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Maleitas da Terra

Amanhã, comemora-se mais um Dia da Terra, ocasião em que se faz, tradicionalmente, a radiografia dos males do Planeta e se propõem algumas terapias. Este ano, o lema da campanha a favor da saúde do globo é «Energia limpa, já»

Amanhã, sábado, comemora-se o 30º Dia da Terra e mais uma vez ecoarão as vozes de ambientalistas de todo o mundo alertando para as maleitas do Planeta Azul. De facto, a Terra está doente e há pelo menos 40 anos que dá sinais disso. Com o passar do tempo, os sintomas agravaram-se, o declínio dos ecossistemas tornou-se mais visível. À beira do século XXI, a Terra corre o risco de deixar de poder alimentar a vasta diversidade de vida que suporta e a economia mundial.

O lema deste Dia da Terra é «Energia limpa já» e apela à substituição dos recursos energéticos que provocam o efeito de estufa por recursos naturais, como a energia solar e eólica. Mas os ecologistas sabem que é difícil convencer os Governos a pôr em prática protocolos e tratados e levar as grandes indústrias que produzem petróleo, carvão ou carros e que desbastam árvores a mudar de ramo.

Se o declínio continuar, «as implicações serão desastrosas para o desenvolvimento humano e a saúde de todas as espécies», alerta um relatório que será publicado em Setembro pela ONU, Banco Mundial e Instituto de Recursos Mundiais. Mais de 175 cientistas contribuíram para este estudo, intitulado «População e Ecossistemas: A Desgastante Rede da Vida».

Existem cinco ecossistemas principais no planeta que dão sinais de desgaste devido ao impacto da acção humana: florestas, redes de água doce, habitats marítimos e costeiros e terras de pastagem e de agricultura. São eles que temperam o clima, purificam e restauram águas, reciclam desperdícios e produzem alimentos.

Ao interferir nos mais básicos mecanismos do planeta, o Homem altera os principais ciclos do seu sistema. Ao bombear grandes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera, o Homem não repara que a terra e o mar não têm capacidade de o reabsorver e que acumulam gases, originando o efeito de estufa (cerca de 20 quilómetros acima das nossas cabeças), aquecendo e desafiando o clima.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o tráfego automóvel é o mais rápido produtor de poluição do ar na Europa e mata mais pessoas prematuramente (doenças respiratórias e cardíacas) do que os acidentes de automóvel.

À beira do colapso

Nos últimos 20 anos, a economia global triplicou e a população mundial cresceu 30%, concentrando-se nos meios urbanos e no litoral e alterando as regiões costeiras. A pressão populacional em certas zonas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, é responsável por catástrofes naturais, como a que devastou a América Latina em 1999. Ao longo do último século, perdeu-se metade das terras húmidas do planeta, sendo a desflorestação tropical de 130 mil quilómetros quadrados por ano. Com a desflorestação e as alterações climáticas aumentou o número de ciclones e de inundações, como os que atingiram 14 milhões de pessoas na China em 1998.

A alteração do clima faz os glaciares derreter e o nível das águas dos oceanos subir, levando ao desaparecimento futuro de pequenas ilhas ou mesmo de cidades costeiras. O Homem continua a pescar acima do sustentável, colocando à beira do colapso uma série de espécies piscícolas, como é o caso do bacalhau do Atlântico Norte, que atirou para o desemprego 300 mil canadianos e arruinou a economia de 700 comunidades.

Actualmente, 58% dos recifes de coral estão em perigo, 80% das terras de pasto sofrem de degradação dos solos, 20% das terras secas correm o risco de se transformar em desertos, os lençóis freáticos estão a ficar esgotados. Os seres humanos já utilizam metade da água doce disponível no planeta e constatam que dois terços das terras agrícolas estão de algum modo afectadas. Isto levanta uma questão: como é que se vai alimentar uma população com perto de oito mil milhões de pessoas em 2020? (Texto de Carla Tomás)

POPULAÇÃO. A população mundial ultrapassou, com o nascimento do pequeno Adnan, a 12 de Outubro de 1999, em Sarajevo — celebrado, em todo o mundo, como o «bebé 6 mil milhões» —, mais uma fasquia do seu imparável crescimento. Mas se Adnan simboliza a vida — e portanto a «população» como um recurso —, a distribuição desequilibrada das pessoas pelo planeta transforma a «população» num factor de degradação ambiental. Cerca de 20% da população mundial habita as regiões mais desenvolvidas da Terra, enquanto 80% concentra-se nas menos desenvolvidas — mais de metade das quais no continente asiático. A Ásia é, aliás, uma região verdadeiramente explosiva, em termos demográficos. Cinco das dez «bombas humanas» — os países que têm mais de 100 milhões de habitantes — são asiáticas e, de entre elas, China e Índia protagonizam uma disputa pelo título de país mais populoso do mundo: se hoje é a China, com mais de 1200 milhões de habitantes, em 2050, segundo a ONU, será a Índia, com mais de 1500 milhões de pessoas. A cidade mais populosa do mundo é igualmente asiática — Tóquio, com mais de 27 milhões de pessoas. Aliás, nove das dezasseis megacidades — metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes — situam-se na Ásia. Mas se é o continente asiático que detém os índices mais preocupantes no que respeita à distribuição demográfica, é África que protagoniza o crescimento mais espectacular. Segundo a ONU, de 1995 a 2000, a taxa de fecundidade total em África é superior a 5,31 filhos por mulher (em idade de procriar). (Texto de Margarida Mota)

CATÁSTROFES NATURAIS. As catástrofes naturais não existem, já dizia Jean-Jacques Rousseau no século XVIII a propósito das tragédias provocadas na época por sismos em zonas sobrepopuladas. Esta constatação foi sendo confirmada com a crescente interferência da acção humana junto das vulnerabilidades naturais. Calcula-se que tais catástrofes tenham triplicado nos últimos 30 anos e que o risco seja cada vez maior, devido às alterações climáticas (aquecimento do planeta) e à combinação da demografia e da pobreza, sobretudo nos países em desenvolvimento. O aumento da concentração das populações nas grandes zonas urbanas (sobretudo no litoral e em zonas de falhas sísmicas), a par com o desordenamento urbano, a fragilidade das construções e a falta de mecanismos de prevenção e socorro, são factores que potenciam os efeitos devastadores de qualquer terramoto, inundação ou ciclone. Com base num relatório sobre as catástrofes ocorridas em 1998, a Cruz Vermelha Internacional alertava para o facto de o mundo estar a entrar «numa nova era de superdesastres», devido à degradação ambiental (saturação dos solos), ao aquecimento global (subida do nível dos mares e da temperatura) e ao crescimento populacional. O «pior ano de que há memória» (1998) registou um conjunto de desastres naturais — ciclone «Mitch», na América Central, inundações na China, Vietname, Coreia e Filipinas, dois terramotos no Afeganistão e o maremoto na Papua-Nova Guiné — que provocaram cerca de 35 mil mortos e mais refugiados do que os conflitos bélicos juntos. Presente na memória estão também os desastres de 1999 e início de 2000: as piores inundações dos últimos 50 anos em Moçambique (500 mortos), ou as enxurradas que assolaram o Sul da Ásia (oito mil mortos na Índia); os terramotos que devastaram a Turquia (15 mil mortos), a Grécia (70) ou Taiwan (2 mil); ou o calor excessivo e as chuvas torrenciais na Europa. A multiplicação confirma a tendência. O Painel intergovernamental da ONU para a Mudança Climática prevê que, no próximo século, a temperatura aumente entre dois a seis graus. (Texto de Carla Tomás)

DESERTIFICAÇÃO. A desertificação dos solos é a catástrofe natural que mais pessoas afecta em todo o mundo. Em números redondos, 1000 milhões de pessoas vivem ameaçadas pelo fenómeno, 250 milhões são directamente afectadas e 25 milhões já fogem dele — originando uma nova condição de migrantes, os «refugiados ambientais». Cerca de 40% da superfície terrestre corresponde a solos secos, os quais, sendo responsáveis pela produção da maior parte dos alimentos que consumimos, são também os mais susceptíveis à erosão. Logo, se a produtividade das terras é condicionada, a segurança alimentar é directamente posta em causa. Além das alterações climáticas — um longo período de seca severa originou, em África, o Sahel —, as causas da desertificação derivam, cada vez mais, da intervenção humana: práticas agrícolas desadequadas às características dos ecossistemas, a desflorestação e a sobrexploração das terras (quer para pastagens quer para cultivo). A desertificação — que afecta cerca de 120 países — assemelha-se a uma onda que, ao avançar, vai empurrando toda e qualquer forma de vida para ecossistemas em equilíbrio que, naturalmente, entram em regressão. Além das consequências ambientais — alterações climáticas, fraca produtividade e perda da biodiversidade —, a pressão social resultante dessa concentração populacional potencia a ocorrência de relações conflituosas. (Texto de Margarida Mota)

ÁGUA. A água dos oceanos e mares cobre 71% da superfície da terra, constituindo o maior ecossistema do planeta, com uma variedade de «habitats» e uma riqueza de biodiversidade maior do que a terrestre. Os oceanos funcionam como reguladores da composição atmosférica, ciclo de nutrientes e controlo biológico dos sistemas naturais. Contudo, os ecossistemas marítimos estão sob grande pressão, devido ao crescimento populacional, concentrado nas zonas costeiras, às substâncias poluentes derivadas da actividade humana em terra (77% da poluição marítima) e à excessiva e massiva intervenção das frotas pesqueiras (que fazem capturas 40% superiores ao nível de sustentabilidade). Os pesticidas utilizados na agricultura ou os isótopos radioactivos (provenientes das descargas de centrais nucleares ou de ensaios balísticos) desaguam nos mares, provocando um impacto ambiental e interferindo na cadeia alimentar. Por seu lado, as barragens e diques — que permitem vida humana em zonas outrora inabitáveis, irrigando a agricultura — são também vistas como uma ameaça ao meio ambiente, impedindo os rios de chegarem ao mar, alterando os seus ecossistemas e dizimando espécies. A alteração climática e consequente aquecimento global fez subir os mares entre 10 e 25 centímetros em cem anos. Por cada centímetro de aumento, um metro de praia entra em erosão; por cada 10 centímetros, a água salgada penetra nos estuários e fá-los recuar um quilómetro; por qualquer aumento do nível do mar, cresce a salinidade das aquíferas de água doce. Um terço da população do Planeta Azul vive presentemente em condições de «stress hídrico» — ou seja, o consumo de água é 10% superior à reserva global de água doce. Mas este recurso vital está também desigualmente distribuído. E enquanto uns esbanjam o que podem vir a deixar de ter, outros economizam o que já escasseia. (Texto de Carla Tomás)

DESFLORESTAÇÃO. A desflorestação do que ainda resta dos 6 mil milhões de hectares que, em tempos, cobriram o planeta é semelhante à marcha de um «bulldozer» gigante que, anualmente, derruba, pelo menos, 16 milhões de hectares de árvores. Hoje, somente um quinto da cobertura vegetal original do planeta permanece intacta — 70% estendem-se ao longo de apenas três países (Brasil, Canadá e Rússia). Mas as exigências da vida moderna, designadamente o crescente consumo de papel e de madeira, deixa antever que, mais uma vez, é a intervenção humana que causa os maiores estragos. Paralelamente ao desbaste de árvores, a procura de terras para cultivo bem como a prática de queimadas completam o leque das principais ameaças. Segundo a agência das Nações Unidas para a agricultura e alimentação (FAO), na Amazónia, cerca de um terço dos fogos são ateados para desbastar zonas de floresta virgem. As grandes florestas são autênticos armazéns da biodiversidade — 50 milhões de indígenas habitam nas florestas tropicais —, além de funcionarem como mecanismos reguladores do ciclo da água, pelo que a sua destruição pode condicionar a sobrevivência do planeta. «Parar com a destruição destas florestas é, possivelmente, o sinal mais visível do desenvolvimento sustentado», afirmou, recentemente, Thilo Bode, director-executivo internacional da Greenpeace. (Texto de Margarida Mota)

EXTINÇÃO. A maior extinção massiva de espécies desde o desaparecimento dos dinossauros, há 65 milhões de anos, está a acontecer agora… por culpa do homem. E, se continuar a este ritmo, num futuro próximo, entre um e dois terços das espécies (de todas as ordens e classes) correm o risco de extinguir-se… e em cem anos pode desaparecer metade. As zonas do Globo mais atingidas ocupam só um quarto da superfície terrestre, mas é aí que vivem mais de um terço das espécies florestais e de vertebrados. Muitas delas estão ameaçadas devido à destruição do seu «habitat» natural, entretanto arrancado, queimado, sobrepovoado, excessivamente poluído, explorado ou vítima das alterações climáticas. Outras extinguem-se devido à pesca excessiva e à caça furtiva. para atender à procura de peles, amuletos, «souvenirs», medicina tradicional ou alimento. Entre as espécies animais mais ameaçadas estão o tigre de Bengala, o panda gigante, a tartaruga do mar, o rinoceronte de Sumatra, o antílope tibetano, o tubarão-baleia, a baleia azul, o gorila da montanha, o golfinho chinês e o elefante africano e asiático. Devido ao abusivo abate de elefantes e tigres, continua a ser travada uma «guerra de forças» entre os países que querem continuar a comercializar marfim, peles e ossos, e os que querem impor a total interdição do seu comércio. Nos mares, cerca de 70% das reservas de peixe estão no seu limite biológico e, nos rios, 20% dos peixes de água doce estão ameaçados de extinção. Cada vez que se perde uma espécie animal ou vegetal, o complexo equilíbrio da vida na Terra é abalado. Os nossos descendentes correm o risco de herdar um planeta homogéneo e de grande pobreza biológica. (Texto de Carla Tomás)

DO ACTIVISMO AO ECOTERRORISMO

Crescentemente, têm-se registado actos violentos perpetrados por organizações ambientalistas radicais, dando origem a um novo tipo de fundamentalismo — o ecoterrorismo —, defensor de todo e qualquer método para proteger a natureza.

Não usando métodos terroristas, a maior organização ambientalista mundial — a Greenpeace —, nascida há 25 anos, tem contudo vindo a «aterrorizar» muitos Governos e indústrias mundiais. Depois de uma fase inicial de luta contra o nuclear e a caça às baleias, a Greenpeace tem estendido a sua acção para a área dos resíduos, transgénicos, florestas e alterações climáticas. Sempre com irreverência, imaginação e polémica e sustentada em pareceres científicos de investigadores de nomeada.

Em Portugal, a associação que mais se aproxima destes métodos é a Quercus. Aliás, quando a Greenpeace decide intervir em Portugal — o que já aconteceu por três vezes nos últimos anos — recorre ao apoio desta associação portuguesa. Num dos casos, ocorrido em 1998, em que se tentou «sabotar» o descarregamento dum navio com soja transgénica, houve mesmo tiros de intimidação da polícia marítima. Para Francisco Ferreira, presidente da Quercus, «estas acções mediáticas são importantes para fazer passar a mensagem», mas «tudo o que possa pôr em risco a segurança de bens e de pessoas é excluído» da intervenção do grupo.

Quanto ao chamado ecoterrorismo, ganhou maior visibilidade após ser conhecida a admiração de Theodore Kaczynski — o famoso «Unabomber», que durante 16 anos se especializou no envio de cartas armadilhadas nos EUA — pela Terra Primeiro! (Earth First!), uma das mais destacadas organizações ao serviço do «terror verde». Em Outubro de 1997, esta organização publicou uma lista de nomes de executivos e de empresas cujas actividades constituiriam uma ameaça «à existência do mundo natural». Entre estes «alvos a abater» encontravam-se a Microsoft, a McDonald´s, a Nike e a Boeing.

A Terra Primeiro! (de que se conhece muito pouco) parece funcionar, aliás, como fonte inspiradora de outros grupos que partilham a sua linguagem radical, como a Frente de Libertação da Terra (FLT) e a Frente de Libertação dos Animais (FLA), que às vezes agem em conjunto. Do currículo da FLT consta um dos atentados mais espectaculares ao serviço da «causa verde»: o fogo posto, a 18 de Outubro de 1998, na mais frequentada instância de esqui dos EUA (Vail Mountain, Colorado), destruída para impedir a expansão do complexo em direcção à floresta, habitat do lince canadiano. «Eles não querem que isto seja visto como um acto de terrorismo, mas que seja encarado como um acto de amor pelo ambiente», afirmou Craig Rosebraugh, um activista que diz ser um simples transmissor da informação que anonimamente a FLT lhe envia. (Margarida Mota e Pedro Almeida Vieira) 

Artigo publicado no “Expresso”, a 21 de abril de 2000

Um mundo mais árido

Menos mediática que um sismo ou um furacão, a desertificação causa centenas de milhares de refugiados. Para debater o problema, uma das ameaças do próximo milénio, 159 países estão reunidos no Brasil

A desertificação dos solos é um fenómeno natural não tão mediático como um terramoto ou uma inundação, não tão espectacular quanto a erupção de um vulcão, não tão devastador como a passagem de um ciclone, mas é, seguramente, aquele que maior número de pessoas afecta. Discretamente hectares de terra vão sendo consumidos pela erosão resultante quer das alterações climáticas quer da intervenção humana, tornando insuportável — senão mesmo impossível — a vida em algumas partes do planeta.

Como uma verdadeira guerra, a desertificação tem já os seus «refugiados». Os números dizem que cerca de 250 milhões de pessoas são directamente afectadas por este fenómeno e que 1000 milhões estão em risco, sofrendo já de má nutrição (ver mapa e quadro).

Para fazer o ponto da situação do avanço da «onda amarela», os 159 países signatários da Convenção de Combate à Desertificação estão reunidos desde segunda-feira no Recife (Brasil), até à próxima sexta-feira.

Refugiados ambientais

Em muitos países, o problema dos «refugiados ambientais» será um dos maiores desafios do próximo milénio.

No México — onde a desertificação atinge 85% do território — as estatísticas revelam que, anualmente, entre 700 mil e 900 mil pessoas continuam a emigrar para os Estados Unidos. No Haiti, a situação é, por natureza, ainda mais desesperante, Centenas de haitianos «empilham-se», mensalmente, nos mediáticos «boat people», com a costa da Florida no horizonte, deixando para trás um país em total desertificação. Segundo o Ministério da Agricultura haitiano, a floresta Pic Macaya — um «pulmão verde», no Sul do país — tinha, há 30 anos, 6250 hectares de floresta virgem; em 1985, já só eram 225. Hoje, a cobertura vegetal não deverá ultrapassar os 100 hectares.

Em qualquer cenário de pobreza, fome e/ou guerra, as dificuldades económicas já não justificam, por si só, o êxodo demográfico. Cada vez mais, os fluxos migratórios devem-se, também, a motivações ambientais resultantes da pressão que a improdutividade dos solos gera sobre as populações.

«Se não produzirmos carvão, não comemos…»

Os escritos experientes do comandante Cousteau testemunham bem a frágil fronteira entre a necessidade de preservar os recursos naturais e a urgência em sobreviver: «Sem petróleo disponível e sem electricidade suficiente, muitos haitianos têm apenas madeira como combustível, apesar de estarem conscientes de que os seus fogões a carvão estão, gradualmente, a dizimar as últimas árvores da ilha. ‘Nós estamos a lutar contra a fome. Se não produzirmos carvão, não comemos´, explica o carvoeiro. O resultado é um pesadelo ecológico…»

A desflorestação — paralelamente à sobreexploração dos solos, à sobrepastagem, à degradação química das terras e à utilização incorrecta de métodos de cultivo — é uma das causas de desertificação provocadas pelo homem.

Em África — onde a terra assumum carácter verdadeiramente «sagrado» no quotidiano das populações —, o abate das florestas, combinado com longos períodos de seca, é mesmo a causa primária de desertificação. Mais do que em qualquer outro lugar, é em África que é mais imperioso envolver as comunidades locais no combate à desertificação dos solos.

Mulheres de Popenguine

A este nível, o Senegal — no coração da árida região do Sahel — foi palco de uma curiosa iniciativa de sucesso. Em Janeiro de 1989, um grupo de 119 mulheres — na sua maioria mães e donas-de-casa —, naturais de Popenguine (45km a Sul de Dacar), instituiu o «Grupo das Mulheres de Popenguine para a Protecção da Natureza». Tinham como objectivo a recuperação e protecção de uma área em adiantado estado de degradação e, para tal, ergueram, ao longo de 12km, uma cerca com seis metros de largura para proteger dos incêndios toda a fauna e flora aí existente.

Passados dez anos, as consequências não podiam ser mais animadoras: Popenguine é o destino de férias favorito dos senegaleses mais endinheirados; o Presidente da República construiu aí a sua residência de fim-de-semana e, devido ao santuário mariano existente, a região tornou-se um importante centro do catolicismo em África Ocidental, atraindo, anualmente, milhares de peregrinos.

A experiência de Mossi

Mas nem sempre o envolvimento dos locais é, só por si, garantia de sucesso. Em Burkina Faso, por exemplo, a população do planalto Mossi «descobriu» o desenvolvimento quando começou a desbastar florestas para produzir lenha, para abastecimento próprio e para as zonas urbanas. Depois, transformou as clareiras em campos de cultivo, submetendo os solos a uma forte pressão, no sentido de alimentar os locais e gerar algum rendimento para os agricultores. Sem pousio, as terras ficaram exaustas e entraram em regressão.

Terceiro problema mais preocupante

Não é pois de estranhar que, num recente inquérito sobre as preocupações ambientais, a desertificação tenha sido o terceiro problema mais preocupante para os inquiridos (depois das alterações climáticas e da escassez de água doce): afinal, cerca de 40% da superfície terrestre corresponde a terras áridas, semiáridas e sub-húmidas, as mais susceptíveis à erosão e as responsáveis pela produção da maior parte dos recursos alimentares do mundo.

♦ A desertificação afecta 120 países, entre os quais Portugal, causando um prejuízo global anual de 42 mil milhões de dólares

♦ Dos 14.900 milhões de hectares da superfície terrestre
— 6.100 milhões são terras secas
— 3.600 milhões são terras secas desertificadas
— 1.000 milhões são deserto hiperárido natural

♦ Dos 6000 milhões de habitantes do mundo
— 250 milhões são directamente afectados pela desertificação
— 1000 milhões estão em risco
— 25 milhões são ‘refugiados’

♦ Em África, o continente mais afectado
— 2/3 das terras são áridas ou semiáridas
— 1/3 está ameaçado pela desertificação
— O Programa das Nações Unidas para o Ambiente estima que, desde 1950, cerca de 500 milhões de hectares têm vindo a sofrer desertificação, incluindo 65% dos terrenos agrícolas. As áreas mais afectadas são a costa mediterrânica, a região sudano-saheliana e o Sul

PORTUGAL NÃO ESCAPA

Portugal é um dos 120 países afectados pela desertificação dos solos. Quase metade do território — Leste de Trás-os-Montes, Beiras, Alentejo e Algarve — é altamente susceptível ao problema.

Trás-os-Montes e Beiras têm vindo a pagar a factura da interioridade — por isso a desertificação é, sobretudo, humana. Já no Alentejo, o problema é, essencialmente, físico, fruto da adopção, no passado, de políticas que aceleraram a degradação das terras, nomeadamente a campanha do trigo, nos anos 30 e 40.

No Algarve — onde doze dos dezasseis concelhos registam taxas de susceptibilidade à desertificação entre os 90 e os 100% —, a erosão é, essencialmente, hídrica, à qual não será alheio o volume de água gasto na manutenção dos campos de golfe. A rega de um campo de 18 buracos, por exemplo, consome, num ano, tanta água quanto um agregado de 15 mil pessoas. A tendência de degradação dos solos é ainda agravada pelo facto de, em Portugal, só 8% das terras serem de boa qualidade (contra 14% nos restantes países do Sul da Europa) e 25% terem uma qualidade moderada (contra 52%).

Em Julho, o Ministério da Agricultura anunciou uma forte aposta no regadio como estratégia proncipal de fomento da produção agrícola nacional: o investimento de cerca de 135 milhões de contos na criação de 72.500 ha de regadios, através da construçãod e poços, furos, charcas, pequenas barragens e açudes e da aquisição de «pivots» e outros sistemas de rega.

Artigo publicado no “Expresso”, a 20 de novembro de 1999