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Os jogos da diplomacia

Em tempo de olimpíadas não esqueçamos que o desporto é uma eficaz arma política

Na reta final da sua histórica visita a Cuba, Barack Obama passou pelo Estadio Latinoamericano, em Havana, para um aparente momento de descompressão. Sorridente, sem gravata, de óculos de sol e recetivo à “hola mexicana” que corria as bancadas, o Presidente dos EUA — sentado entre a mulher Michelle e o homólogo cubano, Raúl Castro — assistiu a um jogo de basebol entre a seleção cubana e os Tampa Bay Rays, da Florida.

A sua presença descontraída no estádio, em amena cavaqueira com Raúl Castro, era a prova, para os 55 mil cubanos que enchiam as bancadas e para os milhões que seguiam pela televisão, que a tensa relação de décadas entre EUA e Cuba fazia parte do passado. Não parecendo, aquela ida ao basebol era também um ato político.

“O desporto é uma linguagem global e um fenómeno social compreendido por todas as culturas, raças, etnias, religiões e nações. É a força motriz por trás da globalização na medida em que aumenta a interação e a comunicação entre povos que podem não ter qualquer interação ou comunicação entre si”, explica ao Expresso Omar Salha, perito em Diplomacia do Desporto da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS), da Universidade de Londres.

“A vantagem de ser parte integrante da cultura popular global torna o desporto mais eficaz, em termos de ligação e comunicação entre as massas, do que a diplomacia tradicional centrada nos Estados. Isso é evidente quando vemos muitos países a adotar o desporto como plataforma e porta-voz de uma Diplomacia Pública e de uma marca nacional, através da organização de Jogos Olímpicos ou do Campeonato do Mundo da FIFA.”

Diplomacia do basebol

Ao contrário da maioria dos países latino-americanos, onde o futebol é rei, nos EUA e em Cuba, o desporto por excelência é o basebol. Desde a revolução cubana de 1959 e até 22 de março passado, cubanos e norte-americanos tinham-se defrontado apenas por uma vez — em 1999, mandava Fidel Castro em Cuba e Bill Clinton nos EUA. A 28 de março desse ano, os Baltimore Orioles tornaram-se a primeira equipa norte-americana a competir na Cuba comunista. Cinco semanas depois, os Baltimore acolheriam os “peloteros” cubanos.

Ao comparecer no estádio de Havana, Obama celebrou uma paixão partilhada pelos dois povos e reafirmou semelhanças em relação ao antigo inimigo. Os Tampa Bay Rays ganhariam por 4-1. “O resultado final foi favorável aos Rays, mas hoje todos ganhámos no Estadio Latinoamericano”, escreveu a equipa norte-americana no Twitter.

Documentos do Departamento de Estado norte-americano com data de 1975, entretanto desclassificados e divulgados pelo Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, revelam que, em Washington, havia quem defendesse o recurso ao basebol para “ajudar a quebrar o gelo” com Cuba. Mas, para os EUA, a década de 70 não seria frutuosa, no que respeita ao dossiê Cuba.

Diplomacia do pingue-pongue 

Inversamente, os anos 70 seriam marcados pelo desanuviamento entre EUA e China, com origem na diplomacia do pingue-pongue. Em abril de 1971, a convite da China, um grupo de mesatenistas norte-americanos viajou até Pequim. Fotografados junto à Grande Muralha, foram capa da “Time”, com o título “China: um jogo totalmente novo”. Esta digressão abriu caminho à visita à China do Presidente Richard Nixon, em fevereiro de 1972, um dos marcos da Guerra Fria.

“O uso de ‘soft power’ no desporto por parte das administrações norte-americanas evoluiu significativamente com o programa de Diplomacia do Desporto, do Gabinete de Assuntos Educativos e Culturais [do Departamento de Estado]”, comenta Omar Salha. “Com este programa — treinando jovens, comprometendo-os com uma grande variedade de desportos, como natação, basebol, basquetebol e “soccer” (futebol), e oferecendo bolsas a instituições que partilhem a mesma filosofia e ética —, os EUA criam uma imagem favorável, aumentam a sua popularidade em termos desportivos e, mais importante, tentam promover objetivos de política externa através de práticas educativas, culturais e desportivas.”

Diplomacia do basquetebol

Nos últimos anos, sem cobertura oficial, o excêntrico basquetebolista norte-americano Dennis Rodman empenhou-se numa diplomacia do basquete para limar arestas entre EUA e Coreia do Norte. Os dois países nunca tiveram relações diplomáticas desde a divisão da península coreana, em 1953, sendo os interesses norte-americanos em Pyongyang representados pela Suécia.

“Não sou Presidente, nem político, nem embaixador. Sou apenas um atleta, que quer lá ir e fazer alguma coisa pelo mundo. Só isso.” Assim falava Rodman em janeiro de 2014 à partida para uma visita à Coreia do Norte, onde esteve pelo menos seis vezes. Na mala, a antiga estrela dos Chicago Bulls levava planos para organizar um “jogo de boa vontade” entre antigas glórias da NBA e atletas norte-coreanos.

A cruzada de Rodman, que não produziu resultados políticos, levantou um coro de críticas segundo as quais estaria a contribuir para a legitimação de um regime repressivo. “É importante perceber a legitimidade política e económica que os países procuram quando se tornam membros de organizações desportivas”, refere Omar Salha. “Há mais países representados e reconhecidos no Comité Olímpico Internacional e na FIFA do que na ONU. Apesar do atrativo que há em unificar e unir uma nação sob os auspícios de um espetáculo desportivo, o risco de a dividir é tão grande como o de a unir. Ou, recordando as palavras de George Orwell: ‘O desporto é a guerra sem os tiros’.”

CRÍQUETE APROXIMA OS RIVAIS
ÍNDIA E PAQUISTÃO

O aproveitamento político do desporto não é uma estratégia exclusiva dos EUA. Entre Índia e Paquistão — potências nucleares que disputam o controlo da região de Caxemira —, o críquete tem sido usado para desanuviar as frequentes situações de tensão entre os dois países que, no século XX — desde a partição da Índia Britânica (1947), de que resultou a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, muçulmano —, travaram três guerras (1947, 1965 e 1971). A foto mostra uma fase de aproximação, em abril de 2005, com o Presidente paquistanês Pervez Musharraf (de óculos) e o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh (de turbante) a assistirem, em Nova Deli, ao último de seis jogos de críquete entre as duas seleções nacionais em solo indiano. Após os atentados de Bombaim de novembro de 2008, que provocaram pelo menos 166 mortos, e que foram planeados e organizados a partir do Paquistão, a relação entre os dois países só recuperou alguma normalidade em 2011, por ocasião das meias finais do Campeonato do Mundo de Críquete, disputadas entre ambos. Então, o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, agradeceu a presença do homólogo paquistanês, Yousuf Raza Gilani, que assistiu ao jogo na cidade indiana de Mohali. O críquete ainda não conseguiu o milagre da paz entre Índia e Paquistão, mas, de tempos a tempos, vai criando essa ilusão.

Artigo publicado no Expresso” e no “Expresso Diário”, a 6 de agosto de 2016, decorriam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Pode ser consultado aqui

À procura de um acordo… para continuar a negociar

Durante seis dias, Irão, União Europeia e seis grandes potências reuniram-se na Suíça para uma maratona de conversações sobre o nuclear iraniano. As partes obrigaram-se à obtenção de um acordo até à meia-noite de hoje

PIXABAY

Termina à meia-noite desta terça-feira o prazo para a obtenção de um acordo preliminar sobre o programa nuclear do Irão. A ser alcançado passará a funcionar como moldura política para as negociações técnicas que se seguirão. As partes tentarão, então, alcançar um novo acordo — esse sim definitivo — até 1 de julho de 2015.

Das conversações que decorrem, desde quarta-feira passada, no Beau Rivage Palace Hotel, na cidade suíça de Lausana — ao nível dos chefes da diplomacia —, ora foram transpirando declarações de impaciência ora indícios de que um acordo poderia estar iminente. O mais forte desses indícios terá sido a manobra do ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, que abandonou as negociações na segunda-feira, prometendo regressar apenas se houvesse uma possibilidade “realista” de acordo.

Lavrov voltou efetivamente à Suíça durante a tarde de terça-feira. “As perspetivas nesta ronda de conversações não são más. Eu diria que até são boas”, disse Lavrov, antes de sair de Moscovo. “As hipóteses são altas. Provavelmente não são absolutas, mas são bastante realistas, se nenhum dos participantes elevar a fasquia até ao último momento na esperança de ganhar qualquer coisa extra na reta final, em vez de procurar manter o equilíbrio de interesses.”

A meio da tarde, a agência Associated Press noticiava que a maratona de negociações deveria culminar com uma declaração em que as partes se comprometem a prosseguir as conversações numa nova fase.

À mesa das negociações, o Irão — que garante que as suas atividades nucleares visam apenas fins civis, como a produção de eletricidade — exige o levantamento das sanções internacionais, que têm afetado fortemente a sua economia, em troca de limitações temporárias às suas atividades nucleares.

Por seu lado, as potências internacionais que negoceiam com o Irão — os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França) e a Alemanha (P5+1) — querem atrasar em 15 anos a capacidade de Teerão produzir a bomba nuclear. Na comunidade internacional, há muita desconfiança em relação às reais intenções iranianas. Acresce que algumas fases do processo de produção de energia nuclear podem ter duplo uso, civil e militar.

A duração de um eventual acordo e o ritmo do levantamento das sanções parecem ser os principais pontos de atrito entre os dois lados da mesa negocial. “Toda a gente sabe que o Congresso (dos EUA, de maioria republicana, crítica das negociações com o Irão) está à espera para agir se não for alcançado um acordo”, alertou Marie Harf, porta-voz do departamento de Estado norte-americano. Neste contexto, agir significa aprovar novas sanções contra o Irão.

O que está em cima da mesa?

O início do programa nuclear iraniano remonta à década de 50, mas apenas a partir de 2003 se tornou problemático, após a Agência Internacional de Energia Atómica ter revelado que Teerão não declarou atividades sensíveis de enriquecimento e reprocessamento de urânio.

Presentemente, o Irão possui cerca de 18 mil centrifugadoras — cerca de 10 mil das quais estão a funcionar —, equipamento usado para produzir urânio enriquecido, ingrediente necessário à produção de energia nuclear. Em cima da mesa está uma proposta de redução do número de centrifugadoras, para cerca de 6000.

Segundo a Agência Internacional de Energia Atómica, o Irão tem oito toneladas de urânio enriquecido entre os 3,5 e os 5%. Se essa quantidade for enriquecida a um nível de 90%, será suficiente para produzir cinco ou seis bombas atómicas, garante o diário israelita “Haaretz”.

Precisamente em Israel, o desfecho das negociações de Lausana é visto com redobrada atenção. “Se não for garantida a exportação das 7-8 toneladas de urânio pouco enriquecido, os americanos não conseguirão o seu objetivo” de afastar o Irão da obtenção da bomba, alertou Amos Yadlin, antigo chefe do serviço de informações das Forças de Defesa de Israel, que era a escolha para ministro da Defesa da União Sionista (centro-esquerda), nas recentes legislativas.

O destino a dar a esse “stock” é outra das grandes questões em aberto. Há uma proposta no sentido do urânio ser transportado para o estrangeiro, nomeadamente para a Rússia, possibilidade que o negociador chefe iraniano, o vice ministro dos Negócios Estrangeiros, Abbas Araghchi, disse “não estar na agenda” de Teerão.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 31 de março de 2015. Pode ser consultado aqui