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Dez altos e baixos da política externa de Donald Trump

Três analistas comentam a diplomacia do 45º Presidente. Do braço de ferro com a China à ambiguidade em relação às alterações climáticas

1 PANDEMIA A covid-19 tomou o mundo de assalto e os EUA em particular, tornando-os o país mais castigado. Donald Trump desvalorizou o problema, descredibilizou a Organização Mundial da Saúde e, mesmo após ter sido infetado, ignorou o perigo promovendo comícios de multidões. “É a primeira vez desde o pós-guerra que os EUA não estão na primeira linha de uma resposta a uma crise internacional relevante”, diz Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais. “É uma mudança profunda. A principal potência internacional abdica da sua posição como garante da ordem e da estabilidade internacional.”

2 CHINA Com origem em Wuhan, a pandemia acentuou a ‘guerra fria’ entre EUA e China, levando Trump a encher a boca com “o vírus chinês”. “Barack Obama defendia que era impossível uma estratégia de contenção da ascensão da China por causa da interdependência entre as economias americana e chinesa”, diz Carlos Gaspar. “Trump decidiu ou foi levado a alinhar com uma estratégia de contenção da China cujo primeiro passo decisivo é o desacoplamento tecnológico e comercial entre as duas maiores economias mundiais. Está a pôr em causa a dinâmica de globalização.”

3 COREIA DO NORTE Quando Trump chegou à Casa Branca, a Península da Coreia, e o mundo por arrasto, estava em polvorosa perante sucessivos ensaios nucleares norte-coreanos. Trump fez tábua rasa da prática presidencial que o precedeu e tornou-se o primeiro Presidente a pisar a Coreia do Norte. Esteve três vezes com Kim Jong-un, mas o diálogo não deu frutos: Pyongyang não desnuclearizou, e Washington não levantou as sanções. “O que se vê a esta distância é que o Presidente dos EUA ofereceu uma gigantesca photo op a um ditador cruel, que não é de confiar, a troco de quase nada”, diz Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas.

4 ISRAEL-PALESTINA Trump fez uma escolha clara quando, a 6 de dezembro de 2017, reconheceu Jerusalém como capital de Israel. Acentuou esse alinhamento pelo Estado judaico a 15 de setembro passado ao surgir como o anfitrião da assinatura dos Acordos de Abraão, pelos quais duas monarquias árabes sunitas (Emirados Árabes Unidos e Bahrein) reconheceram Israel. “São o culminar de quatro anos de política pró-Israel, de diabolização do Irão [persa xiita] e sobretudo o ponto de chegada da preferência clara pela Arábia Saudita [árabe sunita]”, diz Germano Almeida. “É bom ver Israel assinar a paz, mas é preciso ver o que se perdeu à conta disso.” Os palestinianos foram ignorados e o Irão espicaçado.

5 IRÃO Trump deu total prioridade ao isolamento do Irão e isso ficou patente a 8 de maio de 2018 quando retirou os EUA do acordo internacional sobre o programa nuclear de Teerão. “A diabolização do Irão foi energizada pela necessidade de querer destruir tudo o que Obama fez”, diz Germano Almeida. Ao rasgar o acordo distanciou os EUA dos europeus, que mantiveram o compromisso, e desbravou caminho “a uma política para o Médio Oriente baseada em dois ‘pivôs’ por procuração: Israel e a Arábia Saudita”. O assassínio por um drone americano, a 3 de janeiro de 2020, do general Qasem Soleimani, o cérebro das intervenções iranianas na região, insere-se nessa guerra.

6 RÚSSIA Trump chegou à Casa Branca sob a suspeita de ter beneficiado de uma interferência russa nas eleições. Mas não evitou que a relação EUA-Rússia se degradasse. “A retórica utilizada em Washington relativamente à Rússia assumiu contornos nunca vistos”, diz o major-general Carlos Branco, autor do livro “Do fim da Guerra Fria a Trump e à Covid-19” (2020). “O secretário de Estado, Mike Pompeo, foi ao ponto de afirmar que a Rússia é um perigo para os EUA. O encerramento dos consulados russos em São Francisco, Nova Iorque e Washington foram precedentes perigosos. A classificação da Rússia pela Estratégia Nacional de Segurança, aprovada em 2017, como uma potência revisionista, colocando-a ao nível de ‘Estados párias’ como a Coreia do Norte, indica ao ponto a que chegou a relação.”

7 AFEGANISTÃO Com tropas neste país desde 11 de setembro de 2001, os EUA celebraram, a 29 de fevereiro deste ano, a paz com os talibãs que abre as portas ao regresso a casa. “Este acordo insere-se no cumprimento da promessa eleitoral de terminar com as ‘guerras intermináveis’”, diz o major-general Carlos Branco, antigo porta-voz do comandante da força da NATO no Afeganistão. “Os soldados americanos iniciarão uma retirada progressiva, pendente da evolução das negociações entre o Governo de Cabul e os talibãs, que não estão a ser fáceis.” Ao negociar diretamente com os talibãs, Trump contornou as dificuldades do diálogo intra-afegão. “Este acordo completa a estratégia de retraimento dos EUA, que decidiram pôr fim ao ciclo de intervenções militares no ‘arco islâmico’”, acrescenta Carlos Gaspar. “Quiseram impor a paz e sair com honra, mas este acordo não garante a paz aos afegãos, nem a honra dos norte-americanos e põe em causa tudo aquilo pelo qual os militares norte-americanos e os seus aliados combateram no Afeganistão.”

8 MULTILATERALISMO Um cunho da Administração Trump foi a denúncia de compromissos internacionais: Parceria Transpacífico, NAFTA, Acordo de Paris, Nuclear do Irão, UNESCO, Conselho dos Direitos Humanos… “Trump não simpatiza com o multilateralismo, sobretudo quando não é vantajoso para os interesses americanos. Mas é preciso avaliar com cautela as questões relativas à NATO”, alerta Carlos Branco. “As dificuldades de diálogo com os aliados europeus prendem-se, acima de tudo, com a sua reduzida contribuição financeira para o orçamento da organização. Contudo, nunca a NATO teve uma atividade tão intensa desde o fim da Guerra Fria.”

9 ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS A 1 de junho de 2017, Trump chocou o mundo ao retirar os EUA do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, criando polémica num assunto consensual nos corredores científicos e políticos. “É o momento mais vergonhoso dos anos Trump”, diz Germano Almeida. “Dá mau nome à América e coloca os EUA como ‘Estado pária’ num assunto fundamental para esta e as próximas gerações.” O Presidente nunca se assumiu totalmente como um negacionista, mas foi ambíguo para agradar aos empresários.

10 TERRORISMO George W. Bush executou Saddam Hussein, Barack Obama eliminou Osama bin Laden e Trump o líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi. Como os antecessores, pode dizer que tem “um troféu de caça” que, de forma mais simbólica do que real, identifica a derrota da ameaça islamita.

(FOTO Encontro entre Kim Jong-un e Donald Trump, na Zona Desmilitarizada U.S. GOVERNMENT / RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Donald Trump aspira ao Nobel da Paz. Serão os Acordos de Abraão suficientes?

O dedo da Administração norte-americana no processo de normalização da relação diplomática entre Israel e dois países árabes é o grande trunfo de Donald Trump na disputa pelo Nobel da Paz, que será conhecido esta sexta-feira. Mas há um histórico que joga contra si: no passado, antecessores que mediaram negociações importantes no Médio Oriente foram ignorados pela Academia

O Prémio Nobel da Paz 2020 é anunciado esta sexta-feira e, segundo a organização, há 211 indivíduos e 107 organizações na corrida. A lista de candidatos não é pública, mas pelo menos um nome é conhecido.

Christian Tybring-Gjedde, deputado norueguês do Partido do Progresso (populista), fez saber que propôs a candidatura de Donald Trump. “Por seu mérito, acho que tem feito mais tentativas para criar a paz entre as nações do que a maioria dos outros indicados para o prémio da Paz”, justificou.

O Presidente dos Estados Unidos tem como forte trunfo os Acordos de Abraão, assinados na Casa Branca a 15 de setembro, que selaram a normalização da relação diplomática entre Israel e dois países árabes — os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, ambos na região do Golfo Pérsico.

Não se tratando de verdadeiros acordos de paz, uma vez que os signatários não estavam nem nunca se envolveram em guerra, são entendimentos importantes numa região tão conflituosa como o Médio Oriente, onde a diplomacia norte-americana leva décadas de investimentos.

“Goste-se ou não, os Estados Unidos continuam a ser o principal intermediário em negociações no Médio Oriente”, diz ao Expresso Henry R. Nau, professor no Departamento de Ciência Política da Universidade de George Washington (Washington D.C.). “Por imperfeita que seja a política do Médio Oriente, os acordos entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain representam dois grandes passos em frente na direção de uma região mais estável.”

Nos últimos 50 anos, a diplomacia dos Estados Unidos participou com êxito na mediação de três importantes tratados de paz na região. Dois foram mesmo assinados na Casa Branca e valeram aos protagonistas diretos o Nobel da Paz — mas não ao mediador.

Dialogar às escondidas

O primeiro concretizou-se a 17 de setembro de 1978, era o Presidente dos EUA Jimmy Carter. O democrata foi anfitrião da cerimónia de assinatura dos Acordos de Camp David, que levaram à paz entre Israel e o Egito.

O tratado resultou de 13 dias de negociações secretas em Camp David, casa de campo presidencial, nas montanhas Catoctin, no estado de Maryland. Naquele recato, o diálogo fez-se entre três homens: Carter, que mediou, Menachem Begin (primeiro-ministro israelita) e Anwar al-Sadat (Presidente egípcio). Apenas os dois últimos foram então agraciados com o Nobel da Paz.

Quinze anos depois, o caminho da paz no Médio Oriente voltou a passar pelos Estados Unidos. A 13 de setembro de 1993, a Casa Branca abriu portas a novo acontecimento histórico: a assinatura dos Acordos de Oslo, pelos quais Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP) se reconheceram mutuamente, dando início a um processo negocial que tinha a sua etapa final na declaração do Estado palestiniano.

Ainda que o trabalho de formiga tenha sido realizado pela diplomacia da Noruega, os Acordos de Oslo valeram o Nobel da Paz apenas aos protagonistas: os israelitas Yitzhak Rabin (primeiro-ministro) e Shimon Peres (ministro dos Negócios Estrangeiros) e o palestiniano Yasser Arafat (líder da OLP). Ganhariam o Nobel em 1994 e não em 1993, ano dos sul-africanos Nelson Mandela e Frederik de Klerk.

Bill Clinton seria ainda mediador no Tratado de Paz entre Israel e a Jordânia, assinado a 26 de outubro de 1994, em Arabah (Israel), junto à fronteira entre os dois países. Mas o Nobel nunca lhe chegaria às mãos, contrariamente a Jimmy Carter que haveria de ser galardoado em 2002 “por décadas de incansável esforço para encontrar soluções pacíficas para os conflitos internacionais, fazer avançar a democracia e os direitos humanos e promover o desenvolvimento económico e social”, justificou o Comité Nobel.

E Trump?

Donald Trump tem contra si este histórico, que colocou antecessores seus em plano secundário perante a Academia Nobel, mas tem também obra feita. Além dos Acordos de Abraão, contribuiu decisivamente para o desanuviamento da tensão na Península da Coreia (ainda que sem resultados políticos substanciais) e averbou um tratado de paz entre os EUA e os talibãs afegãos, assinado a 29 de fevereiro passado, em Doha (Qatar).

Além disso, ao ter eliminado o líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi, em outubro de 2019, sempre pode dizer que teve um papel principal no combate ao terrorismo internacional.

(FOTO RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Os ‘tweets’ mais populares de Donald Trump: do covid à pose Rocky Balboa

John Fitzgerald Kennedy inventou as conferências de imprensa em direto, Bill Clinton expôs-se em late-night talk shows, Franklin Delano Roosevelt elegeu a rádio como forma preferencial de comunicar com os norte-americanos e Donald Trump revelou-se um mestre no Twitter. O anúncio de que estava infetado com o novo coronavírus valeu ao Presidente dos EUA um recorde de popularidade nessa rede social

Da Casa Branca para o povo, há mais de 100 anos que sucessivos presidentes dos Estados Unidos da América vêm inovando na forma de comunicar com os norte-americanos. Franklin Delano Roosevelt (FDR), que foi chefe de Estado entre 1933 e 1945, instituiu o hábito de “conversar” com regularidade aos microfones da rádio. Através das suas fireside chats (“conversas à lareira”), transmitidas à noite, tornava-se visita de casa de milhões de pessoas.

FDR aproveitava para explicar as suas políticas, desmantelar boatos e serenar os ânimos em épocas turbulentas, como foram os anos da Grande Depressão e da II Guerra Mundial. No primeiro episódio (que pode ser escutado aqui), transmitido a 12 de março de 1933, o Presidente explica o funcionamento do sistema bancário e o porquê de esse sector estar em crise à época.

“Vejo a escolha do Twitter por parte de Donald Trump como estando em linha com uma longa lista de métodos que os presidentes têm usado para chegar diretamente ao público”, diz ao Expresso o académico David Greenberg, professor de História e de Jornalismo e Estudos de Media na Universidade Rutgers (Nova Jérsia). “Muitos outros presidentes foram inovadores ao tentar ‘contornar’ a imprensa e comunicar ‘diretamente’ com o povo.”

Chegar a quem não vê motícias

Além dos programas radiofónicos de FDR, Greenberg cita a criação de uma sala de imprensa na Casa Branca na época de Theodore Roosevelt (1901-1909) onde o Presidente se encontrava frequentemente com repórteres. Refere as conferências de imprensa de Woodrow Wilson (1913-1921), os discursos de Dwight D. Eisenhower (1953-1961), as conferências de imprensa em direto de John Fitzgerald Kennedy (1961-1963). E também a utilização que fez Bill Clinton (1993-2001) de meios de transmissão de nicho, como os canais por cabo, que se multiplicavam na altura, e a participação em late-night talk shows para chegar a pessoas que não viam notícias.

“Neste contexto, Trump não está a romper de modo radical com as práticas anteriores, mas simplesmente — na tradição de muitos antecessores — a explorar novas plataformas de comunicação que se tornaram disponíveis.”

Fazer as coisas à sua maneira

Com mais de 87 milhões de seguidores no Twitter — só 16 países têm população superior —, Trump faz-se “ouvir” com profusão várias vezes ao dia na conta @realDonaldTrump, abdicando de comunicar através da conta oficial do Presidente (@POTUS).

“Julgo que Trump usa a sua conta porque já tinha angariado muitos seguidores antes de ser Presidente”, diz Greenberg. “Mas também revela a propensão para fazer as coisas à sua maneira, e não de acordo com as regras ou os protocolos oficiais. Recorde-se como olhou diretamente para o eclipse solar [a 21 de agosto de 2017] ou não usa máscara durante esta pandemia.”

Trump abriu a conta em março de 2009, quando a sua notoriedade decorria do mundo da televisão. Apresentava o reality show “The Apprentice” e detinha os direitos sobre os concursos de beleza Miss Universo e Miss América. Era também multimilionário.

Nem sempre usou o Twitter da mesma forma desenfreada como hoje faz, mas pelo menos dois dos seus tweets mais populares foram publicados antes de ser Presidente — ambos visando… Barack Obama. Segue-se o top-10 de tweets de Trump que mais agitaram as redes.

1. APANHEI O COVID

“Esta noite, a primeira-dama e eu tivemos testes positivos de covid-19. Iremos começar a nossa quarentena e processo de recuperação imediatamente. Passaremos por isto juntos!” (918.700 partilhas e 1,8 milhões de ‘gostos’)

Na madrugada de 2 de outubro, Trump anunciou que estava infetado com o novo coronavírus. Este tweet tornou-se o mais popular de sempre do atual Presidente dos EUA, com quase um milhão de partilhas e dois milhões de ‘gostos’, reações ora solidárias com o estado de saúde de Trump, ora de grande ironia, dada a forma irresponsável como este tem abordado a pandemia.

2. TRUMP VERSUS CNN

(464.100 partilhas e 505.000 ‘gostos’)

Sem necessidade de recorrer a palavras e com a hashtag #FraudNewsCNN (Notícias fraudulentas CNN), a 2 de julho de 2017, Trump publicou um vídeo onde, junto a um ringue de wrestling, um homem com a cabeça de Trump derruba e agride violentamente outro homem, que tem no lugar da cabeça o logotipo da CNN. O vídeo desencadeou críticas e acusações de que o Presidente estava a promover a violência contra a comunicação social. Este é um tweet cujos números de partilhas e ‘gostos’ continuam a crescer, dada a permanente hostilidade do Presidente ao canal de televisão sediado em Atlanta.

3. O GORDO DO KIM

“Por que razão haveria Kim Jong-un de insultar-me, chamando-me ‘velho’, quando eu nunca lhe chamaria ‘baixo e gordo’? Ah bem, eu tentei tanto ser amigo dele — e talvez um diz isso venha a acontecer!” (417.600 partilhas e 536.100 ‘gostos’)

A 12 de novembro de 2017, durante uma viagem ao continente asiático, Trump provoca o líder da Coreia do Norte com este tweet. Ter-se-á tratado de reação a uma declaração da agência noticiosa oficial norte-coreana, que se referiu a Trump como um “velho lunático”.

A tensão entre os dois países estava ao rubro, alimentada por sucessivos testes com mísseis realizados pela Coreia do Norte, que levaram Trump a chamar little rocket man a Kim. Exatamente sete meses após a provocação de Trump no Twitter, os dois líderes fizeram história e encontraram-se pela primeira vez, em Singapura.

4. A AMÉRICA VOLTA A SER GRANDE

“Hoje fizemos a América grande outra vez!” (328.600 partilhas e 499.600 ‘gostos’)

Foi desta forma que Trump celebrou no Twitter a sua vitória eleitoral, a 8 de novembro de 2016. Make America Great Again foi o principal mote da campanha que elegeu Trump para o cargo de 45.º Presidente dos Estados Unidos.

5. OBAMA, ESSE ÓDIO DE ESTIMAÇÃO I

“Você tem permissão para impugnar um Presidente por incompetência grosseira?” (324.700 partilhas e 231.600 ‘gostos’)

Publicado a 4 de junho de 2014, quando na Casa Branca estava ainda Obama, este tweet alude a um acordo polémico entre os EUA e os talibãs afegãos, que levou à libertação de Bowe Bergdahl. Em 2009, este soldado norte-americano tinha sido feito refém da Rede Haqqani, grupo insurgente alinhado com os talibãs. O acordo que tornou possível a libertação do militar, a 31 de maio de 2014, envolveu a libertação de cinco membros dos talibãs detidos na base de Guantánamo, desencadeando grande contestação.

6. É TERRORISMO INTERNO

“Os Estados Unidos da América irão designar a ANTIFA uma organização terrorista.” (315.000 partilhas e 794.400 ‘gostos’)

A 31 de maio de 2020, seis dias após a morte do afroamericano George Floyd, asfixiado por um polícia em Minneapolis, Trump declara guerra ao movimento Antifa. Formado por grupos de esquerda, defende o recurso à violência no confronto com forças que classificam como fascistas, autoritárias, racistas, xenófobas ou homofóbicas. O Antifa sobressaiu nos protestos contra a violência policial que saíram às ruas de cidades norte-americanas, o que levou Trump a qualificar os protestos antirracistas como “terrorismo doméstico”.

7. EM SOCORRO DO RAPPER

“A$AP Rocky foi libertado da prisão e está a caminho de casa para os Estados Unidos desde a Suécia. Foi uma semana dura, vem para casa assim que possível A$AP!” (309.700 partilhas e 818.200 ‘gostos’)

A$AP Rocky, rapper norte-americano, fora detido na Suécia após uma altercação numa rua de Estocolmo que envolveu três outros membros da sua comitiva, a 30 de junho de 2019. Foi preso e levado a julgamento, onde foi declarado inocente. A 2 de agosto, num tweet entusiasmado em que utiliza o nome do artista para fazer trocadilhos, Trump congratulou-se com a sua libertação. Esta foi a publicação de Trump mais partilhada e com mais ‘gostos’ em 2019.

8. OBAMA, ESSE ÓDIO DE ESTIMAÇÃO II

“Preparem-se, há uma pequena hipótese de a nossa horrível liderança estar, sem saber, a levar-nos à III Guerra Mundial.” (291.200 partilhas e 176.700 ‘gostos’)

Publicado a 31 de agosto de 2013, visa diretamente a Administração Obama e a sua estratégia de intervenção na Síria. Este tweet voltou a circular com força quatro anos depois, quando, com Trump na Casa Branca, os Estados Unidos bombardearam uma base de forças governamentais sírias com 59 mísseis Tomahawk, a 6 de abril de 2017.

9. COMO UM RAMBO

(283.300 partilhas e 650.500 ‘gostos’)

Sem qualquer mensagem de texto associada, Trump assume-me como peso-pesado e partilha esta imagem a 27 de novembro de 2019. O rosto é seu, o corpo é da personagem Rocky Balboa, o pugilista a que deu vida Sylvester Stallone, na saga cinematográfica “Rocky”. No Congresso norte-americano decorriam as audições relativas ao seu processo de impugnação (impeachment). Trump sairia ileso desse combate.

10. NÃO TENHAM MEDO DO COVID

“Vou deixar o grande Centro Médico Walter Reed hoje às 18h30. Sinto-me mesmo bem! Não tenham medo do covid. Não deixem que isso domine as vossas vidas. Nós desenvolvemos, sob a Administração Trump, alguns medicamentos e conhecimentos mesmo excelentes. Sinto-me melhor do que há 20 anos!” (282.700 partilhas e 593.000 ‘gostos’)

Foi a mensagem partilhada na passada segunda-feira, horas antes de o Presidente dos EUA deixar o hospital militar no estado de Maryland, onde esteve internado desde a sexta-feira anterior, infetado com covid-19.

(ILUSTRAÇÃO GDJ / PIXABAY)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Guerra aberta entre Donald Trump e a sua rede social favorita

Em menos de uma semana, o Twitter sinalizou duas publicações do Presidente dos Estados Unidos, sugerindo ao leitor a verificação de factos, e apagou outra por “incitamento à violência”, Pelo meio, Donald Trump aprovou legislação que retira proteção jurídica às empresas que exploram a Internet

A rede social favorita do Presidente dos Estados Unidos apagou-lhe, esta sexta-feira, uma publicação por “incitamento à violência”. Nesse post, relativo à morte do afro-americano George Floyd, asfixiado sob o joelho de um agente da polícia, Trump aludia aos edifícios queimados e às pilhagens de lojas que se verificaram em Mineápolis, onde ocorreu o crime.

Trump criticou a falta de liderança do mayor Jacob Frey — nas suas palavras “um radical de esquerda” — e ameaçou enviar a Guarda Nacional para controlar a cidade. “When the looting starts, the shooting starts.” (Quando o saque começa, começa o tiroteio.)

A publicação foi apagada, mas numa nota colocada no espaço do tweet é disponibilizado uma ligação que a torna visível. “Pode ser do interesse público que este tweet continue acessível”, explica a rede social. Porém, não é possível comentar, fazer “gosto” na publicação ou partilha-la sem fazer qualquer comentário.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1266231100780744704?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1266231100780744704%7Ctwgr%5E73b9a07c38f5d4282e42b5d78949f345654b4bf5%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2020-05-29-Guerra-aberta-entre-Donald-Trump-e-a-sua-rede-social-favorita

A guerra entre Trump e o Twitter começou terça-feira, depois de a rede social, pela primeira vez, ter sinalizado dois tweets do Presidente com um link de verificação de factos. Nas mensagens, Trump considerava “fraudulento” o voto por correspondência, opção que pode vir a ser alargada nas eleições presidenciais de 3 de novembro em virtude das limitações provocadas pela pandemia de covid-19.

Trump respondeu à intervenção do Twitter, quinta-feira, emitindo um decreto executivo “sobre prevenção da censura online”. O diploma retira proteção jurídica às empresas que exploram a Internet, possibilitando que os reguladores federais as penalizem pela forma como ‘policiam’ os conteúdos.

“Twitter, Facebook, Instagram e YouTube possuem imenso, se não inédito, poder de moldar a interpretação de acontecimentos públicos; de censurar, apagar ou fazer desaparecer informação; e de controlar aquilo que as pessoas veem ou não”, lê-se no decreto.

Zuckerberg em defesa de… Trump

Pressentindo perigo também para os seus lados, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, saiu em defesa de Donald Trump, afirmando em entrevista à televisão Fox News que o papel das empresas privadas não é serem “árbitros da verdade”. Respondeu-lhe Jack Dorsey, presidente executivo do Twitter: “A nossa intenção é ligar os pontos de declarações em conflito e mostrar as informações em disputa para que as pessoas possam julgar por si mesmas”.

Trump é penalizado no âmbito de um assunto sobre o qual tem sido muito criticado pela forma tardia como reagiu. George Floyd foi morto na segunda-feira, mas o Presidente norte-americano pronunciou-se sobre o caso pela primeira vez apenas quarta-feira à noite, quando Mineápolis já estava tomada por violência, pilhagens e edicícios a arder. No Twitter, claro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Twitter mostrou ‘cartão amarelo’ a Trump e este virou o jogo a seu favor

A rede social favorita do Presidente dos Estados Unidos considerou dois tweets de Donald Trump infundados e sugeriu aos leitores a verificação dos factos. O visado protestou, mas não abandonou o Twitter e até inventou uma teoria da conspiração que inclui acusações falsas de homicídio. A menos de meio ano das eleições, e com taxas de aprovação negativas, a interferência na sua “liberdade de expressão”, de que acusa o Twitter, pode ter utilidade política

A rede social Twitter assinalou, pela primeira vez, dois tweets do Presidente dos Estados Unidos, disponibilizando um link de verificação de factos. Publicados na terça-feira, neles Donald Trump descredibilizou o voto por correspondência nas eleições presidenciais de 3 de novembro, recurso encarado por vários estados norte-americanos para contornar as dificuldades criadas pela pandemia de covid-19.

“As caixas de correio serão assaltadas, os boletins serão forjados e até impressos ilegalmente e assinados de forma fraudulenta”, vaticinou Trump. “Esta eleição será uma fraude. Não pode ser!”

Nos dois tweets que a mensagem ocupou, o Twitter adicionou um link — escrito a cor azul e sinalizado por um ponto de exclamação — que remete para uma página criada pela plataforma, com informação factual que rebate as imprecisões do Presidente, publicada em órgãos de informação ou divulgada por utilizadores credíveis.

Trump não gostou e procurou transformar a polémica desencadeada pela sua rede social favorita em proveito próprio. “O Twitter está agora a interferir na eleição presidencial de 2020. Está a dizer que a minha declaração sobre boletins de voto por correspondência, que conduzirá a corrupção em massa e fraude, está incorreta, com base em verificação de factos feita pela ‘Fake News CNN’ e pelo ‘Amazon Washington Post’. O Twitter está a sufocar completamente a LIBERDADE DE EXPRESSÃO, e eu, como Presidente, não deixarei que isso aconteça!”

Na origem desta entrada em cena da empresa tecnológica está uma teoria da conspiração urdida pelo próprio Trump na mesma rede social, à volta de uma mulher chamada Lori Klausutis que morreu em 2001, de complicações cardíacas, quando trabalhava para Joe Scarborough, então congressista republicano eleito pela Florida.

Scarborough é hoje apresentador de um talk-show matinal na MSNBC e um dos ódios de estimação de Trump, que lhe chama ‘Psycho Joe Scarborough’. No Twitter, Trump insinuou que o ex-congressista estaria envolvido na morte de Lori.

Numa carta enviada a 21 de maio a Jack Forsey, CEO do Twitter, tornada pública na terça-feira, o viúvo de Lori pediu que as mensagens de Trump sobre o caso fossem apagadas. “Os tweets do Presidente que sugerem que Lori foi assassinada — sem provas (e contrariando o resultado da autópsia) — são uma violação das regras e dos termos de utilização do Twitter. Um utilizador comum como eu seria banido da plataforma por um tweet desses mas eu apenas peço que esses tweets sejam removidos”, escreveu Timothy Klausutis.

“Peço-vos que intervenham neste caso, porque o Presidente dos EUA apropriou-se de algo que não lhe pertence — a memória da minha esposa morta — e perverteu-o em nome de ganhos políticos.”

Sem filtro, para mais de 80 milhões de seguidores

O Twitter não apagou os posts de Trump, mas decidiu passar a sugerir ao leitor a “obtenção dos factos” sobre o assunto em questão. Os tweets do Presidente “contêm informações potencialmente enganosas sobre os processos de votação e foram assinalados para que seja fornecido contexto adicional”, justificou Katie Rosborough, porta-voz da tecnológica.

Com estes alertas, o Twitter abriu a ‘caixa de Pandora’. O protagonismo que Trump lhe dá contribuiu para atrair muitos utilizadores. Atualmente, o chefe de Estado ‘fala’ sem filtro e várias vezes ao dia para mais de 80 milhões de seguidores, muitas vezes em registo mentiroso, impreciso e intimidatório.

Se no passado a rede social sempre resistiu à pressão para que não pactuasse com falsidades expressas por Trump — já apagou publicações de Jair Bolsonaro, por exemplo —, após este precedente estará sob forte escrutínio relativamente à forma como irá tolerar algumas ‘tiradas’ do Presidente norte-americano.

Um trunfo político a não desperdiçar

A curto prazo, a polémica servirá para que Trump se mostre como um líder combativo a quem querem calar — até o Twitter. Tudo acontece a menos de seis meses das eleições presidenciais de 3 de novembro, com evidente interesse político para a sua campanha, em especial numa altura em que a gestão da crise provocada pelo novo coronavírus — prestes a atingir os 100 mil mortos no país — lhe atribui taxas de aprovação abaixo dos 50%.

“Sempre soubemos que Silicon Valley [onde estão sediadas as grandes tecnológicas, como o Twitter] faria todos os esforços para obstruir e interferir com o Presidente Trump, passando a sua mensagem aos eleitores”, reagiu Brad Parscale, diretor da campanha Trump 2020.

Menos de 24 horas após publicar os tweets assinalados pelo Twitter como infundados, Trump já voltou à rede pelo menos 40 vezes, no seu estilo de sempre. Numa delas escreveu: “Hoje ultrapassamos os 15 milhões de testes, de longe a maior quantidade do mundo. Abrir [o país] em segurança!” Será caso para o Twitter intervir?

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui