Arquivo de etiquetas: Donald Trump

Kim ao ataque, Trump à defesa

O encontro entre os líderes da Coreia do Norte e dos EUA está tremido. Pyongyang está sem paciência para pressões e provocações

Os Estados Unidos não fazem mais ameaças vazias. Quando prometo uma coisa, cumpro-a.” No dia em que rasgou o acordo internacional sobre o programa nuclear do Irão, a 8 de maio passado, Donald Trump invocou — como exemplo contrário ao extremar de posições entre EUA e Irão — o processo de aproximação à Coreia do Norte. “Tenho esperança de que se vá celebrar um acordo e, com a ajuda da China, da Coreia do Sul e do Japão, alcançaremos um futuro de grande prosperidade e segurança para todos.”

Ao devolver a relação com o Irão aos tempos de tensão e de desconfiança, o chefe de Estado norte-americano pode, inadvertidamente, ter gerado receios junto dos norte-coreanos. “Pessoalmente, acredito que foi dada uma mensagem muito problemática em termos de credibilidade e confiança nos Estados Unidos”, afirmou, quarta-feira, o sul-coreano Ban Ki-moon, ex-secretário-geral das Nações Unidas, numa entrevista à televisão norte-americana CNBC. “Que tipo de mensagem tirará a Coreia do Norte disto? Posso confiar no Presidente dos Estados Unidos? Esta poderá ser a primeira pergunta que se coloca ao líder da Coreia do Norte.”

Esta semana, os preparativos para a anunciada cimeira entre os líderes dos Estados Unidos e a Coreia do Norte — a 12 de junho, em Singapura — sofreram um revés, quando Pyongyang cancelou “indefinidamente” as conversações com os sul-coreanos visando a organização do encontro. A decisão apanhou de surpresa os meandros diplomáticos, já que, ainda na semana passada, Pyongyang dera mostras de boa vontade ao libertar três cidadãos norte-americanos detidos no país por “atividades hostis”. Estes foram recebidos por Trump numa base militar do Estado de Maryland.

Exercícios provocadores

Na origem deste endurecimento da posição norte-coreana está a realização de exercícios militares conjuntos entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos, iniciados segunda-feira e que se prevê que durem duas semanas. Habitual entre os dois aliados, por alturas da primavera, o exercício Max Thunder envolve cerca de 100 aeronaves de ambos os países, em manobras que o Pentágono qualifica de “defensivas”.

Também caíram em Pyongyang afirmações de altos responsáveis norte-americanos a pressionar a Coreia do Norte no sentido de uma “desnuclearização unilateral”. “Se os Estados Unidos estão a tentar pôr-nos a um canto para nos forçarem a abandonar o nuclear de forma unilateral, deixaremos de estar interessados nesse diálogo e não poderemos deixar de reconsiderar o nosso compromisso em relação à cimeira Coreia do Norte-Estados Unidos”, afirmou, quarta-feira, Kim Kye-gwan, o vice-ministro norte-coreano dos Negócios Estrangeiros.

“Já declarámos a nossa posição favorável à desnuclearização da península coreana”, acrescentou o governante. “Já deixámos claro, em várias ocasiões, que as condições prévias para a desnuclearização são o fim da política hostil à Coreia do Norte, das ameaças nucleares e da chantagem por parte dos Estados Unidos.”

“Kim Jong-un pretende afirmar a sua posição na mesa das negociações. Pretende mostrar que não vai a Singapura numa atitude de total submissão a Trump e aos Estados Unidos”, explica ao Expresso Rui Saraiva, professor de Ciência Política na Universidade de Hosei, Japão. “Simultaneamente, tendo em conta as recentes declarações de John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, o líder norte-coreano está a rejeitar veementemente o modelo líbio de desnuclearização [ver descodificador nesta página]. A mensagem de Pyongyang é que o nível de cedências norte-coreanas tem o seu limite.”

Esta posição de força tem, naturalmente, consequências internas. “A lógica que guia o líder norte-coreano é a sobrevivência do regime e da sua liderança. As recentes ameaças de cancelamento da cimeira podem servir também para consumo interno”, acrescenta Saraiva. “Se a imagem externa de Kim saiu beneficiada a nível internacional com o recente clima de desanuviamento, não sabemos ao certo que impacto teve junto das elites e da população.”

Um país, dois sistemas

Esta semana Moon Jae-in, Presidente da Coreia do Sul, irá a Washington para transmitir a Trump as fronteiras negociais do Norte e articular uma posição conjunta que volte a sentar os norte-coreanos à mesa do diálogo. Para o professor de Ciência Política, a China — o grande aliado da Coreia do Norte e sua porta de saída para o mundo — tem um papel fundamental na resolução deste impasse.

“O que está em causa é a integração da Coreia do Norte no sistema internacional e a transformação da Coreia do Norte de um sistema totalitário num sistema autoritário, através da sua ‘dengxiaopingzação’: um país, dois sistemas, em conjunto com a desnuclearização. Se isso se concretizar, passamos de um ‘jogo de soma zero’ [o ganho de um jogador representa a perda do outro] para um jogo onde todos ganham (win-win) a nível local, regional e global.”

Teorias e jogos à parte — aos quais Trump não parece ser sensível —, o Presidente dos Estados Unidos parece já ter tido rédea mais folgada no processo de diálogo com a Coreia do Norte. É que depois de retirar os EUA do acordo com o Irão e de provocar o mundo árabe transferindo a embaixada dos Estados Unidos em Israel de Telavive para Jerusalém — com consequências trágicas na Faixa de Gaza (ver páginas seguintes) —, Trump precisa de um sucesso diplomático para provar que, contra tudo e quase todos, a sua América está no caminho certo.

DESCODIFICADOR

Como desnuclearizar?

O fim do programa nuclear norte-coreano está no coração do processo de aproximação entre Washington e Pyongyang

1. Que poder tem o Norte?
A Coreia do Norte é uma das nove potências nucleares em todo o mundo. É também uma das quatro que não fazem parte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear — as restantes são Índia, Paquistão e Israel. Pyongyang chegou a assinar o documento, em 1985, mas retirouse em 2003. Na era de Kim Jong-un (no poder desde 2011), sucessivos testes com mísseis balísticos, cada vez mais ameaçadores, desvendaram uma capacidade bélica para atingir território norte-americano. Para o nervosismo global que se seguiu, muito contribuiu o profundo
desconhecimento sobre o país, último reduto marxista-leninista e onde se vive segundo a ideologia juche (autossuficiência), introduzida por Kim Il-sung, o “pai fundador” do Estado e avô do líder atual.

2. O que é o modelo líbio?
Quando, em 2003, na Líbia, um embrionário programa de armas de destruição em massa causava dores de cabeça, o ditador Muammar Kadhafi aceitou eliminá-lo em troca do levantamento de sanções e do fim do estatuto de pária na comunidade internacional. O material perigoso seguiu para o Laboratório Nacional de Oak Ridge, no Tennessee. Recentemente, John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional de Trump, defendeu um “modelo líbio” para pôr fim à ameaça norte-coreana. Quinta-feira, o jornal japonês “Asahi Shimbum” noticiou que os EUA exigiram que a Coreia do Norte envie ogivas nucleares, um míssil balístico intercontinental e material nuclear, dentro de seis meses, para tirarem Pyongyang da lista negra do terrorismo.

3. Os EUA têm alternativas?
Perante a repugnância que provocou, em Pyongyang, a possibilidade de uma solução “à líbia” para o nuclear norte-coreano — até pelo fim trágico que teve Kadhafi, anos depois, em 2011, assassinado nas ruas na sequência de um bombardeamento ocidental ao país —, os Estados Unidos apressaramse a desvalorizar essa fórmula. “Não vi [o modelo líbio] ser discutido, por isso não estou consciente de que seja aquele que estamos a usar”, disse esta semana Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, preferindo falar num “modelo Trump”, sem concretizar em que consiste. Citado pelo jornal “The Korea Herald”, Kim Yeol-su, do Instituto para os Assuntos Militares da Coreia, comentou: “A ideia de um modelo Trump é como oferecer um kit de primeiros socorros à cimeira EUACoreia do Norte”.

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de maio de 2018. Pode ser consultado aqui

Tiro de partida para o encontro Kim-Trump

A cimeira de Panmunjom vai desbravar terreno para a reunião EUA-Coreia do Norte. E talvez anunciar o fim da guerra na península

Sessenta e cinco anos depois, a Guerra da Coreia pode estar prestes a terminar — oficialmente. As armas calaram-se em 1953 e, na aldeia sul-coreana de Panmunjom, foi assinado um armistício, mas nunca as Coreias selaram a paz entre ambas com um tratado. “Com a possibilidade de uma cimeira entre Donald Trump [Presidente dos EUA] e Kim Jong-un [lí- der da Coreia do Norte], acredito que existam condições para, simbolicamente, se estabelecer o fim do conflito”, disse ao Expresso Rui Saraiva, professor de Ciência Política na Universidade de Hosei (Japão). “Esse gesto poderá desencadear novos entendimentos e ideias sobre como as Coreias poderão coexistir pacificamente.”

Na próxima sexta-feira, as lideranças das duas Coreias regressam à chamada “aldeia da trégua”. “O armistício que se arrasta há 65 anos deve acabar. Assim que o fim da guerra for declarado, devemos procurar assinar um tratado de paz”, defendeu, na quinta-feira, o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Nesse dia, foi criada uma “linha direta” entre o gabinete de Moon, no Sul, e a Comissão para os Assuntos de Estado, presidida por Kim, no Norte.

A cimeira de sexta-feira será apenas a terceira, ao mais alto nível, desde a divisão da península. A primeira realizou-se em 2000, entre Kim Jong-il, pai do atual líder norte-coreano, e Kim Dae-jung, que receberia o Nobel da Paz. A segunda ocorreu em 2007, entre Kim Jong-il e Roh Moo-hyun, um dos Presidentes sul-coreanos caídos em desgraça após deixarem a Casa Azul — terminou o mandato em 2008 e suicidou-se em 2009. Ambas se realizaram na capital norte-coreana, Pyongyang, o que faz com que Kim Jong-un esteja prestes a tornar-se o primeiro líder norte-coreano a atravessar o paralelo 38.

Sob o lema “Paz, um novo começo”, a cimeira em Panmunjom será “o pontapé de saída” de um jogo cuja segunda parte será “disputada” entre Coreia do Norte e EUA. “Temos de tentar que a cimeira intercoreana seja um bom começo, para que a cimeira entre Washington e Pyongyang tenha uma boa conclusão”, defendeu o chefe de Estado sul-coreano.

Virar costas, com respeito

Kim e Trump têm uma reunião apalavrada para fins de maio, inícios de junho. “Neste momento, discute-se o possível local da cimeira”, diz Rui Saraiva. “Falou-se de Pequim, que daria protagonismo à China, ou na zona desmilitarizada, que elevaria o papel da Coreia do Sul. Uma das opções favoritas dos americanos é uma embarcação em águas internacionais. Fala-se também no terreno neutro da Suíça, onde Kim Jong-un viveu e estudou. Trump vai querer um sítio que lhe dê o centro das atenções, mas Moon Jae-in e Xi Jinping [Presidente chinês] foram fundamentais em todo este processo.”

Esta semana, Trump confirmou contactos diretos “a um nível extremamente alto” entre Washington e Pyongyang. Foi noticiada uma visita à Coreia do Norte de Mike Pompeo — o diretor da CIA que aguarda confirmação como secretário de Estado — e um encontro com Kim Jong-un. “Não é algo impensável”, diz Rui Saraiva. “Em 2000, Madeleine Albright [secretária de Estado de Bill Clinton] visitou Pyongyang e encontrou-se com Kim Jong-il.”

Quando e onde quer que a cimeira aconteça, Trump já disse ao que vai. “Nunca estivemos numa posição como esta em relação àquele regime. Se vir que não vai ser um encontro frutuoso não vamos. Se durante o encontro não houver resultados abandonarei a reunião de forma respeitosa.”

(Foto: Donald Trump e Kim Jong-un, com os penteados trocados. Grafitis do artista australiano Lush Sux, nos pilares de uma ponte, em Viena BWAG / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso, a 21 de abril de 2018

O pior erro de Trump… por agora

Observador atento — e preocupado — da atuação de Donald Trump na Casa Branca, o ex-Presidente Jimmy Carter diz que escolher John Bolton para conselheiro de Segurança Nacional foi imprudente

Sem papas na língua, o ex-Presidente norte-americano Jimmy Carter não hesita quando o assunto é Donald Trump. “Tenho-me preocupado com algumas das suas decisões. A sua última escolha para o cargo de conselheiro de Segurança Nacional foi muito imprudente. Julgo que [a escolha de] John Bolton foi o seu maior erro.”

As palavras de Carter constam de um excerto de uma entrevista concedida pelo ex-Presidente democrata à televisão CBS que será transmitida esta terça-feira. Carter vaticina igualmente que um eventual ataque contra a Coreia do Norte, como defende Bolton, “seria um desastre total”.

Ao contrário de Bolton — um “falcão” conservador que defende os benefícios da guerra preventiva —, Carter pautou o seu mandato como 39° Presidente dos Estados Unidos (1977-1981) como uma “pomba” pacifista. Em 1978, fez história ao assinar os Acordos de Camp David, que permitiram a normalização das relações diplomáticas entre Israel e o Egito.

Após um mandato muito marcado pelo fiasco da chamada “questão dos reféns” — 52 norte-americanos foram mantidos cativos durante 444 dias, na embaixada dos EUA em Teerão —, Carter falhou a reeleição (ainda com essa crise em curso), perdendo as eleições presidenciais de 1980 para o republicano Ronald Reagan.

Aos 93 anos, é um profuso escritor — acaba de publicar o seu 32º livro — e mantém-se ativo no Centro Carter, organização que fundou em 1982 e que trabalha em prol dos direitos humanos e da resolução de conflitos — dedicação que lhe valeu o Prémio Nobel da Paz, em 2002. Carter tem sido também uma voz incansável na defesa do reconhecimento do Estado palestiniano e denunciadora do sistema de “apartheid” praticado por Israel.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de março de 2018. Pode ser consultado aqui

Cimeira sueca para Kim e Trump?

O chefe da diplomacia norte-coreana esteve, esta semana, na Suécia, país que representa os Estados Unidos em Pyongyang

A Coreia do Norte reagiu com silêncio ao “sim” de Donald Trump a um encontro com Kim Jong-un e logo surgiram receios de que o convite de Pyongyang pudesse não passar de uma cortina de fumo para afastar a tensão da Península Coreana. Esta semana, porém, foram dados passos que indiciam que esse encontro está a ganhar forma. Ontem, o ministro norte-coreano dos Negócios Estrangeiros, Ri Yong-ho, foi recebido, em Estocolmo, pelo primeiro-ministro sueco. “Não vamos divulgar sobre que falaram”, disse o porta-voz de Stefan Lofven à AFP.

RELACIONADO: Cimeira sueca para Kim e Trump?

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de março de 2018. Pode ser consultado aqui

Cimeira sueca para Kim e Trump?

O chefe da diplomacia norte-coreana esteve, esta semana, na Suécia, país que representa os Estados Unidos em Pyongyang

A Coreia do Norte reagiu com silêncio ao “sim” de Donald Trump a um encontro com Kim Jong-un e logo surgiram receios de que o convite de Pyongyang pudesse não passar de uma cortina de fumo para afastar a tensão da Península Coreana. Esta semana, porém, foram dados passos que indiciam que esse encontro está a ganhar forma. Ontem, o ministro norte-coreano dos Negócios Estrangeiros, Ri Yong-ho, foi recebido, em Estocolmo, pelo primeiro-ministro sueco. “Não vamos divulgar sobre que falaram”, disse o porta-voz de Stefan Lofven à AFP.

Na ausência de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, é a Suécia — um dos poucos países ocidentais com embaixada em Pyongyang — que presta apoio consular aos norte-americanos. O Ministério dos Negócios Estrangeiros sueco concretizou a natureza da visita de Ri Yong-ho e fez saber que as conversações visaram “as responsabilidades consulares da Suécia enquanto poder protetor dos Estados Unidos, Canadá e Austrália”.

A anteceder o encontro entre Trump e Kim (previsto para maio), trabalha-se no sentido de uma cimeira intercoreana, em abril, entre este último e Moon Jae-in. Será a terceira de sempre a reunir presidentes das Coreias. Ontem reuniu-se, pela primeira vez, o comité sul-coreano de preparação da cimeira. “A desnuclearização e a paz permanente na Península Coreana serão os pontos principais da agenda. A resolução desses assuntos levará a soluções para outros nas relações intercoreanas”, disse fonte da Casa Azul, sede da presidência sul-coreana, citada por “The Korea Times”.

As reuniões preparatórias entre grupos de trabalho do Norte e do Sul poderão arrancar na próxima semana. Será discutida também a possibilidade de criar uma linha direta entre Moon e Kim.

Outra vez o desporto

Em paralelo com o trabalho diplomático, o desporto continua a desbravar terreno à política. Em abril uma equipa sul-coreana de taekwondo (arte marcial coreana) irá à Coreia do Norte. Há que manter acesa a chama da paz na península, já que o diálogo é complexo, envolve vários atores e pode ruir ao mínimo desentendimento.

Se, a 9 de fevereiro, as duas Coreias desfilaram juntas — sob bandeira da Coreia unificada — na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, em PyeongChang, isso não se repetiu na abertura dos Paralímpicos, fez ontem uma semana. O Norte queria assinalar na bandeira as Dokdo (ilhas sul-coreanas disputadas pelo Japão) mas o Sul opôs-se. A discórdia ficou por ali, até porque, nesse dia, a grande notícia era o “sim” de Trump.

Artigo publicado no “Expresso”, a 17 de março de 2018