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Lula em Matosinhos: “O Brasil está de volta. É por isso que eu estou a tentar parar de falar em guerra e constituir a paz”

O Brasil é incomparavelmente maior e mais populoso do que Portugal, mas tem sido maior o investimento português no Brasil do que vice-versa. Passado o apagão dos anos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, Lula da Silva e António Costa querem dar gás à relação comercial bilateral e marcaram presença num fórum empresarial luso-brasileiro, em Matosinhos. “O Brasil está de volta para ser protagonista internacional. Por isso, estou a tentar parar de falar em guerra e constituir a paz”, disse Lula. Costa acrescentou: “Agora que voltou, não vamos nunca mais deixá-lo sair”

Lula da Silva, Presidente do Brasil, no CEIIA, em Matosinhos RICARDO STUCKER

“Você deve ter uns dois anos e pouco de mandato ainda. Podemos estabelecer uma meta: o que nós queremos que aconteça entre Brasil e Portugal? A gente pode conseguir isso. Na política você tem de estabelecer a meta, ter um projeto, não pode ficar governando conforme o vento. Você determina estrategicamente aquilo que você quer que aconteça.”

Ao quarto dia de estadia em Portugal, o Presidente do Brasil deslocou-se ao norte do país para assinalar a abertura do Fórum Empresarial Portugal-Brasil, em Matosinhos, e desafiar o primeiro-ministro português, António Costa, ao estabelecimento de metas bilaterais.

“O Brasil está preparado para voltar a ser um país grande, importante e atraente. E o Brasil quer construir políticas de parcerias”, disse Luís Inácio Lula da Silva. “Não queremos relações hegemónicas com ninguém. Não é porque nós somos grandes que nós temos de ter hegemonia”, sossegou o chefe de Estado brasileiro. “Queremos construir parcerias com as empresas portuguesas e queremos que os empresários portugueses construam parcerias com as nossas empresas.”

A escutá-lo, no Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (Ceiia), estavam mais de 120 empresários portugueses e brasileiros – das áreas da energia, mobilidade, tecnologia, inovação e saúde –, os protagonistas do Fórum Empresarial Portugal-Brasil.

Costa enumera os trunfos portugueses

António Costa aceitou o desafio, admitiu que o crescimento na relação comercial bilateral tem estado “muito aquém do seu enorme potencial” e acenou com trunfos que a podem potenciar.

Ao nível da transição digital, “Portugal e o Brasil são os pontos de amarração do novo cabo de fibra ótica que liga todo a América Latina ao continente europeu, parte de Fortaleza e chega a Sines”, disse o primeiro-ministro. “É a nova ponte física que existe de ligação entre os dois continentes através dos nossos países.”

Relativamente à transição energética, “Portugal tem estado, desde há 15 anos, na vanguarda”, disse Costa. “58% da eletricidade que hoje consumimos tem origem nas energias renováveis e temos a meta que, daqui a quatro anos, 80% da eletricidade que consumimos tem origem nas energias renováveis.”

Costa não poupou nos argumentos e destacou mais quatro fatores potenciadores da relação:

  • o dinamismo bilateral ao nível do empreendedorismo, recordando que este ano, pela primeira vez, a Web Summit vai realizar-se também no Rio de Janeiro;
  • “um regime bom para acolher investimento e inovação”, nomeadamente a nível fiscal e de autorização de residência;
  • a qualificação dos recursos humanos portugueses, referindo que Portugal tem a terceira taxa de recém-graduados em engenharia da UE, atrás da Áustria e Alemanha.
  • o papel de Portugal como “verdadeiro ponta de lança”, disse Costa, na defesa da conclusão do acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul, uma organização intergovernamental regional fundada em 1991 com cinco países membros (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e outros sete associados.

Após o apagão que significou a presidência de Jair Bolsonaro relativamente à relação entre Portugal e o Brasil, a estratégia de Lula da Silva de relançamento do diálogo passa pelo impulso da economia e do comércio.

“Sempre se tratou Portugal como um país pequeno”, admitiu Lula da Silva. “Portugal era a entrada do Brasil para a Europa, para a Alemanha ou França. Nada melhor do que estabelecer uma relação com Portugal e, a partir daqui, produzirmos juntos e expor os produtos para outros países europeus. É muito mais fácil.”

Relação é hoje como há 12 anos

A deslocação de Lula da Silva a Portugal, ao fim de três meses de governo, é a quarta ao estrangeiro após a reeleição — após Argentina, Estados Unidos e China — e a primeira à Europa. “Agora que o Brasil voltou, não vamos nunca mais deixar o Brasil sair”, afirmou António Costa.

Com raízes familiares na zona de Aveiro, como fez questão de partilhar, Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), realçou que, hoje, “o fluxo comercial entre Portugal e Brasil é muito parecido com o que tínhamos há 12 anos”, à época da primeira vez de Lula no Palácio do Planalto. “Ou seja, deixamos de crescer, estagnamos”.

Para se perceber o quanto falta fazer entre os dois países, os números falam por si. Apesar do Brasil ser incomparavelmente maior e mais populoso do que Portugal, tem sido maior o investimento dos portugueses no Brasil do que de empresários brasileiros em Portugal. Jorge Viana afirmou que “em 2022, o fluxo comercial atingiu os 5300 milhões de dólares. Houve um crescimento, muito vinculado à exportação de petróleo, não de produtos manufaturados que geram emprego de parte a parte”.

O fluxo de investimentos de Portugal no Brasil é ainda maior: em 2021, “somaram 11.900 milhões de dólares acumulados, mas já alcançaram a marca de 13 mil milhões na época do Governo do Presidente Lula”, disse Jorge Viana. “Há a expectativa de que voltemos a ter um crescimento exponencial do fluxo de investimentos.”

Em Matosinhos, as partes deram um primeiro passo através da assinatura da renovação do protocolo de entendimento entre a APEX e a congénere portuguesa, Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).

KC-390, uma face visível da cooperação

O Brasil é um dos 10 maiores investidores em Portugal, o segundo maior fora da União Europeia, “muito aquém do enorme potencial de investimento que tem”, registou Costa. Para Portugal, “o Brasil figura no terceiro lugar do investimento direto no exterior, mas somos somente o 18º investidor no Brasil. Ninguém tem dúvidas do potencial do Brasil e da dimensão de Portugal, mas, francamente, 18º não é a nossa posição. Temos de subir”, desafiou o governante português.

O regresso de Lula da Silva a Lisboa decorreu também sob o signo da cooperação Portugal-Brasil. O chefe de Estado brasileiro viajou a bordo de uma aeronave KC-390, o maior projeto de engenharia desenvolvido entre os dois países.

Esta aeronave resulta de 12 anos de trabalho conjunto entre o Ceiia – nasceu no período em que Lula era Presidente –, as OGMA – Indústria Aeronáutica de Portugal, a Força Aérea Portuguesa e a Embraer. Produzido por esta empresa brasileira, o Ceiia contribuiu com o desenvolvimento de dois terços da estrutura da aeronave.

A despedida de Matosinhos não se fez sem que antes Lula da Silva aflorasse, ainda que indiretamente, o tema que o tem perseguido na sua visita a Portugal. “O Brasil está de volta, e está de volta para ser protagonista internacional. É por isso que eu me estou dedicando em tentar parar de falar em guerra e constituir a paz.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de abril de 2023. Pode ser consultado aqui

As imagens negras de um país às escuras mas que não se rende

A instabilidade política invadiu as casas de milhões de venezuelanos sob a forma de um “apagão” que dura desde quinta-feira. Este sábado, a falta de energia foi uma das palavras de ordem das manifestações anti-Maduro que saíram à rua, em Caracas

O sol começa a nascer mas dentro dos prédios não há luz que acompanhe o início de mais um dia VALERY SHARIFULIN / GETTY IMAGES
Sem eletricidade, para trabalhar recorre-se a geradores ou… a velas IVAN ALVARADO / REUTERS
Lá fora é dia, mas dentro deste prédio não há luz para iluminar a conversa entre dois vizinhos IVAN ALVARADO / REUTERS
Bairro residencial de Caracas, iluminado pelos faróis dos carros VALERY SHARIFULIN / GETTY IMAGES
Um homem socorre-se do telemóvel para circular dentro de casa, em Caracas IVAN ALVARADO / REUTERS
Dois empregados de um restaurante usam a luz do telemóvel para fechar a porta do estabelecimento CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Às escuras, em casa, esta venezuelana usa um nebulizador para sentir algum conforto CARLOS JASSO / REUTERS
Fila de venezuelanos junto a uma farmácia, em Caracas CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Arredores da capital venezuelana, durante o “blackout” MANAURE QUINTERO / REUTERS
Começa um novo dia em Caracas, mas dentro dos prédios é “noite” CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
“Sem eletricidade. Sem metro”, protesta este apoiante de Juan Guaidó, este sábado, nas ruas de Caracas RONALDO SCHEMIDT / AFP / GETTY IMAGES
Agentes da Polícia Nacional Bolivariana seguem de perto as manifestações anti-regime RONALDO SCHEMIDT / AFP / GETTY IMAGES
Apoiantes do Presidente “responderam” à oposição e, este sábado, saíram à rua para dizer que Nicolás Maduro não é um homem só CRISTIAN HERNANDEZ / AFP / GETTY IMAGES
Este apoiante de Maduro recorda Hugo Chávez e Simón Bolívar CRISTIAN HERNANDEZ / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de março de 2019. Pode ser consultado aqui

Uma Grécia no quintal da América

Uma dívida pública impagável e apelos a uma reestruturação… Onde é que já ouvimos isto? Na Grécia, mas também em Porto Rico, um território autónomo sob soberania norte-americana que, contrariamente aos 50 estados, está impedido de declarar falência

A crise grega arrebatou as manchetes em todo o mundo. Se assim não fosse, o protagonismo teria cabido, muito provavelmente, à ilha de Porto Rico, um território autónomo com soberania dos Estados Unidos.

Porto Rico tem uma dívida pública a rondar os 72 mil milhões de dólares (65 mil milhões de euros) — para estabelecer uma comparação, o resgate a Portugal foi de 78 mil milhões — e o seu governador já veio afirmar que não é pagável.

“A dívida não é pagável”, disse Alejandro García Padilla, em entrevista ao “The New York Times”. “Não há qualquer outra opção. Eu adoraria ter uma opção mais fácil. Não se trata de política, trata-se de matemática.”

A Administração Obama já fez saber que está fora de questão qualquer resgate à ilha. Para complicar uma solução, ao abrigo da legislação em vigor, o território não pode declarar falência, ao contrário de qualquer um dos 50 estados da União.

Esta semana, o porta-voz da Casa Branca Josh Earnest afirmou que o Congresso deveria considerar a aprovação de nova legislação no sentido de garantir a Porto Rico a proteção oferecida pelo capítulo 9 do Código de Falências dos Estados Unidos, o que permitiria aos credores recuperarem pelo menos parte de seu dinheiro.

O influente diário norte-americano explica que uma ampla reestruturação da dívida porto-riquenha seria um teste sem precedentes ao mercado de títulos municipais, em que cidades e estados se apoiam para pagar necessidades básicas, como a construção de estradas e de hospitais públicos. E recorda que, no passado, esse mercado já foi abalado pelas falências municipais em Stockton (Califórnia), em 2012, e em Detroit (Michigan), em 2013.

Na segunda-feira, um tribunal de Boston bloqueou uma tentativa de Porto Rico de criar o seu próprio “modus operandi” na relação entre credores e entidades públicas. Concretamente, as autoridades de San Juan tentavam adotar uma lei que permitiria aos municípios insulares declararem falência. Na barra do tribunal, os advogados do território argumentaram que Porto Rico estava numa “terra de ninguém”, mas a sentença foi-lhes adversa.

A resposta à crise está agora nas mãos do Congresso dos Estados Unidos. Vários candidatos às presidenciais de 2016 já se pronunciaram sobre o assunto e os dois principais contendores na corrida à Casa Branca são unânimes em relação à solução. A democrata Hillary Clinton recusa qualquer resgate a Porto Rico, mas considera a opção da bancarrota “uma oportunidade justa no caminho do sucesso”.

Por seu lado, o republicano Jeb Bush afirmou: “Penso que Porto Rico tem de ser tratado como qualquer outro estado no que respeita à reestruturação”.

Na segunda-feira, a primeira mulher de ascendência porto-riquenha a ser eleita para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nydia M. Velazquez (eleita por Nova Iorque), apelou à convocação de uma reunião de urgência do Grupo de Trabalho sobre Mercados Financeiros, criado em resposta ao “crash” bolsista de outubro de 1987 e que se manteve muito ativa durante a crise financeira de 2008.

A situação de Porto Rico é agravada pelo facto de 45% dos seus 3,6 milhões de habitantes viver em situação de pobreza. Em maio passado, a taxa de desemprego era de 12,4%.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 10 de julho de 2015. Pode ser consultado aqui