Arquivo de etiquetas: Desporto

Nas favelas, nos museus, no amor e na destruição: 30 imagens que fazem de Cristiano um ícone planetário

Cristiano Ronaldo é alguém que — um pouco por todo o mundo — alimenta sonhos de miúdos e conquista a admiração de graúdos. Retratado em murais, esculpido em estátuas, estampado em t-shirts ou pintado em telas de artistas, CR7 é um fenómeno global, venerado como um deus nos campos de refugiados rohingya, nas favelas do Rio de Janeiro, nas ruas da Índia, do Haiti ou da Palestina

Escultura de areia de CR7, na cidade chinesa de Zhoushan GETTY IMAGES
Um artista pinta o retrato do futebolista português, em frente ao Hotel de Ville, em Paris KENZO TRIBOUILLARD / AFP / GETTY IMAGES
Uma turista demonstra toda a sua paixão por Ronaldo, num centro comercial de Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos MATTHEW ASHTON / GETTY IMAGES
Uma criança nepalesa acabou de receber uma camisola autografada pelo seu ídolo OMAR HAVANA / GETTY IMAGES
Ronaldo, Messi, Robben e Pirlo “testemunham” os dotes futebolísticos de duas crianças palestinianas, no campo de refugiados de Khan Yunis, Faixa de Gaza ABED RAHIM KHATIB / GETTY IMAGES
Um jovem prepara-se para uma partida de futebol, na cidade de Goma, República Democrática do Congo JUNIOR D. KANNAH / AFP / GETTY IMAGES
No Funchal, a estátua de Cristiano faz as delícias de muitos turistas que visitam a ilha natal do futebolista RAFAEL MARCHANTE / REUTERS
Um artista de rua desenha o retrato do casal Cristiano-Georgina, na cidade russa de Sochi NELSON ALMEIDA / AFP / GETTY IMAGES
Entre o brasileiro Neymar e o uruguaio Luis Suárez, num mural da favela Tavares Bastos, no Rio de Janeiro, Brasil YASUYOSHI CHIBA / AFP / GETTY IMAGES
Retratado como um czar (ao lado de Sir Alex Ferguson, que o treinou no Manchester United), na exposição “Como os Deuses”, no Museu da Academia Russa de Belas Artes, em São Petersburgo OLGA MALTSEVA / AFP / GETTY IMAGES
Uma admiração que atravessa várias gerações, numa rua estreita da cidade indiana de Calcutá SAIKAT PAUL / GETTY IMAGES
O número 7 foi estampado, o nome Cristiano foi manuscrito, nas costas de um jovem afegão, em Cabul AHMAD MASOOD / REUTERS
Desde junho de 2010 que Cristiano Ronaldo tem uma estátua de cera, no famoso museu Madame Tussauds, em Londres STEFAN WERMUTH / REUTERS
Cristiano também conquistou um lugar no Museu Madame Tussauds de Nova Deli, na Índia, inaugurado a 30 de novembro de 2017 SAJJAD HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Uma estátua em cera do futebolista é uma das atrações do Museu CR7, no Funchal OCTÁVIO PASSOS / GETTY IMAGES
Mural de Cristiano Ronaldo, na cidade russa de Kazan, que acolheu a seleção portuguesa no Mundial de 2018 BENJAMIN CREMEL / AFP / GETTY IMAGES
Na região nepalesa de Bhaktapur, uma criança olha para os destroços em que se transformou a sua casa, após um sismo OMAR HAVANA / GETTY IMAGES
Na confusão do trânsito de Croix-des-Bouquets, no Haiti, distingue-se o retrato de CR7 no vidro traseiro de uma carrinha ANDRES MARTINEZ CASARES / REUTERS
“O segredo de Cristiano”, uma obra do artista de rua italiano TvBoy, na baixa de Milão, Itália MIGUEL MEDINA / AFP / GETTY IMAGES
“Inseparável” de Messi, numa rua de Barcelona, Espanha LLUIS GENE / AFP / GETTY IMAGES
Viveiro de futebolistas, o Brasil também aprecia o talento de CR7, como esta mulher, no Morro dos Prazeres RICARDO MORAES / REUTERS
Numa praia de Mogadíscio, a capital da Somália FEISAL OMAR / REUTERS
Numa banca de matrioscas, em São Petersburgo, Rússia SERGEI KONKOV / GETTY IMAGES
No corpo de um manequim, na cidade de Turim, onde CR7 joga desde julho de 2018 MASSIMO PINCA / REUTERS
No corpo de uma criança rohingya, que espera pela distribuição de comida, no campo de refugiados de Tengkhali, na região de Cox’s Bazar, Bangladesh DAMIR SAGOLJ / REUTERS
Por baixo de Messi, ao lado de Obama, numa rua de Pelourinho, um bairro da cidade brasileira de Salvador JORGE SILVA / REUTERS
Na parede de uma casa, na cidade indiana de Calcutá RUPAK DE CHOWDHURI / REUTERS
Mural na cidade russa de Saransk FILIPPO MONTEFORTE / AFP / GETTY IMAGES
Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro nasceu a 5 de fevereiro de 1985, na cidade do Funchal, ilha da Madeira ARTUR WIDAK / GETTY IMAGES
CR7 transferiu-se esta época para a Juventus, após representar, enquanto jogador profissional, o Real Madrid (2009-2018), o Manchester United (2003-2009) e o Sporting (2001-2003) NICOLÒ CAMPO / GETTY IMAGES

Artigo publicado na “Tribuna Expresso”, a 14 de março de 2019. Pode ser consultado aqui

Hakeem foi libertado: “Lutámos por uma alma que representava a luta contra a tirania”

Detido na Tailândia durante a lua de mel, um atleta do Bahrain exilado na Austrália temia ser extraditado para o seu país, que acusa de perseguição. Foi libertado esta terça-feira, após uma campanha internacional que uniu governos, organizações de direitos humanos e o mundo do futebol

“You’ll Never Walk Alone.” “Nunca andarás sozinho”, cantaram, esta terça-feira, amigos, conterrâneos, ativistas e colegas de equipa do futebolista Hakeem al-Araibi à sua chegada ao Aeroporto Internacional de Melbourne, na Austrália. Com este famoso tema — nascido nos palcos dos musicais e imortalizado, em especial, pelos adeptos do Liverpoll —, pretenderam celebrar a superação de um momento dramático na vida deste atleta de 25 anos, natural do Bahrain e refugiado na Austrália, vivido ironicamente num período feliz da sua vida.

A 27 de novembro passado — acabado de chegar à Tailândia com a mulher para gozarem a lua de mel —, Hakeem foi detido no aeroporto de Banguecoque, ao abrigo de um mandado de captura internacional emitido pelo Bahrain.

Hakeem é “persona non grata” no seu país, de onde fugiu em 2014 para a Austrália. Outrora jogador da seleção nacional, tinha sido acusado de vandalismo numa estação de polícia. Julgado “in absentia”, foi condenado a 10 anos de prisão. Hakeem, por seu lado, acusa as autoridades do seu país de repressão motivada pela sua crença religiosa (é muçulmano xiita) e também pelo ativismo político do irmão — que está preso.

Detido na Tailândia, a perspetiva de ser extraditado para o Bahrain — e o receio de ser torturado — originou a campanha #SaveHakeem que envolveu o Governo australiano, organizações de direitos humanos e, em especial, Craig Foster, um antigo futebolista australiano que chegou a jogar na Premier League (Portsmouth e Crystal Palace). “Lutámos por uma alma porque Hakeem representava todos aqueles que sofrem às mãos da tirania e, através dele, esperamos construir um mundo melhor”, afirmou Foster, num comunicado, quando foi conhecida a libertação do atleta.

“Este é o resultado para o qual trabalhamos em conjunto com uma vasta coligação de organizações dos direitos humanos, governos e toda a comunidade do futebol nos últimos dois meses”, regozijou-se a FIFA, em comunicado.

Na região do Golfo, as autoridades do Bahrain não se dão por derrotadas. “O veredito de culpado contra o Sr. Al-Araibi mantém-se”, reagiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros. “O Reino do Bahrain reafirma o seu direito de prosseguir com todas as ações legais necessárias.”

“Crowdfunding” aberto, para a lua de mel

Em meados de janeiro, o caso de Hakeem cruzou-se com o da jovem saudita Rahaf Mohammed que, em fuga à família a caminho da Austrália (onde pretendia solicitar asilo), foi intercetada igualmente em Banguecoque, resistindo à extradição fechando-se dentro de um quarto de hotel no aeroporto. Após uma campanha de pressão desenvolvida sobretudo nas redes sociais, Rahaf haveria de conseguir asilo no Canadá.

À época, o diário britânico “The Guardian” questionava o porquê de o caso de Rahaf captar as atenções do mundo, enquanto Hakeem “era deixado na prisão”.

Dois meses e meio depois, o pesadelo de Hakeem terminou. Em breve, poderá retomar os treinos no Pascoe Vale Football Club, o clube semiprofissional de Melbourne onde joga. “A justiça prevaleu”, twitou o clube. “O nosso nº 5 Hakeem Al-Araibi está de volta a casa.”

Esta terça-feira, a Associação de Clubes de Futebol Australianos iniciou uma campanha de “crowdfunding” para “a lua de mel que Hakeem e a sua mulher não tiveram”.

Artigo publicado na “Tribuna Expresso, a 12 de fevereiro de 2019. Pode ser consultado aqui

Mundial 2022: Jogar no Qatar, dormir no Irão

O Qatar e o Irão lutam, presentemente, contra situações de asfixia internacional. O primeiro tenta resistir ao embargo decretado por quatro “irmãos” árabes que temem a sua proximidade ao Irão. Este tenta sobreviver à reposição de sanções ordenada por Donald Trump. Poderá o Mundial 2022 — organizado pelo Qatar — ser, para ambos, um aliado no combate a esse isolamento?

O Qatar está a equacionar hospedar algumas seleções que vão disputar o Mundial 2022 noutros países, nomeadamente no vizinho Irão. Em declarações à agência noticiosa francesa AFP, o chefe do comité organizador da competição disse que o pequeno emirado recebeu “muitas propostas de países” interessados em acolher equipas participantes no torneio, mas que a decisão terá de ser tomada “em conjunto com a FIFA”. “Ainda nada foi decidido”, afirmou Hassan Al Thawadi, na segunda-feira, em Paris, à margem do Fórum para a Paz. “O assunto continua a ser discutido.”

Para o Qatar, a necessidade de ter outras opções para acolher as equipas decorre de uma conjuntura de dificuldades logísticas em virtude do embargo decretado a 5 de junho de 2017 por quatro países árabes — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito —, que acusam o rico emirado de apoiar grupos islamitas radicais e de estar cada vez mais próximo do Irão, o grande rival geopolítico dos sauditas.

Usar infraestruturas iranianas seria algo também do interesse da República Islâmica, a braços com uma asfixia económica e financeira crescente, em virtude da reintrodução, por parte dos Estados Unidos, de sanções que tinham sido suspensas após a assinatura do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, em 2016. Na semana passada, foi reposto um pacote de sanções ao sector petrolífero, que ferem também empresas estrangeiras e países que continuem a fazer negócios com Teerão.

Em abril passado, o ministro iraniano dos Desportos, Massoud Soltanifar, disse que o Qatar poderia usar as dezenas de hotéis e de instalações desportivas existentes na ilha iraniana de Kish, a sul. “O Irão está pronto para fornecer ao Qatar qualquer assistência para ajudar o país a organizar melhor o torneio, que é visto por muitos milhões de pessoas”, disse Soltanifar, após um encontro com o homólogo do Qatar, à margem de uma reunião ministerial da Organização para a Cooperação Islâmica, em Baku, capital do Azerbaijão.

Se na Rússia foi bom, no Qatar será melhor

A competição está a quatro anos de distância — com o pontapé de saída previsto para 21 de novembro de 2022 —, mas o embargo que visa o Qatar não dá sinais de abrandar. “Espero que as nações que estão a realizar o bloqueio vejam o valor deste grande torneio e permitam que os seus povos beneficiem dele”, apelou Hassan Al Thawadi.

O responsável confirmou que o Mundial está a ser organizado mediante a fórmula de 32 equipas, apesar da FIFA, o organismo máximo que gere o futebol em todo o mundo, já ter aprovado um modelo de 48 equipas a partir do Mundial de 2026. “Há um estudo de viabilidade a pensar numa competição com 48 equipas. Uma decisão será tomada pela FIFA e por nós enquanto nação anfitriã”, acrescentou Al Thawadi.

Arranjar alojamento para mais 16 seleções complicaria enormemente a tarefa do Qatar. Durante uma recente visita às obras nos estádios, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, disse que o Mundial de 2022 a 48 seria “um desafio difícil”. Com a mesma certeza, afirmou: “O Mundial da Rússia foi o melhor de sempre, mas o Mundial de 2022 no Qatar — estou certo — será ainda melhor”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de novembro de 2018. Pode ser consultado aqui

Os desafios do poder, após a glória do críquete

Imran Khan toma hoje posse como primeiro-ministro. Prometeu acabar com a corrupção e bater o pé aos EUA

A história do Paquistão diz que, não raras vezes, só se sai da política para a cadeia ou num caixão. Impressiona, pois, quem como Imran Khan — que toma posse, este sábado, como primeiro-ministro deste país de 180 milhões — se tenha empenhado tanto em chegar à cadeira do poder. Logo ele que alcançara a unanimidade entre os paquistaneses ao liderar a seleção de críquete na conquista do seu primeiro Mundial, em 1992. Na final contra a Inglaterra, em Melbourne (Austrália), ele foi o capitão e também o jogador que mais pontuou.

O carisma e competência demonstrados em campo facilitaram a sua entrada na política. Em 1996, quatro anos depois da glória desportiva, fundou o Movimento para a Justiça do Paquistão (PTI, sigla inglesa) com o qual venceu as eleições de 25 de julho passado: não só obteve 32% dos votos (que lhe vale 158 dos 342 lugares na Assembleia Nacional), como tornou-se o partido mais votado no Punjab, a província mais populosa e onde Khan nasceu, em Lahore, há quase 66 anos.

O PTI demorou a impor-se. Da primeira vez que foi a votos, em 2002, elegeu apenas um deputado, Khan. Dezasseis anos depois, a popularidade do líder transformou-se em confiança e a sua proposta de “um novo Paquistão” conquistou o povo. “Ele não faz parte do velho establishment, de dinastias, como os Sharifs e os Bhuttos que têm governado quando há governos civis no poder”, diz ao Expresso Shairee Malhotra, investigadora no Instituto Europeu para os Estudos Asiáticos. “Tem pois a vantagem de não ter uma bagagem política desagradável.”

Durante a campanha eleitoral, Khan propôs um corte radical com o passado: acabar com a corrupção em 90 dias. A promessa tornou-o protagonista de piadas e valeu-lhe o rótulo de populista. “A luta contra a corrupção e a criação de um Paquistão novo e limpo teve repercussão junto dos jovens descontentes, que são mais de metade dos habitantes”, diz a investigadora.

Khan não detalhou como vai concretizar esse “milagre”, mas a sua eleição revela que, para muitos paquistaneses, o que conta é a sua honestidade. “A perceção geral é de que ele não é corrupto”, diz ao Expresso Jassim Taqui, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos Al-Bab, de Islamabad. “Mas há vozes que o acusam de fazer dinheiro com as suas instituições de caridade.” No rol dos seus projetos filantrópicos, destaca-se o Shaukat Khanum Memorial Cancer Hospital, que diz fornecer, todos os anos, tratamento grátis a 85% dos seus doentes oncológicos.

Imran Khan chega ao poder como o preferido (ainda que não de uma forma declarada) do todo-poderoso exército paquistanês. Jassim Taqui diz que ele pode tornar-se “um osso duro de roer, uma vez que é uma pessoa destemida”. “Ele é considerado fraco em matéria de extremismo e militância islâmica”, acrescenta Shairee Malhotra. “Foi por muitos apelidado de ‘Taliban Khan’ por defender o diálogo e negociações com os extremistas” em vez de uma estratégia militar.

A eleição do ex-desportista fez soar alarmes nos EUA, cuja guerra ao terrorismo e as operações com drones no Médio Oriente têm sido muito criticadas por Khan. “Nós tornámo-nos um aliado por procuração dos EUA numa guerra contra a União Soviética quando esta entrou no Afeganistão e permitimos que a CIA criasse, treinasse e armasse grupos jiadistas no nosso território. E uma década depois tentamos eliminá-los como terroristas sob as ordens dos EUA”, defendeu Khan em janeiro. “Chegou a hora de nos mantermos firmes e darmos uma forte resposta aos EUA.” Esta semana, no Twitter, Khan desejou sucesso à Turquia e a Erdogan “nos graves desafios económicos que têm pela frente”.

(Foto: Imran Khan tomou posse como primeiro-ministro do Paquistão a 18 de agosto FACEBOOK IMRAN KHAN (OFFICIAL)

Artigo publicado no Expresso, a 18 de agosto de 2018

A águia bicéfala, a seleção descalça e o faraó tchetcheno

O Mundial da Rússia termina este domingo e o presidente da FIFA, Gianni Infantino, já veio dizer que “foi o melhor de sempre”. Sem falhas organizativas ou aparatosos alertas de segurança, a competição não foi, porém, imune a provocações políticas

A política foi a jogo no Mundial. Jogadores suíços ‘picaram’ os sérvios, croatas provocaram a anfitriã Rússia e uma das estrelas do firmamento futebolístico internacional foi usada como propaganda na Chechénia. Sempre conservadora em relação a manifestações de cariz político, a FIFA abriu uma exceção que indispôs os “ayatollahs” iranianos…

GOLOS PELO KOSOVO

Decorria a fase de grupos e Suíça e Sérvia mediam forças em Kaliningrado. Granit Xhaka, aos 52 minutos, e Xherdan Shaqiri, aos 90 — suíços de origem kosovar —, marcaram os golos do triunfo helvético por 2-1. Na hora de os celebrar, não se contiveram na euforia e provocaram os sérvios fazendo com as mãos um sinal alusivo à bandeira albanesa que ostenta uma águia bicéfala.

O gesto mais não foi do que uma declaração política solidária para com o Kosovo, a antiga província sérvia de maioria albanesa que ascendeu à independência em 2008 e cuja soberania ainda não é reconhecida, para além da própria Sérvia, por países como Rússia, China e Espanha.

A Federação da Sérvia pediu dois jogos de suspensão para cada atleta por “provocação ao público”, mas a FIFA não foi além de uma multa individual de 10.000 francos suíços (8600 euros) por “comportamento antidesportivo contrário aos princípios do fair play”.

QATAR EM FORÇA, NAS BARBAS DOS SAUDITAS

A 14 de junho, aquando do jogo inaugural da competição entre Rússia e Arábia Saudita, o anfitrião Vladimir Putin teve a seu lado, na tribuna do Estádio Luzhniki (Moscovo), o príncipe herdeiro saudita. Para além da pesada derrota por 5-0, Mohammad bin Salman teve de digerir uma provocação geopolítica: em redor do relvado, destacava-se de forma persistente publicidade à Qatar Airways.

A Arábia Saudita foi a mentora do bloqueio por terra, mar e ar imposto ao Qatar a 5 de junho de 2017, ao qual aderiram também Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito. Desde então, o Qatar passou a gastar dez vezes mais para importar alimentos e medicamentos, mas com o avultado patrocínio da sua transportadora aérea, que se repetiu em todos os jogos do Mundial, o pequeno emirado do Golfo Pérsico mostra a quem o quis asfixiar financeiramente que o bloqueio não está a resultar.

Há, porém, quem avance com outra justificação para esta investida publicitária… A organização do Mundial de 2022, atribuída ao Qatar, continua em perigo, pelo que dar milhões à FIFA pode ser uma forma de a segurar. Após a atribuição do evento ao Qatar se rodear de polémica, e de suspeitas de corrupção, a organização tem vindo a ser bombardeada com fragilidades: as altas temperaturas e índices de humidade inviabilizam a realização do torneio no verão; os adeptos homossexuais não são bem vindos no país; e o consumo de álcool é proibido. Durante a construção dos estádios, morreram pelo menos 520 trabalhadores, oriundos sobretudo de Bangladesh, Índia e Nepal. Tudo isto para além do bloqueio em curso.

Estados Unidos e Inglaterra têm sido os países mais falados no caso de relocalização do evento. Mas esta sexta-feira, a FIFA tranquilizou o Qatar ao anunciar as datas do seu Mundial: decorrerá no inverno, entre 21 de novembro e 18 de dezembro.

NIKE DESCALÇA O IRÃO

Ainda o apito inicial do Mundial estava longe de soar e já o selecionador do Irão, Carlos Queiroz, se queixava das condições de trabalho da sua equipa. Por questões políticas, muitos países recusam-se a disputar amigáveis com a seleção persa, privando os iranianos de um planeamento profissional.

A 2 de junho, o Irão tinha agendado um particular com a Grécia, em Istambul, que foi abruptamente cancelado pelos gregos em virtude de um contencioso entre Atenas e Ancara envolvendo a detenção de dois soldados gregos na fronteira entre os dois países. Neste caso, o Irão foi uma “vítima colateral” de uma guerra que não era sua, mas é o que acontece a um país com uma exposição internacional muito condicionada como a do Irão.

Nas vésperas do arranque do Mundial, o boicote à equipa iraniana assumiu outros contornos. A marca de equipamentos desportivos Nike recusou-se a fornecer chuteiras à “team Melli”, como os iranianos chamam à sua seleção. “Não é uma escolha”, justificou-se a Nike, escudando-se com as sanções impostas pelos Estados Unidos. Em compensação, a alemã Adidas não falhou com o fornecimento das camisolas.

RELAÇÃO ENVENENADA ENTRE INGLESES E RUSSOS

A chegada da seleção inglesa às meias finais do Mundial da Rússia prova que os súbditos de Sua Majestade não se deram mal nas terras dos czares, ainda que a relação diplomática entre Londres e Moscovo já tenha tido melhores dias.

Após o envenenamento do russo Sergei Skripal, ex-espião do britânico M16, e da sua filha Yulia, a 4 de março, na cidade inglesa de Salisbury, o Reino Unido apontou o dedo acusador à Rússia e declarou que não se iria fazer representar ao mais alto nível nas bancadas do Mundial. O então ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, elevou a fasquia da agressividade e comparou a organização russa do Mundial de futebol aos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, que funcionaram como propaganda ao regime nazi.

O caso do espião envenenado, e da tensão política que se lhe seguiu, terá contribuído para a ausência de milhares de apaixonados adeptos ingleses nas ruas russas. Para assistir ao jogo dos oitavos de final, em que a Inglaterra venceu a Suécia por 2-0, apenas 1608 ingleses compraram bilhetes através da federação inglesa — na fase de grupos, o número de bilhetes vendidos oscilou entre os 1510 (para a partida contra a Tunísia) e os 2659 (com a Bélgica). Na mente de muitos adeptos estará também os confrontos entre russos e ingleses registados em Lille, durante o Euro 2016, antes do jogo entre as duas seleções (1-1), na fase de grupos.

No seu Mundial, os russos não permitiram, porém, que este histórico manchasse o evento e, na cerimónia de abertura, escolheram um britânico — Robbie Williams — para protagonizar o momento musical, em parceria com a soprano russa Aida Garifullina.

MO SALAH, O FARAÓ… DA CHECHÉNIA

A intenção terá sido a melhor, mas a escolha de Grozny, por parte da federação egípcia, como sede da sua seleção durante o Mundial da Rússia teve consequências imprevistas. Grozny é a capital da Chechénia, uma região russa maioritariamente muçulmana que, não há muito, travou duas guerras separatistas com Moscovo: 1994-1996 e 1999.

A Chechénia tem agora no poder Ramzan Kadyrov, um muçulmano ultraconservador com pazes feitas com o Kremlin e que tem estado na mira de organizações de defesa dos direitos humanos por repressão a opositores políticos e perseguição aos homossexuais.

Com a presença dos egípcios no território que governa e, em particular, de uma das estrelas maiores do futebol internacional — Mohamed Salah, que joga no Liverpool —, Kadyrov não perdeu oportunidade de tirar vantagens políticas. Atribuiu a Salah o estatuto de cidadão honorário da Chechénia, durante um banquete oferecido à equipa no seu palácio e fez-se passear ao lado do futebolista diante das bancadas do Akhmat Arena, onde locais assistiam a um treino dos egípcios. Salah não fez qualquer comentário público. Talvez não esteja consciente do ‘filme’ propagandístico em que participou.

ELIMINAÇÃO DA RÚSSIA DEDICADA À… UCRÂNIA

Se chegar às meias finais de um Mundial é uma emoção para qualquer futebolista, consegui-lo à custa da seleção da Rússia foi para dois croatas uma alegria incontrolável.

Ognjen Vukojevic, elemento da equipa técnica, e o defesa Domagoj Vida — ambos ex-jogadores do Dínamo de Kiev (Ucrânia) — cederam a uma recôndita paixão e, após o jogo dos quartos de final contra os russos, gravaram uma mensagem polémica: “Glória à Ucrânia! Esta vitória é para o Dínamo de Kiev e para a Ucrânia.” Rússia e Ucrânia estão de relações cortadas em virtude do apoio de Moscovo aos separatistas do leste da Ucrânia e à anexação russa da Crimeia, legitimada por referendo, a 16 de março de 2014.

O vídeo incendiou as redes sociais e levou a FIFA a abrir um processo disciplinar que concluiu com a repreensão dos dois croatas e uma multa de 12 mil euros a cada um. A federação croata foi mais longe: pediu “desculpa ao público russo” e despediu Vukojevic, que tinha publicado o vídeo. Mas o técnico não tardou a ter uma oferta de emprego… Andriy Pavelko, presidente da Federação da Ucrânia, foi ao Parlamento de Kiev envergando a camisola e um cachecol da Croácia e defendeu a contratação do técnico dispensado. Foi ovacionado de pé pelos deputados da nação.

À ATENÇÃO DOS “AYATOLLAHS”

O rendimento da seleção iraniana no Mundial, que por pouco condenava Portugal a não passar da fase de grupos, empolgou a nação persa e levou aos estádios russos iranianas como não é possível ver-se na República Islâmica. Desde 1980 — um ano após a Revolução Islâmica liderada pelo “ayatollah” Khomeini — que é proibido às iranianas a entrada nos estádios de futebol do país. Quem desafia essa proibição pode ser detida, mas muitas iranianas arriscam-no disfarçando-se de homens.

“Sara” (nome fictício para evitar represálias) é uma ativista da causa que viajou até à Rússia para se manifestar por esse direito. Para irritação do regime de Teerão, a FIFA autorizou “Sara” e quem a acompanhava a expor cartazes de protesto no interior dos estádios do Mundial. “A FIFA proíbe as mensagens políticas, mas esta não é uma questão política”, disse a ativista ao diário espanhol “El País”. “É uma questão de direitos humanos.”

Já no decorrer do Mundial, o regime iraniano experimentou uma abertura e autorizou as mulheres a entrarem no Estádio Azadi, em Teerão, para assistirem, ao lado dos homens, à transmissão dos jogos do Irão com Espanha e Portugal em ecrã gigante.

DE RELAÇÕES CORTADAS, MAS SÓ FORA DE CAMPO

Sem grande alarido, Marrocos e Irão cortaram relações diplomáticas há cerca de dois meses. A iniciativa partiu de Rabat que não gostou de descobrir que operacionais do Hezbollah — o movimento xiita libanês próximo do Irão — estão a treinar e a armar combatentes da Frente Polisário, que pugna pela independência do Sara Ocidental.

A ‘zanga’ não se sentiu dentro ou fora de campo quando Marrocos e Irão se defrontaram, a 15 de junho, no primeiro jogo do grupo de Portugal, que os iranianos venceram (1-0). Mas teve consequências desportivas que se manifestaram na véspera do arranque do Mundial.

Em votação que decorreu durante o Congresso da FIFA, em Moscovo, a candidatura tripartida de Canadá, Estados Unidos e México conquistou o direito de organizar o Mundial de 2026. O projeto concorrente foi apresentado por Marrocos, que o tentava pela quinta vez. A candidatura americana recebeu 134 votos (entre os quais o de Portugal) e a de Marrocos 65. Houve ainda três abstenções e a posição única e original do Irão… Perante propostas de Estados Unidos e Marrocos, com quem não tem relações diplomáticas, o Irão optou pela rejeição dos dois projetos votando expressamente “nenhuma das candidaturas”.

(Imagem: Bandeiras dos 32 países que disputaram o Mundial da Rússia MAX PIXEL)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 13 de julho de 2018. Pode ser consultado aqui