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Dia Internacional da Educação: Em Gaza, os livros são usados para acender fogueiras onde as pessoas cozinham e se aquecem

Na Faixa de Gaza, não há razões para celebrar o Dia Internacional da Educação, que se assinala esta sexta-feira. Escolas e universidades são alvos de guerra e, pelo segundo ano letivo consecutivo, não há aulas no território palestiniano. Asma Mustafa, uma professora de inglês que já se deslocou oito vezes, tenta contrariar as adversidades

Asma Mustafa é professora de inglês na Faixa de Gaza desde 2008 CORTESIA ASMA MUSTAFA

A guerra está a tornar a escola uma memória cada vez mais longínqua para centenas de milhares de jovens da Faixa de Gaza. Pelo segundo ano letivo consecutivo, não há aulas no território palestiniano.

A esmagadora maioria das escolas e universidades foram arrasadas e as que se aguentaram de pé deixaram de ser centros de estudo e transformaram-se em abrigos para deslocados.

Na ausência de educação formal, o conhecimento continua a transmitir-se graças a pessoas determinadas como Asma Mustafa. Esta professora de inglês de 38 anos, que até ao início da guerra trabalhava numa escola pública para raparigas, no norte de Gaza, desenvolveu uma iniciativa ao estilo de “primeiros socorros educativos”.

“A educação parou desde o 7 de Outubro e ninguém se preocupou mais com as crianças de Gaza. Fiquei muito inquieta pelo facto de os alunos ficarem sem aulas pelo segundo ano consecutivo. É algo muito difícil de aceitar para uma mãe e professora”, diz ao Expresso Asma Mustafa, mãe de duas meninas pequenas.

“Ao mesmo tempo, comecei a olhar à minha volta, nos abrigos e nos acampamentos de deslocados… As crianças estavam perdidas. Segui o meu coração e o meu dever, enquanto professora e mãe para com as crianças deslocadas que me rodeiam, e decidi tornar-me a escola delas”, partilha. “Assumi a responsabilidade de começar a ensiná-las de forma espontânea.”

A professora improvisa salas de aula em todos os locais para onde é deslocada
CORTESIA ASMA MUSTAFA

Cerca de um mês após o início da guerra, a professora empreendeu uma iniciativa educativa a que chamou “Uma História Por Dia”.

“Conto histórias às crianças, histórias com uma lição de vida ou uma mensagem. Histórias que lhes deem força e transmitam ensinamentos sobre a vida. Quero que essas histórias as levem a ter melhores comportamentos e a saber como solucionar problemas. Foco-me muito na resolução de problemas e nas competências para a vida.”

Além das histórias, Asma transmite-lhes conhecimentos básicos de inglês, árabe e matemática. Cria jogos, põe-nas a pintar e a desenhar, organiza atividades de grupo, dá-lhes dicas de higiene pessoal (quando doenças se espalham pelos acampamentos) e promove brincadeiras, para que as crianças façam alguma descarga emocional e lidem menos mal com a sua condição de deslocados.

“Às vezes, reúno-as à volta do meu leitor de MP3. Fico feliz quando elas saltam e começam a bater palmas. Sinto os seus batimentos cardíacos”, diz. Asma ensina-as a dançar a Dabkha, a dança tradicional palestiniana, inscrita, em 2023, na lista da UNESCO de Património Cultural Imaterial da Humanidade.

Tudo contribui para as ajudar a lidar com o trauma da guerra. “Elas ficam felizes por encontrar alguém que as possa ajudar, alguém que é líder, como um professor. Elas acreditam nos professores.”

As sessões são importantes para alhear as crianças do som das bombas, do zumbido dos drones, da omnipresença da guerra, dia e noite. Permitem também que convivam entre si, criem uma rotina e alimentem a esperança de que um dia possam voltar à escola.

CORTESIA ASMA MUSTAFA

“Nas sessões, também as escuto”, acrescenta a professora. “Os meus alunos estão cheios de histórias e, nas tendas, os pais não têm tempo para os ouvir”, ocupados que estão a arranjar meios de sobrevivência.

As próprias crianças não são poupadas às tarefas de emergência. As horas que deviam passar na escola, são usadas a procurar lenha para as fogueiras, a carregar jerricãs de água ou à espera de comida em pontos de distribuição.

Muitas ficaram órfãs e passam a ser ‘mãe ou pai’ de irmãos mais novos. São obrigadas a tornarem-se adultos à força.

As “turmas” de Asma são compostas por crianças que vivem nas tendas em redor da sua. À semelhança da esmagadora maioria dos habitantes de Gaza, também ela teve de fugir da casa onde vivia, no norte do território. Fala ao Expresso a partir do campo de refugiados de Nuseirat, no centro de Gaza.

“Já me desloquei por oito vezes: duas para abrigos e seis para tendas. Já me desloquei quatro vezes dentro da mesma zona humanitária, como lhe chama Israel”, diz. “Já testemunhei sete guerras antes desta, mas nunca antes tive de sair de casa, a não ser no dia 7 de outubro de 2023.”

CORTESIA ASMA MUSTAFA

A cada nova etapa rumo ao desconhecido, Asma leva, junto com os pertences, o material educativo que consegue arranjar, por vezes comprado a preços elevados. Chegada a um novo destino, monta “a sua escola”.

“A vida é miserável. Perdemos as casas, perdemos tudo. Agora, para cozinhar, usamos lenha, papéis, tudo o que se consegue arranjar. Povos do mundo, acordem, em Gaza cozinhamos com fogo! Os livros que havia em Gaza foram queimados para as pessoas fazerem fogueiras e poderem cozinhar alimentos”, alerta a professora.

“Mas o mais importante para mim é continuar com as crianças à minha volta. Enquanto for viva, irei ensinar, haja ou não quadro, giz, papel ou lápis. O professor é a escola. O professor é o livro. O professor é a caneta.”

Os números da destruição

Segundo o último relatório do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), com data de 14 de janeiro, este é, até ao momento, o impacto da guerra no sector da educação:

  • 658 mil alunos não têm educação formal;
  • 12.241 estudantes e 503 funcionários educativos, incluindo professores, foram mortos;
  • 88% dos edifícios escolares (496 de um total de 564) foram destruídos ou parcialmente danificados;
  • 51 edifícios universitários foram destruídos e 57 danificados.

A 18 de abril de 2024, 25 relatores especiais das Nações Unidas expressaram grande preocupação com o padrão dos ataques a escolas, universidades, professores e estudantes, o que parecia configurar, nas suas palavras, “a destruição sistémica do sistema educativo palestiniano”.

Israel sempre rejeitou as acusações, acusando o Hamas de usar os estabelecimentos de ensino para atividades terroristas e a população estudantil como refém.

CORTESIA ASMA MUSTAFA

Quaisquer que sejam as adversidades, e em Gaza são muitas, Asma Mustafa mantém um compromisso diário com a educação, por meio de métodos de ensino originais e inovadores.

No seu website, por exemplo, ela disponibiliza “45 estratégias inovadoras de ensino de inglês como língua estrangeira”. Nos tempos da pandemia de covid-19, promoveu a iniciativa “Teachers Behind Screens” (Professores atrás de ecrãs), para treinar professores para o ensino de forma virtual.

Com o projeto “I Believe I Can Fly” (Acredito que posso voar), pôs os alunos em contacto com dezenas de países. “As crianças não estão autorizadas a viajar devido ao cerco imposto a Gaza. Estão a perder a comunicação com todo o mundo.”

Em 2020, esta professora foi distinguida com o Global Teacher Award, atribuído pela organização privada indiana AKS (Alert Knowledge Services), que se dedica ao reconhecimento de “educadores excecionais pela eminência e eficácia do seu ensino, pela sua liderança especializada e pelo seu envolvimento com a comunidade”. Em 2022 foi considerada a melhor docente na Palestina.

Formada pela Universidade Islâmica de Gaza, Asma entrou para os quadros do Ministério da Educação em 2008, quando o Hamas já controlava o território.

“Dediquei-me a ensinar as crianças por meio de uma aprendizagem ativa. Quero ajudá-las a pensar de forma crítica e profunda e não apenas a receber informação dos professores, como acontecia comigo quando estudava. Achei que precisava de mudar o método tradicional com que recebi educação. Adoro ensinar com recurso a jogos e acredito nesse tipo de ensino. Quero que os cérebros dos meus alunos estejam frescos e capazes de pensar e repensar.”

CORTESIA ASMA MUSTAFA

O contexto em que se vive em Gaza nos últimos anos — sob bloqueio desde 2007 e, desde então, sob intensos bombardeamentos de Israel, por várias ocasiões —, condena as crianças e jovens a uma carência particular. “Há uma necessidade massiva dos alunos terem mais um amigo do que um professor”, diz Asma. “Decidi ser amiga deles. Em Gaza, as crianças acreditam nos professores.”

No ano em que Asma começou a trabalhar como professora, em 2008, Gaza passou por uma guerra com Israel. “Eu era jovem, tinha 21 anos e era muito próxima dos meus alunos. Após 21 dias de guerra, voltámos às escolas e foi pedido aos professores que se dedicassem à descarga emocional dos alunos. Jogamos, brincamos, deixamos as crianças fazer desenhos e contar as suas histórias para expressarem os sentimentos.”

A mesma tarefa parece agora ser mais difícil de concretizar. “Eu não esperava que a guerra durasse 15 meses. Ninguém esperava”, admite. Por todo o mundo, crises mostram que quanto mais tempo as crianças ficam fora da escola, maior é o risco de não regressarem.

Estima-se que, na Faixa de Gaza, mais de 40% da população tenha até 14 anos. Se continuarem privados de educação, um grande segmento da sociedade fica com o futuro em risco. “Deixar de estudar durante algum tempo torna-se um grande problema. Se a guerra continuar, também o futuro da Palestina ficará perdido.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de janeiro de 2025. Pode ser consultado aqui

Talento dos indianos para as tecnologias tem explicação: a educação

Os profissionais indianos são particularmente procurados por empregadores da área das tecnologias, desde logo grandes multinacionais estrangeiras. Essa aptidão resulta de décadas de investimento no sector educativo, em especial no ensino de Matemática e Ciências. Em Mumbai, onde vive, Eugénio Viassa Monteiro detalha razões para o protagonismo indiano ao nível das tecnologias. Leia também, na edição impressa de 19 de maio, um extenso trabalho sobre as promessas sempre adiadas de um país que vai tornar-se o mais populoso do mundo, ultrapassando a China

CORTESIA EUGÉNIO VIASSA MONTEIRO

Algumas das multinacionais mais reconhecidas em todo o mundo têm à frente gestores nascidos na Índia. São disso exemplos Google, Microsoft, IBM, FedEx, Adobe Inc. ou PepsiCo. Este denominador comum não é obra do acaso.

Os indianos não têm propriamente características genéticas que os capacitem de forma mais especial para as tecnologias, mas usufruem, desde tenra idade, de um sistema educativo que investe na Matemática e nas Ciências.

Em entrevista ao Expresso a partir de Mumbai, onde vive, Eugénio Viassa Monteiro destaca a criação dos Institutos Indianos de Tecnologia, “extremamente seletivos e onde se formaram cabeças brilhantes” como um segredo do sucesso da Índia em matéria de tecnologia. Nascido em Goa, em 1944, este cofundador da AESE Business School, de Lisboa, é autor do livro “O Despertar da Índia” (Alêtheia Editores, 2009).

Por que razão os indianos são grandes talentos na área das tecnologias?
Dentro da pobreza de vida na Índia, explorada até ao tutano pelos ingleses e, mais tarde, após a independência, a funcionar num modelo decalcado do soviético, de economia planificada, controlada e propensa a grande corrupção, e com enorme pobreza e miséria, os pais de família, pensando na melhoria de vida dos seus filhos, davam grande importância ao estudo da Matemática e das Ciências, em detrimento dos desportos e de outros saberes mais literários. Lembro-me de, em Goa, por exemplo, nos anos 1960, haver pouquíssimas escolas primárias públicas. Mas a grande maioria das crianças estudava em escolas de aspeto miserável, na língua marati [falada sobretudo no vizinho estado de Maarastra], pagando uma propina irrisória, e onde aprendiam aritmética, tabuada, cálculo mental, etc.

Com que objetivo?
A ideia do primeiro-ministro Jawaharlal Nehru [1947-1964] era apoiar o crescimento rápido da Índia nas áreas da Ciência e Tecnologia. Daí ter criado os célebres Institutos Indianos de Tecnologia (IIT), extremamente seletivos, onde se formaram mentes brilhantes que hoje dominam grandes multinacionais estrangeiras e indianas.

Hoje, há na Índia 23 IIT e milhares de instituições de formação em Engenharia, promovidas por cada um dos estados, por entidades privadas, etc. E há os Institutos Indianos de Tecnologia da Informação (IIIT). Na Índia, o sector das Tecnologias de Informação (TI) ocupa mais de cinco milhões de especialistas, sendo o país uma potência neste campo. Na mesma linha, foram criados os Institutos Indianos de Administração (IIM, na sigla inglesa), muito afamados também, para impulsionar todo o desenvolvimento empresarial e económico. Há 20 IIM na Índia e milhares de Escolas de Administração.

Entre os Institutos mais relevantes, saliento as Escolas Médicas, sendo o Instituto de Ciências Médicas de Toda a Índia (AIIMC) o modelo das Faculdades de Medicina. Hoje há 22 AIIMC na Índia. Entre AIIMC e Escolas Médicas, a Índia tem hoje 654 Faculdades de Medicina, que recebem todos os anos aproximadamente 100 mil estudantes e quase 65 mil para pós-graduação.

Tudo isto possibilita uma boa capacidade de resposta à procura que os profissionais indianos têm no estrangeiro…
A grande solicitação de engenheiros, dirigentes empresariais e, em especial, de médicos tem crescido pela qualidade da sua preparação e sobretudo pela competência e disciplina de trabalho. Os Estados Unidos souberam valorizar o mérito dos engenheiros, médicos e gestores indianos. Poucos países europeus o souberam reconhecer. Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia têm os olhos postos na Índia para atrair os seus licenciados com formação superior. A Índia quer ter os médicos altamente especializados de que necessita e, ao mesmo tempo, deixar que partam os que assim o queiram.

A Índia tem muita pobreza, mas, ao mesmo tempo, projeta a construção de 100 cidades inteligentes (smart cities). É possível o país tornar-se referência ao nível das sociedades digitalizadas sem resolver o problema da pobreza?
O objetivo das smart cities é criar cidades que forneçam as infraestruturas básicas para dar uma qualidade de vida decente aos seus cidadãos. Para tal, há um orçamento de mais de $24 mil milhões de dólares [€22 mil milhões] para realizar 7804 projetos. Destes, 5246 estavam já concluídos em finais de janeiro último. A população urbana está a crescer e, em 2030, cerca de 40% da população da Índia viverá nas cidades. É bom preparar as condições de vida nas futuras cidades. Há também numerosos programas para dotar de habitação os mais pobres, criar trabalho nas zonas rurais e, sobretudo, para lhes canalizar apoios, algo como o “rendimento mínimo”.

Há algum projeto particularmente emblemático?
Um projeto extraordinário, iniciado por Manmohan Singh [primeiro-ministro entre 2004 e 2014], é o Aadhaar Card, uma espécie de cartão de cidadão, em que cada pessoa tem o seu cadastro pessoal, um número individual [de 12 dígitos] e todos os dados pessoais e biométricos. Desta forma, a canalização de apoios faz-se diretamente para a conta bancária do titular, sem desvios. E 99% das casas de família têm conta bancária. Melhor ainda: 77% da população (com mais de 14 anos) tem a sua conta bancária.

Que representa o sector das tecnologias para o Governo indiano? É uma aposta prioritária?
Todo o sector das TI nasceu da iniciativa privada. Daí ter crescido com muita força e, sobretudo, com grande velocidade. Diz-se que por pouco saberem sobre como controlar e submeter projetos ao regime das Licenças Raj [termo pejorativo usado para designar o controlo apertado do Governo à economia, entre as décadas de 1950 e 1990], burocratas e ministros deixaram andar. Foi como nasceu e cresceu o sector que hoje emprega cerca de cinco milhões de especialistas.

Que empresas de TI destacaria?
Há quatro maiores: a Tata Consultancy Services (TCS), criada em 1968 e hoje com 556 mil trabalhadores; a Infosys, fundada em 1981 e com mais de 335 mil funcionários; a HCL Technologies, formada em 1991 e com mais de 225 mil colaboradores; e a WIPRO Technologies, com 232 mil especialistas [e escritório em Portugal].

Como é que isso se reflete internamente? Como são as comunicações na Índia, por exemplo?
As comunicações telefónicas na Índia passaram de ser uma absoluta nulidade para serem das mais eficazes e baratas de todo o mundo. Em 1995, haveria na Índia 5,3 milhões de telefones de rede fixa, o telefone era considerado um luxo. Com a liberalização do sector, que deixou entrar todos os operadores que quisessem, a competição eliminou aqueles que viviam à sombra do poder. Triunfaram os empreendedores muito bons.

Hoje há três grandes operadoras: Airtel, Reliance e Vodafone-Idea. No total há mais de 1180 milhões de assinantes de rede móvel e cerca de 22 milhões de rede fixa. Os custos das comunicações, que são um instrumento de trabalho, são irrisórios. O G5 está praticamente acessível em todo o país e há projetos ao nível do G6 para que a Índia tenha voz ativa na área da tecnologia e nos padrões de qualidade.

A produção anual de TI e serviços associados é de $250 mil milhões (€230 mil milhões), dos quais $190 mil milhões (€175 mil milhões) são exportados. O restante destina-se ao consumo doméstico.

No âmbito da digitalização, para tirar partido da Inteligência Artificial (IA) ou Machine Learning, Internet das Coisas e Robótica, a disponibilidade de talentos é decisiva para garantir o progresso e tornar os processos mais eficazes e fiáveis.

Esse é um factor muito atrativo para quem investe nessas áreas…
Muitos grandes empregadores (empresas de TI, por exemplo) sentiram forte impacto com o estabelecimento na Índia de muitos Centros de Capacitação Global (CCG), os centros de tecnologia e serviços das multinacionais que as ajudam a transformarem-se digitalmente e ao nível da inovação. Os CCG estão a crescer rapidamente à medida que as empresas globais procuram talentos na Índia. Espera-se que, até 2026, mais de 500 CCG sejam adicionados aos 1500 já existentes, que empregam 1,3 milhões de pessoas.

As multinacionais procuram os melhores especialistas, não se importando de pagar muito bem. Daí, a saída de talentos das empresas locais para os GCC. As saídas de trabalhadores de alto valor é, em geral, algo muito bom e importante para o país e para os próprios. Os melhores saem, porque valem; outros, com boas capacidades, vão especializar-se, e esperar por novos convites.

(FOTO Na cidade indiana de Lucknow, a capital do estado de Uttar Pradesh, estudantes celebram os bons resultados em clima de festa DEEPAK GUPTA / GETTY IMAGES)

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Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de maio de 2023. Pode ser consultado aqui

Universidade do Porto, muito mais do que uma academia. Até no combate à covid-19

Mais do que um espaço de ensino, a Universidade do Porto é, com os seus vários campus, empresas e startups, um dos principais motores de Ciência e Inovação em Portugal. Em tempos de pandemia, essas valências colocam a instituição na linha da frente desse combate. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS

O coronavírus empurrou-nos a todos para dentro de casa. Mas com competência, criatividade, espírito solidário
há todo um novo mundo que ganha forma sem que seja preciso sair à rua.

Nos primeiros dias da pandemia em Portugal, surgiu um projeto tecnológico com soluções criativas para minimizar o impacto da covid-19 nas nossas vidas. É o #tech4COVID19, uma plataforma digital, onde profissionais das mais diversas especialidades angariam fundos para comprar material hospitalar; apoiam professores, alunos e pais ao nível do ensino à distância; prestam assistência médica online; organizam serviços de entregas de bens.

O #tech4COVID19 tem vários projetos ativos e mais de 4000 voluntários, entre eles mais de 200 médicos. Este movimento, que é hoje uma realidade nacional, nasceu no Porto, pela mão de empreendedores e startups da cidade.

Desde 2007 que só na incubadora de empresas da Universidade do Porto já foram aprovadas mais de 550 startups, quase todas criadas por antigos alunos que começaram a concretizar as suas ideias de negócio ainda de capa e batina.

Atualmente, nos três campus da Universidade, funcionam 186 startups e 73 empresas.

Recentemente, a revista “Forbes” destacou três delas e colocou os seus fundadores na lista dos “30 melhores talentos europeus com 30 anos ou menos”.

A nível internacional, o Porto é hoje um dos polos tecnológicos que mais crescem na Europa. E a nível nacional, é mesmo a cidade que mais investimento tem captado para as startups. Recebe 36,71% do total de investimento feito no país, a maioria proveniente do estrangeiro.

Paralelamente ao universo das startups, no ecossistema da Universidade do Porto já foram criadas 91 empresas para explorar produtos ou tecnologias concebidos nos centros de investigação da academia.

A Universidade do Porto é hoje um dos principais motores de Ciência e Inovação em Portugal. E dois outros fatores alimentam essa realidade.
A Universidade tem ativas 335 patentes no país e no estrangeiro. Naquele que foi o melhor ano de Portugal ao nível do registo europeu de patentes, 17 tiveram o selo da Universidade do Porto.

Por outro lado, os seus investigadores são responsáveis por quase 1/4 da produção científica portuguesa. Entre 2013 e 2017, participaram em 23,8% dos artigos científicos produzidos em instituições nacionais. Praticamente metade foram elaborados em parceria com instituições científicas de todo o mundo.

Tudo isto contribui para que a Universidade do Porto seja um centro de estudo atrativo para jovens dos quatro cantos do mundo. Hoje, mais de 6000 alunos são estrangeiros, ou seja, 20% da totalidade dos estudantes. É uma diversidade que dá cor a esse “velho casario que se estende até ao mar…”

Episódio gravado por Pedro cordeiro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de abril de 2020. Pode ser consultado aqui

Com as universidades fechadas, há professores que se transformaram em… Youtubers

Com as escolas de todos os níveis de ensino de portas fechadas oficialmente, os professores montam a sua sala de aula onde e como podem. Para muitos, as modernas tecnologias são um precioso aliado

A sensação de descompressão durou pouco mais de um dia. Era sábado à noite e Sara Leitão desanuviava pelas ruas do Porto com duas amigas quando um telefonema da mãe a deixou incrédula. “Ela tinha acabado de ouvir nas notícias que a minha Faculdade ia fechar por causa do coronavírus”, conta ao Expresso esta estudante do segundo ano de Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), da Universidade do Porto.

“A minha primeira reação foi de felicidade, pois íamos ter a primeira avaliação dentro de poucas semanas”, confessa. Mas o relaxe não perdurou… “Logo na segunda-feira seguinte [faz hoje uma semana] tive uma aula por vídeo-chamada. O professor de Bioestatística e Métodos de Investigação contactou-nos pela manhã a perguntar se podíamos ter a aula por Skype, no horário normal. Como é uma disciplina opcional, somos poucos, cerca de 15”, o que facilitou a convocatória e a organização da vídeo-aula.

Sentada ao computador, ora via a imagem do professor ora o ecrã do seu portátil onde o docente ia projetando informação. Quando havia dúvidas, os alunos ligavam o microfone e interrompiam-no. “O balanço geral é que a sessão até foi mais produtiva do que uma aula presencial. Estávamos no nosso ambiente, mais confortáveis e mais atentos.”

Localizado junto ao Palácio de Cristal, o ICBAS partilha o espaço com a Faculdade de Farmácia onde uma aluna do segundo ano foi das primeiras pessoas infetadas com o Covid-19 em Portugal. Os colegas de turma dessa estudante ficaram de quarentena; Sara e todos os outros alunos do ICBAS e de Farmácia estão em “isolamento social” — ainda que com o horário escolar cada vez mais preenchido a cada dia que passa.

“Para os professores, isto é uma situação completamente nova, é algo que não estavam à espera e tiveram de reagir”, reconhece esta aluna de 20 anos. “Cada um deles tenta encontrar a melhor opção para concretizar as aulas à distância. O professor de Histologia tornou-se uma espécie de Youtuber. Grava-se a si próprio a dar as aulas e publica os vídeos numa aplicação que se chama Panopto e que permite ver os vídeos também no telemóvel. Os alunos estão a adorar este método porque permite assistir à aula mais do que uma vez. E podemos puxar para trás se não percebermos alguma coisa.”

Esta segunda-feira, Sara retomou as aulas de Microbiologia através da aplicação Zoom, que permite vídeoconferências

Com o ICBAS de portas fechadas oficialmente desde 7 de março, os professores montam a sua sala de aula onde e como podem. Para muitos, as modernas tecnologias são um precioso aliado. Esta segunda-feira, Sara retomou as aulas de Microbiologia através da aplicação Zoom, que permite vídeoconferências. Na semana passada, a aula de Patologia, dada para largas dezenas de alunos, aconteceu através da plataforma EPOP Conferências. “O funcionamento é muito semelhante ao do Skype, mas permitia um maior número de pessoas a assistir.”

Nas aulas de Anatomia Clínica, não há vídeo-aulas. “O professor disponibilizou power points ainda mais pormenorizados do que o habitual, e vamos estudar autonomamente.” No caso de dúvidas posteriores às aulas, os professores estão contactáveis por e-mail “e respondem bastante rápido”, testemunha. “É muito bom estarem tão disponíveis. E nota-se que estão mesmo a tentar arranjar a melhor solução. Alguns estão muito à vontade com as tecnologias, resolvem a situação rapidamente e sem ajuda, mas outros nota-se que têm dificuldade. Há uns dias, numa aula, havia alguém ao lado do professor a ajuda-lo a pôr um vídeo a funcionar.”

CORTESIA SARA LEITÃO

A disponibilidade dos docentes não é a mesma se o professor acumular com serviço nos hospitais. “Os professores que são médicos — temos muitos que trabalham no Santo António [um dos hospitais de referência para a pandemia do Covid-19] — estão numa situação mais complicada. Eles dizem que a prioridade deles não é avaliarem-nos, mas exercerem a sua profissão principal, o que é compreensível. Vivemos tempos difíceis.”

Mas aos poucos, o calendário de aulas teóricas vai-se preenchendo, tentando reproduzir o melhor possível os horários que tinham na universidade. “Na Faculdade, quando tínhamos aulas de duas horas, às vezes fazíamos cinco minutos de intervalo. Isso já aconteceu numa vídeo-aula, apesar de estarmos em casa.”

A maior incerteza dos estudantes prende-se com a realização dos exames. “Temos exames agendados, mas não sabemos se devemos começar aquele estudo mais intensivo porque não temos a certeza de que os exames vão acontecer”

A maior incerteza dos estudantes prende-se com a realização dos exames. “Temos exames agendados, mas não sabemos se devemos começar aquele estudo mais intensivo porque não temos a certeza de que os exames vão acontecer. Até agora, foi-nos dito que o calendário mantém-se, mas não sabemos como.”

Inicialmente, o ICBAS decretou a suspensão da atividade letiva durante 14 dias, mas aos primeiros dias da suspensão foi comunicado aos alunos que a situação era para se manter indefinidamente. Nos momentos em que não está ao computador, Sara areja pelas redondezas da casa onde vive com os pais, em Vila Nova de Gaia, na companhia da cadela Benny. Dentro de portas, relaxa-a uma descoberta recente — a arte do ponto cruz — e já lhe ocorreu voltar a pegar no Violoncelo, que encostou quando entrou para a Universidade.

Certo é que o isolamento é para cumprir. “Na semana passada, ainda fui estudar com umas amigas e tive um jantar de aniversário, mas já tomei a decisão e não vou sair mais de casa até novas ordens. É mesmo uma questão de precaução.”

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 16 de março de 2020. Pode ser consultado aqui

Quando ir à escola é um risco, a UNICEF responde com soluções criativas

Uma ponte partida, um rio revolto, já para não falar em situações de guerra, são obstáculos suficientemente fortes para demover as crianças de irem à escola. No Dia Universal dos Direitos da Criança — a educação é um deles —, que se assinala esta segunda-feira, a UNICEF revela ao Expresso alguns projetos em curso para contornar essas armadilhas

Um menino vai para a escola numa piroga, através da planície inundada de Barotse, na Zâmbia JOHN JAMES / UNICEF

Ir à escola é, para milhões de crianças em todo o mundo, um verdadeiro desafio à sobrevivência. Faz-se, muitas vezes, através de pontes esburacadas, de rios com a água pelos joelhos ou por trilhos montanhosos ladeados por escarpas íngremes.

“A UNICEF trabalha com parceiros no terreno para garantir escolas e percursos seguros”, diz ao Expresso Lisa Bender, especialista na área de Educação em Situações de Emergência da UNICEF. “Há cada vez mais soluções inovadoras ao serviço de uma educação de qualidade.”

Em Madagáscar, por exemplo, esta agência das Nações Unidas, que trabalha em defesa dos direitos das crianças, forneceu bicicletas e canoas a adolescentes do sexo feminino que vivem em zonas rurais e para quem a lida da casa é prioritária em relação aos estudos. Para muitas meninas, as horas do dia não chegam para tudo o que têm em mãos. Com um recurso tão simples como uma bicicleta, vão e vêm da escola muito mais rapidamente, deixam de chegar atrasadas a todo o lado e, o mais importante, não abandonam a escola tão facilmente.

Um outro projeto da UNICEF está a ser concretizado no Bangladesh, onde os rios são um problema, sobretudo nos meses das monções, época em que os caudais sobem metros, tudo fica inundado, aldeias ficam isoladas e escolas são forçadas a fechar.

Através de uma ONG local, a Shidhulai Swanirvar Sangstha, a UNICEF apoia a manutenção de uma frota de “navios-escola”, reconstruídos a partir das tradicionais embarcações “noka”. Com telhados à prova de chuvas intensas, estão equipados com painéis solares, o que permite a utilização de computadores nas aulas. Há também barcos-biblioteca, outros para formação de adultos e clínicas flutuantes que se deslocam para zonas remotas.

Combater o Boko Haram… com a rádio

“A UNICEF está também a explorar, cada vez mais, de que forma a tecnologia pode trazer conhecimento a comunidades remotas”, acrescenta Lisa Bender. Até lá, o recurso a velhas tecnologias tem-se revelado eficaz. “A rádio pode desempenhar um papel-chave em tempos de crise. Durante o surto de ébola, na África Ocidental, a UNICEF e parceiros no terreno usaram o rádio para dar aulas a crianças nas áreas afetadas”, diz a especialista da organização da ONU.

“Estes esforços continuam em países como a Nigéria, onde a crise provocada pelo [grupo islamita] Boko Haram está a ter um impacto prejudicial no acesso das crianças à escolaridade.” (“Boko”, em língua hausa, significa algo como educação ocidental secular, ou seja não-islâmica, e “haram”, em árabe, significa “proibido”.)

Muito do trabalho da UNICEF no terreno apoia-se em parceiros locais, conhecedores do meio, das sensibilidades sociais e culturais e das necessidades. “A educação é um direito humano fundamental e um requisito muito importante para o desenvolvimento não só individual das crianças mas das sociedades e economias como um todo”, recorda Lisa Bender. “Temos de encontrar formas de tornar a educação disponível.”

A UNICEF está atenta também às zonas em guerra. Segundo um relatório da organização de setembro passado, em 2015, havia 27 milhões de crianças sem escola em regiões afetadas por conflitos, declarados ou latentes. É o caso do território palestiniano da Cisjordânia, onde a ocupação israelita faz-se (também) através de postos de controlo, o que obriga muitas crianças a cruzarem-se, diariamente, com militares e armas a caminho da escola.

A pensar no stresse provocado por situações do género, a UNICEF apoia um projeto de percursos acompanhados, na zona H2 de Hebron (Cisjordânia) — área sob controlo militar de Israel, onde vivem 500 colonos judeus entre 30 mil palestinianos. Em parceria com o Programa de Acompanhamento Ecuménico na Palestina e pelas Equipas Pacificadoras Cristãs, este programa passa por colocar voluntários internacionais a acompanhar grupos de crianças no seu caminho para a escola. Estes adultos transmitem confiança e segurança às crianças, induzem os militares israelitas a fazerem controlos mais céleres nos checkpoints e dissuadem o assédio e atos de violência por parte dos colonos. A sua presença encoraja as crianças a não abandonarem a escola.

Uma instituição beneficiada por este projeto é a Escola de Cordoba, junto aos colonatos de Beit Hadassah e de Beit Romano. No passado, foi várias vezes vandalizada por colonos, o que levou à colocação de arame farpado em redor de parte da escola.

“A falta de acessos seguros para as crianças irem à escola pode ser um grande obstáculo para que, em especial as meninas, recebam educação”, conclui Lisa Bender. “É por esta razão que escolas comunitárias, como as que temos no Afeganistão, podem verdadeiramente ajudar a derrubar estes obstáculos e dar às crianças a possibilidade de irem à escola num ambiente seguro. Estas escolas comunitárias não só incentivam as meninas a matricularem-se, como contribuem para melhorar resultados e aprendizagem.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de novembro de 2017. Pode ser consultado aqui. A fotogaleria “Arriscar a vida para ir à escola” pode ser consultada aqui