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Israelitas árabes podem desbloquear o impasse, resta vencerem a apatia, a descrença nos políticos e o sentimento de discriminação

A minoria árabe de Israel corresponde a cerca de 20% da população, mas é apenas representada por 8% dos deputados no Parlamento. Tem, por isso, um potencial de crescimento que poderia beneficiá-la e interromper o ciclo de crises políticas que leva Israel, esta terça-feira, a realizar as quintas eleições legislativas dos últimos três anos e meio. Várias razões contribuem para que os israelitas árabes optem por ficar em casa, a começar pelas disputas entre os seus próprios partidos

Nos últimos quatro anos, em especial, os israelitas habituaram-se a ir às urnas com equipamento extra. Além do boletim de voto e do envelope onde o inserem para depois o depositarem na urna, levam também consigo — em sentido figurado — a máquina de calcular.

Num país que sempre teve governos de coligação desde que é independente, há mais de 70 anos, não basta que os eleitores escolham um partido. Há também que perceber que outras forças poderão ser hipótese para formar uma coligação de Governo.

Esta terça-feira, 6.788.804 israelitas estão convocados para votar nas quintas eleições legislativas dos últimos três anos e meio. Todas as sondagens realizadas desde o início da campanha eleitoral apontam um vencedor antecipado: o partido Likud (direita), liderado pelo antigo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

“Bibi”, como também é conhecido, é o israelita que mais tempo desempenhou o cargo de primeiro-ministro. Em 2019, chefiava o Governo quando foi acusado de corrupção, na justiça. O seu julgamento — cujo início foi objeto de sucessivos adiamentos — ainda decorre.

A circunstância de ser o político mais popular em Israel combinada com os problemas na justiça polarizou os corredores da política: de um lado, partidos que lhe são indefetíveis, do outro formações para quem é impensável apoiá-lo enquanto não resolver os seus problemas na justiça. Incluem-se neste grupo antigos aliados.

Da mesma forma que preveem a vitória do Likud, as sondagens profetizam que nem o bloco de partidos pró-Netanyahu nem aquele que se lhe opõe conseguirá uma maioria de 61 deputados no Parlamento (Knesset, com 120 membros).

A incógnita árabe

Na aritmética dos votos, e na sua tradução em deputados, há um sector da sociedade israelita sistematicamente sub-representado no Parlamento, por comparação ao seu peso demográfico — a minoria árabe.

Em caso de forte mobilização, o voto árabe pode contribuir de forma decisiva para desbloquear o impasse político que se arrasta desde 2019, favorecendo a formação de uma aliança anti-Netanyahu. Já uma fraca participação poderá estender a passadeira para o regresso do ex-primeiro-ministro à cadeira do poder.

“Sem dúvida, o poder está nas mãos dos cidadãos árabes”, diz ao Expresso Arik Rudnitzky, investigador no Israel Democracy Institute, de Jerusalém. “Não me ocorre uma única campanha eleitoral que dependa tanto do voto árabe como esta.”

Rudnitzky estuda padrões de comportamento dos eleitores árabes ao longo de décadas. Diz que “o número mágico” que poderá transformar os árabes na chave para o fim do ciclo de crises políticas no país é uma taxa de afluência a rondar os 55%. Acrescenta: “60% seria inacreditável, uma conquista notável.”

Uma sondagem publicada pelo Israel Democracy Institute na passada quinta-feira revelou que 70% dos eleitores árabes planeiam ir votar: 50,5% “têm a certeza” de que irão e 19,4% “pensam” fazê-lo. “Afinal de contas, o resultado será determinado pela capacidade dos partidos árabes de se organizarem no dia das eleições e de galvanizarem o seu público para votar”, defende a instituição, num comentário à sondagem.

Mais violência, menos votos

À luz da tendência de evolução da participação eleitoral da minoria árabe desde a fundação de Israel, a fasquia dos 55% pode ser uma quimera.

1949-1973 — A média de afluência foi de 83,8%, superior aos 81,4% nacionais.

1977-1999 — Neste período marcado pela Primeira Intifada (revolta palestiniana na Cisjordânia e na Faixa e Gaza), a média caiu para 73,4% e a nacional ficou nos 78,9%.

2003-2021 — A participação ressente-se da Segunda Intifada e de três guerras na Faixa de Gaza e desce para os 57%, enquanto a média nacional foi de 66%.

Esta terça-feira, irão a votos três listas árabes, em representação de quatro partidos que têm sido dominantes entre os israelitas árabes desde a criação do país.

RA’AM
A Lista Árabe Unida tem uma abordagem religiosa conservadora e representa o movimento islâmico no Knesset. Acredita que participar numa coligação de Governo traz benefícios. Foi nesse espírito que se tornou, após as eleições de 23 de março de 2021, o primeiro partido árabe a integrar um Executivo em Israel.

“Foi histórico”, comenta Rudnitzky. O Ra’am teve “algumas conquistas em termos de alocações orçamentais e medidas para responder ao problema da criminalidade [em alta nas cidades árabes] e à situação de comunidades beduínas no Negev [não reconhecidas pelo Estado]. Penso que houve boas intenções, tanto da parte do partido como do Governo. O problema é que não houve tempo suficiente [o Executivo durou pouco mais de um ano]. E a coligação não era homogénea [composta por oito partidos anti-Netanyahu, da esquerda tradicional à direita sionista]. Houve boas intenções, mas não houve resultados significativos no terreno que satisfizessem as expectativas dos cidadãos árabes.”

HADASH/TA’AL
Trata-se da fusão entre a Frente Democrática para a Paz e Igualdade (que engloba o Partido Comunista) — um partido árabe judeu não sionista que acredita na cooperação entre árabes e judeus — e o Movimento Árabe para a Mudança — um partido nacionalista moderado que procura influenciar sem ter de integrar o Governo.

BALAD
A Aliança Democrática Nacional representa a orientação nacionalista palestiniana. Recusa-se a participar no Executivo, argumentando não ver diferenças entre os blocos pró e anti-Netanyahu em matéria de políticas destinadas aos árabes israelitas e aos palestinianos. Apela à abolição da natureza sionista de Israel e defende que o país deixe de ser um Estado judeu e passe a ser um Estado para todos os seus cidadãos.

Quando, em 2015, pela primeira vez, estes quatro partidos foram a votos numa Lista Única fizeram história: elegeram 13 deputados e passaram a ser a terceira bancada mais numerosa no Knesset. Nesse ano, votaram mais de 60% dos eleitores árabes. “Provaram que o todo é maior do que a soma das partes”, comenta Rudnitzky.

Os bons resultados da opção pela união foram confirmados nas eleições de setembro de 2019 e de março de 2020 quando a Lista Única elegeu 13 e 15 deputados, respetivamente, com taxas de participação de 59,2% e 64,8%.

Inversamente, quando concorreram cada um por si, o entusiasmo do eleitorado árabe ressentiu-se e a representação parlamentar decresceu. Nas últimas eleições, em 2021, a participação árabe cifrou-se em 44,6%, com os 10 deputados eleitos a corresponderem a apenas 8% dos assentos no Knesset, muito longe dos 20% de árabes que vivem em Israel.

POPULAÇÃO DE ISRAEL (2020)

  • Total: 9.289.760
  • Judeus: 6.873.910
  • Árabes: 1,957.270

As sondagens para as eleições de terça-feira não são simpáticas para os partidos árabes. Preveem que a Lista Árabe Unida (Ra’am) eleja quatro deputados e a aliança Hadash-Ta’al consiga outros quatro. O Balad não deverá conseguir ultrapassar a fasquia de 3,25%, necessária para garantir uma bancada parlamentar.

Neste contexto, a votação dos árabes torna-se ainda mais crucial já que as sondagens atribuem também um forte aumento ao Partido Religioso Sionista (extremista), que poderá servir de muleta a Netanyahu nas contas visando a maioria de 61 deputados.

Várias razões contribuem, à partida, para desmobilizar o eleitorado árabe, mesmo numa altura em que poderiam fazer a diferença.

DIVERGÊNCIAS ENTRE PARTIDOS — A instabilidade política em Israel — traduzida em cinco eleições legislativas em 43 meses — contagia também os partidos árabes, levando-os a oscilar entre a união e a divisão. Disputas pessoais e desacordos políticos entre os líderes partidários “desmoralizaram as populações árabes”, já castigadas por um quotidiano de dificuldades, agravado nos últimos anos pela subida da criminalidade, comenta Rudnitzky. Em Israel, as comunidades árabes tendem a ser mais pobres e menos instruídas do que as judias e expressam mais razões de queixa, dizendo-se alvo de discriminação no acesso à habitação, empregos e serviços públicos.

VIOLÊNCIA NOS TERRITÓRIOS — Apesar de serem cidadãos do Estado de Israel, os israelitas árabes são “extremamente sensíveis” em relação ao que se passa nos territórios palestinianos, seja porque têm laços familiares com quem lá vive, seja por uma questão de identidade. Desde meio de outubro que a cidade de Nablus, na Cisjordânia, está cercada por forças israelitas numa operação de repressão ao grupo Covil do Leão, responsável por ataques contra militares judeus.

Para Rudnitzky, a situação nos territórios “é um fator decisivo” que condiciona o estado de espírito dos israelitas árabes. “É um problema. Lembra-me 1996, quando [o primeiro-ministro] Shimon Peres tentou mobilizar os eleitores árabes para que votassem nele [contra Netanyahu] e depois [a um mês das eleições] Israel desencadeou uma operação militar no Líbano [“Vinhas da Ira”, contra o Hezbollah] que resultou na morte de dezenas de libaneses inocentes. Esta operação na Cisjordânia, os acontecimentos de maio de 2021 [os distúrbios no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental] e os confrontos diretos entre Israel e o Hamas, tudo isto influencia, afeta e desencoraja os cidadãos árabes.”

Cidadãos com estatuto especial

Muitos israelitas árabes sentiram como uma facada as alterações feitas, em 2018, à chamada Lei da Nacionalidade. Essa lei básica consagrou o Estado de Israel como “nação do povo judeu”, concedeu o direito à autodeterminação “em exclusivo” aos judeus e atribuiu à língua árabe um “estatuto especial”, por comparação ao hebraico, que passou a ser “a língua do Estado”.

“É outro fator que avoluma a intenção de não votar”, diz Rudnitzky. “Quando a situação geral no sistema político árabe já não é boa, soma-se a isso a existência de legislação do Estado que discrimina. É outro fator que desencoraja os árabes a participarem no jogo político, que sentem que não os representa.”

Vistos como uma espécie de ‘quinta coluna’ por muitos conterrâneos judeus, dada a natural solidariedade para com os palestinianos dos territórios ocupados por Israel na guerra de 1967 (Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental), os árabes de Israel somam esse desconforto à fadiga eleitoral comum a todos os cidadãos, cansados de irem às urnas sem perspetiva de Governo estável e duradouro.

Seja por apatia, desinteresse ou boicote, a comunidade que tem potencial para dar novo rumo político a Israel não tem esperança. E isso pode colocar o país na rota das sextas eleições. Ou então voltar a erguer Netanyahu ao poder, à frente de um Executivo integrado por fações religiosas ultraortodoxas e extremistas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de outubro de 2022. Pode ser consultado aqui

Israel vai a votos pela quinta vez em menos de quatro anos. Porquê tanta instabilidade?

A estabilidade política e governativa tornou-se um grande desafio em Israel. O país vai para as quintas eleições legislativas em menos de quatro anos e as sondagens dizem que ainda não será desta que um partido conseguirá formar uma coligação governativa estável. “Temos de alterar o grau de facilidade com que o Parlamento se dissolve”, diz um investigador israelita

Sete líderes partidários a votos nas eleições legislativas de 1 de novembro de 2022 ISRAEL POLICY FORUM

Nas últimas semanas, as autoridades de Israel têm multiplicado alertas de perigo destinados aos seus nacionais que planeiem viajar ou já estejam em território da Turquia. Na origem dos avisos estão informações que dão conta de operacionais iranianos envolvidos no planeamento de ataques contra cidadãos israelitas na cidade de Istambul.

Numa altura em que o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano — ao qual Israel se opõe — era objeto de intensas negociações em Viena com vista à sua reativação, Telavive e Teerão voltam a protagonizar tensão. É, pois, surpreendente que haja, em Israel, quem considere que a ameaça iraniana está longe de ser atualmente a maior dor de cabeça do país.

“O principal problema que Israel enfrenta é a estabilização do sistema político para sustentar a democracia”, diz ao Expresso o investigador Gideon Rahat, do Instituto de Democracia de Israel. “Em segundo lugar, temos de encontrar algum tipo de solução visionária para o conflito com os palestinianos e de lidar com a ameaça iraniana. Depois, há muitos problemas internos ao nível dos sistemas de saúde e educativo e dos transportes públicos, que em Israel são um grande problema. Temos muito para resolver e já perdemos muitos anos com eleições, uma após outra, com a pandemia de coronavírus a complicar ainda mais.”

Desde 1996, quando Benjamin Netanyahu foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez — o israelita que, desde sempre, mais anos chefiou o Governo do país —, Israel realiza eleições legislativas, em média, a cada dois anos e meio.

Essa média encurtou drasticamente nos últimos quatro anos. Os israelitas foram a votos em abril e setembro de 2019, março de 2020 e março de 2021. Irão às urnas de novo a 1 de novembro próximo, depois de, na semana passada, o Parlamento (Knesset) ter aprovado a sua própria dissolução.

“Temos de alterar o grau de facilidade com que o Knesset se dissolve”, comenta o académico israelita. Os partidos “deviam ter mais incentivos para procurar outras soluções políticas para produzir um Governo estável”, continua. “As eleições em Israel ocorrem numa única circunscrição nacional. Se adotarmos círculos eleitorais como em Portugal ou Espanha, por exemplo, podemos mudar a paisagem política para que os partidos sejam mais propensos a unir-se e a concorrer juntos. Se alguns partidos pequenos se fundirem, podem ser criados blocos maiores, ainda que não seja possível saber se isso levaria à estabilidade. Agora a divisão é real. Israel está quase dividido ao meio.”

No Knesset dissolvido, estavam representados 13 partidos ou coligações. O Executivo em funções era apoiado por oito formações com agendas irreconciliáveis, da extrema-direita judaica aos islamitas árabes.

“Em Israel, o voto é, antes de tudo, identitário. As pessoas identificadas como religiosas estão mais à direita, as mais seculares votam mais à esquerda, os árabes votam nos partidos árabes e comunista, os judeus nos partidos sionistas”, explica o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Votar tem que ver, primeiro, com identidade, e essas identidades estão ligadas a ideologias e políticas, além de durante décadas ficarem ligadas a personalidades concretas, como Netanyahu. Não é possível dizer que as pessoas votam apenas por assuntos.”

Que dizem as sondagens?

As sondagens realizadas após o anúncio da dissolução do Knesset confirmam o cenário de fragmentação, prevendo que, nas eleições de 1 de novembro, nem o bloco de partidos que apoia Netanyahu, nem o bloco que se lhe opõe obtenham votos suficientes para garantir o apoio de 61 dos 120 deputados e formar um Governo estável.

As sondagens indincam também que Netanyahu é o candidato favorito dos eleitores. “Sempre foi muito popular, mas nunca teve maioria. É esse o seu problema”, comenta Rahat. “É um líder populista, pelo que tem o apoio de algumas pessoas e é detestado por outras. O segredo da sua popularidade é o populismo. Vai contra a chamada velha elite, os media e os tribunais, em nome da maioria e da tradição judaicas, e às vezes até da religião.”

Após 15 anos na cadeira do poder, Netanyahu está com a justiça à perna. É réu em três processos por corrupção, fraude e abuso de confiança, num julgamento que começou a 24 de maio de 2020 e que, segundo Rahat, “pode demorar uma eternidade, não terminará em meses, vai demorar anos”. Segundo a lei, só na eventualidade de ser condenado e de serem esgotados os recursos é que se poderá colocar um cenário de afastamento de Netanyahu da vida política.

“Há interpretações à lei segundo as quais ele já devia estar impedido. Se se seguir estritamente a lei, terá de decorrer muito tempo até que seja impedido. É sempre possível que alguém recorra ao tribunal e este decida que Netanyahu não pode recandidatar-se a primeiro-ministro, mas não é muito provável.”

A mais recente crise política em Israel foi acelerada pela rejeição, no Knesset, de uma lei que, nas últimas décadas, não tem encontrado obstáculo para ser prorrogada: a chamada Lei dos Colonos, de 1967, que tem de ser renovada de cinco em cinco anos e que prevê a aplicação da lei civil israelita aos cerca de 500 mil colonos judeus que vivem de forma fortificada no território palestiniano ocupado da Cisjordânia (aos três milhões de palestinianos, Israel aplica a lei militar).

Naquela que vários órgãos de informação israelitas qualificaram de “uma das votações mais surreais da história” do país, alguns partidos que, ideologicamente, sempre apoiaram a lei desta vez rejeitaram a sua renovação. Foi o caso do Likud, o partido de direita liderado por Netanyahu. “Fizeram-no para abalar a coligação. A tática da oposição é votar contra qualquer coisa que a coligação proponha, mesmo que a apoie.”

A estratégia não só levou à dissolução do Knesset como salvou a Lei dos Colonos, que, graças à marcação de novas eleições, foi automaticamente renovada.

Biden a caminho do Médio Oriente

Outra consequência do abalo político foi a substituição de primeiro-ministro. Naftali Bennett (Yamina, direita sionista) abandonou o cargo, anunciou que não será candidato às próximas eleições e cedeu o lugar ao seu parceiro de coligação, Yair Lapid (do partido centrista Yesh Atid), com quem acordara alternar na chefia do Governo a meio do mandato e que era, até agora, ministro dos Negócios Estrangeiros.

Será, pois, Lapid que irá receber o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com chegada prevista a Israel a 13 de julho. “A visita é, em primeiro lugar, uma expressão da estreita relação entre Israel e os Estados Unidos. Em segundo lugar, é indício de que o atual Governo dos Estados Unidos provavelmente prefere ter Lapid como primeiro-ministro, ou Bennett antes dele, do que Netanyahu, um claro defensor do Partido Republicano, mais conotado com essa formação do que seria recomendável a um primeiro-ministro israelita, dado tratar-se de política interna norte-americana.”

De Israel, Biden irá para a Arábia Saudita, um trajeto carregado de simbolismo, já que os dois países não têm relações diplomáticas. “Julgo que há uma tentativa para melhorar a relação que existe, de alguma forma, nos bastidores entre Israel e a Arábia Saudita. Mas Biden também tem um interesse próprio na Arábia Saudita, já que necessita de garantir gasolina suficiente para o seu povo, para que apoie os democratas nas eleições [para o Congresso] de metade de mandato”, de 8 de novembro próximo.

Não é líquido que eventuais êxitos internacionais de Israel angariem votos para 1 de novembro. “Na última década, o peso eleitoral das relações exteriores e da segurança diminuiu um pouco. Em relação aos palestinianos, há um impasse, porque os palestinianos estão divididos entre o Hamas na Faixa de Gaza e a Organização de Libertação da Palestina [de que a Fatah é a principal fação] na Cisjordânia. Em relação à ameaça iraniana, ou a outras ameaças, há consenso”, conclui Rahat.

Inversamente, explica: “O peso eleitoral das questões internas está a aumentar, incluindo junto dos cidadãos israelitas árabes. E das questões internas faz parte a democracia e perceber-se se a democracia é o Governo da maioria ou uma democracia mais liberal.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui

Manuel Valls ao Expresso. “A prioridade de França é reconciliar os franceses”

O antigo primeiro-ministro francês passou por Portugal em campanha eleitoral. Candidato pelo círculo da emigração nas legislativas deste mês, em representação dos franceses que vivem nomeadamente em Portugal, concedeu uma entrevista ao Expresso onde identificou os principais problemas de França, comentou a guerra na Ucrânia e explicou por que razão abandonou o Partido Socialista

Manuel Valls foi primeiro-ministro de França entre 2014 e 2016, durante o mandato presidencial de François Hollande. Então militante do Partido Socialista, o francês nascido na Catalunha abandonou essa histórica força política após ter perdido as primárias para as presidenciais de 2017 para Benoît Hamon, da ala esquerda. Agora que o PS aderiu à frente chefiada por Jean-Luc Mélenchon, Valls decreta a sua morte. Ele, que sempre foi centrista, aproveitou a dupla nacionalidade para ser candidato à Câmara Municipal de Barcelona em 2019, pelo partido centrista liberal Cidadãos. Não ganhou, mas foi vereador. Agora regressa à arena política francesa ao lado do Presidente, Emmanuel Macron, candidatando-se às legislativas de 12 e 19 de junho pela frente centrista e liberal do chefe de Estado, rebatizada de Renascimento. Aos 59 anos, concorre à Assembleia Nacional pelo círculo eleitoral que representa os franceses emigrados em Portugal, Espanha, Andorra e Mónaco. Esteve em Portugal no final de maio, em ações de campanha que o levaram de Braga ao Algarve.

ACREDITO QUE HOJE O PRINCIPAL PROBLEMA DE FRANÇA É A SUA DIVISÃO

Quais são hoje os principais problemas de França?
 A sua divisão. São as fraturas sociais, geracionais e geográficas demonstradas na primeira volta das presidenciais, com três grandes blocos: Macron, Le Pen, Mélenchon. Todas as sociedades democráticas vivem essa polarização. Temos em Espanha o fenómeno Vox. Em Portugal, pela primeira vez, há uma lista à direita da direita. Há movimentos na rua, como os “coletes amarelos”. A democracia representativa está em crise. A abstenção é muito alta, a sociedade está tensa, enquanto no plano económico a situação é boa: teríamos perspetiva de pleno emprego se não fosse a crise ucraniana. França resistiu à crise sanitária com investimento na ajuda às empresas, negócios, cultura, pessoas e famílias. Não obstante, há desigualdades, precariedade no trabalho. Cuidado: a economia é uma coisa, depois existem as pessoas que ficam de lado. Basicamente, a principal prioridade de França é reconciliar os franceses consigo mesmos.

É candidato pela maioria presidencial, que perdeu votos relativamente a 2017. Como vê a evolução eleitoral de Marine Le Pen?
Na primeira volta das presidenciais, Macron ganhou votos em relação a 2017. A segunda volta foi diferente, mas é normal. Teve, ainda assim, mais do que as sondagens previam, 58%. O fenómeno novo é a tripartição Macron-Le Pen-Mélenchon, e haver um hipercentro em torno do Presidente, de centro-esquerda e centro-direita: os republicanos, a social-democracia, os ecologistas também estão com Macron. Temos a ascensão da extrema-direita e aquilo a que chamo mélenchonismo, a união da esquerda que é totalmente contrária à história do Partido Socialista. Os extremos alimentam-se da raiva, do medo do futuro, da precariedade social, de pessoas que não se sentem consideradas. Hoje há esse sentimento junto de pessoas que, mesmo que ganhem bem a vida, estão muito preocupadas porque o custo da gasolina ou do aquecimento impossibilita o equilíbrio dos orçamentos familiares. É por isso que Macron precisa de uma forte maioria nas legislativas, porque o país está dividido, pode haver movimentos na rua, há reformas que têm de ser feitas. É preciso que a Assembleia o faça.

OS EXTREMOS [COMO MÉLENCHON E LE PEN] ALIMENTAM-SE DA RAIVA, DO MEDO DO FUTURO

Porque saiu do Partido Socialista?
Deixei-o há cinco anos, após primárias, porque, em 2017, o Partido optou por abandonar a cultura de Governo. Escolheu criticar. Não é que tudo tenha sido bem feito, mas colocou-se na oposição ao que havíamos feito durante cinco anos com François Hollande [Presidente de 2012 a 2017]. Rompeu com a social-democracia. Qual é a diferença entre [Olaf] Scholz, [António] Costa ou [Pedro] Sánchez e os socialistas franceses? É que uns querem governar e governam. Os socialistas franceses desistiram de governar, e eu previ-o. Agora não só renunciaram a governar, como renunciaram a ser o que eram, desde que aceitaram pela primeira vez submeter-se a um acordo eleitoral onde são marginalizados e, sobretudo, a uma submissão ideológica de projeto. Estão sujeitos não ao Partido Comunista, mas a Mélenchon e à sua visão populista, violenta, com um projeto que representa uma tripla rutura: com a União Europeia (UE) e a NATO, com os valores da República — têm uma visão muito comunitária, buscaram essencialmente o voto muçulmano — e com a seriedade económica. Fiz bem há cinco anos, infelizmente. A percentagem de votos do PS quando saí era de 6,5%, já não era muito. Hoje é de 1,5%. Acabou.

AO CONTRÁRIO DE SCHOLZ, COSTA OU SÁNCHEZ, O PS FRANCÊS DESISTIU DE GOVERNAR

Era primeiro-ministro em 2014, ano em que a Rússia anexou a Crimeia. A invasão da Ucrânia surpreendeu-o?
Há que ser honesto, a maioria dos especialistas ficou surpreendida com os objetivos de Vladimir Putin. Não tanto pela vontade de conquistar o Donbas ou fechar o Mar Negro ou o Mar de Azov. O que surpreendeu foram os objetivos iniciais, ou seja, a destruição da Ucrânia e do poder democrático em torno do Presidente Zelensky. Num artigo muito importante de cunho histórico, em julho de 2021, Putin escreveu que a Ucrânia não existe. Há que ler o que o ditador escreveu. E por isso há que ter muito cuidado. Felizmente, a Ucrânia resistiu. Houve uma reação da UE e da NATO que impediram consequências históricas maiores. O pedido de adesão à NATO da Suécia e da Finlândia é uma mudança muito importante. Mas atenção, Putin foi impedido, mas ocupa a Crimeia e outras regiões que vai querer integrar na Federação Russa. E, um dia, vai querer unir os territórios russos, pelo que Odessa, a Transnístria, os territórios próximos da Roménia podem ser alvos. Por isso, a crise ucraniana, a tensão com a Rússia a nível diplomático, militar e económico vai durar.

Como avalia a resposta da União Europeia?
Foi forte. Caminhamos sobre arame, porque trata-se de ajudar a Ucrânia em termos financeiros e no plano militar, fornecer armas, com os norte-americanos, claro. Há sanções contra a Rússia, os efeitos nesta fase são limitados. Ao mesmo tempo, não estamos em guerra com a Rússia. Às vezes é difícil entender. Mas há que ser prudente, pois estão em causa potências nucleares — Rússia, Estados Unidos, França. O mais importante, como na crise pandémica, é que a Europa está consciente de que deve ser soberana e autónoma em muitos domínios, em particular no que diz respeito ao gás, o que abriu um grande debate na Alemanha. Outra estratégia energética para todo o continente diz respeito à Península Ibérica: a questão do gás argelino, a energia fotovoltaica, as energias solares renováveis. Portugal e Espanha podem estar na dianteira. Temos necessidade de outra estratégia energética, de outra estratégia militar, nos próximos meses e anos, o que é uma mudança considerável. Recordemo-nos que há dois ou três anos, dizia-se que a Europa estava acabada. A Europa está aí, é um mercado, uma democracia, uma moeda, pode ter uma defesa. Há muitas coisas a fazer para integrar ainda mais esta Europa.

A TENSÃO COM A RÚSSIA, A NÍVEL DIPLOMÁTICO, ECONÓMICO, MILITAR, VAI DURAR

É favorável à adesão da Ucrânia à UE a curto prazo?
Temos de enviar uma mensagem muito clara. Se a Ucrânia não entrar na Aliança Atlântica, o que basicamente é um pretexto por parte de Putin, já que não estava na agenda, por outro lado a entrada na família da União Europeia é inquestionável. Sabemos que por razões económicas e orçamentais, mas também devido ao funcionamento do Estado ucraniano, o país não está pronto. É provável que leve muitos anos. Há países como a Sérvia e a Albânia, sobretudo, que não são membros da UE e estão à espera. Isso significa que temos de encontrar uma Europa em várias velocidades, um velho debate, ou então o que Macron propõe, uma “comunidade política europeia”. De qualquer forma, deve haver muito rapidamente um gesto que mostre que a Ucrânia está a entrar num processo e que está protegida pela Europa. Há que encontrar a fórmula certa. Sou favorável a que se ajude este grande país de 40 milhões de habitantes, metade de cuja riqueza acaba de ser destruída. Sabemos que não faz muito sentido entrar na União Europeia, no mercado único ou na zona euro, mas há que criar uma amarra forte. O país merece. O seu povo merece a nossa união, ao abrigo de formas que devem ser inventadas muito em breve.

Artigo publicado no “Expresso”, a 3 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui. A primeira parte da entrevista pode ser lida aqui

Entrevista a Manuel Valls: “No período que vivemos, nenhum ex-primeiro-ministro pode permanecer apenas espectador”

Ausente do primeiro plano da política francesa há mais de cinco anos, o ex-primeiro-ministro Manuel Valls vai a votos nas eleições legislativas de 12 e 19 de junho. Disputa um lugar de deputado, em representação dos franceses residentes em Espanha, Portugal, Andorra e Mónaco. A candidatura trouxe-o a Portugal, para desenvolver contactos e participar em ações de campanha em Lisboa, Cascais, Porto, Braga, Tavira, Portimão e Setúbal

O ex-primeiro-ministro Manuel Valls disputa um lugar no Parlamento francês, onde já serviu durante 16 anos, entre 2002 e 2018 RUI OLIVEIRA

A menos de três meses de completar 60 anos de vida, o ex-primeiro-ministro francês Manuel Valls tem a atitude de um jovem apaixonado pelo mundo da política. Após 16 anos como deputado na Assembleia Nacional (2002-2018), dois anos como ministro do Interior (2012-2014) e outros dois como chefe do Governo (2014-2016), volta a candidatar-se a um assento no Parlamento de França.

Se for eleito, cumpre o mandato de deputado? Ou será opção para o próximo Governo, como ministro ou mesmo primeiro-ministro?
 Não. Já fui ministro e primeiro-ministro e o compromisso que assumi é o de estar na Assembleia Nacional para ajudar a maioria e o Presidente, alem de estar presente com os franceses em Espanha e Portugal e nos principados de Andorra e do Mónaco. Tenho [quase] 60 anos e cinco pela frente para fazer bem este trabalho. É fascinante, através deste círculo também tocamos em questões económicas, do Mediterrâneo, da relação com a América Latina, que conheço bem, e de África, através do papel de Espanha e Portugal. Há muito que fazer.

Que motivação tem agora para se candidatar a deputado, depois de ter sido primeiro-ministro?
 No período que vivemos em França e na Europa, com desafios consideráveis ligados à guerra na Ucrânia, com consequências económicas, as alterações climáticas, a transformação ecológica, os riscos terroristas, a crise da democracia representativa, a necessidade de reconciliar os franceses consigo mesmos, nenhum ex-primeiro-ministro pode permanecer apenas espectador ou comentador. Tenho energia e vontade, caso contrário ficaria tranquilamente na minha ilha de Menorca. Mas quero agir. Concordei com o Presidente da República que poderia voltar a ser útil à maioria presidencial. Para mim, a ação deve ter a legitimidade do voto. Como vivo entre Espanha e França, não ia regressar ao círculo eleitoral onde fui eleito 16 anos [Essonne], a sul de Paris. O círculo dos franceses que vivem no Mónaco, Andorra, Espanha e Portugal, foi natural para mim, porque tenho dupla cultura e as nacionalidades espanhola e francesa. Nasci em Barcelona, falo catalão e espanhol. Havia uma lógica, uma consistência.

Filho de pai espanhol e mãe italo-suíça, Manuel Valls nasceu na Catalunha e cresceu em França RUI OLIVEIRA

Que tipo de relação espera desenvolver com Portugal e com a comunidade francesa que aqui vive, se for eleito deputado?
 Devemos estar atentos às expectativas dos franceses que vivem aqui, no que diz respeito ao acesso aos documentos administrativos, passaportes, bilhetes de identidade, carta de condução, certificados de residência… Depois há as questões de acesso às escolas, o custo da matrícula nos liceus [franceses] do Porto e Lisboa. Há todas as questões relacionadas com pensões, os problemas fiscais dos franceses mais velhos que escolheram Portugal para terem uma vida doce.

E depois, há todo o tecido económico, sobretudo em Lisboa e Porto. Um antigo primeiro-ministro pode ser útil às empresas francesas e portuguesas. Já existem muitas câmaras de comércio, a Alliance Française, clubes de empresários, empresas francesas muito grandes em Portugal e muitos franceses que abriram pequenos comércios, mercearias, padarias, talhos, restaurantes, outros que trabalham na publicidade. É uma força incrível.

Há dois milhões de portugueses ou de origem portuguesa em França, há 40 a 50 mil franceses em Portugal, há descendentes de portugueses que começam a tentar ganhar a vida em Portugal… tudo isso cria uma rede, uma cooperação que deve ser estimulada enquanto elemento importante de uma relação muito bonita, muito apoiada na cultura, entre a França e Portugal, mas que precisa de encontrar mais força no plano económico. Estamos no ano da Temporada Cruzada Portugal-França e Emmanuel Macron virá este ano a Portugal, logo há muitas coisas para acompanhar.

Disse que tem dupla cultura. E já exerceu cargos políticos em França e em Espanha. Que ligação tem com estes dois países a nível sentimental? Sente-se mais francês ou espanhol?
 Sou profundamente francês na minha maneira de pensar e de ser. E sinto-me francês. Escrevi um livro cujo título é uma citação de um intelectual francês, um grande lutador da resistência, um amigo do general de Gaulle que se chamava Romain Gary: “Não tenho uma gota de sangue francês”. Usei-a para título [“Pas une goutte de sang français, mais la France coule dans mes veines” (Não tenho uma gota de sangue francês, mas a França corre-me nas veias), editora Grasset, 2021].

O meu pai é espanhol e a minha mãe é italo-suíça, mas a França corre nas minhas veias e na minha mente. O facto de ter dupla cultura, de falar catalão com a minha mãe, a minha irmã e a minha esposa [a empresária catalã Susana Gallardo], de falar castelhano e catalão na rua, de sonhar em ambas as línguas dá-me grande abertura, que vou pôr ao serviço dos franceses que vivem em Espanha e em Portugal, mas não só. Também na relação entre Espanha e Portugal, por um lado, e a França, por outro.

Estou muito feliz por estar em Portugal estes dias. Voltarei regularmente se for eleito, e se não for deputado também. Mas claro que espero voltar como deputado, porque há uma ligação, antes de tudo, a nível da língua e da cultura. França deve recuperar mais influência a nível cultural, especialmente agora que há muitos franceses a viver cá.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui. Na segunda parte da entrevista, publicada na edição impressa, nas bancas esta sexta-feira, Manuel Valls identifica os principais problemas de França, justifica o seu divórcio do Partido Socialista e comenta a guerra na Ucrânia

Iranianos elegem novo Presidente. Quem são os candidatos?

Os iranianos escolhem, esta sexta-feira, um novo Presidente. Apesar de não ser dos cargos mais influentes na complexa estrutura política iraniana, o chefe de Estado é o rosto que representa e defende o país fora de portas. Há quatro candidatos nos boletins de voto, nenhum assumidamente reformista

Ebrahim Raisi, um dos candidatos às presidenciais iranianas HAMED MALEKPOUR / WIKIMEDIA COMMONS

Desde o início do ano que tanto os Estados Unidos como Israel renovaram as respetivas lideranças. Joe Biden está na Casa Branca desde 20 de janeiro e Naftali Bennett chefia o Governo de Israel desde domingo passado. Esta sexta-feira, é o Irão que elege um novo Presidente. Só a prazo, combinadas todas as novas sensibilidades, se perceberá como vai evoluir um dos dossiês que mais tensão geram a nível internacional — o programa nuclear iraniano.

“O Presidente é considerado o representante da nação em reuniões oficiais, e fala em seu nome”, explica ao Expresso o iraniano Mohammad Eslami, investigador na Universidade do Minho, que se dedica aos estudos do Médio Oriente. “A diplomacia do país está nas mãos do Presidente. Assim, presidentes diferentes podem seguir abordagens diferentes em relação às políticas externa e interna.”

Biden quer revitalizar o acordo internacional assinado em 2015 (do qual Donald Trump retirou os EUA, três anos depois), que sujeitava o programa nuclear do Irão a supervisão internacional. O israelita Bennett não desafina da posição do seu antecessor, Benjamin Netanyahu, e já afirmou que reativar o acordo seria “um erro”.

Quanto ao Irão, nos últimos anos, tem tido um Presidente defensor do diálogo com o Ocidente, Hassan Rouhani. Acontece que este está de saída e quem lhe sucede pode não pensar de igual forma.

Esta sexta-feira, mais de 59 milhões de eleitores dirão em quem confiam para governar nos próximos quatro anos. Dos 592 iranianos que tentaram candidatar-se — com idades entre os 40 e os 75 anos —, apenas sete passaram no crivo do Conselho dos Guardiães (ver infografia abaixo). Sestes, três desistiram a dois dias do escrutínio. Nos boletins de voto haverá, pois, quatro nomes, nenhum deles assumidamente reformista:

EBRAHIM RAISI

É o candidato do establishment político, apoiado pelos sectores conservadores e da linha dura. É apontado como potencial sucessor do Líder Supremo, o ayatollah Ali Khamenei e, tal como este, usa um turbante preto, indicativo de que é um sayyid, isto é descendente do Profeta Maomé. Tem 60 anos e lidera, desde 2019, o aparelho judicial, onde trabalhou durante décadas e ganhou fama de ser implacável no combate à corrupção. Em 1988, integrou uma comissão que condenou à morte milhares de prisioneiros políticos, após a guerra Irão-Iraque. Integra a Assembleia de Peritos, órgão responsável pela nomeação e exoneração do Líder Supremo. Em 2017, perdeu as presidenciais para Rohani, com 38% dos votos. E em 2019, foi alvo de sanções por parte dos Estados Unidos.

ABDOLNASER HEMMATI

Formado em Economia, tem 66 anos e é um tecnocrata moderado que ocupou o cargo de governador do banco central iraniano desde 2018. Durante este período, este antigo jornalista teve de lidar com uma forte desvalorização do rial e com as sanções norte-americanas ao sector bancário, incluindo ao próprio banco, que deprimiram o país. Serviu em posições destacadas durante as presidências do conservador Mahmud Ahmadinejad e do reformista Hassan Rouhani, o que revela capacidade para trabalhar com fações opostas. É o único não conservador a ir a votos. Poderá concentrar os votos reformistas, que, porém, estão em perda devido ao desencanto com a atual administração Rohani e aos problemas económicos agravados pela reintrodução de sanções ao país.

MOHSEN REZAEI

Candidata-se à presidência pela quarta vez — concorreu em 2005, 2009 e 2013, e perdeu sempre. Em 2000 candidatou-se a um lugar no Parlamento e também não conseguiu ser eleito. Tem 66 anos e uma carreira militar de décadas. Entre 1981 e 1997, foi comandante-chefe dos Guardas da Revolução. Liderou estas forças durante a guerra Irão-Iraque. Desde 1997, é secretário do Conselho de Discernimento, que arbitra disputas legislativas entre o Parlamento e o Conselho de Guardiães. É formado em Economia, pela Universidade de Teerão.

AMIR-HOSSEIN GHAZIZADEH HASHEMI

É médico de profissão, na especialidade de otorrinolaringologia. É deputado desde 2008, de linha ultraconservadora. É primeiro vice-presidente do Parlamento. Tem posições extremadas em relação ao dossiê nuclear, tendo já defendido a saída do Irão do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Aos 50 anos, é o mais novo dos quatro candidatos. Prometeu formar um Governo jovem para guiar a Revolução numa nova fase.

Um dos quatro homens passará a ser o rosto o Irão fora de portas, ainda que a presidência esteja longe de ser a instituição mais influente na estrutura política da República Islâmica.

“O Presidente é o braço executivo da liderança e o representante do povo a nível executivo”, diz o professor Eslami. “Conforme os princípios religiosos, o governo da sociedade islâmica é da responsabilidade do jurista (Velayat-e Faqih) que foi nomeado governante da sociedade islâmica”, ou seja, o Líder Supremo ayatollah Ali Khamenei.

“Mas isso não contradiz o facto de o jurista também ter assistentes e conselheiros para fazer avançar a sociedade segundo as regras e leis religiosas. A Constituição prevê três ramos, um dos quais o executivo, e uma vez que o seu chefe é eleito diretamente pelo povo e muitos assuntos executivos são-lhe confiados, o cargo também é considerado liderança. Pode dizer-se que o Presidente é o primeiro vice do líder, responsável pelos assuntos executivos. Ele responde perante o líder.”

No topo da pirâmide do poder está o Líder Supremo. Dele emanam múltiplos centros de poder, compostos por instituições ora nomeadas ora eleitas por sufrágio universal.

Enquanto chefe de Governo, o Presidente tem poderes limitados. Entre as suas obrigações está o dever de nomear os membros do gabinete e fazer uma proposta de orçamento, que depois devem ser aprovados no Parlamento. É eleito para um máximo de dois mandatos de quatro anos.

“Enfatizar a importância da presidência não significa subestimar outras instituições, como os poderes judiciário e legislativo”, conclui o professor Eslami. “Mas como o Presidente é eleito por voto popular direto, também tem um lugar especial na Constituição.” Ainda que quem defina os parâmetros das políticas a seguir seja o Líder Supremo.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui