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A caminho do Sol: a ousadia de um homem de 91 anos

Eugene Parker estuda o Sol desde os primórdios da corrida ao espaço. Há mais de 60 anos que este astrofísico norte-americano vive convicto de que vale a pena ir espreitar de perto o astro-rei. Esse sonho começou a concretizar-se no domingo com o lançamento da Sonda Solar Parker. As primeiras notícias chegam em dezembro

Eugene Parker UNIVERSIDADE DE CHICAGO

“A paciência é uma virtude… A sonda solar do astrofísico Eugene Parker é lançada apenas 60 anos após a sua conceção.” A constatação foi feita no Twitter, por Buzz Aldrin, um dos três astronautas que fizeram história a bordo da nave Apollo 11, a primeira missão espacial tripulada a realizar uma alunagem. A 21 de julho de 1969, 20 minutos após Neil Armstrong, Aldrin tornava-se o segundo homem a pisar e percorrer a superfície da Lua.

Aldrin tinha 39 anos. Três anos mais velho, Eugene Parker — o astrofísico que dá nome à sonda da agência espacial norte-americana (NASA) lançada no domingo a caminho do Sol — partilhava com o astronauta o fascínio pelo espaço. E batalhava, desde os laboratórios da Universidade de Chicago, onde começou a lecionar em 1955, passando pelos departamentos de Física, Astronomia e Astrofísica, pelo reconhecimento das suas descobertas.

Em 1958 — um ano após o satélite Sputnik, o primeiro objeto fabricado pelo ser humano a ser colocado em órbita, ter colocado os soviéticos na dianteira da corrida ao espaço —, Parker sugeriu a existência de vento solar, um fluxo constante de partículas libertadas pelo astro-rei que sopra por todo o sistema planetário em torno do qual gravita a Terra. A teoria foi contestada pelos pares até que, em 1962, informação recolhida pela sonda Mariner 2, em missão ao planeta Vénus, provou a existência de tal “vento”, carimbando o trabalho do astrofísico com a credibilidade que lhe faltava.

No domingo, aos 91 anos de vida, Eugene Parker acompanhou, na primeira fila, o lançamento da sonda com o seu nome, em Cabo Canaveral (Flórida), eram 3h31 locais (8h31 em Portugal). Sentado, de bengala na mão, e rodeado por mais três gerações da família Parker, ali ficou de nariz no ar e boca aberta, a seguir o rasto da sonda, qual criança deslumbrada com planetas, astronautas e naves espaciais.

Eugene Parker assiste à descolagem da sonda solar batizada com o seu nome NASA

“Às vezes as pessoas parecem um pouco intrigadas sobre o porquê de se querer ir a sítios destes”, partilhou o astrofísico a 31 de julho passado, durante uma conferência de imprensa sobre uma missão. “A resposta é: porque temos motivos para acreditar que há coisas interessantes a acontecer por lá.”

Ao seu lado, a cientista Nicola Fox, da Universidade Johns Hopkins, Maryland, afirmou que esta missão — que custa à NASA 1,5 mil milhões de dólares (1,3 mil milhões de euros) — só existe graças a Parker. “Sem o Gene, provavelmente não haveria a mesma paixão e não diríamos com tanta facilidade ‘vamos lá fazer isto’, atitude que manteve prioritária uma visita ao Sol durante 60 anos, enquanto esperámos por tecnologia que permitisse esta missão realmente ousada.”

Do tamanho de um carro pequeno, e à velocidade de quase 700 mil quilómetros por hora — que lhe permitiria percorrer a distância entre as cidades da Corunha e de Faro em menos de quatro segundos —, a Sonda Solar Parker vai aproximar-se do Sol como nenhum outro objeto antes.

Prevista para durar sete anos, a missão visa estudar o interior da coroa solar — a camada externa da atmosfera solar, aquele anel de luz que impede o escurecimento total quando há um eclipse do Sol — e tentar resolver alguns dos seus mistérios. Por que razão é a coroa 300 vezes mais quente do que a superfície do Sol, que está milhares de quilómetros abaixo? Na coroa, as temperaturas ultrapassam um milhão de graus Celsius.

Segundo a NASA, a nave transmitirá as suas primeiras observações científicas em dezembro, “dando início a uma revolução no nosso conhecimento da estrela que torna possível a vida na Terra”.

Até lá, Eugene Parker passará os dias tal como uma criança à espera de uma prenda de Natal. Em 1989, ele recebeu das mãos do então Presidente George Bush (pai) a Medalha Nacional das Ciências. Mas as notícias que lhe chegarem da Sonda Solar Parker — a primeira batizada com o nome de um investigador em vida — serão para ele, seguramente, a maior das recompensas.

Artigo publicado no Expresso Diário, a 13 de agosto de 2018, e republicado no “Expresso Online”, no dia seguinte. Pode ser consultado aqui e aqui

2000/2013, Odisseia no Espaço

Com a chegada dos primeiros tripulantes à Estação Espacial Internacional, na quinta-feira, a Humanidade abriu um novo capítulo da conquista do espaço. A permanência do homem em órbita possibilitará a realização de experiências científicas, que poderão revolucionar a indústria farmacêutica. Algo que a velha Mir, que em breve será destruída, não teve tempo de fazer

William Shepherd, Iuri Gidzenko e Serguei Krikalev são os membros mais recentes da galeria de «super-homens» que passaram à história graças a prestações valiosas no domínio da exploração espacial.

Na quinta-feira, o astronauta norte-americano (que fala russo) e os dois cosmonautas russos (que falam inglês) entraram para a Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês), uma gigantesca plataforma em órbita, que possibilitará a presença humana, de forma permanente, a mais de 350 quilómetros acima da superfície terrestre.

Os três astronautas — que integram a «Expedição 1» — irão viver na ISS durante 115 dias e desempenhar tarefas essencialmente domésticas e logísticas. Os primeiros dias foram dedicados à activação do equipamento de suporte à vida humana; brevemente, uma nave de carga transportará até à ISS o laboratório «Destiny» e, mais tarde, uma outra levará oxigénio a alta pressão e painéis solares, para reforço da capacidade energética.

Revolução nos fármacos

Em Fevereiro, a «Expedição 1» será rendida por uma outra equipa russo-americana, que iniciará as experiências científicas, designadamente ao nível da influência da ausência da gravidade no corpo humano.

O interesse comercial à volta destas experiências é enorme, sobretudo por parte da indústria farmacêutica, colocada perante a possibilidade de «brevemente» poder produzir fármacos que curam muitas das doenças que hoje são incuráveis.

A construção da ISS tem sido em tudo semelhante à montagem de um «puzzle». A 20 de Novembro de 1998, foi lançado o módulo «Zaira» («alvorada», em russo), que contém os sistemas de controlo, comando e propulsão; a 6 de Dezembro seguinte, atracou o nódulo «Unity» («unidade», em inglês), que liga as duas partes principais da ISS; a 26 de Julho de 2000, juntou-se-lhes o módulo «Zvezda» («estrela», em russo), o principal elemento, que servirá de habitação e local de trabalho.

Até 2006, cerca de 45 missões transportarão mais equipamento para a ISS. Só depois ela estará concluída e com dimensões impressionantes: 108,5 metros de comprimento, 88,3 de largura e 450 toneladas de peso; terá uma inclinação de 51,6 graus em relação ao Equador e a pressão na cabina será idêntica à de 747 aviões. Em alguns locais do globo, poderá ser localizada a olho nu.

A ISS foi concebida para funcionar até 2013. Neste projecto participam 16 países — EUA, Rússia, Japão, Canadá, Brasil e 11 membros da Agência Espacial Europeia —, o que o torna o mais ambicioso e mobilizador dos projectos, em termos de cooperação científica internacional.

O significado político da ISS é inegável. Há mesmo quem não hesite em colocá-la no mesmo patamar de importância dos feitos de Iuri Gagarine (o primeiro homem a viajar no espaço, em 1961), de Neil Armstrong (o primeiro a pisar a Lua, em 1969) ou do primeiro passeio de um vaivém espacial pelo espaço.

O foguetão russo «Soyuz», que transportou a «Expedição 1» até à ISS, partiu às 5h53 (hora portuguesa) de terça-feira, do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão — de onde foi lançado, em 1957, o «Sputnik 1», o primeiro satélite artificial terrestre. O cosmódromo está situado a cerca de 322 quilómetros de uma pequena cidade mineira chamada… Baikonur.

Baikonur, para iludir

Devido à Guerra Fria, o baptismo deste complexo espacial visou, provavelmente, o despiste do inimigo americano, mas a designação acabou por se manter — bem como, aliás, um curioso ritual por que passam os astronautas antes das missões.

Segundo a descrição da France Presse, na véspera da missão os três astronautas visionaram um velho filme soviético — «O Sol Branco do Deserto». Na terça-feira, antes de abandonarem o hotel, beberam uma taça de champanhe e assinaram os seus nomes sobre as portas dos quartos onde tinham pernoitado.

Depois, saíram do hotel, ao som da mesma música que acompanhou todos os astronautas que os precederam e, na escadaria do hotel, foram benzidos por um padre ortodoxo.

Seguiu-se o percurso de autocarro até ao cosmódromo, durante o qual a tradição mandou que se fizesse uma curta paragem para que os astronautas urinassem sobre uma das rodas do veículo…

MIR VAI CAIR EM FEVEREIRO

A Estação Espacial Internacional (ISS) representa o mais distante dos destinos conquistados pela Humanidade, mas durante anos foi à Mir que pertenceu esse privilégio.

A saída dos últimos tripulantes (dois russos e um francês) daquela estação orbital russa, a 27 de Agosto último, sentenciou-lhe um fim inglório. Os problemas técnicos eram mais que muitos e cada vez mais graves; além disso, o investimento financeiro de Moscovo fugira sem subterfúgios da obsoleta Mir em direcção à ambiciosa ISS.

A destruição da Mir está prevista para Fevereiro de 2001: a sua órbita será baixada até entrar na atmosfera terrestre, altura em que se destruirá parcialmente. Os maiores fragmentos deverão cair sobre o Pacífico (ver infografia).

Lançada em 1986, a Mir («paz», em russo) era o ponto culminante da conquista, pelo homem, da «última fronteira» — expressão imortalizada na série televisiva «O Caminho das Estrelas» — e a afirmação categórica da supremacia da URSS sobre os EUA em matéria de exploração espacial.

Durante 14 anos, foi a única estrutura orbital operacional. Por isso, era o símbolo máximo da cooperação científica internacional, de que o programa «Phase 1», da NASA, foi testemunha: de Fevereiro de 1994 a Junho de 1998, 11 tripulações norte-americanas trabalharam na Mir.

Estações ou foguetões?

A presença permanente do homem em órbita foi um desafio tão aliciante quanto a própria chegada do homem à Lua. Na década de 70, várias iniciativas se sucederam: o projecto «Salyut», do lado soviético, e o «Skylab», por parte dos norte-americanos.

IMAGEM Estação Espacial Internacional, fotografada em 2021 NASA / BOEING / WIKIMEDIA COMMONS

Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de novembro de 2000