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Uma Jerusalém deserta e o Santo Sepulcro encerrado. As imagens da Páscoa na Terra Santa

As ruas de Jerusalém estão desertas quando, noutros anos por esta altura, estavam a transbordar de fiéis e turistas. No Santo Sepulcro, que está de portas fechadas, como todos os outros sítios culturais e religiosos da Terra Santa, as orações fazem-se do lado de fora. E a Via Dolorosa é percorrida simbolicamente por pequenos grupos de monges ou crentes solitários. Tudo por causa do coronavírus

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A tradicional procissão cristã de Domingo de Ramos foi substituída por uma oração no Monte das Oliveiras, com vista para as muralhas de Jerusalém e para a Cúpula do Rochedo, um dos locais mais importantes para os muçulmanos AMMAR AWAD / REUTERS
Na praça em frente à Porta de Damasco, uma das entradas na cidade velha de Jerusalém, a azáfama habitual deu lugar a ações de desinfeção do espaço AMMAR AWAD / REUTERS
Um voluntário lava a porta de entrada na Basílica do Santo Sepulcro, que abriga o túmulo de Jesus Cristo, em Jerusalém MOSTAFA ALKHAROUF / GETTY IMAGES
Em tempos de pandemia, o Santo Sepulcro está de portas fechadas. Num dos locais mais importantes para os cristãos de todo o mundo, só se reza do exterior EMMANUEL DUNAND / AFP / GETTY IMAGES
Este cristão desafia as restrições à circulação de pessoas para rezar diante do Santo Sepulcro GALI TIBBON / AFP / GETTY IMAGES
Na Terra Santa, todos os sítios religiosos e culturais estão encerrados ao público. Uma medida justificada com a urgência do combate ao coronavírus GALI TIBBON / AFP / GETTY IMAGES
Um peregrino solitário transporta a cruz enquanto percorre a Via Sacra, na cidade velha de Jerusalém AMMAR AWAD / REUTERS
Também designada Via Dolorosa, a Via Sacra reconstitui o trajeto que Jesus percorreu até ao Calvário, carregando a cruz AMMAR AWAD / REUTERS
Um voluntário pulveriza o corrimão que ajuda à caminhada numa secção da Via Dolorosa EMMANUEL DUNAND / AFP / GETTY IMAGES
Na Sexta-Feira Santa, frades franciscanos realizam uma pequena procissão na Via Sacra EMMANUEL DUNAND / AFP / GETTY IMAGES
Um homem com máscara caminha sozinho pela cidade velha de Jerusalém. As lojas, que noutros anos estariam a abarrotar de turistas, estão de portas fechadas AMMAR AWAD / REUTERS
No norte de Israel, a cidade de Nazaré, com uma forte conotação cristã, está sem turistas. O mercado da cidade velha está de portas fechadas RAMI AYYUB / REUTERS
Também Belém, no território palestiniano da Cisjordânia, está sem turistas. Para quem visita a Terra Santa é passagem obrigatória já que Jesus nasceu nesta cidade MUSTAFA GANEYEH / REUTERS
Em Belém, a Igreja da Natividade, que abriga o local onde, segundo a tradição cristã, Jesus Cristo nasceu, está encerrada aos fiéis MUSTAFA GANEYEH / REUTERS
Diante da primeira estação da Via Dolorosa, este peregrino cristão entrega-se à oração, tentando ignorar o incómodo das luvas e das máscaras EMMANUEL DUNAND / AFP / GETTY IMAGES
Dois homens protegidos com máscaras passam tranquilamente junto à oitava estação da Via Sacra, sem cortejos religiosos AMMAR AWAD / REUTERS
Dois polícias israelitas, equipados e protegidos, patrulham a zona junto à quinta estação da Via Dolorosa AMMAR AWAD / REUTERS
Sem peregrinos em Jerusalém, as cerimónias religiosas, mais curtas e simbólicas do que habitualmente, ficam entregues aos monges GALI TIBBON / AFP / GETTY IMAGES
Monges católicos realizam uma oração junto à porta de entrada na Basílica do Santo Sepulcro, em Jerusalém AMMAR AWAD / REUTERS
Dois cristãos expressam a sua fé com a mesma devoção como que se estivessem no interior do Santo Sepulcro ILIA YEFIMOVICH / GETTY IMAGES
Um dos muitos miradouros da cidade velha de Jerusalém. Estranhamente sem turistas MOSTAFA ALKHAROUF / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de abril de 2020. Pode ser consultado aqui

Religiões são alvos fáceis para semear o medo

O terrorismo matou e feriu, em tempos recentes, judeus, muçulmanos e cristãos. Guerra de religiões à vista?

Em apenas seis meses, as três religiões monoteístas foram atacadas em locais de culto. A 21 de abril, no Sri Lanka, suicidas visaram três igrejas católicas. A 15 de março, em Christchurch (Nova Zelândia), um atirador investiu contra uma mesquita. E a 27 de outubro de 2018, o terror atingira uma sinagoga de Pittsburgh (EUA).

Em todos os casos, a religião não foi a única motivação para atacar. No Sri Lanka foram também visados três hotéis. Na Nova Zelândia (50 mortos), o terrorista atuou norteado por crenças islamofóbicas, supremacistas e extremistas. Nos EUA (11 mortos), o ódio do assassino transcendia os judeus, que considerava “inimigos do povo branco”. Nas redes sociais defendia que os imigrantes são “invasores”.

Resulta daqui a sensação de que atacar crentes em oração é atalho eficaz para atingir governos e opções políticas. “O radicalismo parece ter percebido que os alvos religiosos são mais eficazes na construção das narrativas de medo”, explica ao Expresso Paulo Mendes Pinto, coordenador da área de Ciências das Religiões na Universidade Lusófona.

“Se há alguns anos os atentados eram quase sempre em espaços civis, hoje há um crescimento dos ataques a espaços religiosos. É uma radicalização que mais facilmente semeia o medo e cria dinâmicas de vingança.” Outro padrão comum aos três atentados prende-se com o dia em que aconteceram: Pittsburgh aconteceu durante o shabbath judaico (sábado), Christchurch a uma sexta-feira (dia santo para os muçulmanos) e Colombo no domingo de Páscoa.

“Um ataque num dia festivo tem dupla intencionalidade”, diz Mendes Pinto. “Por um lado, usa a vulnerabilidade de quem é atacado e que, reunido em oração, está frágil. Mas, acima de tudo, é feito num momento simbólica ou teologicamente importante.”

Um ataque na Páscoa, que assinala a ressurreição de Jesus, desfere “um golpe simbólico muito forte”

Se, para os cristãos, a Páscoa é a festa da vitória da vida sobre a morte, simbolizada na ressurreição de Jesus, um atentado nesse dia “coloca a morte acima da vida, desferindo um golpe simbólico muito forte”, explica o professor. No Médio Oriente não faltam exemplos de atentados contra muçulmanos durante o Ramadão (jejum), em que estão vulneráveis a vários níveis.

Talvez por ainda não ter provocado mortes, o fenómeno dos ataques contra igrejas em França não tem merecido alarme mediático. Em 2018 houve 875 atos de vandalismo só em igrejas católicas. “Devem ser relacionados com o crescimento de movimentos nacionalistas de inspiração anticristã, sejam neopagãos ou não”, explica Mendes Pinto. “Há vertentes nacionalistas que reivindicam Um ataque na Páscoa, que assinala a ressurreição de Jesus, desfere “um golpe simbólico muito forte” uma visão anterior ao nascimento do cristianismo como base das identidades europeias, vendo nesta religião a destruição das verdadeiras identidades, não só porque o cristianismo se sobrepôs às religiões anteriores, mas por ser a imagem de uma primeira supranacionalidade, uma primeira ‘União Europeia’. Este fenómeno começou há mais de uma década, nos países nórdicos.”

Em março sete igrejas francesas foram saqueadas, profanadas e vandalizadas em apenas sete dias. Em Paris, a 17, a Igreja de Saint-Sulpice foi incendiada após a missa dominical do meio-dia. Num outro ataque, foi pintada na Igreja de Notre-Dame des Enfants, em Nîmes, uma cruz com excrementos.

(IMAGEM VISION)

Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de abril de 2019. Pode ser consultado aqui

De Nazaré a Belém, 2018 anos depois

O trilho percorrido por José e Maria a caminho de Belém, onde nasceria Jesus Cristo, far-se-ia hoje entre checkpoints militares, colonatos, campos de refugiados e paredes de betão

A Bíblia é omissa em pormenores mas, no terceiro Evangelho, São Lucas refere-se à viagem de José e Maria, nas vésperas do nascimento de Jesus. “Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. (…) Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz.”

Nos dias de hoje, esse seria um percurso bastante sinuoso. O casal teria de atravessar duas entidades políticas e ultrapassar obstáculos decorrentes de uma das disputas mais insolúveis do nosso tempo — o conflito israelo-palestiniano.

INFOGRAFIA DE JAIME FIGUEIREDO

NAZARÉ
A cidade que identifica a origem de Jesus situa-se hoje no norte de Israel. Até à criação do Estado judeu, em 1948, tinha uma matriz cristã. Após a eclosão da primeira guerra israelo-árabe (1948-49), a região recebeu um grande fluxo de palestinianos em fuga ou expulsos de suas casas. Hoje, Nazaré é a maior cidade árabe israelita, com cerca de 75 mil habitantes, maioritariamente muçulmanos.

Para os peregrinos cristãos que rumam à Terra Santa, é paragem obrigatória, como Belém (onde Jesus nasceu) e Jerusalém (onde morreu). Junto às ruínas da carpintaria de José, ergue-se a Igreja de São José. E sobre os vestígios da casa de Maria foi construída a Igreja da Anunciação, muito procurada para casamentos de cidadãos israelitas árabes cristãos.

Seguindo para sul, o caminho faz-se entre povoações que ora falam árabe e rezam em igrejas ou mesquitas ora se expressam em hebraico e frequentam sinagogas. Uma delas é o moshav de Balfurya — um moshav é uma propriedade agrícola comunitária —, fundado em 1922 e assim batizado em homenagem ao conde de Balfour, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, que cinco anos antes defendera um “lar judeu” no território histórico da Palestina. Em 2017, viviam ali 491 pessoas.

Não muito longe, Mqeibleh é uma aldeia árabe com população cristã e muçulmana. É o último aglomerado antes da fronteira.

JALAMAH
Cerca de 20 quilómetros para sul de Nazaré, o checkpoint de Jalamah assinala a fronteira entre Israel e o território palestiniano ocupado da Cisjordânia. Junto ao este posto de controlo, ergue-se o muro — a que Israel chama “vedação de segurança” — que, ora em betão ora em arame, vai contornando o território palestiniano.

Quem ali vive diz que o muro é uma forma de Israel roubar terras que não lhe pertencem, já que nem sempre o traçado do muro coincide com a Linha Verde, a fronteira estabelecida pelo Armistício de 1949 e internacionalmente reconhecida.

Em vários pontos, o muro corta aldeias ao meio, dividindo famílias e, por vezes, separando a casa do quintal. Para quem fica com propriedades no “lado errado” do muro, as burocracias exigidas para ir de um lado ao outro impossibilitam a prática agrícola — o ganha-pão.

No checkpoint, só passam árabes com cidadania israelita ou palestinianos da Cisjordânia devidamente autorizados pelas autoridades de Telavive. É o caso de muitos trabalhadores que moram na Cisjordânia e labutam em Israel.

JENIN
Situada no coração de uma área agrícola fértil, Jenin foi outrora uma movimentada zona comercial — até que o muro a privou de liberdade de acesso aos mercados da região e a Intifada de Al-Aqsa (a segunda, entre 2000 e 2005) fez da povoação alvo da retaliação israelita.

Em Jenin fica o campo de refugiados mais a norte da Cisjordânia, estabelecido em 1953 e onde vivem 14 mil pessoas. Vistos por Israel como bastiões de militância, nem o campo nem a cidade estão a salvo de incursões do exército judeu (Tsahal). Muitas vezes pela calada da noite, invadem povoações, revistam casas, interrogam famílias, confiscam bens e detêm pessoas sem acusação.

NABLUS
A 45 quilómetros de Jenin surge Nablus, uma das cidades mais antigas do mundo, referida na Bíblia como Shechem. À semelhança de Jenin, Nablus é uma fortaleza de resistência à ocupação israelita, o que a sujeita a raides militares israelitas. Está também exposta à violência de colonos judeus que, com frequência, vandalizam sobretudo olivais.

A sul de Nablus, o colonato de Yitzhar — fundado em 1984 e onde vivem 1500 judeus — tem fama de ser dos mais violentos. Atacam não só povoações palestinianas mas também as próprias forças israelitas.

BALATA
É o maior dos 19 campos de refugiados existentes na Cisjordânia, geridos pela UNRWA, agência das Nações Unidas criada em 1949 para responder ao êxodo palestiniano que se seguiu à criação de Israel. Então, estavam em causa à volta de 750 mil pessoas; hoje, mais de cinco milhões estão habilitadas a recorrer aos serviços providenciados pela ONU, em campos na Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano, Síria e Jerusalém Oriental. Se antes viviam em tendas, hoje moram em prédios. O que devia ter sido uma situação temporária tem — na falta de paz — um carácter cada vez mais definitivo.

O atual mandato da UNRWA termina em 2020. Até lá, a agência lutará com dificuldades inesperadas: em agosto, os EUA — o maior doador — cortaram o financiamento.

HUWWARAH
Segundo a ONG israelita B’Tselem, em janeiro de 2017 havia 98 checkpoints fixos na Cisjordânia, 59 dos quais internos, como o de Huwwarah, passagem obrigatória para quem vai para sul.

A pé ou de carro, pode ser-se interrogado sobre os motivos da deslocação. A espera na fila pode ser demorada e mesmo ambulâncias podem ter de aguardar por vez. Várias mulheres já deram à luz em checkpoints. Em Huwwarah, um bebé morreu a 12 de setembro de 2008, após nascer prematuro no local.

O funcionamento dos postos de controlo obedece a horários rígidos. Em épocas de tensão — após atentados, ataques isolados ou bombardeamentos à Faixa de Gaza, por exemplo —, os checkpoints podem encerrar.

SHILO
Para Israel, os checkpoints são fundamentais para abortar planos de ataque contra judeus, nomeadamente os mais de 500 mil colonos que vivem na Judeia e Samaria (como o Estado hebraico chama à Cisjordânia). Cerca de 4 mil vivem em Shilo, colonato religioso fundado em 1978 de forma engenhosa — e em terras privadas, denunciam os palestinianos. Aproveitando a existência na zona de vestígios arqueológicos com significado para os judeus, uma comunidade liderada pelo extremista Ira Rappaport obteve autorização do Governo para aí fazer uma escavação arqueológica. O aglomerado foi crescendo, em dimensão e habitantes.

Em nome do bem-estar nos colonatos — ilegais, ao abrigo do direito internacional —, há estradas só para judeus, que beneficiam também de acesso privilegiado às melhores terras e aos recursos hídricos, com prejuízo sobretudo das populações nómadas beduínas.

Este apartheid é fonte de tensão permanente. A 9 de dezembro, sete judeus foram feridos a tiro num entroncamento perto do colonato de Ofra, na região de Ramallah, durante uma vigília noturna.

RAMALLAH
É a capital administrativa da Autoridade Nacional Palestiniana, que, pelos Acordos de Oslo (1993), é o Governo provisório até à proclamação da independência e subsequente eleição de órgãos de soberania. Em Ramallah (e na cidade adjacente de Al-Bireh) estão sediadas as principais instituições palestinianas, bem como representações diplomáticas.

A cidade é, por isso, naturalmente cosmopolita, economicamente dinâmica e socialmente mais aberta, com restaurantes modernos e bares com todo o tipo de álcool e plasmas sintonizados em partidas de futebol das principais ligas europeias.

QALANDIA
Para se ir de Ramallah a Belém, há duas opções. Uma implica atravessar o checkpoint da Qalandia, passagem obrigatória para quem quer ir para Jerusalém. No exterior, o muro que passa rente é uma autêntica galeria, transformado em tela por artistas e ativistas de todo o mundo que expressam a sua oposição à ocupação da Palestina através de grafitos.

O caminho alternativo permite contornar o posto, mas é mais longo. Esta opção dá razão aos palestinianos quando dizem que os checkpoints surgem no caminho para lhes infernizar o dia a dia, fazendo-os gastar mais tempo e dinheiro. Vencidos pelo cansaço, talvez um dia partam dali.

BEIT SAHOUR
Discreta aldeia nas imediações de Belém, estima-se que corresponda ao campo de pastores que, segundo São Lucas, recebeu a visita do anjo: “Não temais, porque aqui vos trago novas de grande alegria (…). Pois, na cidade de David, nasceu hoje o Salvador.”

BELÉM
Passados cerca de 100 quilómetros, por fim Belém. Para entrar na cidade há que atravessar mais um checkpoint junto ao muro que, como o da Qalandia, é uma montra de street art. Em 2017, à distância de uma rua para o muro, foi ali inaugurado o Walled Off Hotel, que promete “as piores vistas do mundo”. Inacessível a qualquer bolsa, é propriedade de Banksy, o misterioso artista britânico que assina muitos grafitos no muro.

Como acontece por todo o Médio Oriente, a população cristã de Belém está em queda. Outrora esmagadora, em 2016 não ia além dos 16%. Resiliente, a cidade — cujo presidente da Câmara é sempre um cristão (atualmente uma mulher, Vera Baboun) — não esquece a herança que a notabiliza. Todos os anos é montada uma grande árvore de Natal na Praça da Manjedoura. Contígua, a Igreja da Natividade abriga a gruta onde se crê que Jesus nasceu.

Artigo publicado no Expresso, a 22 de dezembro de 2018 e republicado no “Expresso Online”, no dia seguinte. Pode ser consultado aqui

Com fé na Igreja e descrença no Presidente

Milhares de nicaraguenses saíram às ruas de Manágua, este sábado, solidários com os esforços da Igreja Católica para acabar com a crise política no país. O protesto tornou-se uma grande peregrinação

Foi, na sua essência, uma manifestação antigovernamental, mas o cortejo de milhares de nicaraguenses, este sábado, pelas ruas de Manágua, mais se assemelhou a uma gigantesca peregrinação.

A marcha foi uma mostra de solidariedade para com a Conferência Episcopal da Nicarágua, que tem tentado atuar como mediadora numa crise política — entre Governo e oposição — que se arrasta desde abril e que já provocou quase 300 mortos.

A Igreja apelou a uma reforma política e à antecipação em dois anos das eleições gerais previstas para 2021.

O Presidente Daniel Ortega recusou as propostas da Igreja, considerando-as “golpistas” e acusou os bispos de participarem numa “conspiração” para o destituir do cargo.

A bandeira da Nicarágua numa mão e a imagem de Cristo na outra JORGE CABRERA / REUTERS
Um apelo à demissão do Presidente junto a um andor da Virgem Maria OSWALDO RIVAS / REUTERS
A caveira que alude ao Presidente e um desenho de agradecimento ao cardeal Leopoldo Brenes, que preside à Conferência Episcopal da Nicarágua JORGE CABRERA / REUTERS
A caveira que alude ao Presidente e um desenho de agradecimento ao cardeal Leopoldo Brenes, que preside à Conferência Episcopal da Nicarágua JORGE CABRERA / REUTERS
“Ortega e Murillo assassinos”, lê-se nesta tarja que visa o Presidente e a sua mulher, Rosario Murillo, que é vice-presidente do país desde janeiro de 2017 MARVIN RECINOS / AFP / GETTY IMAGES
Evangélicos nicaraguenses solidários com os católicos. “Somos irmãos. Somos Nicarágua” MARVIN RECINOS / AFP / GETTY IMAGES
Imitação de uma arma a que este manifestante chamou de “mata sapos”. Os “sapos” são paramilitares que percorrem as ruas para apanhar estudantes envolvidos na contestação ao Presidente OSWALDO RIVAS / REUTERS
“Não matarás.” O quinto dos dez mandamentos católicos aqui dirigido a Daniel Ortega MARVIN RECINOS / AFP / GETTY IMAGES
Com uma máscara de Daniel Ortega, este manifestante acusa o Presidente de ser “ditador, genocida, violador, traficante, ladrão e mórbido” OSWALDO RIVAS / REUTERS
OSWALDO RIVAS / REUTERS
“Nicarágua, quero-te livre.” OSWALDO RIVAS / REUTERS
JORGE CABRERA / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui

Presença cristã na Terra Santa ameaçada por política “discriminatória” de Israel

O município de Jerusalém quer taxar propriedades eclesiásticas, até agora isentas. Em protesto, líderes de várias igrejas cristãs fecharam o Santo Sepulcro, em protesto contra o que consideram ser “uma tentativa de enfraquecimento da presença cristã em Jerusalém”

Um dos locais mais sagrados para os cristãos de todo o mundo está de porta fechada a peregrinos, turistas e público em geral por tempo indeterminado. No domingo, em frente à pesada porta de madeira do Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém, os líderes das três maiores comunidades cristãs representadas no seu interior justificaram a medida com a necessidade de protestarem contra a política “discriminatória” de Israel, que atenta contra a presença cristã na Terra Santa.

No centro da polémica está uma decisão do município de Jerusalém que acaba com a isenção do pagamento do imposto municipal relativo a propriedades eclesiásticas. “Há uma dívida acumulada ao longo de anos. Fizemos o que faríamos com qualquer outro cidadão”, defendeu o presidente da Câmara, esclarecendo que a medida visa apenas propriedades comerciais detidas pelas igrejas (como hotéis) e não terrenos onde existam locais de culto. “Se não está satisfeita, a Igreja está convidada a recorrer ao tribunal. Estou surpreendido que não o tenham feito”, disse Nir Barkat, citado pelo jornal “The Jerusalem Post”.

As igrejas cristãs reclamam a existência de um acordo antigo que as isenta do pagamento de impostos municipais. Datado da era otomana, recordam, foi respeitado por britânicos (que detiveram o mandato da Palestina), jordanos (que ocuparam e anexaram Jerusalém Oriental após a guerra israelo-árabe de 1948) e sucessivos governos israelitas (após a ocupação na guerra de 1967).

“Estas ações violam acordos existentes e obrigações internacionais, que garantem direitos e privilégios às igrejas, no que parece ser uma tentativa de enfraquecimento da presença cristã em Jerusalém”, defenderam os líderes cristãos, à entrada do Santo Sepulcro, numa posição de unidade inédita, tendo em conta a rivalidade e, por vezes, conflitualidade entre monges de diferentes sensibilidades cristãs, no interior do templo.

Outra medida recente que indignou os responsáveis cristãos prende-se com um projeto de lei que viabiliza — com efeitos retroativos — a expropriação de terrenos vendidos por igrejas a privados. Previsto para ser debatido no domingo, na habitual reunião semanal do Governo de Telavive, essa discussão foi adiada uma semana para que seja possível “trabalhar com as Igrejas” e tentar resolver o conflito, disse a deputada proponente Rachel Azaria, do partido Kulanu (sionista).

E se fosse com sinagogas?

Em estilo provocatório, o diário israelita “Haaretz” questionava no domingo: “Uma questão relevante é o que Israel diria se uma medida deste género fosse tomada noutro país relativamente a propriedades de sinagogas”. Em declarações ao Expresso, Adeeb Jawad Joudeh Alhusseini, o muçulmano que, diariamente, guarda as chaves do Santo Sepulcro, recorda que não é a primeira vez que a igreja é encerrada numa ação de protesto. Isso já aconteceu a 27 de abril de 1990, “durante 48 horas, quando colonos [judeus] ocuparam o Hospício de S. João”, no bairro cristão.

O Santo Sepulcro é local de visita obrigatória para qualquer cristão em peregrinação à Terra Santa. No seu interior, situa-se o Calvário, onde Jesus Cristo foi crucificado, e também o Edículo, uma construção em madeira que envolve o túmulo onde foi sepultado.

Na igreja, estão representadas seis sensibilidades cristãs — ortodoxos gregos, ortodoxos arménios, católicos romanos (franciscanos), coptas, siríacos e etíopes. Situa-se na parte leste (árabe) de Jerusalém, conquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e anexada em 1980, após aprovação do Parlamento de Israel.

(Foto: Entrada principal da Basílica do Santo Sepulcro, no bairro cristão da Cidade Velha de Jerusalém WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso Online, a 26 de fevereiro de 2018. Pode ser consultado aqui