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O meu projeto é mais fantástico do que o teu!

Dubai e Abu Dhabi parecem apostados em disputar o título de paraíso da arquitetura. No Dubai, constrói-se a pensar no turismo; em Abu Dhabi, a aposta é nas artes. Reportagem nos Emirados Árabes Unidos

Maquete do bairro cultural da ilha Saadiyat. Em primeiro plano, à esquerda, o Guggenheim Abu Dabi; à direita, arredondado, o futuro Louvre MARGARIDA MOTA

Abençoado com petróleo, o Dubai é um território tão conhecido em todo o mundo que muitas pessoas pensam que é um país independente. O mesmo equívoco poderá repetir-se com Abu Dhabi quando, daqui por uns anos, rivalizar com o território vizinho em notoriedade arquitetónica.

Na verdade, Dubai e Abu Dhabi são apenas dois dos sete emirados que compõem, desde 1971, a federação dos Emirados Árabes Unidos (EAU). Cada emirado é governado por uma família real e goza de autonomia económica.

O Dubai ganhou fama universal com construções multimilionárias que causaram sensação pela sua inovação: o luxuoso Burj al-Arab (que nasceu rotulado de hotel mais caro do mundo), as excêntricas ilhas artificiais em forma de palmeira ou o original arquipélago recortado em formato de planisfério.

Abu Dhabi a capital federal dos EAU, que ocupa cerca de 90% do território está a viver uma arrancada semelhante. Ao abrigo do programa Visão 2030, o emirado caminha a passos largos para, em 2015 quando se espera que os projetos estejam concluídos , tornar-se uma espécie de capital mundial da Cultura.

O maior Guggenheim do mundo

Quatro importantes museus, projetados por quatro arquitetos de renome internacional, serão construídos na ilha Saadiyat (ilha da Felicidade, em árabe), a escassos 500 metros da costa da cidade de Abu Dhabi.

São eles: o Louvre (cujas obras já estão em curso), da responsabilidade do francês Jean Nouvel; o Guggenheim, projetado pelo canadiano Frank Gehry, que será o quinto Guggenheim do mundo (depois de Nova Iorque, Veneza, Bilbau e Berlim) e o maior de todos; um Centro de Artes Performativas, desenhado pela iraquiana Zaha Hadid; e o Museu Nacional Zayed, criado pelo inglês Norman Foster.

Na ilha não faltarão ainda resorts de sete estrelas, campos de golfe ambientalmente sensíveis e, claro, vilas exclusivas: as mais baratas andarão à volta dos 5,6 milhões de dirham (1,143 milhões de euros); a mais cara custará cerca de 39 milhões de dirhams (quase oito milhões de euros).

As autoridades dos EAU dizem querer tornar a sociedade emirati num exemplo de desenvolvimento para o mundo. Mas perante a quantidade de projetos planeados ou em curso cada um mais gigantesco, inovador, luxuoso e mais perfeito do que o anterior quase apetece dizer que nos EAU não se constrói para viver… vive-se para construir.

Artigo publicado no Expresso Online, a 9 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui

Iranianos? Nem pintados!

Separados pelo Golfo, árabes e iranianos não morrem de amores uns pelos outros. Em Abu Dhabi, a cimeira do Conselho de Cooperação do Golfo espelha essa inimizade. Reportagem nos Emirados Árabes Unidos

No centro de imprensa, jornalistas de todo o mundo assistem, pela televisão, à chegada dos chefes de Estado participantes na cimeira MARGARIDA MOTA

Khalid não gosta de iranianos. Nunca visitou o Irão nem tem curiosidade. Basta-lhe o contacto com os iranianos que trabalham no seu país os Emirados Árabes Unidos , sobretudo em oficinas de reparação de automóveis, e o interesse esgota-se. “Bem, no fundo, eles devem ser como qualquer povo”, diz condescendente. “Há boas e más pessoas…”

Natural de Sharjah e a trabalhar como motorista em Abu Dhabi dois dos sete territórios que constituem os Emirados Árabes Unidos , Khalid prefere os passeios de carro com a mulher e os quatro filhos até qualquer um dos países vizinhos a atravessar o Golfo e dar uma saltada ao Irão. Para além da antipatia, trata-se também de uma questão prática…

Para um cidadão dos Emirados Árabes Unidos, um fim de semana passado no vizinho Qatar, por exemplo, é apenas uma questão de quilometragem. Os dois países juntamente com a Arábia Saudita, o Kuwait, Omã e o Bahrain formam o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) que, à semelhança da União Europeia, é uma organização que visa a integração regional e que, nesse sentido, privilegia a circulação de cidadãos dos seus Estados membros. Chegado à fronteira, Khalid apenas terá de mostrar o bilhete de identidade não precisa de passaporte, muito menos de visto.

WikiLeaks ateia a chama

Esta terça-feira, termina em Abu Dhabi, a 31ª cimeira anual do Conselho de Cooperação do Golfo, ao nível dos chefes de Estado. A reunião foi dominada por preocupações de segurança regionais, que vão desde o terrorismo interno na Arábia Saudita até ao aumento do extremismo no Iémen.

A recente revelação, pela WikiLeaks, de que os sauditas, em privado, ter-se-iam mostrado favoráveis a um ataque militar contra o Irão veio aumentar a tensão entre as duas margens do Golfo Arábico, para os países da margem ocidental (árabes); chamado de Pérsico pelos iranianos.

Aproveitando a presença em solo emirati, o emir do Kuwait não perdeu a oportunidade para recordar disputas antigas e, na sessão de inauguração da cimeira, apelou ao “fim da ocupação iraniana” de três ilhas reclamadas pelos Emirados Árabes Unidos desde 1971.

As conclusões finais da cimeira serão conhecidas esta terça-feira. Com uma nova ronda de conversações em curso, em Genebra, entre o Irão e o grupo dos 5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e a Alemanha) sobre o programa nuclear de Teerão, o Conselho de Cooperação do Golfo não deixará de tomar posição.

Artigo publicado no Expresso Online, a 7 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui

Cimeira em dia de… “noite seca”

Na passagem de ano islâmica, seis países ribeirinhos ao Golfo Pérsico reuniram-se em Abu Dhabi. Querem fazer da região um exemplo de desenvolvimento. Reportagem nos Emirados Árabes Unidos

Sala da cimeira, no Hotel Intercontinental, em Abu Dhabi MARGARIDA MOTA

Sempre que se realiza uma cimeira destas, fala-se destes assuntos todos. No entanto, a situação não pára de piorar, sofremos com a crise, a pobreza está a aumentar… Na conferência de imprensa que assinalou o fim da 31ª cimeira do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), um jornalista árabe expressou-se nestes termos para questionar a quantidade de assuntos que constavam da Declaração de Abu Dhabi.

Do Irão às redes de transportes, da segurança alimentar aos direitos aduaneiros, da água ao terrorismo, as conclusões finais da reunião do CGG foram férteis e diversificadas. (ver caixa no fim do texto) Todos estes assuntos são discutidos a pensar nos cidadãos, respondeu-lhe o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos (EAU), sheikh Abdullah bin Zayed Al-Nahyan. Os países do CCG têm grandes conquistas nestes domínios. Se não tivesse confiado no Qatar, acham que a FIFA lhe teria atribuído o Mundial de 2020?

Durante pouco mais de 24 horas, o sumptuoso Emirates Palace foi a residência de quatro monarcas da região do Golfo (Arábia Saudita, Bahrain, Qatar e EAU). Faltaram ao encontro o sultão Qaboos de Omã e o monarca saudita, Abdullah, a recuperar de uma intervenção cirúrgica em Nova Iorque, que se fizeram representar.

“Lei seca” chega por email

Coincidente coma a passagem da realeza árabe por Abu Dhabi, os restaurantes emiratis estavam proibidos de vender álcool aos clientes. Num restaurante brasileiro, um empregado explica que, em três, quatro vezes ao ano, os bares e restaurantes têm de observar a noite seca, não podendo nesses dias servir álcool.

Desta vez, ele não sabia qual era a razão para a proibição (desde as 18 horas de segunda-feira até às 18 horas de ontem). Seria por causa da cimeira? Seria uma forma de não ferir a suscetibilidade religiosa dos monarcas visitantes? Perante a curiosidade, o empregado predispõe-se a consultar o computador de serviço para ler o email que as autoridades municipais enviaram para o restaurante. Já sei, é por causa do Ano Novo islâmico!, explica depois.

Esta terça-feira, os Emirados — e todo o mundo muçulmano — celebraram o primeiro dia do ano 1432 do calendário da Hégira: a fuga do Profeta Maomé de Meca para Medina. Não fosse o tal email municipal e, porventura, o empregado nem teria dado pela entrada do novo ano. O evento é assinalado com um feriado, mas não é celebrado. Não há fogo de artifício, iluminações públicas a preceito, animações populares nem desejos para o novo ano. E mesmo nos bares e restaurantes, os hábitos rapidamente retomam a normalidade. Ontem à noite, se algum restaurante de Abu Dhabi se recusasse a servir cerveja, vinho ou whisky, só podia ser por rutura de stock.

“Líderes unidos na estabilidade, titula o jornal emirati de língua inglesa The National” MARGARIDA MOTA

TRÊS ASSUNTOS EM DESTAQUE 

Água — Os países do Golfo são ricos em petróleo e gás, mas pobres em recursos hídricos. Ainda assim, os EAU possuem um dos mais altos consumos per capita de água, com uma média de 550 litros por dia. De Abu Dhabi, saiu um apelo à necessidade de consumos moderados e de colocar a tecnologia ao serviço de projetos de reciclagem e de dessalinização.

Irão — O CCG reconhece o direito do Irão desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos, desejo que eles próprios, por várias ocasiões, também já o expressaram. Exigem, porém, que o vizinho persa cumpra com as suas obrigações no âmbito da Agência Internacional de Energia Atómica, bem como das Resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Mercado Comum — Enquanto organização de integração regional, o CCG estuda os passos a dar para a sua concretização. Em 2011, as empresas oriundas de qualquer um dos seis Estados membros deverá beneficiar de igualdade de tratamento comparativamente às empresas nacionais. Num encontro com Sultan bin Nasser al-Suwaidi, governador do Banco Central dos EAU, à margem da cimeira, este reafirmou duas ideias fortes do atual momento económico dos EAU e da região. Primeiro: O dólar americano ainda é a melhor escolha para o nosso país. (O dirham emirati está indexado ao dólar.) Segundo: Uma moeda única deve ser o último passo. Há que esperar, pois tudo tem o seu tempo! É uma lição que estamos a aprender o que se passa na Europa.

Artigo publicado no Expresso Online, a 7 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui