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Kosovo assinou os papéis para entrar na UE, mas cinco dos 27 não o reconhecem como país independente

Quase 15 anos após a declaração unilateral de independência do Kosovo, cinco Estados-membros da União Europeia negam-se a reconhecer o mais jovem país do Velho Continente. A braços com pretensões separatistas a nível interno, Espanha, Grécia, Chipre, Eslováquia e Roménia querem evitar que o reconhecimento da soberania kosovar faça ricochete nos seus territórios

Mapa do Kosovo pintado com a bandeira da União Europeia WIKIMEDIA COMMONS

Dos sete países que se formaram após o desmembramento da antiga Jugoslávia, apenas um não tinha ainda solicitado adesão à União Europeia (UE). Eslovénia e Croácia já fazem parte da União, três outros têm estatuto de candidato (Sérvia, Macedónia do Norte e Montenegro) e a Bósnia-Herzegovina também já formalizou o pedido de adesão. Faltava o Kosovo.

Na semana passada, as autoridades de Pristina deram esse passo, numa cerimónia em Praga, capital da Chéquia, que este semestre preside ao Conselho da UE. “A UE é um destino a que almejamos e é o destino que abraçamos”, afirmou então o primeiro-ministro kosovar Albin Kurti. “Este é um dia histórico para o povo do Kosovo, e um grande dia para a democracia na Europa”, acrescentaria, numa mensagem na rede social Twitter.

Para se tornar elegível para a adesão à UE, o Kosovo terá de cumprir os Critérios de Copenhaga — metas políticas, económicas — e demonstrar capacidade para assumir as obrigações decorrentes do acervo comunitário. Mas não só.

Quase 15 anos após ter declarado unilateralmente a independência em relação à Sérvia (de maioria cristã ortodoxa), o Kosovo (de maioria muçulmana) ainda não é reconhecido por cinco Estados-membros da UE: Espanha, Grécia, Chipre, Eslováquia e Roménia.

Essa resistência deve-se não tanto aos contornos da questão kosovar em si, mas a razões de política interna. “Os cinco têm problemas internos com minorias nacionais ou nacionalidades com potencial secessionista”, explica ao Expresso o professor Pascoal Pereira, da Universidade Portucalense.

“Reconhecendo a independência do Kosovo, estariam a relativizar a interpretação do princípio da integridade territorial, um princípio do direito internacional estruturador do sistema internacional e da relativa estabilidade das fronteiras internacionais. O Kosovo, ao declarar a sua independência, compromete a integridade territorial da Sérvia (o Estado ‘de origem’), que se recusa a reconhecer essa secessão, por considerar precisamente que seria uma violação da sua integridade territorial”, acrescenta.

Para a Sérvia, o Kosovo é, como sempre foi, província sua. Mas que argumentos usam os cinco membros da UE para não estabelecerem relações diplomáticas, de igual para igual, com o Kosovo?

ESPANHA
Um precedente chamado Catalunha

Se há tema que, nos últimos anos, colocou Espanha nas notícias em todo o mundo foi o esforço separatista de parte da região autonómica da Catalunha. O diferendo entre Madrid e Barcelona atingiu o pico a 1 de outubro de 2017 quando o governo regional catalão (Generalitat) realizou um referendo — ilegal face à Constituição espanhola — com vista à proclamação da República da Catalunha. Os implicados no 1-O, como ficou conhecido o referendo, foram condenados a pesadas penas de prisão e inabilitação política.

“Se Espanha reconhecesse a independência do Kosovo — relativizando o princípio da integridade territorial —, estaria a dar argumentos legais e políticos aos movimentos separatistas internos (Catalunha, País Basco) para reivindicarem a independência dos seus territórios, pelo precedente criado por esse reconhecimento”, explica Pascoal Pereira.

Num desenvolvimento recente, o Governo de Pedro Sánchez promoveu uma revisão do enquadramento legal do delito de sedição no Código Penal, ao abrigo do qual o Tribunal Supremo condenou os organizadores do 1-O. Esta alteração, que vai ao encontro das exigências independentistas catalãs, é vista como cedência de Madrid, visando um apoio estável da Esquerda Republicana da Catalunha — que ocupa 13 assentos no Congresso dos Deputados (câmara baixa do Parlamento espanhol) —, o que permitirá a Sánchez enfrentar com alguma confiança as legislativas previstas para finais de 2023. A oposição teme pelo Estado de Direito.

CHIPRE
A culpa é da Turquia

A objeção ao reconhecimento da independência do Kosovo por parte da República de Chipre — os dois terços de território no sul da ilha cipriota, etnicamente grega — decorre da ocupação do terço norte por parte da Turquia (que aí reconheceu a República Turca de Chipre do Norte).

“Reconhecer o Kosovo seria um reconhecimento implícito da relativização do princípio da integridade territorial, fragilizando a sua posição em relação à sua região separatista”, explica o professor da Universidade Portucalense. À semelhança de Espanha, Chipre admite alterar a sua posição se o Kosovo chegar a um acordo formal com a Sérvia, o que, atendendo aos últimos desenvolvimentos, parece longe de acontecer.

Presentemente, Pristina e Belgrado travam um braço de ferro relativo às matrículas dos carros da comunidade sérvia kosovar. Esta recusa-se a alterar as placas para a sigla RKS (República do Kosovo), como exigem as autoridades do Kosovo, e quer manter os códigos que já vêm desde 1999, o que lhes possibilita circular com placas licenciadas pela Sérvia, com acrónimos de cidades do Kosovo, como, por exemplo, PR para Pristina.

GRÉCIA
Solidária com o Chipre grego

A posição da Grécia sobre o estatuto político do Kosovo decorre da questão de Chipre — a divisão desta ilha mediterrânica entre um país (reconhecido internacionalmente) de maioria grega e outro (só reconhecido pela Turquia) de maioria turca. A Grécia é uma sólida aliada do Chipre grego e, como este, exige a retirada militar da Turquia do norte da ilha.

Paralelamente, Grécia e Chipre têm grande proximidade com a Sérvia, já que os três países têm populações maioritariamente cristãs ortodoxas.

A relação entre Grécia e Kosovo não é, porém, inexistente. Atenas tem um Gabinete de Ligação aberto em Pristina, uma espécie de embaixada não oficial que viabiliza contactos entre as partes. É, a este nível, um exemplo diferenciador para outros países que não reconhecem o Kosovo, designadamente Espanha.

ESLOVÁQUIA
O impacto na minoria húngara

A posição oficial da Eslováquia em relação ao reconhecimento do Kosovo é fortemente condicionada pela existência, no país, de uma minoria húngara e por receios secessionistas manifestados ao longo da história.

“Nos casos específicos da Eslováquia e da Roménia, também se coloca a questão do precedente político”, explica Pascoal Pereira. “Um reconhecimento da independência do Kosovo conferiria argumentos a movimentos separatistas das minorias húngaras que residem nos dois territórios.”

As raízes da posição eslovaca remontam à desintegração do Império Austro-Húngaro, após a Grande Guerra de 1914-18. Pela primeira vez, a Eslováquia surgiu no mapa político com território, englobando regiões étnicas, no sul, na fronteira com a Hungria.

Quatro décadas de domínio comunista estabilizaram essa fronteira, mas as sensibilidades não morreram e reanimaram-se após a queda do muro de Berlim quando, na Hungria, alguns partidos políticos começaram a exigir a reunificação das populações húngaras da Bacia dos Cárpatos.

“O reconhecimento do separatismo étnico-nacional (que está na base da independência do Kosovo) enfraqueceria a defesa do princípio da integridade territorial que, legalmente até agora, tem protegido a Roménia e a Eslováquia contra ambições territoriais (reais e/ou apenas retóricas) por parte da Hungria”, alerta o académico.

À semelhança dos gregos, os eslovacos mantêm presença política oficial em Pristina, reveladora da vontade de uma relação diferente. Simbolicamente, um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros eslovaco, Miroslav Lajcak, é o atual representante especial da UE para o Diálogo Belgrado-Pristina e outros assuntos regionais dos Balcãs Ocidentais. O seu mandato inclui a normalização da relação entre a Sérvia e o Kosovo.

ROMÉNIA
As garras da Hungria

A Roménia partilha os receios eslovacos quanto à sua própria minoria húngara, que reivindica a autonomia de uma área no leste da Transilvânia. Ao rejeitar o reconhecimento de direitos coletivos de minorias nacionais, receando o precedente que isso poderia significar no seu território e em países vizinhos como a Moldávia — esta a braços com separatismo na região pró-russa da Transnístria —, Bucareste não pode ter outra posição que não rejeitar a independência unilateral do Kosovo.

Apesar desta linha geral, a Roménia tem sido pragmática ao contribuir para missões internacionais no Kosovo, nomeadamente a Força do Kosovo (KFOR, liderada pela NATO), a Missão da UE para o Estado de Direito no Kosovo (EULEX) e a Missão de Administração Interina das Nações Unidas no Kosovo (UNMIK).

“As relações de Roménia e Eslováquia são tradicionalmente tensas com as suas minorias húngaras, algo que é agravado ainda pela persistência de um discurso revisionista húngaro em relação ao Tratado de Trianon (1920), assinado após a I Guerra Mundial. Ao abrigo dele, a Hungria perdeu parte significativa do seu território, incluindo as atuais Eslováquia e Transilvânia (na Roménia, onde reside essa população húngara)”, explica o docente.

“Esse discurso nacionalista tem sido alimentado por sectores políticos húngaros ao longo dos anos, destacando-se o primeiro-ministro Viktor Orbán. Mais de uma vez proclamou-se defensor dos interesses dessas minorias, alimentando a retórica revisionista que, em última análise, contesta o statu quo fronteiriço de toda a região.”

Para aderir à UE o Kosovo necessita do “sim” de todos os 27 Estados-membros: 22 estão garantidos, faltam cinco, mais problemáticos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de dezembro de 2022. Pode ser consultado aqui

As fronteiras entre Portugal e Espanha reabrem esta quarta-feira com algumas regras novas

Três meses e meio depois de Portugal fechar as fronteiras terrestres com Espanha, por causa da pandemia, as portas voltam a abrir-se entre os dois vizinhos, numa cerimónia com honras de Estado. Por terra, não haverá, pelo menos para já, qualquer tipo de controlo sanitário a quem entre e saia de Portugal, mas por via aérea e marítima as regras são mais apertadas

Vai haver controlo sanitários aos turistas que entrarem por via terrestre?

Não, pelo menos para já. Portugal vai seguir as diretrizes da Comissão Europeia, que é contra a restrição discriminatória de viajantes que circulem no interior da União Europeia. Sobre os controlos sanitários a aplicar nas fronteiras terrestres, as autoridades de saúde pública explicara ao Expresso no sábado que “ainda” se encontravam “em preparação”. Em todo o caso, as autoridades espanholas já revelaram que a partir da abertura de fronteiras, esta quarta-feira, só haverá controlos nos aeroportos, não na fronteira terrestre. A reabertura entre Portugal e Espanha terá honras de Estado. Entre Elvas e Badajoz estarão o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o rei Felipe VI, de Espanha, mas também os dois chefes de Governo, António Costa e Pedro Sánchez.

Como será feito o controlo sanitário a quem entre por via aérea ou marítima?

A Direção-Geral da Saúde revelou que está a preparar um reforço das medidas para todos os portos, aeroportos e aeródromos nacionais, estando em curso uma atualização das orientações produzidas. “Para o efeito estão previstas três medidas essenciais que já estão implementadas: a medição da temperatura, o reforço da informação aos passageiros, nomeadamente através da distribuição de folhetos, e o preenchimento dos PLC – cartões de localização de passageiros.” A DGS ressalva que relativamente às medidas aplicadas por outros países, nomeadamente Espanha, “estas decisões ainda estão a ser articuladas no contexto da União Europeia”

O Reino Unido vai abrir o corredor de viagens a Portugal?

Ainda é uma incógnita. O Reino Unido adiou para o final desta semana o anúncio de países que a partir de 6 de julho terão um corredor de viagens, ou seja aqueles para onde os viajantes britânicos se desloquem e fiquem isentos de quarentena ao regressarem ao país após as férias. A medida é muito importante para Portugal, sobretudo para a região do Algarve, cujo turismo depende muito dos turistas britânicos. Só no ano passado, o Turismo de Portugal contabilizou quase 10 milhões de dormidas de britânicos, um número que deu ao nosso país mais de 3 mil milhões de euros de receitas. Portugal, ao contrário da Grécia ou Espanha, pode ficar fora desta lista, por causa do elevado número de casos de covid-19 das últimas semanas, o que causa apreensão entre as autoridades e empresários.

Quem são os países que impõem restrições à entrada de portugueses?

Bulgária. Fronteiras abertas desde 1 de junho a países da UE. Quem chega de Portugal, Bélgica, Suécia e Reino Unido cumpre quarentena de 14 dias.

Estónia. Desde 1 de junho tem fronteiras abertas à UE e Espaço Schengen. Quem chega de países com uma taxa de infeção superior a 15 casos por 100 mil habitantes fica de quarentena.

Finlândia. A 15 de junho, abriu a fronteira a Noruega, Dinamarca, Islândia, Estónia, Letónia e Lituânia. Os outros fazem quarentena.

Irlanda. As fronteiras nunca fecharam, mas a quarentena é obrigatória, exceto para cidadãos da Irlanda do Norte.

Islândia. A fronteira reabriu à UE a 15 de junho. Os visitantes são testados gratuitamente (pago após 1 de julho). Quem não faz o teste fica de quarentena.

Reino Unido. A fronteira nunca fechou, mas uma quarentena de 14 dias é obrigatória desde 8 de junho.

Roménia. A fronteira está aberta para 17 países da UE e Espaço Schengen. Para outros, como Portugal, há quarentena.

E quais são os países que abrem portas a portugueses?

Alemanha. Fronteiras abertas desde 15 de junho. As restrições de viagem para 31 países europeus, incluindo os Estados-membros da UE, foram levantadas e substituídas por recomendações individuais de viagem.

Bélgica. Fronteiras abertas desde 15 de junho com UE e Espaço Schengen, sem restrições.

Croácia. Fronteiras abertas a todos os países da UE (Reino Unido incluído) desde 15 de junho.

França. Fronteiras abertas e sem restrições desde 15 de junho para os países da UE e do Espaço Schengen. Quem chega do Reino Unido tem de ficar 14 dias em quarentena, uma medida recíproca ao que acontece em solo britânico.

Holanda. Abriu as fronteiras a 15 de junho a cidadãos de 12 países europeus, entre os quais Portugal. Outros 16 deverão ser autorizados até 6 de julho. Dinamarca, Suécia e Reino Unido ficam para mais tarde. Desde 18 de junho que as fronteiras estão abertas a cidadãos da UE e também da Sérvia, Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia.

Itália. As fronteiras abriram a 3 de junho para países da UE (incluindo Reino Unido) e Espaço Schengen.

Luxemburgo. As fronteiras nunca fecharam.

Polónia. A 13 de junho, as fronteiras reabriram para países da UE e outros europeus, sem restrições nem quarentena obrigatória.

Suécia. As fronteiras abertas foram um pilar da estratégia sueca de combate à pandemia. Não há restrições para visitantes da UE, apenas alertas de viagem. A 30 de junho, será levantado o alerta relativamente a vários países e Portugal é um deles.

Suíça. As fronteiras reabriram-se a 15 de junho aos países da UE e do Espaço Schengen, sem restrições.

Quais são os 15 países considerados seguros e cujos cidadãos podem entrar na UE a partir desta quarta-feira?

Argélia, Austrália, Geórgia, Canadá, Japão, Montenegro, Marrocos, Tunísia, Nova Zelândia, Ruanda, Tailândia, Coreia do Sul, Sérvia, Uruguai. São estes os 14 países aos quais a União Europeia deverá concordar em abrir portas a partir de 1 de julho. O décimo quinto da lista é a China, mas, ao contrário dos restantes, para beneficiar da abertura europeia terá de garantir reciprocidade. Ou seja, em troca Pequim terá de permitir a entrada de europeus em solo chinês. Portugal tentou incluir Angola na lista, mas o país africano acaba por ficar de fora. Em causa esteve o critério de escolha: uma média de infeções por cem mil habitantes (nos últimos 14 dias) igual ou inferior à europeia registada a 15 de junho. Assim, ficam também excluídos os Estados Unidos, o Brasil, a Rússia ou a Índia.

Texto escrito com Hugo Franco e Susana Frexes, correspondente em Bruxelas.

(IMAGEM PXHERE)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de junho de 2020. Pode ser consultado aqui

Otegi sai da prisão “mais independentista”

Líder histórico do partido independentista basco Batasuna, Arnaldo Otegi foi libertado esta terça-feira, após cumprir seis anos e meio de prisão

Cerca de 200 pessoas concentraram-se, esta terça-feira, junto à entrada da prisão de Logroño, norte de Espanha, para saudar a libertação de Arnaldo Otegi, o líder histórico do Batasuna (partido independentista basco). “Todas estas câmaras [de televisão] são a prova de que há presos políticos no Estado espanhol. Não há tantas câmaras quando se trata de presos sociais”, disse Otegi.

Sob aplausos e gritos de “independência” e “presos bascos para a rua”, o ex-porta-voz do Batasuna — eleito em 2013 secretário-geral da formação política Sortu (fundada em 2011), quando já estava preso — declarou-se “mais independentista” do que antes de ser preso e condenado. “Agora temos de tirar os presos da prisão e tratar da independência”, assegurou, de punho erguido.

Preso em 2009, Otegi “passou 2331 dias na prisão por tentativa de reconstituição do Batasuna, ilegalizado [em 2003, considerado o braço político da organização terrorista basca ETA], através do projeto Bateragune, seguindo instruções da ETA”, escreve o diário “El País”. Inicialmente, Otegi foi condenado a 10 anos de prisão. Em 2012, o Supremo Tribunal reduziu a pena para seis anos e meio, considerando-o um mero “membro” e não “dirigente” da ETA.

O País Basco tem eleições regionais previstas para o final deste ano. Em liberdade, Otegi ressurge como uma das vozes mais audíveis da chamada “esquerda abertzale” — termo usado para fazer referência aos partidos ou organizações de ideologia nacionalista e independentista basca. Do ponto de vista económico e social, dizem-se socialistas.

Porém, uma possível candidatura de Otegi a lehendakari (presidente do governo regional basco) está condicionada por imperativos legais. A Audiência Nacional decretou a impossibilidade de ele ser candidato ou titular de cargos públicos até 2021, limitação que o Supremo Tribunal manteve quando reviu a pena.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de março de 2016. Pode ser consultado aqui

Parlamento espanhol reconhece a Palestina

A Espanha seguiu o exemplo do Reino Unido e da Irlanda e aprovou uma moção, no Parlamento, apelando ao Governo de Madrid que reconheça o Estado palestiniano

O Parlamento espanhol aprovou, esta terça-feira, uma moção apelando ao Governo de Mariano Rajoy “que reconheça a Palestina como Estado”. O texto reafirma a convicção de que “a única solução para o conflito é a coexistência de dois Estados, Israel e Palestina”.

Dos 322 deputados que votaram, 319 disseram “sim”, dois deputados do Partido Popular (PP) votaram “não” e um, também do PP, absteve-se.

O ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) José Manuel García Margallo elogia o consenso obtido no Parlamento e expressa a “esperança do Governo de que esta sessão histórica sirva para desbloquear um processo negocial paralisado há muitos anos.” 

Para Margallo, o tempo começa a escassear. “Ou agimos rapidamente ou a viabilidade do Estado palestiniano torna-se fisicamente impossível”, disse o ministro numa referência implícita à política israelita de construção de colonatos no território palestiniano da Cisjordânia. 

Deputada socialista e MNE durante o Governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero, Trinidad Jiménez, afirmou, por seu turno: “Este é o momento para reconhecer o Estado palestiniano”. Esta decisão “não vai contra nada nem ninguém, em particular Israel”, apenas visa contribuir para o processo de paz. 

Parlamento francês é o próximo
O Congresso dos Deputados de Espanha torna-se assim o terceiro plenário europeu a pronunciar-se no sentido do reconhecimento da independência palestiniana. Antes, tinham-no feito a Câmara dos Comuns do Reino Unido (13 de outubro) e o Senado da Irlanda (22 de outubro).

A Assembleia Nacional francesa deverá ser o próximo plenário a analisar uma moção semelhante, iniciativa prevista para 28 de novembro.

As moções votadas não são vinculativas mas tornam-se um meio de pressão política sobre os governos — os órgãos que, efetivamente, dispõem da prorrogativa para reconhecer Estados.

A 30 de outubro, a Suécia tornou-se o primeiro Estado membro da União Europeia a reconhecer a independência palestiniana, o nível de governo.

Oito outros países membros (Bulgária, Chipre, Hungria, Malta, Polónia, Roménia, Eslováquia e República Checa) já haviam efetuado esse reconhecimento em 1988, mas à época ainda não tinham aderido à comunidade europeia. 

Recentemente, a nova chefe da diplomacia da União Europeia, a italiana Federica Mogherini, afirmou: “Ficarei feliz se, no fim do meu mandato (em 2019), o Estado palestiniano existir”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2014. Pode ser consultado aqui

Hitler salvou-nos de ataque espanhol

Investigador espanhol divulga provas documentais de que Franco quis invadir Portugal no começo da II Guerra Mundial

Há 70 anos que se suspeitava que a Espanha franquista projectara invadir Portugal. Primeiro, os falangistas vitoriosos desafiaram o caudilho a “fazer um passeio triunfal até Lisboa”, em Março de 1939. Depois, com a II Guerra Mundial, Franco aproximou-se perigosamente de Hitler. Contudo, faltavam provas credíveis dessas intenções.

Graças ao investigador espanhol Manuel Ros Agudo, confirma-se que, em Dezembro de 1940, Portugal esteve a um passo de ser invadido. O documento, dos arquivos da Fundação Francisco Franco, descoberto em 2005, “é precioso”, comentou ao Expresso o historiador Fernando Rosas. “Prova que os espanhóis não só tinham um plano de invasão, como o tencionavam executar à margem dos alemães”.

Datado de Dezembro de 1940, o “Plano de Campanha nº 1 (34)” — elaborado pelo Estado-Maior espanhol — foi, esta semana, apresentado por Ros Agudo numa conferência no Instituto de Defesa Nacional. Em 120 páginas, previa-se um ataque surpresa, levado a cabo por uma força de 250 mil homens, coordenado com uma ofensiva hispano-germânica sobre Gibraltar (operação Félix). A invasão de Portugal destinava-se a impedir que os britânicos reagissem, ocupando os portos do seu velho aliado.

Portugal opta pela neutralidade

Franco parecia não ter pejo em invadir um país que o apoiara logisticamente durante a Guerra Civil (1936-1939) e com quem celebrara um Pacto de Amizade e Não-Agressão, em 1939. Anos antes, na prestação de provas para o generalato, a sua tese fora um plano de invasão de Portugal. Desde Março de 1939 que Salazar enviara o embaixador Teotónio Pereira para junto de Franco, para contrariar a influência dos falangistas pró-ibéricos junto do ditador. Quando a guerra começa, Portugal opta pela neutralidade e a Espanha pela não-beligerância.

A 23 de Outubro de 1940, após a queda da França, Franco e Hitler encontraram-se em Hendaya. Em troca da entrada na guerra, Franco pedia Gibraltar, o Marrocos francês, parte da Argélia, a ampliação da Guiné espanhola e Fernando Pó, explicou ao Expresso Ros Agudo.

As pretensões imperiais de Franco colidiam com os domínios coloniais franceses. Hitler não quis hipotecar o colaboracionismo do marechal Pétain. “Hitler salvou a Espanha de entrar na guerra e, indirectamente, salvou Portugal de ser invadido”.

Para o historiador, só meia dúzia de pessoas saberia do plano: “Franco e os seus mais directos colaboradores. Nem Hitler nem Mussolini sabiam”, diz o autor de “A Grande Tentação: Os Planos de Franco para Invadir Portugal” (Casa das Letras, 2009).

O desejo constante da anexação

Este professor de História Contemporânea na Universidade CEU San Pablo de Madrid justifica o plano por “razões defensivas e não anexionistas, no contexto da II Guerra”. Mas para Fernando Rosas, tal como o “perigo espanhol” é “uma ideia sempre presente no nosso imaginário”, a anexação de Portugal é uma constante na cultura da elite espanhola, desejosa de “corrigir os lapsos que, nos séculos XIV e XVII, tinham permitido a independência de Portugal”.

A Guerra Civil espanhola exacerbou estes sentimentos. Em Lisboa, o perigo espanhol foi “agitado por Salazar para dizer que o desígnio ibérico dos vermelhos era a maneira de o velho perigo espanhol, agora sob a bandeira do comunismo, engolir Portugal”. Mas a propaganda anexionista da Falange também inquietava o ditador português, ao ponto de, no discurso de celebração da vitória franquista, na Assembleia Nacional, a 22 de Maio de 1939, se limitar a dizer: “Ganhámos. Eis tudo!”

Como recorda Ros Agudo no seu livro, um ano depois, os falangistas da Divisão Azul, enviada para a frente russa, cantavam: “Só esperamos a ordem / que nos dê o nosso General / para apagar a fronteira / de Espanha com Portugal”.

Conclui Fernando Rosas: “Costumo dizer aos meus alunos que Portugal manteve a neutralidade por vários factores: servia à Inglaterra, serviu ao Eixo em certa altura, servia às elites económicas portuguesas. Mas tivemos sorte quando os alemães, em 1941, foram para a Jugoslávia e depois para a URSS. E porque Franco não entrou na guerra.”

Artigo publicado no “Expresso”, a 31 de Outubro de 2009 e republicado no “Expresso Online”, a 3 de novembro de 2009. Pode ser consultado aqui