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Trump: Os dois primeiros anos de um Presidente único

Donald Trump está a meio caminho do seu mandato presidencial. Sobressai um temperamento difícil e um estilo de governação turbulento com consequências no país e no mundo

Donald Trump atinge, amanhã, metade do mandato. Cumpre-o num momento de tensão no país, com mais de 800 mil funcionários públicos parados em casa, há quase um mês, sem receber. Assim continuarão enquanto durar o braço de ferro entre o Presidente e a maioria democrata no Congresso, que não dá a Trump os milhões que ele quer para o muro do México.

Esta semana, Trump reagiu ao impasse de forma bizarra. Num jantar na Casa Branca em homenagem aos Clemson Tigers, campeões universitários de futebol americano, banqueteou a equipa com uma mesa coberta de embalagens de hambúrgueres, nuggets de frango, batatas fritas e pizza. Numa cedência à fast food, havia também saladas. “Se é americano, eu gosto. São tudo coisas americanas”, disse. Trump justificou o buffet com a ausência do pessoal da cozinha, vítima do encerramento parcial do Governo (shutdown).

Do evento, uma foto destacou-se. Sozinho, de pé, no topo da mesa, Trump sorri. Num retrato atrás dele, Abraham Lincoln — para muitos o melhor Presidente de sempre — “observa” todo o espetáculo. “Essa foto vai ficar como uma espécie de postal destes primeiros dois anos. Está lá tudo o que é a Casa Branca na era Trump”, comenta ao Expresso Germano Almeida, autor do livro “Isto não é bem um Presidente dos EUA”. O título é deliberadamente provocador: “Não consigo ver, em tudo o que Trump faz, a dignidade da função presidencial”.

Em 24 meses na Casa Branca, Trump cunhou tudo o que disse e fez com traços de personalidade que fazem dele um Presidente único. Como os dez que se seguem.

MENTIROSO
Factos só atrapalham
Trump mente descaradamente. “The Washington Post” fez contas e, nos primeiros nove meses, o político mais influente do mundo mentiu uma média de cinco vezes por dia, num total de “1318 alegações falsas ou enganosas”. Nas sete semanas que antecederam as eleições para o Congresso de 6 de novembro passado, a média disparou para 30 mentiras por dia.
Catapultado por uma narrativa assente em “notícias falsas” e “factos alternativos”, Trump declarou guerra aos media tradicionais rotulando-os “inimigos do povo”. Quebrou a tradição e tem faltado ao jantar anual dos correspondentes na Casa Branca.
Trump diz coisas que gostava que fossem verdade e acredita que podem tornar-se verdade se não parar de as repetir. Numa das mentiras mais persistentes, diz que venceu o voto popular “porque milhões de ilegais votaram em Hillary”. Os factos dizem que teve 63 milhões de votos e Hillary 66.
“Para a sua narrativa, os factos só atrapalham”, diz Germano Almeida. “Usa e abusa dos exageros, da falta de rigor, das falácias e das mentiras objetivas para gerar perceções e provocar emoções — sobretudo, o medo.”

MANIPULADOR
Vale tudo para mobilizar
Entre os poucos ataques terroristas ocorridos nos EUA após o 11 de Setembro, os mais mortíferos não foram realizados por estrangeiros chegados de países muçulmanos, como Trump quis fazer crer quando proibiu a entrada no país a cidadãos de Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen. “A grande ameaça à segurança dos americanos chama-se posse de armas e tem nos próprios americanos os principais autores dos maiores massacres dos últimos anos.” A medida é pois demagógica. Não impediria os atentados mais graves, “liberta demónios e explora medos primários”, diz o analista. “Trump manipula para manter mobilizada a sua base de apoio. Se perde, declara vitória. Se perde estrondosamente, anuncia um tremendo êxito”, mesmo contra factos.

SUPREMACISTA
Ku Klux Klan dá jeito
A 11 de agosto de 2017, Trump foi posto à prova. Em Charlottesville (Virgínia), uma marcha da extrema-direita saiu à rua, empunhando armas de fogo e gritando slogans racistas. Um protesto de sinal contrário foi ao seu encontro e a violência fez manchetes. Trump manteve-se equidistante, criticando “os dois lados”. Ao não condenar o racismo, foi condescendente em relação ao Ku Klux Klan (KKK).
“No essencial, Trump não é um extremista, mas usa o extremismo por motivos instrumentais. Sem admitir que é racista e que vê a maioria branca (em regressão nos EUA) como o ‘poder dominante’, sustentou toda a sua narrativa de campanha numa América branca, rural, avessa à diversidade, que vê com maus olhos a ascensão das minorias. Não tendo pedido o apoio do KKK, também não o rejeitou.”
Duas semanas após Charlottesville, Trump concedeu o primeiro indulto presidencial. O beneficiário foi um antigo xerife, Joe Arpaio, preso por discriminação racial e violação dos direitos civis dos latinos no Arizona.

EGOCÊNTRICO
Ver o mundo pelo umbigo
A 25 de setembro passado, quando discursou na Assembleia Geral da ONU, Trump pôs o plenário a rir. “Em menos de dois anos, a minha Administração realizou mais do que quase todas as Administrações na história do nosso país.” A gargalhada revelou que o mundo não o leva a sério e que o 45º Presidente chega a ser um embaraço para o país mais poderoso do mundo.
Com Trump, a política americana parece ser um universo paralelo em que mais importante do que a realidade o que conta é a perceção que o Presidente tem dela — um Presidente com tiques ditatoriais e instintos vingativos. O autor recorda outro episódio egocêntrico: “A quem agradeceu Trump no Dia de Ação de Graças? Aos militares em missão? Aos veteranos de guerra? A quem pratica ação social? Nada disso: agradeceu… a si próprio”.

INSTÁVEL
Colaboradores às aranhas
Trump não tem aliados nem inimigos fixos. Tem interlocutores com quem negoceia e, para o empresário, até a política internacional é negociável. Exemplo disso foi a cambalhota na relação com a Coreia do Norte. “Mesmo que da Cimeira de Singapura [12 de junho de 2018] tenha saído uma mão-cheia de nada, foi uma vitória simbólica de Trump”. Nove meses antes, o mundo parecia à beira de uma guerra nuclear, com ele a ameaçar “destruir totalmente” o país de Kim Jong-un.
Trump não tem problema em passar de isolacionista a intervencionista quando lhe convém. Essa instabilidade desnorteia quem o acompanha. “Já perdeu todos os elementos que conferiam alguma credibilidade à sua Administração. Disse que ia mandar retirar do Afeganistão, depois voltou atrás. Disse que ia retirar imediatamente da Síria e agora John Bolton [conselheiro para a segurança] e Mike Pompeo [diretor da CIA] andam no terreno, às aranhas, a tentar explicar que afinal não é bem assim.”

IMPREPARADO
Aversão a briefings
Nos primeiros 100 dias, Trump deu 33 entrevistas, 13 delas à conservadora Fox News, o seu briefing matinal. “Ele não tem paciência para ler papers. Atira números e sentenças que não correspondem à realidade. À custa disso, foi alvo de ira, crítica ou chacota de líderes internacionais.” No mesmo período, publicou 507 tweets — apagou 11. Perante 57 milhões de seguidores, repete até à exaustão que a “América está primeiro” e que a via é o protecionismo comercial e o reforço de fronteiras.
Trump despreza tudo o que é direito e ordem internacional. Retirou os EUA de vários tratados — o de Paris sobre as Alterações Climáticas e o acordo sobre o programa nuclear iraniano originaram mais barulho —, elogiou o ‘Brexit’, desvalorizou a ONU e a NATO e mostrou-se avesso a grandes acordos comerciais. Sobre a Parceria Transpacífico (de onde saiu) disse que revertê-la era “um exercício digno de grandes mestres do xadrez, e nos EUA não temos nenhum”. Ora, os EUA têm mais do que 90 — só a Rússia tem mais.

ILUSTRAÇÃO JOHN KACHIK

INFANTIL
Sem “adultos” por perto
Segundo um estudo da Universidade Carnegie Mellon (Pensilvânia), Trump é o Presidente com vocabulário mais básico. Ao nível da complexidade gramatical, só perde para George W. Bush. Para ele, tudo é “fantastic”, “disaster”, “great”, “bad”. Tem uma visão maniqueísta do mundo e atitudes de bullying perante rivais políticos. São exemplos “Crooked Hillary” (“Hillary desonesta”), “Little Marco” (Marco Rubio não é alto). Do herói de guerra John McCain, disse ser um “falhado” por ter sido capturado no Vietname.
“Está documentado nos livros de Bob Woodward e Michael Wolff e foi referido no artigo de opinião anónimo publicado, em setembro, em “The New York Times” (“I am part of the resistance inside the Trump Administration”): Trump não consegue manter o foco por mais de cinco minutos. Faz birras. Não revela bom senso ou grande empatia. Tem um temperamento irascível. Parece uma criança. O pior é que tendo saído o general James Mattis [ex-secretário da Defesa], já não há adultos na sala para o travar.”

RUDE
Sem sentido de Estado
O Partido Republicano, que deu cobertura política a Trump, é também o partido de Abraham Lincoln, Theodore Roosevelt, Dwight Eisenhower e Ronald Reagan. Mas ao contrário destes, Trump não tem sentido de Estado. Revelou informação secreta, “mandou palpites” no Twitter sobre acontecimentos noutros países e desrespeitou quem fez a História do país.
Na receção a Mauricio Macri, em abril de 2017, tentou convencer o homólogo argentino a não condecorar Jimmy Carter, pela promoção dos direitos humanos durante a ditadura militar. “Uma atitude destas vai totalmente contra a tradição de respeito entre Presidentes, independentemente de ideologias”, recorda Germano Almeida. Bill Clinton amnistiou Richard Nixon. George W. Bush chamou Clinton em alturas dramáticas, como o furacão “Katrina” ou o terramoto no Haiti. Já Trump é obcecado em destruir o legado de Barack Obama.

OBAMAFÓBICO
Obsessão pessoal
É uma certeza de Trump desde o primeiro dia na Casa Branca: a presidência Obama foi “um desastre”, o futuro será “maravilhoso”. A própria cerimónia de tomada de posse, em Washington D.C., foi objeto de disputa com Trump a insistir que foi o evento com mais público de sempre e as fotos a provarem que, em frente ao Capitólio, havia mais gente a aplaudir Obama. “É muito mais do que uma divergência política, é uma obsessão pessoal”, comenta o analista. “O Sistema de Saúde é o melhor exemplo: Trump não é contra a existência de um plano federal. O que quer é deitar abaixo o ObamaCare e fazer um TrumpCare.”

ENTERTAINER
Na política como na TV
Os norte-americanos já tinham eleito um ator de westerns: Ronald Reagan. Trump chegou lá após 15 anos a apresentar um reality show. Com a mesma facilidade com que despedia concorrentes no “The Apprentice”, despediu membros do Governo e da estrutura do Estado. “Trump é uma espécie de artista de variedades que vende a banha da cobra em forma de receita populista sexy pronta a enganar eleitores vulneráveis e mal informados”, conclui Germano Almeida.

Dito tudo isto, nada fez Trump de positivo? “A economia. Os EUA estão com o desemprego mais baixo do último meio século. A tendência começou no final de 2010, no primeiro mandato de Obama, e Trump manteve-a.”

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de janeiro de 2019

A galeria de imagens que faltava: Kim e Trump nas horas que antecederam o encontro histórico

Donald Trump e Kim Jong-un foram recebidos em Singapura como estrelas. Muita gente nas ruas com os telemóveis prontos a filmar à passagem das suas caravanas, muita segurança em redor dos locais da cimeira e muita inspiração nos menus dos restaurantes e bares locais. A expectativa era grande em todo o mundo: corresponderiam os imprevisíveis líderes de Estados Unidos e Coreia do Norte? E não é que corresponderam mesmo?

Enquanto os líderes de Coreia do Norte e Estados Unidos se preparavam para se encontram pessoalmente, Howard e Dennis Alan, sósias de Kim Jong-un e Donald Trump, faziam as delícias de quem passava pelo Parque Merlion, em Singapura EDGAR SU / REUTERS
Kim Jong-un foi o primeiro a chegar a Singapura, a bordo de um avião da Air China TIM CHONG / REUTERS
KCNA / REUTERS
Kim Jong-un foi também o primeiro dos dois líderes a ser recebido por Lee Hsien Loong, o primeiro-ministro de Singapura KCNA / REUTERS
Nas imediações da estação ferroviária de Pyongyang, norte-coreanos pararam junto a um ecrã eletrónico para ouvir as últimas de Singapura KYODO / REUTERS
Como habitualmente, Donald Trump viajou a bordo do Air Force One até Singapura, onde chegou no domingo à noite, horas após o homólogo norte-coreano LIU ZHEN / GETTY IMAGES
No exterior do Hotel Shangri-La, onde Donald Trump está hospedado, duas mulheres entoaram o hino norte-americano à chegada do seu Presidente EDGAR SU / REUTERS
À semelhança do que aconteceu com o homólogo norte-coreano, também o Presidente dos EUA foi recebido pelo primeiro-ministro de Singapura REUTERS
Esta segunda-feira, delegações dos EUA e de Singapura reuniram-se num almoço de trabalho GETTY IMAGES
No exterior do Hotel St. Regis, onde fica hospedado Kim Jong-un, liam-se as últimas sobre a cimeira TYRONE SIU / REUTERS
Por onde quer que as delegações passassem, foi um alvoroço nas ruas de Singapura TYRONE SIU / REUTERS
“Apelos à paz” um pouco por todo o lado, como neste canhão da II Guerra Mundial, decorado com flores, na ilha de Sentosa, onde teve lugar a cimeira Trump-Kim ROSLAN RAHMAN / AFP / GETTY IMAGES
Segurança reforçada junto ao palácio presidencial de Singapura, como em vários outros pontos da cidade ATHIT PERAWONGMETHA / REUTERS
Para os locais, todo o aparato à volta da cimeira (na imagem, jornalistas em frente ao Hotel St. Regis) abalroou-lhes o quotidiano LIU ZHEN / GETTY IMAGES
Já os menus dos restaurantes e bares de Singapura ganharam alguma criatividade graças à cimeira EDGAR SU / REUTERS
Shots no bar Escobar EDGAR SU / REUTERS
Tacos “Rocket Man” e “El Trumpo”, no restaurante Lucha Loco FELINE LIM / REUTERS
No bar do Empire Sky Lounge FELINE LIM / REUTERS
O OSG Bar criou um prato especial para a ocasião, o “Make harmony great again” WIN MCNAMEE / GETTY IMAGES
A cimeira entre Donald Trump e Kim Jong-un realizou-se, esta terça-feira, no Hotel Capella, na ilha de Sentosa REUTERS
A cimeira foi seguida com especial atenção na Coreia do Sul, onde milhares de pessoas foram saindo à rua em manifestações pacíficas, desejando o sucesso do encontro JUNG YEON-JE / AFP / GETTY IMAGES
Sul-coreanas pedindo “paz” e a reunificação da península coreana (implícito no mapa azul), em frente à embaixada dos Estados Unidos em Seul JUNG YEON-JE / AFP / GETTY IMAGES
Estava tudo a postos para a cimeira, faltava apenas a entrada em cena de Donald Trump e Kim Jong-un (na foto, em CDs distribuídos aos jornalistas acreditados para cobrir o encontro) KIM KYUNG HOON / REUTERS
Ambos os líderes deram mostras que o sucesso da cimeira muito dependeria da sua personalidade… e imprevisibilidade KIM KYUNG HOON / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de junho de 2018. Pode ser consultado aqui

Cimeira Trump-Kim: O que fica deste encontro histórico?

Esteve tremida até realizar-se, efetivamente. A cimeira de Singapura marca o início de uma nova relação entre Estados Unidos e Coreia do Norte. E pouco mais

Cimeira: Anunciada como “histórica”, a efetiva realização da cimeira de Singapura — que decorreu no Hotel Capella, na ilha de Sentosa — cumpriu esse desígnio: Donald Trump e Kim Jong-un tornaram-se os primeiros chefes de Estado norte-americano e norte-coreano de sempre a encontrarem-se. Tal como a 27 de abril passado, Kim Jong-un fizera história com um pequeno passo, ao atravessar a linha de fronteira, para participar, em solo sul-coreano, na cimeira entre as duas Coreias, o aperto de mão entre Trump e Kim abriu um novo capítulo da história entre os dois países, da península coreana e do mundo.

Confiança: O intempestivo Presidente dos EUA tinha dito que bastaria um minuto para perceber quais as reais intenções do homólogo norte-coreano. O facto dos dois líderes se terem reunido, a sós (na companhia apenas de dois tradutores), durante 40 minutos revela uma vontade mútua de ganharem com este encontro histórico. Trump e Kim, que há meses esgrimiam ameaças apocalípticas, quiseram mostrar com esse encontro demorado que são homens de paz.

Declaração: Os dois líderes assinaram uma declaração conjunta que pouco mais é do que um processo de intenções. O documento prevê “a desnuclearização completa da península coreana”, deixando a dúvida sobre se para além do desmantelamento do arsenal nuclear da Coreia do Norte também está em causa um eventual recuo dos Estados Unidos em matéria de defesa da Coreia do Sul. Trump garante que não: “Não vamos reduzir nada”, disse quando perguntado se iiria reduzir o contingente de 32 mil militares destacados. “Isso não faz parte da equação, de momento.” Resta saber se os norte-coreanos interpretaram de igual forma.

Sanções: De Singapura, Kim Jong-un sai sem certezas de que o tão desejado levantamento das sanções económicas à Coreia do Norte seja concretizado. Na conferência de imprensa final de Donald Trump, que durou uma hora, o Presidente dos EUA garantiu que as sanções continuarão em vigor até ao desmantelamento do arsenal nuclear.

Coreia do Sul: Seul ouviu Trump referir-se aos exercícios militares conjuntos anuais entre EUA e Coreia do Sul como “jogos de guerra provocadores” e a equacionar o seu fim. “Isso vai poupar-nos muito dinheiro, a não ser que vejamos que as negociações futuras não estejam a ir para onde queremos”, disse Trump. Com estas palavras lança nervosismo em Seul e insinua que sai de Singapura sem grande confiança em relação às negociações que se seguirão.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de junho de 2018. Pode ser consultado aqui

Cimeira Trump-Kim já tem medalha… e cocktail

A uma semana do histórico encontro entre os líderes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte, Singapura vai-se engalanando para o evento. O local da reunião é, ainda, um mistério

Cocktails “Kim” e “Trump”, criadas pelo Escobar, um bar de Singapura, para assinalar a cimeira entre os líderes de EUA e Coreia do Norte EDGAR SU / REUTERS

Em acelerada contagem decrescente para a cimeira de Singapura, a 12 de junho, entre Donald Trump e Kim Jong-un, os pormenores do encontro são, porém, divulgados a conta-gotas.

Esta terça-feira, Singapura apresentou uma medalha comemorativa do histórico encontro. Num dos lados, uma pomba estilizada com um ramo de oliveira no bico surge entre a inscrição “Paz Mundial” e um ramo de rosas e magnólias, as flores nacionais de Estados Unidos e Coreia do Norte, respetivamente.

No verso, duas mãos de homem cumprimentam-se com as bandeiras dos dois países em pano de fundo. A medalha foi concebida em três metais preciosos (ouro, prata e zinco), oscilando o seu preço entre os 1380 e os 36 dólares (1180 e 31 euros).

Medalha em prata comemorativa da cimeira entre Donald Trump e Kim Jong-un, a 12 de junho, em Singapura REUTERS
REUTERS

No mês passado, a Casa Branca já tinha apresentado a sua moeda comemorativa da cimeira, onde o encontro surge descrito como “conversações de paz”. Curiosamente, a moeda foi posta à venda após Trump cancelar a sua reunião com Kim.

Tradição de neutralidade

Singapura orgulha-se de ser uma plataforma neutral de promoção da paz, uma espécie de Suíça asiática, em matéria diplomática. Em 2015, acolheu uma cimeira histórica entre os líderes da China e de Taiwan, o primeiro desde a vitória dos comunistas na guerra civil que terminou em 1949 e que confinou os nacionalistas à ilha de Taiwan.

Então, o Hotel Shangri-La acolheu a cimeira chinesa. Três anos depois, é opção para o encontro Trump-Kim de dia 12. O exato local ainda não foi anunciado, mas uma área especial, que terá segurança apertada e acesso condicionado entre os dias 10 e 14, já foi circunscrita em Singapura. No seu interior, localizam-se várias embaixadas e hotéis, entre os quais o Shangri-La.

Aos poucos, Singapura vai-se preparando para o histórico encontro. No pub Escobar, já se pode pedir um “Trump” ou um “Kim”, cocktails confecionados, respetivamente, à base de bourbon e de soju, um licor de arroz destilado originário da Coreia.

Já o Hopheads, um bar de tapas, criou o “Bromance” — palavra que combina “brother” (irmão) e “romance” —, feito com cerveja preta, tequila, soju e Coca Cola diet, esta última a bebida favorita de Donald Trump.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de junho de 2018. Pode ser consultado aqui

Falsa partida. Trump e Kim tentarão outra vez?

Washington cancelou a cimeira. Mas não fechou a porta do diálogo

Durante cerca de dois meses e meio, o mundo viveu na crença de que seria possível, por fim, enterrar o machado de guerra na península da Coreia. A 8 de março, Donald Trump recebeu e aceitou um convite de Kim Jong-un para um encontro entre ambos — o primeiro de sempre entre Presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte. Esta quinta-feira, o americano cancelou a cimeira prevista para 12 de junho, em Singapura.

“Infelizmente, com base na tremenda raiva e hostilidade aberta expressas na vossa mais recente declaração, sinto que não é apropriado ter essa reunião, neste momento”, lê-se na carta de Trump a Kim, na qual lhe agradece “o tempo, paciência e esforço despendido nas recentes negociações”. “Estou muito ansioso por conhecê-lo qualquer dia”, diz Trump. “Se mudarem de ideias em relação a esta importante cimeira, por favor, não hesitem em telefonar-me ou escrever-me.”

Apanhada de surpresa e talvez pelo tom, a Coreia do Norte abdicou de palavras duras na reação. Lamentou o cancelamento da cimeira e afirmou-se na “disposição de resolver questões através do diálogo, sempre e por qualquer meio”.

Bate-boca agressivo

Nas últimas semanas o processo de aproximação entre Pyongyang e Washington foi acumulando tropeções, fruto de “um bate-boca” cada vez menos diplomático entre as partes. O último episódio, que rebentou com a paciência de Trump, envolveu o seu vice-presidente. Na segunda-feira Mike Pence avisou a Coreia do Norte de que poderia acabar como a Líbia se não chegasse a acordo com os Estados Unidos sobre o seu programa nuclear. Pyongyang chamou-lhe “marioneta política, ignorante e estúpido”.

O enunciar de uma “solução líbia” para a Coreia do Norte teve o condão de gerar grande nervosismo no regime de Kim. É que o ditador líbio Muammar Kadhafi, que aceitou desmantelar o seu embrionário programa nuclear, foi, anos depois, derrubado e assassinado por forças apoiadas pelo Ocidente. Desde sempre que Pyongyang tem pesadelos com planos ocidentais no sentido de uma mudança de regime.

Em paralelo, a realização esta semana do exercício militar anual Max Thunder, envolvendo forças dos Estados Unidos e da Coreia do Sul, foi sentida pelos norte-coreanos como “uma provocação”. Numa demonstração de boa-fé, a Coreia do Norte agendou para esta semana a destruição das instalações nucleares de Punggye-ri, para a qual convidou um grupo restrito de jornalistas americanos, britânicos, russos e chineses.

Um dos repórteres, Will Ripley, da CNN, disse que o anúncio de Trump surpreendera os norte-coreanos. “Íamos no comboio, após testemunharmos a destruição dos túneis em Punggye-ri, quando recebi um telefonema. Os norte-coreanos com quem estava ficaram chocados. Tinham acabado de destruir um recinto nuclear para demonstrarem o seu compromisso com a desnuclearização.”

Trump mostra os dentes

O fim da cimeira pôs a Coreia do Norte “às aranhas”. “Estamos a tentar descobrir qual é a intenção do Presidente Trump e o seu real significado”, reagiu Kim Eui-kyeom, porta-voz da Casa Azul, a sede da presidência. A decisão de Trump surgiu menos de 24 horas após ter recebido Moon Jae-in, que cumpriu a sua parte no processo ao encontrar-se com Kim a 27 de abril, em Panmunjom, e que deve sentir-se não mais do que um figurante à mercê de líderes inconstantes. Na carta ao norte-coreano, entre muitos salamaleques, Trump não baixou a guarda: “Vocês falam das vossas capacidades nucleares, mas as nossas são tão grandes e poderosas que eu rezo a Deus para que nunca sejam usadas.”

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 26 de maio de 2018. Pode ser consultado aqui