e dois milhões de visitantes. “No Natal, o turismo internacional cai, porque as pessoas celebram com as suas famílias. Já o turismo local aumenta”, explica o autarca. “Na Páscoa, a maioria dos turistas é do mundo árabe, desde logo do Egito”, onde há dez milhões de cristãos (coptas).

“O Natal é, por excelência, uma história palestiniana, ligada ao que se passa em Gaza”, diz o reverendo evangélico luterano Mitri Raheb

Por estes dias, “não há um turista na cidade, estamos encerrados”, diz ao Expresso Joey Canavati, diretor do Alexander Hotel, a 800 metros da Igreja da Natividade. “Não podemos reabrir enquanto durar a guerra. As fronteiras e os checkpoints estão encerrados. Todos os 78 hotéis da cidade estão de portas fechadas.”

Um dos mais famosos é o provocador Walled Off Hotel, do misterioso artista britânico Banksy, com vistas sobre o muro de betão que separa Israel da Cisjordânia. “Devido aos grandes desenvolvimentos na região, optámos, com pesar, por encerrar o hotel, por enquanto”, lê-se num aviso publicado no seu site, a 12 de outubro, cinco dias após o ataque do Hamas a Israel, que espoletou bombardeamentos e uma invasão terrestre a Gaza.

Cristãos já não são a maioria

“A economia de Belém depende do sector do turismo”, diz o autarca. “Mal começou a agressão israelita, o motor económico parou.” Hanania estima que a população da cidade ronde as 33 mil pessoas. Apesar da centralidade de Belém no cristianismo, os cristãos não vão além de 20 a 25% da população. “O número de cristãos está a diminuir”, diz Mitri Raheb. “A cada dois, três anos, há uma guerra. As pessoas querem ter vida decente e em liberdade. Muitas emigram.”

Por decreto do líder histórico dos palestinianos, Yasser Arafat — a que o atual Presidente, Mahmud Abbas, deu continuidade —, o autarca de Belém é sempre cristão. No cargo desde abril de 2022, Hanania, cristão ortodoxo grego de 44 anos, explica o processo. Eleito por voto popular, “o Conselho Municipal tem 15 membros, que incluem presidente e vice-presidente. Oito devem ser cristãos e sete muçulmanos, e deve haver três mulheres. Se o presidente é ortodoxo grego, o vice é católico, e vice-versa. Este decreto surgiu para preservar o caráter da cidade. Além de Belém, isto acontece em mais nove cidades da Cisjordânia.” Uma delas é Ramallah, o centro administrativo.

Jerusalém à distância

Como qualquer outro palestiniano da Cisjordânia ou da Faixa de Gaza, o presidente da Câmara de Belém precisa de autorização das autoridades israelitas para ir a Jerusalém, por exemplo. Essa burocracia vale também para o reverendo Raheb, destacado teólogo de 61 anos, fundador e presidente da Universidade Dar al-Kalima (Belém) e vencedor do Prémio Olof Palme em 2015. “Desde 2000, não estou autorizado a ir a Jerusalém no meu carro, só posso ir de transportes públicos.” Todas as autorizações estão agora canceladas.

Quer o autarca quer o pastor testemunham uma boa relação, em Belém, entre a minoria cristã e a maioria muçulmana. “Somos o mesmo povo. Estamos unidos e lutamos contra a ocupação israelita”, diz Hanania. “Na nossa universidade, três quartos dos estudantes são muçulmanos”, destaca Raheb. Já a relação com os judeus é inexistente. “Temos o muro e não podemos entrar em Israel sem autorização”, continua o reverendo. E “há 22 colonatos judeus em redor de Belém que ocupam 86% das nossas terras”. No de Gilo vivem 40 mil pessoas.

Os entraves à circulação e a expansão dos colonatos inviabilizam, cada vez mais, a contiguidade entre Belém e Jerusalém, que distam menos de 10 quilómetros. A dificuldade de acederem à cidade onde fica o Santo Sepulcro priva os cristãos de viverem na plenitude os principais pilares da sua fé: o nascimento e a ressurreição de Cristo.

Nascido em Belém, de onde só saiu para estudar na Alemanha, o pastor Raheb qualifica assim a tragédia de Gaza: “é o pior momento da nossa história e da minha vida. Vivemos um genocídio, a comunidade internacional apoia e muitas igrejas estão em silêncio”. “Alguns cristãos sionistas apoiam Israel porque querem ver chegar o fim dos tempos. Acham que antes de Jesus voltar, haverá uma grande guerra e querem apressar essa segunda vinda. As igrejas alemãs ficam caladas devido ao Holocausto.”

Informação deste texto foi incluída no artigo “De Gaza à Ucrânia, passando por Itália: presépios de todo o mundo desunidos em tempos de guerra”, de Tiago Soares, publicado no “Expresso Online”, a 24 de dezembro de 2023. Pode ser lido aqui

Artigo publicado no “Expresso”, a 22 de dezembro de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

“Reconciliação” e “periferia”: o que as 41 viagens do Papa Francisco nos dizem sobre o seu pensamento político

Muito do pensamento político do Papa revela-se durante as suas deslocações ao estrangeiro. Desde a primeira, ao Brasil, até à última, à Hungria, o jesuíta nascido num bairro pobre de Buenos Aires tem privilegiado o contacto com os mais pobres e marginalizados, o diálogo entre religiões e jornadas ecuménicas com os “irmãos” cristãos. Apologista da “cultura do encontro”, a realidade obrigou-o a teorizar a “cultura do descarte”. Uma viagem pelas 41 deslocações de Francisco ao estrangeiro

A deslocação do Papa Francisco a Portugal será a sua 42.ª viagem apostólica ALBERTO PIZZOLI / AFP / GETTY IMAGES

Jorge Mario Bergoglio foi o primeiro jesuíta a sentar-se na cadeira de São Pedro. Na hora de escolher um nome que cunhasse o seu magistério, entendeu homenagear São Francisco de Assis e a sua dedicação aos pobres. Afinal, também ele, nascido e criado no Bairro de Flores, hoje um dos mais violentos da capital da Argentina, conviveu desde tenra idade — e posteriormente enquanto arcebispo de Buenos Aires — com a dura realidade dos mais desfavorecidos.

Esta forma de estar franciscana tem-se refletido nos destinos que o Papa escolhe visitar, nos alertas que faz e nas mensagens que vai deixando por onde passa.

“Ele sempre deixou claro que as periferias são a sua prioridade, lugares pobres ou marginalizados, ou onde os cristãos estão em minoria. Mesmo quando visitou países maiores, tentou prestar atenção às periferias tanto quanto às principais cidades”, diz ao Expresso Austen Ivereigh, autor do livro “Francisco, o Grande Reformador — Os Caminhos de um Papa Radical”.

“Ele está convencido, a partir do Evangelho e do exemplo de Jesus, de que novas possibilidades surgem com a abertura do centro às margens, que clamam por serem reconhecidas e integradas. Ao visitá-las, ajuda a revelar ao mundo lugares de pobreza e sofrimento. Isto vai contra a lógica do mundo, segundo a qual se provocam mudanças indo até aos que têm influência e poder. Francisco acredita que o oposto também é verdadeiro.”

VIAGENS APOSTÓLICAS DO PAPA FRANCISCO

Ao longo das 41 viagens apostólicas que Francisco já fez pelo mundo desde o início do seu pontificado, a 13 de março de 2013, o Papa tem dado passos que o caracterizam enquanto pastor, mas também enquanto político e diplomata.

Enfrentar a vergonha

Quatro meses após assumir a liderança da Igreja de Roma, Francisco realizou a sua primeira deslocação ao estrangeiro, ao BRASIL, a pretexto da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no Rio de Janeiro. Apesar da euforia em torno da visita, o país católico mais populoso do mundo testemunhava uma debandada de fiéis para igrejas evangélicas, denominações protestantes ou simplesmente para o secularismo.

Se, nos anos 80, quando João Paulo II percorreu a América Latina, o Vaticano se debatia com o desafio colocado pela Teologia da Libertação — temendo que os marxistas instrumentalizassem a preferência destes clérigos pelos pobres e os Evangelhos fossem usados como apelos à luta armada —, Francisco desenvolveu grande proximidade aos movimentos sociais da América Latina. Com isso, ganhou epítetos de “socialista” ou “esquerdista”.

Hidratar com a ajuda de uma cabaça usada para beber chá-mate, muito apreciado na América do Sul
Hidratar com a ajuda de uma cabaça usada para beber chá-mate, muito apreciado na América do SulMassimo Valicchia / Getty Images

Essa postura criou empatia mesmo entre os não-crentes, mas não o imunizou da turbulência provocada por um grande escândalo de abusos sexuais no seio da Igreja Católica, que o perseguiu, em especial, nas viagens pelo seu continente nativo. A deslocação ao CHILE (2018) foi, a esse nível, marcante.

À partida, a visita estava sinalizada como difícil. Três igrejas tinham sido incendiadas e, numa delas, a Igreja de Santa Isabel de Hungria, em Santiago do Chile, tinham sido deixados folhetos, ao estilo de manifesto, exigindo, entre outras coisas, “liberdade para todos os presos políticos do mundo, autonomia para a região indígena de Wallmapu”. Havia ainda uma ameaça: “Papa Francisco, as próximas bombas serão na tua batina”.

Reputação ferida

O Chile estava em polvorosa e, no centro da hostilidade ao Papa, estava um caso particular: a confiança cega que depositava no bispo de Osorno, Juan Barros, acusado de dar cobertura a um padre pedófilo, e que acompanhou o Papa em todos os eventos públicos. Quando questionado por jornalistas sobre essa circunstância, Francisco respondeu: “Quando me trouxerem uma prova contra o bispo Barros, eu falo. Não vi um único pedaço de prova contra ele. Tudo isso é uma calúnia. Está claro?”

Ainda que no seu primeiro discurso em terras chilenas o Papa tenha dito sentir “dor e vergonha” e pedido perdão às vítimas de abusos sexuais às mãos de padres, a perceção de que Francisco não fez uma avaliação justa no caso do bispo de Osorno feriu-lhe a reputação.

O vento na batina, numa cerimónia em Knock, um sinal da turbulência por que passava a católica Irlanda
O vento na batina, numa cerimónia em Knock, um sinal da turbulência por que passava a católica IrlandaCharles McQuillan / Getty Images

Nesse annus horribilis de 2018, o Papa levou outro banho de realidade na cada vez menos católica IRLANDA, traumatizada por revelações de padres pedófilos, abusos sexuais em orfanatos geridos por católicos e exploração e maus tratos em instituições religiosas para mães solteiras.

“Pedimos perdão pelos casos de abuso na Irlanda, abuso de poder, abuso de consciência e abuso sexual por parte de representantes da Igreja”, disse Francisco, num “ato penitencial” durante a missa realizada em Phoenix Park, Dublin. “Pedimos perdão por alguns membros da hierarquia que não se responsabilizaram por essas situações dolorosas e ficaram em silêncio.”

Na Irlanda, como noutros países, as palavras do Sumo Pontífice não comoveram as vítimas, que exigiam justiça efetiva, como o afastamento de bispos, e não apenas um mea culpa, ainda que sentido.

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milhões de pessoas assistiram à missa presidida pelo Papa Francisco, no Parque Rizal, em Manila, a 18 de janeiro de 2015. Está registado como o maior evento papal da história.

Acertar contas com a História

Nas deslocações ao continente americano, além do problema dos abusos sexuais, o Papa teve outros fantasmas a ensombrar as jornadas apostólicas. Durante a “Peregrinação da Penitência”, como designou a viagem ao CANADÁ (2022), deslocou-se à localidade remota de Iqaluit, junto ao Ártico, para pedir desculpa pelo “mal” que membros da Igreja ali causaram.

Entre 1883 e 1997, mais de 150 mil crianças foram colocadas em escolas residenciais para povos nativos, financiadas pelo Governo e geridas pela Igreja Católica, onde foram sujeitas a medidas de aculturação. “Não usei a palavra genocídio porque não me ocorreu, mas descrevi [uma situação de] genocídio”, disse Francisco, a bordo do avião que o levou de volta a Roma.

Um presente dos líderes indígenas da comunidade de Maskwacis, no estado canadiano de Alberta
Um presente dos líderes indígenas da comunidade de Maskwacis, no estado canadiano de AlbertaCole Burston / Getty Images

As pesadas heranças da história acompanharam-no também na BOLÍVIA (2015), numa das suas primeiras viagens. Em Santa Cruz, no âmbito do Encontro Mundial de Movimentos Populares, o Papa lamentou a cumplicidade da Igreja Católica com o colonialismo espanhol na América Latina. Fez a ponte para os tempos modernos e criticou um “novo colonialismo” global, enraizado no materialismo, na “exclusão e desigualdade” e na mentalidade do “lucro a qualquer preço”.

Em paralelo, Francisco teve gestos públicos que caíram bem junto de quem o acolhia. Sabendo que a folha de coca, por ser a matéria-prima da cocaína, era substância declarada ilegal pelas Nações Unidas em 1961 (e apenas descriminalizada em 2013 por forte pressão precisamente da Bolívia), o Papa mostrou-se em El Alto com a tradicional chuspas ao pescoço.

Este pequeno saco de lã de uso quotidiano é usado para guardar folha de coca, que qualquer boliviano masca como estimulante, para iludir a fome, o cansaço ou os efeitos da altura. Mais de 3600 metros acima do nível do mar, La Paz, a capital boliviana, é a mais alta do mundo. Além dos fins terapêuticos, a folha de coca tem caráter sagrado na região dos Andes, onde é consumida e utilizada em rituais há milhares de anos.

Com a ‘chuspas’ ao pescoço, como um normal boliviano, em El Paso, a 4000 metros de altitude
Com a ‘chuspas’ ao pescoço, como um normal boliviano, em El Paso, a 4000 metros de altitudeVINCENZO PINTO / AFP / GETTY IMAGES

Outra visita aproveitada por Francisco para homenagear a identidade indígena foi ao MÉXICO (2016). Ao quarto dia de programa, visitou a campa de Samuel Ruiz, conhecido como “o bispo dos pobres”, na catedral de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas. Pioneiro da Teologia da Libertação, com obra missionária desenvolvida junto dos índios daquele que é o estado mais pobre do México, Ruiz fez jus ao lema de Francisco de “uma Igreja pobre para os pobres”.

Persona non grata junto das autoridades mexicanas e, a espaços, do próprio Vaticano, Ruiz defendeu os direitos dos índios, adotou costumes pré-hispânicos maias nas liturgias e ordenou diáconos casados para celebrar junto dos índios, que tinham mais estima por leigos casados do que pelos padres celibatários. O Vaticano chegou a proibir as ordenações, mas em 2014 Francisco reverteu a decisão.

Dialogar com outros cristãos

Francisco aproveitou pretextos oferecidos pelo calendário para estender o ramo de oliveira a igrejas cristãs que, venerando o mesmo profeta, seguiram por outros caminhos teológicos. Por ocasião do 500.º aniversário da Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero em 1517, com a publicação de 95 teses com que este professor alemão de Teologia queria debater o valor das indulgências, Francisco deslocou-se à SUÉCIA (2016), onde a maioria da população se identifica com o luteranismo.

À luz da Igreja, Lutero nasceu católico e morreu herege, mas Francisco levou a terras suecas uma mensagem de agradecimento. “Com gratidão, reconhecemos que a Reforma ajudou a dar maior centralidade à sagrada escritura na vida da Igreja”, disse, durante uma oração ecuménica em Lund, onde foi fundada a Federação Luterana Mundial.

Num encontro com comunidades indígenas da bacia do Amazonas, na cidade peruana de Puerto Maldonado
Num encontro com comunidades indígenas da bacia do Amazonas, na cidade peruana de Puerto MaldonadoVINCENZO PINTO / AFP / GETTY IMAGES

Indiferente ao incómodo que as suas iniciativas ecuménicas possam gerar nos católicos mais conservadores, o Papa tem sido um entusiasta da aproximação às Igrejas cristãs orientais. A 12 de fevereiro de 2016, a caminho do México, fez escala na ilha de Cuba, para um encontro inédito e, por isso, histórico. No aeroporto José Martí, em Havana, reuniu-se com Cirilo I, líder do Patriarcado de Moscovo, a mais influente das igrejas ortodoxas cristãs, que estava de visita a Cuba.

Conversaram durante duas horas e assinaram uma declaração de 30 pontos. Num deles, apelaram ao fim da perseguição às minorias cristãs do Médio Oriente, ameaçadas pelos terroristas do “Estado Islâmico”, sobretudo na Síria e no Iraque. Noutro, exaltaram o restabelecimento da unidade cristã. Com este encontro, Francisco e Cirilo começaram a sarar uma ferida aberta há quase 1000 anos.

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Neste ano, Leão IX (Papa de Roma) e Miguel I (Patriarca de Constantinopla) excomungaram-se mutuamente e protagonizaram o Grande Cisma, com base em diferenças de ordem teológica e ao nível da autoridade papal. A cristandade dividiu-se entre a Igreja Católica Romana e a Ortodoxia Oriental.

Recentemente, o Papa propôs a repetição da fórmula para desbravar o caminho da paz na Ucrânia. Pensando na viagem que fará a 31 de agosto próximo até à Mongólia, desafiou Cirilo I para um encontro a dois no aeroporto da capital russa. O patriarca de Moscovo mantém relação próxima com Vladimir Putin e, em sermões, tem exortado os russos a voluntariarem-se para combater.

Encontro ecuménico entre o Papa Francisco e Cirilo I, Patriarca de Moscovo, em Havana
Encontro ecuménico entre o Papa Francisco e Cirilo I, Patriarca de Moscovo, em HavanaGREGORIO BORGIA / AFP / Getty Images

Abraçar irmãos de outros credos

O compromisso de Francisco com o diálogo inter-religioso bafejou também o Islão, a religião que mais cresce em todo o mundo. Em 2017, aterrou no EGITO em contexto de estado de emergência no país e segurança reforçada nas igrejas cristãs, depois de dois ataques à bomba terem visado templos coptas (cristãos), matando 45 pessoas.

No Cairo, Francisco reuniu-se com Teodoro II, Papa da Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria e líder de uma minoria religiosa de 10 milhões de pessoas, e discursou na Universidade de Al-Azhar, uma das instituições mais prestigiadas no mundo islâmico e um dos grandes centros do pensamento sunita.

“Somente a paz […] é sagrada e nenhum ato de violência pode ser cometido em nome de Deus, pois isso profanaria o seu nome”, disse o Papa, numa conferência que iniciou com a tradicional saudação usada pelos muçulmanos As-salamu alaykum (A paz convosco, em árabe).

Herança de Bento XVI

A relação entre o Vaticano e o mundo muçulmano sofrera um abalo em 2006 quando o Bento XVI, num discurso na Universidade de Ratisbona, na Alemanha, citou um diálogo do século XIV entre o imperador bizantino Manuel II Paleólogo e um interlocutor muçulmano: “Mostra-me também o que trouxe de novo Maomé, e encontrarás apenas coisas más e desumanas, tais como a sua norma de propagar, através da espada, a fé que pregava”.

A visita de Francisco à TURQUIA (2014), gigante sunita onde os cristãos não chegam a 1% da população de 75 milhões, teve também a intenção de reaproximação entre as suas religiões, naquele país que faz a ponte entre ocidente e oriente.

Visita à Mesquita Azul, em Istambul, ao som de versículos do Alcorão
Visita à Mesquita Azul, em Istambul, ao som de versículos do AlcorãoMetin Pala / Anadolu Agency / Getty Images

Os esforços ecuménicos de Francisco foram centrais na sua viagem à TERRA SANTA, na agitada região do Médio Oriente, berço das três religiões monoteístas e hoje fértil em divisões políticas e confessionais. Na comitiva, o Papa levou consigo o imã Omar Abboud e o rabino Abraham Skorka, seus amigos de longa data na Argentina.

Entre visitas a locais emblemáticos da vida de Jesus Cristo, ao Muro das Lamentações (sagrado para os judeus) e ao Muro da Palestina (na zona de Belém), até encontros com políticos israelitas e palestinianos, Francisco deu provas de tolerância e visitou o Grande Mufti de Jerusalém, os dois Grão-Rabinos de Israel e rezou com o patriarca Bartolomeu I de Constantinopla, na Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, para assinalar o 50.º aniversário do encontro entre Paulo VI e Atenágoras de Constantinopla, em que levantaram as excomunhões mútuas.

Em 2019, na TAILÂNDIA, na presença do Supremo Patriarca budista, Ariyavongsagatanana IX, num tempo de Banguecoque, Francisco confirmou o vínculo da sua igreja com o diálogo inter-religioso, realçando que esses encontros são “pequenos passos que ajudam a testemunhar que a cultura do encontro é possível, não só dentro das nossas comunidades, mas também no nosso mundo, tão propenso a criar e a difundir conflitos e exclusões”.

Acarinhar as minorias católicas

No universo de cerca de 2600 milhões de cristãos em todo o mundo, mais de 1350 milhões professam o catolicismo, maioritariamente concentrados na Europa e na América. Mesmo no menos católico dos continentes, a Ásia, há minorias que Francisco quis visitar.

A sua viagem mais determinada, neste capítulo, talvez tenha sido ao IRAQUE (2021). O mundo ainda vivia em pandemia, mas nem a insegurança sanitária nem as ameaças armadas decorrentes de anos de guerra no país, que levaram muitos cristãos ao êxodo, travaram o Papa na vontade de visitar algumas das comunidades cristãs mais antigas do mundo. As que sobreviveram recuperavam da barbárie às mãos do autodenominado “Estado Islâmico”.

Um momento alto da visita aconteceu na cidade santa de Najaf, onde Francisco fez uma visita de cortesia ao Grande Ayatollah Ali al-Sistani, de 90 anos, líder espiritual da maioria muçulmana xiita do Iraque e que muito raramente acede a audiências. De máscara no rosto, conversaram durante 50 minutos e colocaram mais um marco no diálogo inter-religioso mundial.

Em contraponto ao Iraque, na COREIA DO SUL, o número de católicos está em crescendo, ultrapassando já a fasquia dos 10% da população. Em 2014, na sua terceira viagem apostólica, o Papa entendeu corresponder à adesão dos sul-coreanos à fé cristã e deslocou-se àquele país, onde a maioria da população não professa qualquer religião e, entre os crentes, o protestantismo e o budismo são maioritários.

Euforia, à passagem do papamóvel pelas ruas de Seul, a capital da Coreia do Sul
Euforia, à passagem do papamóvel pelas ruas de Seul, a capital da Coreia do SulGetty Images

Numa das suas primeiras viagens, o Papa rumou à ALBÂNIA (2014), maioritariamente muçulmana, onde os católicos eram 15%. Levou mensagens de coexistência a um Estado que viveu grande parte do século XX sob uma ditadura comunista que torturou e executou padres e crentes e arrasou centenas de igrejas.

Falar de paz onde alastra a guerra

À chegada ao QUÉNIA (2015), a etapa inicial do seu primeiro périplo por África que o levou ao Uganda e à República Centro-Africana, Francisco foi questionado se não estava preocupado com a segurança daquela deslocação. “Para lhe dizer a verdade, a única coisa que me preocupa são os mosquitos. Trouxe o seu repelente?”, respondeu.

Este périplo africano levou, pela primeira vez, um Papa a uma zona de guerra ativa, a REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA, país de maioria cristã (protestante) tomado por violência entre grupos armados cristãos e muçulmanos. Francisco visitou a mesquita central de Bangui e apelou à reconciliação.

“Cristãos e muçulmanos são irmãos e irmãs. (...) Juntos, temos de dizer não ao ódio, à vingança e à violência, particularmente aquela perpetrada em nome de uma religião ou do próprio Deus.”

Encontro com jovens congoleses, no Estádio dos Mártires, em Kinshasa
Encontro com jovens congoleses, no Estádio dos Mártires, em KinshasaGetty Images

Em 2019, em MOÇAMBIQUE, num estádio de Maputo a rebentar pelas costuras, com 60 mil pessoas, o Papa repetiu o repúdio pelos impulsos de “vingança”, num país com memórias de guerra civil frescas e ataques jiadistas no norte. “Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos, nenhuma etnia, muito menos uma nação, tem futuro se a força que os une e resolve as suas diferenças for a vingança e o ódio.”

Na católica COLÔMBIA, já não se ouviam as rajadas das armas quando Francisco a visitou, em 2017. Um acordo de paz pusera fim a 52 anos de guerra civil, mas fora rejeitado, em referendo, pela maioria da população. Muitos colombianos não aceitavam que a sorte dos guerrilheiros fosse sair da selva, entregar as armas e iniciar vida civil em total impunidade.

“Jesus convida-nos a fazer-nos ao largo, encoraja-nos a correr riscos partilhados, a não temer arriscarmos juntos, a deixar para trás o nosso egoísmo e a segui-lo; renunciar aos nossos medos que não vêm de Deus, que nos paralisam e impedem-nos de nos tornarmos artífices da paz, promotores da vida”, disse na homilia da missa realizada no Parque Simón Bolívar, em Bogotá.

Sarajevo, a Jerusalém do Ocidente

Entre as deslocações a países martirizados por conflitos armados, a passagem por Sarajevo, que o Papa designou de “Jerusalém do Ocidente”, foi especial. Na BÓSNIA-HERZEGOVINA (2015), assinalavam-se 20 anos do fim de uma guerra civil sangrenta (1992-95), alimentada por diferentes sensibilidades étnicas e religiosas, durante a qual a cidade se manteve cercada.

No avião a caminho de Sarajevo, disse: “É uma cidade com culturas religiosas e étnicas muito diferentes. É também uma cidade que sofreu muito ao longo da história. Está agora a fazer um caminho de paz e é para falar disso que eu estou a fazer esta viagem, como sinal de paz e como oração pela paz”.

Momento de oração junto à fronteira entre os EUA e o México, pontuada por cruzes em memória de quem não a conseguiu atravessar
Momento de oração junto à fronteira entre os EUA e o México, pontuada por cruzes em memória de quem não a conseguiu atravessarGABRIEL BOUYS / AFP / GETTY IMAGES

No MÉXICO (2016), Francisco abordou outro tipo de guerra — o crime organizado com origem no narcotráfico e a violência extrema sobre populações. A viagem levou-o a alguns dos lugares mais miseráveis e violentos das Américas. A missa final foi celebrada num estádio de El Paso, na região de Ciudad Juarez, que já chegou a ser rotulada de capital mundial dos assassínios.

Fazer política, de forma mais ou menos explícita

Enquanto chefe de Estado da Santa Sé — que tem o estatuto de observador permanente das Nações Unidas —, o Papa é, por natureza, um líder político. Em 2015, agendou na mesma viagem apostólica visitas a CUBA e aos Estados Unidos. Sabe-se hoje que mediou negociações secretas entre Havana e Washington que haveriam de conduzir ao reestabelecimento da relação diplomática, a 20 de julho de 2015 (após 54 anos de costas voltadas), e à histórica visita de Barack Obama à ilha, no ano seguinte.

Cuba é um interesse antigo de Francisco. Quando era arcebispo de Buenos Aires, escreveu o livro “Diálogos entre João Paulo II e Fidel Castro”, onde defendeu a necessidade de se dialogar com o regime cubano para acabar com o isolamento da ilha.

Talvez a deslocação politicamente mais intencional tenha sido a que levou Francisco, em 2017, a MYANMAR e ao BANGLADESH, países de maioria budista e muçulmana, respetivamente. Os dois partilham fronteira, têm comunidades católicas residuais e são os dois lados de um grande problema político, social e humanitário chamado rohingya, a minoria muçulmana de Myanmar.

Perseguidos pelas autoridades de Myanmar, onde não são reconhecidos como grupo étnico nem têm direito à cidadania, os rohingya foram alvo de uma campanha de assassínio, violações e casas queimadas, levada a cabo pelo exército birmanês, que os obrigou a fugir para o vizinho Bangladesh, onde mais de um milhão vivem em campos de refugiados. Ao visitar os dois países de uma assentada, Francisco teria de abordar o assunto.

“O futuro de Myanmar tem de ser a paz, uma paz baseada no respeito pela dignidade e direitos de cada membro da sociedade, respeito por cada grupo étnico e pela sua identidade”, disse o Papa, que tinha ao lado a Nobel da Paz birmanesa Aung San Suu Kyi, que, fora de portas, viu a sua reputação ir do céu ao inferno por reagir à perseguição aos rohingya com… silêncio.

Quando o Papa Francisco visitou Myanmar, a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi era a líder do país
Quando o Papa Francisco visitou Myanmar, a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi era a líder do paísVINCENZO PINTO / AFP / Getty Images

Mas também o Papa, ao não proferir a palavra “rohingya”, foi duramente criticado. “Não mencionou os rohingya ‘em público’ enquanto estava em Myanmar, porque procurava um relacionamento com o Presidente e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, pessoas que tinham o destino dos rohingyas nas mãos. Aliás, falou muito pouco em público nessa viagem, porque não queria fechar portas”, explica Austen Ivereigh.

“As críticas que as ONG lhe fizeram foram injustas. A Igreja não é uma ONG e o Papa não é um político. Frequentemente, é criticado por não dizer o que as pessoas acham que deveria dizer, mas essas pessoas geralmente têm uma agenda que não é a dele. Por exemplo, foi criticado por não aderir à retórica ocidental anti-Putin na sua resposta à invasão da Ucrânia, porque isso não ajudará o povo ucraniano a garantir o seu futuro, que é sua prioridade.”

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países foram pela primeira vez visitados por um Papa: Myanmar, Macedónia do Norte, Iraque, Sudão do Sul, Bahrain e Emirados Árabes Unidos.

Se em Myanmar o Papa foi omisso, no Bangladesh correspondeu às expectativas. Em Daca, no jardim da residência do arcebispo, encontrou-se com 16 sobreviventes da perseguição birmanesa, ouviu as suas histórias, segurou-lhes as mãos e proferiu uma frase que correu mundo: “Não vamos fechar os nossos corações ou desviar o olhar. A presença de Deus hoje também se chama rohingya”, disse. “Tanto no silêncio como no que expressou, tinha a mesma prioridade: ajudar os rohingyas”, conclui Ivereigh.

À boleia de um riquexó, numa rua de Daca, a capital do Bangladesh
À boleia de um riquexó, numa rua de Daca, a capital do BangladeshVINCENZO PINTO / AFP / GETTY IMAGES

Outra latitude que mobilizou o Papa foi o Cáucaso. Em 2016, em apenas quatro meses, visitou os três países encravados entre o Mar Negro e o Mar Cáspio: Arménia, Geórgia e Azerbaijão. Nessa região, onde os católicos são em número reduzido — no muçulmano Azerbaijão não chegarão aos 500 —, há situações com potencial explosivo em torno das repúblicas separatistas da Geórgia (Abecásia e Ossétia do Sul) e da disputa entre Arménia e Azerbaijão pelo enclave de Nagorno-Karabakh.

Na ARMÉNIA, o Papa afirmou sem rodeios que azeris e arménios “não fazerem as pazes por causa de um pequeno pedaço de terra — porque é disso que se trata — é algo sombrio”. E arriscou um conflito diplomático com a Turquia.

A primeira de várias catástrofes

No seu discurso no Palácio Presidencial de Yerevan, denunciou que o Metz Yeghérn, ou o “Grande Mal”, como os arménios designam o massacre de mais de um milhão de arménios às mãos dos turcos otomanos, durante a Grande Guerra, foi “genocídio”, “a primeira da deplorável série de catástrofes do século passado, possibilitadas por tortuosos objetivos raciais, ideológicos ou religiosos”.

No ano seguinte, o Papa abordaria outro genocídio, o do Ruanda, em 1994, para fazer um mea culpa pelo papel da Igreja na chacina de 800 mil pessoas em 100 dias. Os “pecados e falhas da Igreja e dos seus membros desfiguraram a face” do catolicismo, defendeu durante uma audiência ao Presidente ruandês, Paul Kagame, no Vaticano, admitindo que alguns padres e freiras “sucumbiram ao ódio e à violência”.

Confortar os “descartáveis”

No centro dos esforços de Francisco em prol da dignidade humana está a atenção dada, em especial, aos migrantes e refugiados. No verão de 2013, ainda antes de realizar a sua primeira viagem ao estrangeiro, deslocou-se à ilha de Lampedusa, o farol de muitos que se lançavam ao mar na Líbia e que depois ficavam condenados a deambular por ali, num processo de desumanização.

“A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolas de sabão: são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença”, disse Francisco na homilia de uma missa pelas vítimas dos naufrágios.

“Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!”

Apologista da “cultura do encontro”, o Papa viu-se obrigado a teorizar a “cultura do descarte”, que “impregnou a nossa maneira de nos relacionarmos” e tornou-se o “grande desafio social”.

No campo de Moria, na ilha grega de Lesbos, o Papa confortou migrantes e refugiados
No campo de Moria, na ilha grega de Lesbos, o Papa confortou migrantes e refugiadosFILIPPO MONTEFORTE / AFP / Getty Images

Um dos episódios que melhor revelaram o inconformismo de Francisco para com a sina dos migrantes aconteceu em 2016. A 18 de março, a União Europeia assinara com a Turquia um acordo de repatriamento de migrantes entrados de forma clandestina no espaço europeu. Para Francisco, que é descendente de imigrantes italianos, a predisposição da Europa para tratar os migrantes como mercadoria, despachando-os de um lado para o outro, contrariava a sua “obrigação moral”.

Num gesto pleno de intenção, no mês seguinte à assinatura desse acordo, deslocou-se à ilha de Lesbos, na GRÉCIA, centro da crise migratória na Europa, e visitou o campo de Moria, onde, após sobreviverem à travessia do Mediterrâneo, milhares de migrantes tentavam resistir a condições de vida desumanas. De regresso a Roma, Francisco levou 12 refugiados muçulmanos da Síria, a bordo do avião papal.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de agosto de 2023. Pode ser consultado aqui

O Papa está no Iraque depois de 15 meses sem viajar. Qual a pressa de Francisco?

O líder da Igreja Católica chegou esta sexta-feira ao Iraque para uma visita de quatro dias, a primeira que realiza nos últimos 15 meses. Francisco visitará comunidades cristãs que sobreviveram ao Daesh e terá um encontro com um dos líderes mais importantes do Islão xiita. A viagem realiza-se em contexto de pandemia, num país onde subsiste a insegurança. “Este Papa afirma-se como o pastor de todos os católicos”, diz ao Expresso o estudioso das religiões Paulo Mendes Pinto. “Se há católicos no Iraque, ele tem de lá ir”

O Papa retomou esta sexta-feira as suas viagens apostólicas ao estrangeiro. Francisco partiu para uma visita de quatro dias ao Iraque — a primeira em 15 meses.

Nunca um líder da Igreja Católica se deslocara a este importante país do Médio Oriente, de maioria muçulmana xiita. A insistência em realizar a visita, em contexto pandémico e de insegurança, confirma um padrão observado em deslocações anteriores.

“O Papa Francisco vai a sítios de grande prática católica — como Fátima, por exemplo. Mas vai também a sítios inesperados, onde não só a prática católica é reduzida, como até posta um pouco em causa pela prática religiosa dominante”, diz ao Expresso Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciência das Religiões na Universidade Lusófona em Lisboa.

Visitar locais incómodos

“Há uma dominante nas visitas do Papa, que é ir a sítios incómodos. Incómodos por serem associados a violência ou à negação da liberdade religiosa, sítios que não são tão importantes ao nível da quantidade de praticantes católicos.”

São exemplos as visitas à Albânia (2014), República Centro-Africana (2015), Myanmar (2017) ou Emirados Árabes Unidos (2019). É também o caso desta ida ao Iraque, país virado do avesso desde a invasão pelos Estados Unidos da América, em 2003, de que decorreria o surgimento do infame e autoproclamado “Estado Islâmico” (Daesh).

No início da guerra, estimava-se que a comunidade cristã no país andasse pelos 1,5 milhões de pessoas; hoje não serão mais de 250 mil.

“O Iraque é um país importantíssimo, não pela percentagem de católicos que lá existe, mas em termos simbólicos”, continua Paulo Mendes Pinto. “Até ao fim do regime de Saddam Hussein [2003], existia uma comunidade católica organizada, socialmente respeitada e integrada. Com frequência, víamos católicos na mais alta elite do país. Um dos ministros mais conhecidos de Saddam, Tariq Aziz [que ocupou entre 1979 e 2003 pastas como a dos Negócios Estrangeiros e a de vice-primeiro-ministro], era católico.”

A comunidade cristã do Iraque é das mais antigas do mundo. Integra crentes das igrejas Católica Caldeia (largamente maioritária), Assíria Oriental, Católica Siríaca, Ortodoxa Siríaca, Apostólica Arménia, Evangélica, Ortodoxa Grega, Católica Arménia e Católica Latina.

“Este país representa algo que se manteve durante muito tempo. Apesar de o Médio Oriente ser dominantemente islâmico, o Iraque manteve a existência de comunidades judaicas e cristãs. As últimas, em número mais significativo, com facilidade atingiam os 10 a 20% das populações. Essa realidade desapareceu rapidamente depois dos atentados do 11 de Setembro, à medida que a radicalização fez com que as comunidades cristãs na região passassem a ser perseguidas.”

A recente perseguição aos cristãos iraquianos às mãos do Daesh é uma preocupação do Papa, implícita no roteiro que vai percorrer, e que decorrerá em seis etapas. Esta sexta-feira, Francisco ficará pela capital, Bagdade, onde terá encontros políticos e religiosos. No sábado rumará a sul, primeiro até Najaf, cidade santa para os xiitas — onde se encontrará com o Grande Ayatollah Ali al-Sistani, um dos líderes muçulmanos mais influentes do mundo — e depois até à cidade de Ur.

Onde ainda se fala a língua de Cristo

No domingo, o Papa seguirá para norte, até ao Curdistão, com paragens em Erbil, Mosul e Qaraqosh, a maior cidade iraquiana de maioria cristã. As duas últimas ficam já na província de Nínive, onde há comunidades que ainda falam aramaico, a língua corrente na época de Jesus Cristo. Nos anos do Daesh, a presença cristã correu riscos de extinção, devido a conversões forçadas, execuções em massa, fuga à violência e destruição de património.

Quando, em novembro de 2017, Francisco foi presenteado, por um fabricante automóvel, com um Lamborghini personalizado, o argentino autografou-o e ofereceu-o para leilão. A verba angariada — 200 mil euros — foi alocada para apoiar as comunidades cristãs do planalto de Nínive, designadamente o regresso de quem fora obrigado a fugir dos jiadistas.

No périplo do Papa, duas etapas serão especialmente simbólicas para os cristãos: Ur e Mosul. Ur, no sul do país, é a cidade onde nasceu Abraão, patriarca que une as três religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e Islão. “Há um peso muito grande dessa cidade no facto de criar pontes com as outras confissões religiosas — e o Papa Francisco tem-no feito”, garante Mendes Pinto.

Mosul, no norte, é a capital da província de Nínive. “Tem o peso de ter sido uma das principais cidades do ‘Estado Islâmico’, onde, supostamente, terá sido proferida a frase que indicava que um dos objetivos era conquistar Roma e decapitar o Papa”, recorda o professor.

Sentimento de abandono

Mosul (Iraque) e Raqqa (Síria) foram as capitais do ‘califado’ declarado pelo Daesh. Ali viveu-se sob o signo do terror durante mais de três anos.

“Há uma certa desilusão por parte de muitos cristãos porque ao longo dos anos foram sendo cometidas atrocidades contra essas comunidades, foram muitas vezes dizimadas, violentadas, no melhor dos casos obrigadas a migrações forçadas, e o ocidente, incluindo a própria Igreja cristã, nunca fez nada de significativo por elas”, recorda Paulo Mendes Pinto.

“A mensagem que o Papa leva é não apenas a de um certo saudosismo, porque ainda há pouco tempo existiam lá comunidades cristãs significativas, mas também de apoio a essas comunidades. Esta visita tem uma dimensão diplomática importantíssima.”

A 33ª deslocação do Papa Francisco ao estrangeiro — o Iraque é 51º país que visita — decorre numa altura em que a violência no país dá sinais de recrudescer. Em janeiro, um duplo ataque suicida num mercado de Bagdade provocou 32 mortos. Em fevereiro, um ataque com 14 rockets contra alvos militares em Erbil fez dois mortos. Já em março, outro ataque com foguetes atingiu uma base com presença norte-americana na província de Anbar.

Recolher obrigatório e confinamento

As condições da viagem agravam-se pelo contexto de pandemia. Com 84 anos, o Papa partiu para o Iraque vacinado, como toda a delegação que o acompanha. Mas chegou ao país num momento em que o número de casos de covid-19 disparou — um deles, na semana passada, foi o núncio apostólico no Iraque, arcebispo Mitja Leskovar  e as autoridades impuseram o recolher obrigatório noturno e confinamento total ao fim de semana.

A insistência em realizar a viagem nesta adversidade revela pressa. “É uma pressa que resulta muito do esboroar socioeconómico de toda a região. Aqueles países têm populações maioritariamente abaixo dos 35 anos, e muitas dessas pessoas estão desempregadas. Estas questões socioeconómicas fazem-se sentir com muita força e em especial junto das minorias. Para o Papa há uma urgência em acudir”, diz Paulo Mendes Pinto.

“Há também uma urgência para ele em fazer uma retoma. Com a pandemia, as reformas que estava a realizar na Igreja Católica ficaram suspensas. Haverá, no mínimo, uma certa impaciência pelo facto de o seu projeto ter perdido muito tempo, e também devido à sua própria saúde.”

Esta é a 11ª visita do Papa Francisco a países de maioria muçulmana, depois de Jordânia, Palestina, Albânia e Turquia (2014), Bósnia e Herzegovina (2015), Azerbaijão (2016), Egito e Bangladesh (2017), Emirados Árabes Unidos e Marrocos (2019).

“Anteriormente, os Papas iam aos grandes locais católicos. Este também vai a esses países, mas vai igualmente aos pequenos”, conclui Mendes Pinto. “No fundo, este Papa afirma-se como o pastor de todos os católicos. Se há católicos no Iraque, ele tem de lá ir. Esta visita revela uma dimensão missionária, de visitar locais novos e sítios onde há comunidades cristãs minoritárias, e também um pensamento de menosprezar o risco. Frequentemente, o Papa quebra o protocolo e deixa os seguranças à beira de um ataque de nervos, mas não é só isso: ele vai a sítios onde as coisas não são fáceis ao nível da segurança. Esta visita ao Iraque é o exemplo perfeito disso.”

(Papa Francisco, discursando no Palácio Presidencial em Bagdade, a 5 de março de 2021 WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de março de 2021. Pode ser consultado aqui

As imagens do regresso dos peregrinos à Cova da Iria, com máscara no rosto e a mesma fé de sempre

O Santuário de Fátima acolheu este sábado a primeira missa campal com a presença de peregrinos, após o confinamento decretado pela pandemia de covid-19. A celebração, inserida na Peregrinação Internacional Aniversária, foi presidida pelo bispo auxiliar de Lisboa. Na sua homilia, intitulada “Reaprender a gramática da hospitalidade”, Américo Aguiar defendeu uma economia “que não mate” e apelou à União Europeia para que se afirme como uma “verdadeira comunidade humana”

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PAULO CUNHA / LUSA
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Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de junho de 2020. Pode ser consultado aqui