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Coreia do Sul vai a votos: campanha marcada pelo preço do cebolinho e o surgimento de um ‘partido de protesto’

Os sul-coreanos escolhem, esta quarta-feira, o seu próximo Parlamento. Nos boletins de voto, haverá candidatos afetos a um novo partido antissistema que tem concentrado a insatisfação dos eleitores desiludidos com os partidos tradicionais. O custo de vida e a elevada inflação dos alimentos tornaram o cebolinho um dos protagonistas destas eleições legislativas

A visita de um chefe de Estado a um mercado, com os órgãos de informação atrás, é um momento que, à partida, não antecipa grande interesse para além do seu lado pitoresco. Mas na Coreia do Sul, a ida do Presidente Yoon Suk-yeol a um supermercado, num bairro de Seul, a 18 de março, originou grande polémica.

Junto à banca do cebolinho, o líder sul-coreano pegou num molho e disse: “Acho que 875 won [0,60€] por cebolinho é um preço razoável”. O comentário desencadeou um coro de críticas e tornou esta planta aromática um tema de campanha das eleições legislativas desta quarta-feira, com os líderes da oposição a usarem o episódio para acusar o Presidente de estar desfasado da realidade quotidiana dos cidadãos.

Rapidamente se apurou que na véspera, naquele mesmo espaço, o preço do cebolinho era de 1000 won (0,70€) e uma semana antes era vendido a 2760 won (1,90€). No próprio dia da visita de Yoon, o preço médio do cebolinho no comércio a retalho era de 3018 won (mais de 2€).

Para expor a discrepância de preços no mercado, políticos afetos à oposição desataram a comprar cebolinho a diferentes preços e a sugerir, com ironia, que o Presidente passasse a visitar os supermercados locais para controlar os preços.

Nas sondagens, o custo de vida e a elevada inflação dos alimentos surgem como grandes preocupações dos eleitores sul-coreanos. Na quarta maior economia asiática, o preço do cebolinho tornou-se assim uma arma de arremesso político.

As eleições desta quarta-feira visam eleger os 300 deputados que vão ter assento na Assembleia Nacional nos próximos quatro anos. A atual maioria parlamentar é afeta ao Partido Democrático (PD, centro-esquerda), que se opõe ao Partido do Poder Popular (PPP, conservador), do Presidente Yoon Suk-yeol.

O Presidente — que detém o poder executivo, já que na Coreia do Sul o sistema é presidencial — vai a caminho de metade do seu mandato, que será único por determinação constitucional. Ganhou as eleições presidenciais por escassos 0,73%, a margem mais magra da história do país, o que ditou um mandato de grande dificuldade. Estas eleições são vistas também como uma espécie de referendo à sua atuação.

“Ao longo dos últimos dois anos, o mandato tem sido marcado por uma forte oposição por parte da maioria simples no Parlamento, marcada por conflitos, obstruções legislativas e dificuldades na aprovação de orçamentos, a que se juntam vários escândalos e até um debate em torno da qualidade da democracia na Coreia do Sul”, diz ao Expresso Rita Durão, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

“Apesar do Presidente ter certos poderes independentes, reformas estruturais nas áreas da economia, educação, saúde ou do trabalho — que são cada vez mais pedidas pelos sul-coreanos e nomeadamente pelos mais jovens — necessitam de apoio dos dois maiores partidos.”

Outros temas quentes da campanha eleitoral foram a greve prolongada de milhares de médicos, em protesto contra o plano governamental de reforma do sector, a fraca taxa de crescimento demográfico da Coreia do Sul — que tem 52 milhões de habitantes e a taxa de fertilidade mais baixa do mundo — e também a corrupção.

Desde 1987, quando o país ascendeu ao clube das democracias, cinco Presidentes foram detidos, julgados ou condenados a penas de prisão, no âmbito de casos de corrupção.

Um dos casos mais recentes teve no centro a primeira dama. Kim Keon Hee foi filmada secretamente a receber uma mala Christian Dior no valor de 2200 dólares (pouco mais de 2000€). A lei anticorrupção sul-coreana proíbe os cônjuges de funcionários públicos de receberem presentes de valor superior a um milhão de won (680€).

Nas fileiras da oposição também se lida com o problema. Durante a campanha eleitoral, o líder do Partido Democrático, Lee Jae-myung, compareceu três vezes em tribunal para responder em processos por corrupção.

Novos partidos a tempo das eleições

A política sul-coreana tem sido amplamente dominada por dois partidos. Atualmente, o PPP detém a presidência e o PD goza de maioria simples na Assembleia Nacional. Em conjunto, têm quase 250 em 300 deputados. Mas o próximo Parlamento pode ser mais fragmentado.

A pensar nestas eleições, antigos líderes destas duas formações fundaram novos partidos. Em janeiro, foi fundado o Partido Nova Reforma, coliderado por um antigo presidente do PPP, Lee Jun-seok, e por um ex-primeiro-ministro, Lee Nak-yon. No mês seguinte, um grupo dissidente do PD liderado por um antigo primeiro-ministro, Lee Nak-yon, fundou o Partido Novo Futuro.

“Existe muita flexibilidade partidária na política sul-coreana, focada em líderes carismáticos, sem forte lealdade a um partido específico”, explica Rita Durão, doutoranda em Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa. “Há, muitas vezes, partidos novos ou fusão de partidos durante o período de eleições.”

À semelhança de outros países, como Portugal, o descontentamento de muitos sul-coreanos relativamente ao modus operandi dos partidos tradicionais e de sucessivos escândalos que salpicam a classe política levou à emergência de um ‘partido de protesto’ — o Partido da Reconstrução da Coreia.

“Este partido tem vindo a subir nas sondagens devido à insatisfação generalizada com o Governo e a oposição que, muitas vezes, têm membros e líderes envolvidos em escândalos. A postura mais populista, ‘antigoverno’ ou ‘antissistema’ acaba por apelar aos eleitores cansados e desiludidos com o status quo do sistema político atual”, acrescenta a investigadora.

Pedras no sapato

Fundado há pouco mais de um mês, o novo partido é liderado por Cho Kuk, um antigo ministro da Justiça que enfrenta uma pena de dois anos de prisão por fraude. O político foi condenado por usar a sua influência para beneficiar de favores académicos, nomeadamente admissões universitárias para os seus filhos e interferir na investigação de um caso de corrupção.

A 8 de fevereiro, um tribunal de recurso confirmou a sentença aplicada em primeira instância. Segundo o jornal “The Korea Times”, a justiça “não colocou Cho sob detenção imediata, alegando baixo risco de fuga, poucas hipóteses de destruição de provas e a necessidade de garantir o seu direito de defesa”.

A Assembleia Nacional determinará a agenda da política interna para os próximos quatro anos, mas não será relevante ao nível da política externa, área que é da competência do Presidente. Após subir ao poder, Yoon Suk-yeol endureceu a relação com a Coreia do Norte.

“O atual Presidente tem sido fortemente criticado pela sua tendência em alinhar-se com os Estados Unidos (fortalecendo a aliança de segurança) e com o Japão (um caso muito delicado dadas as tensões entre os dois países por razões históricas), alienando e antagonizando a China (a parceira económica mais importante da Coreia do Sul)”, conclui Rita Durão.

“Independentemente do resultado eleitoral, a agenda da política externa de Yoon Suk-yeol vai permanecer inalterada.” Mas uma vitória do seu partido criará condições parlamentares para que governe sem estar refém de uma maioria adversa e possa deixar marca no país.

(FOTO Apoiantes do Partido Democrático, de oposição ao Presidente sul-coreano, numa ação de campanha, em Seul ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui

Eleições dão alento ao sonho de Shinzo Abe, assassinado dois dias antes

O Japão foi a votos domingo, num escrutínio ensombrado pelo assassínio do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, dias antes, quando discursava num comício. Enquanto digerem este crime sem precedentes no país, os eleitores japoneses votaram maioritariamente em partidos defensores, como o desaparecido, de uma revisão da Constituição pacifista

A mais de 11 mil quilómetros de Portugal, o Japão é um país que sobressai pela sua liderança em vários domínios. Com os animes, tornou-se potência mundial da indústria do audiovisual; a sua gastronomia é apreciada nos quatro cantos do mundo; e o desenvolvimento tecnológico catapulta o país para o topo das classificações mundiais da especialidade.

Outra imagem forte é a tranquilidade e o pacifismo que emana da sociedade nipónica. O Japão ocupa as últimas posições nos rankings internacionais de criminalidade e, inversamente, os primeiros no Índice Global da Paz.

Nada preparava 126 milhões de cidadãos, pois, para o chocante assassínio a tiro, na via pública, do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, na passada sexta-feira, quando discursava numa ação de campanha do Partido Liberal Democrático (PLD, conservador), a que pertence também o primeiro-ministro Fumio Kishida. Foi um trágico fim da campanha para as eleições deste domingo, em que foram a votos 125 dos 248 assentos da câmara alta do Parlamento.

Os partidos da coligação no poder (PLD e Komeito) asseguraram 77 lugares, passando a ter um total de 147 membros na Câmara dos Conselheiros. “Uma grande vitória para o bloco que pressiona para tornar realidade o sonho de revisão [constitucional] de Abe”, escreveu o jornal japonês “Asahi Shimbun”.

Legado da II Guerra Mundial

Durante os seus mandatos como primeiro-ministro (2006-2007 e 2012-2020), Abe pugnou pela revisão da Constituição do Japão (promulgada em 1946, a seguir à derrota nipónica na II Guerra Mundial, e nunca revista) no sentido de clarificar o estatuto legal das Forças de Autodefesa, que têm estado confinadas às ilhas japonesas e só muito recentemente passaram a integrar missões de manutenção da paz no estrangeiro.

Pelo artigo 9º da Constituição, “o povo japonês renuncia para sempre à guerra como direito soberano da nação e à ameaça ou uso da força como meio de resolver disputas internacionais”.

Para cumpri-lo, “as forças terrestres, marítimas e aéreas, bem como outras potencialidades bélicas, nunca serão mantidas”. Esta disposição constitucional e a ausência de qualquer referência explícita às Forças de Autodefesa servem de base à argumentação que rotula as Forças de inconstitucionais.

Uma revisão constitucional exige a aprovação de dois terços dos deputados nas duas câmaras do Parlamento — Câmara dos Representantes (baixa) e Câmara dos Conselheiros (alta) —, ao que se seguirá um referendo nacional.

Esta possibilidade ficou mais próxima de se tornar realidade após as eleições deste domingo, já que quatro partidos favoráveis a uma revisão constitucional conquistaram lugares suficientes para forjar a maioria de dois terços. Um sonho que Shinzo Abe não verá concretizado.

Caso muito excecional

Abe, de 67 anos, foi assassinado quando discursava em frente à estação ferroviária de Yamato-Saidaiji, na cidade de Nara (no centro de Honshu, a maior ilha do arquipélago japonês), a cerca de 500 quilómetros de Tóquio. O seu palco era uma pequena caixa quadrada colocada numa área zebrada no meio da estrada. Abe foi alvejado duas vezes nas costas, com surpreendente facilidade.

“Este é um caso muito excecional no Japão, uma das sociedades mais pacíficas do mundo, com um índice de criminalidade muito baixo. No entanto, nos tempos em que vivemos, e tendo em conta o que se passa a nível internacional, não me surpreende que episódios de volatilidade e incerteza ocorram também no Japão”, diz ao Expresso um cidadão português a residir em Tóquio, que solicitou anonimato.

“A cidade de Nara, onde Abe discursava, é quase uma vila quando comparada com as grandes cidades de Tóquio ou Osaca. Por ser um dos países mais seguros do mundo, os seguranças que acompanhavam Abe estão agora a ser acusados de negligência, pois deixaram a retaguarda do ex-primeiro-ministro sem qualquer proteção.”

O atacante, que já confessou o crime, usou uma arma de fabrico caseiro. Foi identificado como Tetsuya Yamagami, desempregado de 41 anos, residente em Nara, que serviu três anos na Marinha, até 2005. Aos investigadores, o suspeito disse sentir “rancor” em relação a Abe.

“A minha família aderiu a uma organização religiosa e a nossa vida tornou-se mais difícil após doar dinheiro para essa organização”, disse Yamagami, citado pelo “Asahi Shimbun. “Eu queria atingir o alto responsável da organização, mas era difícil. Então, virei-me para Abe, porque acreditava que ele estava ligado [à organização]. Quis matá-lo.”

Críticas a Zelensky

O cidadão português ouvido pelo Expresso não descarta a possibilidade de o assassino ter atuado com motivações políticas. “Pessoalmente, penso que é um ato político com contornos internacionais. Shinzo Abe era próximo de Vladimir Putin [Presidente da Rússia] e Donald Trump [ex-Presidente dos EUA]. E em maio tinha criticado [Volodymyr] Zelensky [Presidente da Ucrânia].”

Há pouco mais de um mês, Abe pronunciou-se sobre a guerra na Ucrânia para criticar Kiev: “Se o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, tivesse sido obrigado a prometer que o seu país não aderiria à NATO ou a conceder um alto grau de autonomia aos dois enclaves orientais [Donetsk e Luhansk], teria sido possível evitar hostilidades”, disse.

Antes destas declarações, e já com a invasão russa em curso, Abe comparou Putin a Oda Nobunaga, um guerreiro do século XVI muito importante na história do Japão. O Presidente russo, disse, é “um pragmático extremo e, fundamentalmente, acredita no poder”, disse num simpósio. “Eu diria que ele é como um general Sengoku [período dos Estados Combatentes]. Por exemplo, se se dissesse a Oda Nobunaga para respeitar os direitos humanos, não funcionaria.”

A experiência militar do assassino confesso ter-lhe-á sido preciosa para construir a arma com que alvejou Abe. No Japão, adquirir uma arma de fogo requer registo criminal limpo, treino obrigatório, avaliação psicológica e verificação de antecedentes que podem passar por entrevistas a vizinhos por parte da polícia.

Uma vez por ano, a arma tem de ser inspecionada pela polícia e a cada três anos há que renovar a licença, o que obriga o proprietário a voltar a receber formação e a fazer um exame. Não é permitido comprar pistolas, apenas espingardas e carabinas de ar comprimido.

Menos de dez mortes por ano

Estas restrições contribuem para um baixo número de armas de fogo nas mãos de particulares, no Japão. Segundo o projeto independente “Small Arms Survey”, localizado no Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, de Genebra, estima-se que, em 2017, havia no Japão (126 milhões de habitantes) cerca de 377 mil armas nas mãos de civis — uma média de 0,25 armas por 100 pessoas, enquanto nos Estados Unidos essa média é de 120 armas.

Em consequência, a quantidade de crimes com armas de fogo é praticamente inexistente. A média anual é de menos de dez mortes. Em 2017, houve apenas três.

Mesmo a Yakuza, conhecida como “máfia japonesa” — uma organização com ramificações internacionais que se dedica à extorsão, tráfico, lavagem de dinheiro e inúmeras outras atividades criminosas ligadas ao crime organizado —, proibiu os seus membros de usarem armas de fogo, pelo menos em público, para protegerem os seus principais líderes de responsabilidades criminais.

A decisão seguiu-se à sentença de um tribunal da cidade de Fukuoka que, em agosto do ano passado, condenou à morte por enforcamento Satoru Nomura, de 74 anos, líder de um gangue importante, responsabilizando-o por ataques realizados por subordinados. O mafioso recorreu da sentença e aguarda o resultado.

Foi às mãos da Yakuza que, em 2007, após um comício, foi assassinado Iccho Itoh, antigo presidente da Câmara Municipal de Nagasáqui. Foi o último político japonês morto a tiro antes de Abe, um político de outra dimensão, já que era o japonês que mais tempo serviu no cargo de primeiro-ministro. Nos dois mandatos, abdicou por razões de saúde.

“Algo mudará” no país como consequência deste caso, prevê o cidadão português. “No Japão, tentam sempre reformar o sistema, ou criar novos regulamentos, quando algo não corre bem. Talvez tenha algum impacto na tradição japonesa dos candidatos políticos discursarem em público. Certamente a segurança vai ser reforçada nessas ocasiões.”

(FOTO Cartazes de candidatos à eleição para a Câmara Alta do Parlamento, em Tóquio, a 10 de julho de 2022 ISSEI KATO / REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de fevereiro de 2020. Pode ser consultado aqui

Israel vai a votos pela quinta vez em menos de quatro anos. Porquê tanta instabilidade?

A estabilidade política e governativa tornou-se um grande desafio em Israel. O país vai para as quintas eleições legislativas em menos de quatro anos e as sondagens dizem que ainda não será desta que um partido conseguirá formar uma coligação governativa estável. “Temos de alterar o grau de facilidade com que o Parlamento se dissolve”, diz um investigador israelita

Sete líderes partidários a votos nas eleições legislativas de 1 de novembro de 2022 ISRAEL POLICY FORUM

Nas últimas semanas, as autoridades de Israel têm multiplicado alertas de perigo destinados aos seus nacionais que planeiem viajar ou já estejam em território da Turquia. Na origem dos avisos estão informações que dão conta de operacionais iranianos envolvidos no planeamento de ataques contra cidadãos israelitas na cidade de Istambul.

Numa altura em que o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano — ao qual Israel se opõe — era objeto de intensas negociações em Viena com vista à sua reativação, Telavive e Teerão voltam a protagonizar tensão. É, pois, surpreendente que haja, em Israel, quem considere que a ameaça iraniana está longe de ser atualmente a maior dor de cabeça do país.

“O principal problema que Israel enfrenta é a estabilização do sistema político para sustentar a democracia”, diz ao Expresso o investigador Gideon Rahat, do Instituto de Democracia de Israel. “Em segundo lugar, temos de encontrar algum tipo de solução visionária para o conflito com os palestinianos e de lidar com a ameaça iraniana. Depois, há muitos problemas internos ao nível dos sistemas de saúde e educativo e dos transportes públicos, que em Israel são um grande problema. Temos muito para resolver e já perdemos muitos anos com eleições, uma após outra, com a pandemia de coronavírus a complicar ainda mais.”

Desde 1996, quando Benjamin Netanyahu foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez — o israelita que, desde sempre, mais anos chefiou o Governo do país —, Israel realiza eleições legislativas, em média, a cada dois anos e meio.

Essa média encurtou drasticamente nos últimos quatro anos. Os israelitas foram a votos em abril e setembro de 2019, março de 2020 e março de 2021. Irão às urnas de novo a 1 de novembro próximo, depois de, na semana passada, o Parlamento (Knesset) ter aprovado a sua própria dissolução.

“Temos de alterar o grau de facilidade com que o Knesset se dissolve”, comenta o académico israelita. Os partidos “deviam ter mais incentivos para procurar outras soluções políticas para produzir um Governo estável”, continua. “As eleições em Israel ocorrem numa única circunscrição nacional. Se adotarmos círculos eleitorais como em Portugal ou Espanha, por exemplo, podemos mudar a paisagem política para que os partidos sejam mais propensos a unir-se e a concorrer juntos. Se alguns partidos pequenos se fundirem, podem ser criados blocos maiores, ainda que não seja possível saber se isso levaria à estabilidade. Agora a divisão é real. Israel está quase dividido ao meio.”

No Knesset dissolvido, estavam representados 13 partidos ou coligações. O Executivo em funções era apoiado por oito formações com agendas irreconciliáveis, da extrema-direita judaica aos islamitas árabes.

“Em Israel, o voto é, antes de tudo, identitário. As pessoas identificadas como religiosas estão mais à direita, as mais seculares votam mais à esquerda, os árabes votam nos partidos árabes e comunista, os judeus nos partidos sionistas”, explica o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Votar tem que ver, primeiro, com identidade, e essas identidades estão ligadas a ideologias e políticas, além de durante décadas ficarem ligadas a personalidades concretas, como Netanyahu. Não é possível dizer que as pessoas votam apenas por assuntos.”

Que dizem as sondagens?

As sondagens realizadas após o anúncio da dissolução do Knesset confirmam o cenário de fragmentação, prevendo que, nas eleições de 1 de novembro, nem o bloco de partidos que apoia Netanyahu, nem o bloco que se lhe opõe obtenham votos suficientes para garantir o apoio de 61 dos 120 deputados e formar um Governo estável.

As sondagens indincam também que Netanyahu é o candidato favorito dos eleitores. “Sempre foi muito popular, mas nunca teve maioria. É esse o seu problema”, comenta Rahat. “É um líder populista, pelo que tem o apoio de algumas pessoas e é detestado por outras. O segredo da sua popularidade é o populismo. Vai contra a chamada velha elite, os media e os tribunais, em nome da maioria e da tradição judaicas, e às vezes até da religião.”

Após 15 anos na cadeira do poder, Netanyahu está com a justiça à perna. É réu em três processos por corrupção, fraude e abuso de confiança, num julgamento que começou a 24 de maio de 2020 e que, segundo Rahat, “pode demorar uma eternidade, não terminará em meses, vai demorar anos”. Segundo a lei, só na eventualidade de ser condenado e de serem esgotados os recursos é que se poderá colocar um cenário de afastamento de Netanyahu da vida política.

“Há interpretações à lei segundo as quais ele já devia estar impedido. Se se seguir estritamente a lei, terá de decorrer muito tempo até que seja impedido. É sempre possível que alguém recorra ao tribunal e este decida que Netanyahu não pode recandidatar-se a primeiro-ministro, mas não é muito provável.”

A mais recente crise política em Israel foi acelerada pela rejeição, no Knesset, de uma lei que, nas últimas décadas, não tem encontrado obstáculo para ser prorrogada: a chamada Lei dos Colonos, de 1967, que tem de ser renovada de cinco em cinco anos e que prevê a aplicação da lei civil israelita aos cerca de 500 mil colonos judeus que vivem de forma fortificada no território palestiniano ocupado da Cisjordânia (aos três milhões de palestinianos, Israel aplica a lei militar).

Naquela que vários órgãos de informação israelitas qualificaram de “uma das votações mais surreais da história” do país, alguns partidos que, ideologicamente, sempre apoiaram a lei desta vez rejeitaram a sua renovação. Foi o caso do Likud, o partido de direita liderado por Netanyahu. “Fizeram-no para abalar a coligação. A tática da oposição é votar contra qualquer coisa que a coligação proponha, mesmo que a apoie.”

A estratégia não só levou à dissolução do Knesset como salvou a Lei dos Colonos, que, graças à marcação de novas eleições, foi automaticamente renovada.

Biden a caminho do Médio Oriente

Outra consequência do abalo político foi a substituição de primeiro-ministro. Naftali Bennett (Yamina, direita sionista) abandonou o cargo, anunciou que não será candidato às próximas eleições e cedeu o lugar ao seu parceiro de coligação, Yair Lapid (do partido centrista Yesh Atid), com quem acordara alternar na chefia do Governo a meio do mandato e que era, até agora, ministro dos Negócios Estrangeiros.

Será, pois, Lapid que irá receber o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com chegada prevista a Israel a 13 de julho. “A visita é, em primeiro lugar, uma expressão da estreita relação entre Israel e os Estados Unidos. Em segundo lugar, é indício de que o atual Governo dos Estados Unidos provavelmente prefere ter Lapid como primeiro-ministro, ou Bennett antes dele, do que Netanyahu, um claro defensor do Partido Republicano, mais conotado com essa formação do que seria recomendável a um primeiro-ministro israelita, dado tratar-se de política interna norte-americana.”

De Israel, Biden irá para a Arábia Saudita, um trajeto carregado de simbolismo, já que os dois países não têm relações diplomáticas. “Julgo que há uma tentativa para melhorar a relação que existe, de alguma forma, nos bastidores entre Israel e a Arábia Saudita. Mas Biden também tem um interesse próprio na Arábia Saudita, já que necessita de garantir gasolina suficiente para o seu povo, para que apoie os democratas nas eleições [para o Congresso] de metade de mandato”, de 8 de novembro próximo.

Não é líquido que eventuais êxitos internacionais de Israel angariem votos para 1 de novembro. “Na última década, o peso eleitoral das relações exteriores e da segurança diminuiu um pouco. Em relação aos palestinianos, há um impasse, porque os palestinianos estão divididos entre o Hamas na Faixa de Gaza e a Organização de Libertação da Palestina [de que a Fatah é a principal fação] na Cisjordânia. Em relação à ameaça iraniana, ou a outras ameaças, há consenso”, conclui Rahat.

Inversamente, explica: “O peso eleitoral das questões internas está a aumentar, incluindo junto dos cidadãos israelitas árabes. E das questões internas faz parte a democracia e perceber-se se a democracia é o Governo da maioria ou uma democracia mais liberal.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui

Israel vai para as quintas eleições em três anos. Será o regresso de Netanyahu?

Apoiada em oito partidos, a coligação governamental implodiu após um ano no poder

ILUSTRAÇÃO CHAIM V’CHESSED

1 Porque caiu o Governo?

Porque era formado por um conjunto de partidos com interesses conflituantes e, atualmente, era minoritário no Parlamento (Knesset). A 13 de junho de 2021, este Executivo foi aprovado por 61 deputados (em 120), mas hoje tinha o suporte de apenas 59, oriundos de oito forças políticas com agendas irreconciliáveis, da extrema-direita judaica aos árabes islamitas. O cimento que os uniu foi, tão somente, a vontade de correrem do poder o então primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Segunda-feira, ao anunciarem o início do processo de dissolução do Knesset, o atual chefe do Governo, Naftali Bennett (nacionalista), e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Yair Lapid (centrista, que deveria suceder-lhe no cargo, em regime de rotação), disseram ter “esgotado todos os esforços para estabilizar a coligação”.

2 Que assuntos originaram divisões?

Vários, como a questão do Estado palestiniano ou a relação entre religião e Estado. O último abalo foi provocado pela chamada Lei dos Colonos, rejeitada no Knesset a 6 de junho. Nos últimos 50 anos, esta lei, que decreta a aplicação da lei civil aos colonos judeus que vivem no território ocupado da Cisjordânia (aos palestinianos é aplicada a lei militar), tem sido renovada por ampla maioria. A rejeição de uma lei desta importância põe em evidência o mal-estar entre Governo e oposição. Com a dissolução do Knesset, a lei é automaticamente prorrogada por seis meses.

3 O que se segue à dissolução?

Confirmado o fim da legislatura, previsto para o início da próxima semana, Israel segue para novas eleições legislativas, as quintas desde abril de 2019. Em três dos quatro últimos escrutínios, o partido mais votado foi o Likud (direita), liderado por Netanyahu, o israelita que mais tempo exerceu o cargo de primeiro-ministro. ‘Bibi’, como é conhecido, liderou o país entre 1996 e 1999 e entre 2009 e 2021.

4 Netanyahu pode voltar ao poder?

Sim. No dia em que foi anunciada a dissolução do Knesset, o líder da oposição prometeu formar “um Governo nacional amplo, forte e estável”, que “traga de volta o orgulho nacional”. Três sondagens divulgadas no dia seguinte confirmaram a preferência dos israelitas por Netanyahu, ainda que nenhuma lhe atribua votos suficientes para formar uma coligação maioritária com os seus aliados tradicionais: a da televisão pública Kan dá-lhe 60 deputados e as dos Channel 12 e 13, 59. No Knesset, a maioria é de 61 deputados, uma fasquia inalcançável nos últimos anos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui