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EUA deixam os curdos sozinhos, mais uma vez

Com a saída dos EUA do nordeste sírio, os curdos ficam sem aliados por perto e à mercê da mão castigadora da Turquia

Os apuros de Donald Trump dentro de portas parecem realçar uma certa impaciência do Presidente dos Estados Unidos na hora de lidar com problemas internacionais. Aconteceu no domingo passado, quando Trump anunciou a retirada das tropas norte-americanas em missão no nordeste da Síria. “Desde o primeiro dia em que entrei na política, tornei claro que não queria travar estas guerras intermináveis e sem sentido, em especial as que não beneficiam os EUA”, disse.

Três dias depois, a Turquia começava a bombardear a área desguarnecida pelos norte-americanos. Anunciada pelo Presidente Recep Tayyip Erdogan, a ofensiva “Fonte de Paz”, com fogo aéreo e de artilharia, visa áreas controladas pela milícia curda Unidades de Proteção do Povo (YPG).

O jornal turco “Daily Sabah” noticiava, quinta-feira, que a “operação antiterrorista” já tinha “libertado” 11 aldeias nas imediações das cidades de Tal Abyad e Ras al-Ayn. Há mais de 60 mil pessoas em fuga e notícias de pelo menos 277 mortos. A Turquia diz que são “militantes”, os curdos dizem que alguns são civis.

Ressurgimento do Daesh

Nos EUA, a decisão de Trump e o que se lhe seguiu no terreno geraram críticas, até no campo republicano. “Os EUA estão a abandonar os nossos aliados curdos, que combateram o Daesh [autodenominado Estado Islâmico] e ajudaram a proteger a nossa pátria”, acusou a deputada republicana Liz Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney. “A decisão ajuda os adversários da América — Rússia, Irão e Turquia — e abre caminho ao ressurgimento do Daesh.” Trump respondeu que os curdos não ajudaram os EUA durante a invasão… da Normandia, em 1944.

No barril de pólvora que a Síria se tornou após 2011, com a esperança de uma primavera árabe a degenerar num inverno sangrento, as forças curdas foram aliadas fiéis, profissionais e destemidas contra os extremistas. Na língua curda, peshmerga — como se intitulam os combatentes curdos — significa “os que enfrentam a morte”.

Passadeira aos turcos

No jornal israelita “Haaretz”, sexta-feira, Akil Marceau, ex-diretor da representação do governo regional do Curdistão iraquiano em Paris, decretou: “Qualquer esforço internacional que não resulte no estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre o norte da Síria e a proteção das suas minorias étnicas será uma cortina de fogo, na melhor das hipóteses — e na pior, uma faca nas costas” dos curdos. Em 1992, foi uma solução desse género que protegeu os curdos iraquianos de Saddam Hussein, após a Guerra do Golfo.

Às primeiras notícias da ofensiva turca, Trump comentou ser “má ideia” e acrescentou que Washington “não apoia” o ataque. Sobre o que faria se Erdogan acabar com os curdos, Trump respondeu: “Se a Turquia fizer algo que eu, na minha grande e ímpar sabedoria, considerar fora dos limites, destruirei e obliterarei toda a economia turca (já o fiz!).”

Por muito que Trump o tente iludir, a saída de cena das tropas americanas funcionou como “luz verde” para a investida turca sobre o nordeste da Síria. Ancara justifica a operação com a necessidade de criar uma “zona segura” — uma extensão de 400 quilómetros de comprimento e 30 de largura entre a fronteira e o rio Eufrates — para repatriar milhões de sírios refugiados na Turquia.

“É improvável que uma chamada ‘zona segura’ no nordeste da Síria, como a prevista pela Turquia, satisfaça os critérios internacionais para o regresso de refugiados”, reagiu Federica Mogherini, chefe da diplomacia da UE. Para Bruxelas, “o regresso de refugiados e deslocados internos aos seus locais de origem tem de ser seguro, voluntário e digno, quando as condições o permitirem. Qualquer tentativa de promoção de alterações demográficas é inaceitável. A UE não dará assistência em áreas onde os direitos das populações sejam ignorados”. Adivinha-se pois nova tragédia humana.

Um povo único

Etnicamente não-árabes — como turcos, iranianos, paquistaneses e afegãos —, os curdos são o maior povo sem Estado do mundo. Cerca de 30 milhões de pessoas vivem na intersecção de quatro países do Médio Oriente frequentemente desavindos: Turquia, Síria, Iraque e Irão. E sonham com um Curdistão independente.

Na Turquia, onde os curdos são entre 15% e 20% de uma população de 80 milhões, essa ambição é sentida como ameaça à segurança nacional. Abdullah Ocalan, líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, ilegalizado e que EUA e UE consideram terrorista), é o inimigo público nº 1. Cumpre prisão perpétua, há 20 anos, na ilha-prisão de Imrali.

Com a retirada dos EUA da região de Rojava — o chamado Curdistão sírio, composto pelos enclaves de Afrin, Kobane e Yazira —, os curdos ficam entregues a si próprios. Não foi a primeira vez que viram um aliado virar-lhes costas. Talvez por isso um velho ditado curdo profetize: “Não temos amigos, apenas as montanhas.”

TRÊS TRAIÇÕES

I GUERRA MUNDIAL — Pelo Tratado de Sèvres (1920), Aliados e Império Otomano contemplam a criação de um Curdistão na atual Turquia. De fora ficam os curdos do Irão, do Iraque (tutelado por britânicos) e da Síria (franceses). Depois o assunto é esquecido

IRAQUE — Os EUA armam os curdos durante o Governo de Abdel Karim Kassem. Após este ser deposto, em 1963, cortam apoio à minoria e ajudam o novo Governo, que investiu contra os curdos

GUERRA DO GOLFO — Em 1991, Bush (pai) apela aos iraquianos que se envolvam na deposição de Saddam Hussein. No norte, os curdos corresponderam. Os EUA não avançam sobre Bagdade e Saddam massacra a minoria

(IMAGEM Bandeira do Curdistão Sírio WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 12 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui

Curdos perdem petróleo de Kirkuk para as tropas de Bagdade

O exército iraquiano recuperou o controlo dos campos petrolíferos de Kirkuk. Estavam nas mãos dos curdos, que os tinham conquistado aos jiadistas do Daesh

As tropas iraquianas assumiram esta terça-feira o controlo de todos os campos de exploração de petróleo operados pela empresa estatal North Oil Company, na região de Kirkuk.

As infraestruturas, bem como toda a cidade, estavam nas mãos dos peshmergas (forças curdas iraquianas), que a tinham reconquistado aos jiadistas do autodenominado Estado Islâmico (Daesh).

Os curdos não ofereceram qualquer resistência ao avanço das tropas de Bagdade, apoiadas no terreno por milícias xiitas.

Esta terça-feira, as autoridades de Bagdade fizeram saber que a produção de petróleo naquela zona do norte do Iraque está a decorrer com normalidade e sem interrupções.

Esta ofensiva militar, ordenada pelo Governo central, foi iniciada no domingo à noite e justificada com a necessidade de garantir a integridade territorial iraquiana. No passado dia 25, um referendo na região do Curdistão pronunciou-se, esmagadoramente, pelo “sim” à secessão.

Nas últimas horas, a conta do primeiro-ministro iraquiano no Twitter tem enumerado vários telefonemas internacionais recebidos por Haider al-Abadi, em apoio da unidade iraquiana e contra o referendo curdo. O último foi do ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de outubro de 2017. Pode ser consultado aqui

Exército iraquiano em marcha para reconquistar Kirkuk aos curdos

Três meses após o referendo à independência do Curdistão, apoiado por uma esmagadora maioria, Bagdade lança uma operação militar para recuperar Kirkuk, cidade conquistada pelos curdos aos jiadistas do Daesh. Rica em petróleo, Kirkuk é um pilar fundamental de um eventual Curdistão independente

O exército iraquiano tem em curso uma grande ofensiva militar visando a reconquista, aos peshmergas (curdos iraquianos), da cidade de Kirkuk — região rica em petróleo e um dos pilares económicos de um futuro Curdistão independente.

A operação desenvolve-se em várias frentes e as forças federais contam com o apoio das Forças de Mobilização Popular Iraquianas (também conhecidas como Hashd al-Shaabi), maioritariamente xiitas.

“O Presidente [curdo Massoud] Barzani ordenou a todas as unidades peshmergas que não iniciem a guerra, mas se alguma milícia avançar e começar a disparar, então os peshmergas têm luz verde para usar todo o poder para resistir”, anunciou, no Twitter, Hemin Hawrami, assistente do Presidente curdo.

Segundo a Al-Jazeera, esta segunda-feira, os militares iraquianos controlavam já o aeroporto internacional da cidade, um campo petrolífero, uma base militar (K1) e a localidade de Taza Khormatu, a sudeste de Kirkuk.

O jornal digital Kudaw acrescenta que o grupo Hashd al-Shaabi cortou a eletricidade para tentar tomar o controlo das posições dos peshmergas. E, na sua conta no Twitter, divulgou um vídeo onde se vê soldados iraquianos a arriarem a bandeira do Curdistão e a içarem a iraquiana, momentos após entrarem em Kirkuk.

Em Kirkuk, vivem cerca de um milhão de pessoas, maioritariamente curdas, mas também árabes, turcomenas e cristãs. Segundo o jornal curdo Kudaw, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, nomeou, esta segunda-feira, um árabe (Rakan al-Jbourri) como novo governador de Kirkuk.

Bloqueio ao Curdistão

Esta operação militar arranca três semanas após um referendo à independência do Curdistão, aprovado por 92,73% dos votos expressos, ao qual as autoridades de Bagdade responderam decretando um bloqueio àquela região autónoma do norte do Iraque.

“É meu dever constitucional trabalhar em benefício dos cidadãos e da proteção da nossa unidade nacional que ficou ameaçada de fragmentação em resultado do referendo organizado pela região curda”, afirmou, esta segunda-feira, o primeiro-ministro Haider al-Abadi. “O referendo realizou-se numa altura em que o país está a combater o terrorismo do Daesh. Tentamos incitar [os curdos] a não violarem a Constituição e a concentrarem-se na luta contra o Daeh, mas eles não ouviram… Sobrepõem os seus interesses pessoais aos interesses do Iraque.”

Os curdos, o maior povo sem Estado do mundo, sonham com a independência há séculos. As suas forças armadas — profissionais, disciplinadas, bem equipadas e com mulheres destemidas na linha da frente — foram fundamentais para a derrota do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) no Iraque.

Em língua curda, “peshmerga” significa “aquele que enfrenta a morte”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de outubro de 2017. Pode ser consultado aqui

Uma independência que ninguém quer… a não ser o maior povo do mundo sem Estado

O sonho tem séculos e os curdos não o esquecem. Esta segunda-feira realiza-se um referendo simbólico à independência daquele que é o maior povo sem Estado

Mapa do Curdistão iraquiano pintado com a bandeira curda WIKIMEDIA COMMONS

A independência do Curdistão é um tema recorrente na política internacional. Os curdos são o maior povo sem Estado em todo o mundo 45 milhões, estima a Fundação-Instituto Curdo de Paris ­, mas nunca viram concretizado o sonho de se governarem a si próprios. Recentemente, essa ambição voltou a ganhar palco após o protagonismo dos peshmergas (forças curdas iraquianas) no combate ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh). Profissionais, disciplinados, bem equipados e com mulheres destemidas na linha da frente na língua curda, peshmergas” significa aqueles que enfrentam a morte” , destoaram das desorganizadas e, por vezes, medrosas tropas iraquianas contribuindo para o prestígio da nação curda.

Na próxima segunda-feira, o Governo Regional do Curdistão que administra quatro províncias do norte do Iraque (Dohuk, Erbil, Sulaimaniyah e Halabja) organiza um referendo visando “alcançar um objetivo sagrado, que é a independência”, prometeu o presidente curdo, Massoud Barzani, na quarta-feira, num comício em Sulaimaniyah, diante de 20 mil pessoas. A consulta decorrerá também nas zonas disputadas pelos curdos e por Bagdade, que chegaram a estar nas mãos do Daesh e agora são controladas pelos peshmergas (como Sinjar ou Kirkuk, esta rica em petróleo). O referendo não é vinculativo, mas conferirá legitimidade às autoridades curdas para exigirem a separação do resto do país.

“Os curdos são a quarta maior nacionalidade no Médio Oriente e uma das nações mais antigas do mundo. Distinguem-se de outras nacionalidades da região em todos os aspetos [desde logo, não são árabes, apesar de Saladino, o grande herói dos árabes, ser curdo, e têm língua própria]. Durante muito tempo, os curdos foram ofuscados pela sombra dos nacionalismos turco, persa e árabe. As potências internacionais devem aos curdos o fim dessas injustiças históricas que os marginalizaram”, diz ao Expresso Bashdar Ismaeel, analista político curdo a viver em Londres.

Em causa está um território onde vivem mais de cinco milhões de pessoas, maioritariamente curdos, mas também assírios, árabes, arménios, turcomentos, caldeus, iazidis… O Curdistão tem um Parlamento próprio, em Erbil (capital), e forças militares (peshmergas). O orçamento do Governo Regional é alocado pelo Governo federal iraquiano.

A autonomia foi conquistada em condições dramáticas após a Guerra do Golfo (1991), quando os Estados Unidos decretaram uma zona de exclusão aérea sobre o Curdistão para proteger os curdos dos bombardeamentos de Saddam Hussein. Hoje, o contexto é muito diferente. “Os curdos têm uma forte posição estratégica, são atores-chave em muitos conflitos no Médio Oriente e têm reservas de petróleo consideráveis que podem suportar um Estado.”

Efeito dominó nos países vizinhos

Um Curdistão independente amputaria o Iraque de parte importante do seu território e faria disparar os alarmes de um efeito dominó nos países vizinhos que têm minorias curdas, designadamente na Turquia, na Síria e no Irão. Os maiores receios sentem-se na Turquia, onde mais de 20% da população é curda e onde o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, separatista) é considerado uma “organização terrorista”.

“A Turquia pode tomar medidas contra o Governo Regional do Curdistão mas é pouco provável que use a força militar. A Turquia tem fortes laços geopolíticos e económicos com os curdos, especialmente devido ao oleoduto [Kirkuk-Ceyhan]. Quaisquer medidas destinadas a punir os curdos teriam um efeito de ricochete”, defende Bashdar Ismaeel, também colunista de publicações como Kurdistan 24 e Ekurd Daily.

MAPA WIKIMEDIA COMMONS (2008)

“O Curdistão tem ligações fortes a muitos países. Acabou de assinar um grande acordo [de exploração] de gás com a Rosneft, da Rússia. A Turquia devia saber que [a construção de] um oleoduto lucrativo seria um aval efetivo a uma eventual independência curda.”

Esta semana, num comício, o presidente curdo afastou o cenário de uma cisão violenta. “Estamos preparados para iniciar conversações sérias, muito amigáveis e honestas com Bagdade, com a comunidade internacional ou com o apoio da comunidade internacional. Se for necessário tempo, um ano ou dois, no máximo, resolveremos todos os problemas nesse tempo. E depois diremos adeus de forma amigável”, disse. Esta sexta-feira, em entrevista ao britânico “The Guardian”, Massoud Barzani foi mais azedo, acusando o Iraque de ser “um Estado teocrático e sectário” e dizendo que o Parlamento iraquiano que no dia 12 rejeitou o referendo curdo “não é federal. É chauvinista e sectário. A confiança em Bagdade está abaixo de zero”.

“Os curdos têm repetido que querem um entendimento com Bagdade com base na diplomacia e no diálogo”, comenta Bashdar Ismaeel. “Eles já controlam o seu território. Se for usada a força, isso será orquestrado contra os curdos e não iniciado pelos curdos.”

Esta semana, em Nova Iorque, após discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas, o Presidente francês, Emmanuel Macron, disse que a França não se opõe ao referendo, mas… em vez de exigirem a independência, os curdos deveriam “pedir respeito e representatividade no Governo e na Constituição do Iraque para todas as minorias, em particular os curdos”.

Escaldados com a História, os curdos não estarão muito recetivos a conselhos ocidentais. Após a I Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres (1920), entre Aliados e o derrotado Império Otomano, contemplou a criação de um Curdistão em território turco, deixando de fora os curdos do Irão, do Iraque (controlado pelos britânicos) e da Síria (tutelada pela França). Depois, o assunto foi silenciado.

“O Iraque ou os países ocidentais podem fazer pouco para impedir o Estado [curdo]”, conclui Bashdar Ismaeel. “Além do mais, é-lhes difícil justificar por que razão muitas nacionalidades puderam exercer o seu direito histórico [à autodeterminação] há mais de um século, mas não os curdos. Argumentam com o momento ou então com a possível desestabilização do Médio Oriente. Mas, como a liderança curda tem questionado de forma repetida, haverá alguma vez um bom momento para os curdos? E quando é que o Médio Oriente foi verdadeiramente estável?”, questiona. “Em todo o caso, a liderança curda não está a pedir apoio aos países ocidentais, apenas que não interfiram.”

Artigo publicado no Expresso Diário, a 22 de setembro de 2017. Pode ser consultado aqui

Amnistia denuncia campanha anti-árabe no Curdistão iraquiano

Um relatório da organização humanitária revela que forças curdas iraquianas demoliram, fizeram explodir e queimaram milhares de casas num esforço deliberado para punir e forçar comunidades árabes à deslocalização

É uma guerra paralela no Iraque — a disputa por território em nome de identidades étnicas. “Forças peshmergas do Governo Regional do Curdistão e milícias curdas no norte do Iraque demoliram, fizeram explodir e queimaram milhares de casas num esforço aparente para desenraizar comunidades árabes em vingança ao que percecionam ser um apoio ao autodenominado Estado Islâmico [Daesh]”, denuncia a Amnistia Internacional num relatório divulgado esta quarta-feira.

O documento — intitulado “Banidos e desapossados: deslocamento forçado e destruição deliberada no norte do Iraque” — assenta numa investigação feita em 13 cidades e aldeias das províncias de Ninive, Kirkuk e Diyala, capturadas ao Daesh entre setembro de 2014 e março de 2015, em testemunhos de mais de 100 pessoas e imagens recolhidas por satélite.

As conclusões apontam para uma destruição em larga escala realizada por “peshmergas” (forças curdas iraquianas) e, em alguns casos, por milícias yazidis e grupos curdos armados oriundos da Síria e da Turquia, coordenados com os “peshmergas”.

“Forças do Governo Regional do Curdistão parecem estar a liderar uma campanha concertada para deslocar à força comunidades árabes, destruindo aldeias inteiras em áreas reconquistadas ao Daesh no norte do Iraque”, acusou Donatella Rovera, conselheira da Amnistia que investigou no terreno. “A deslocação forçada de civis e a destruição deliberada de casas e propriedades sem justificação militar podem constituir crimes de guerra.”

Estratégia inversa à de Saddam

Os curdos, que não são árabes, correspondem a cerca de 20% da população iraquiana e são a etnia maioritária no norte do país. Apoiados por bombardeamentos aéreos dos Estados Unidos, os “peshmergas” têm conseguido recuperar territórios ao Daesh, alguns etnicamente mistos.

Citado pela agência Reuters, Dindar Zebari, do departamento internacional do Governo do Curdistão, justificou que a destruição resultou dos combates entre os “peshmergas” e os jiadistas, bem como dos bombardeamentos da coligação internacional e de bombas deixadas para trás pelo Daesh. E recordou que a região deu guarida a 700 mil árabes em fuga à violência no resto do país.

A Amnistia Internacional alerta a coligação para que se assegure que a assistência ao Governo do Curdistão não contribua para abusos, nomeadamente para um processo inverso à campanha de arabização da região promovida por Saddam Hussein. Então, as populações visadas por deslocações forçadas foram os curdos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de janeiro de 2016. Pode ser consultado aqui