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Barbárie do Estado Islâmico origina protesto histórico no Afeganistão

Sete afegãos da minoria hazara foram decapitados por homens afetos ao autodenominado Estado Islâmico. Em Cabul, esta quarta-feira, hazaras, pashtunes, tadjiques e uzebeques uniram-se num protesto unânime pouco comum naquele país fortemente tribal. Um hazara disse ao Expresso ser este “o primeiro protesto nacional no Afeganistão em mais de 30 anos”

Milhares de afegãos protestaram, esta quarta-feira, nas ruas de Cabul contra a decapitação de sete pessoas de etnia hazara às mãos do autodenominado Estado Islâmico (Daesh), cada vez mais presente no país.

Transportando os caixões das vítimas — quatro homens, duas mulheres e uma criança, “decapitados com arame farpado”, escreveu a Al-Jazeera —, os manifestantes desfilaram em cortejo na direção do palácio presidencial para exigir justiça e a contenção da escalada da violência.

Wahid, um hazara de 27 anos, bem poderia estar entre os manifestantes, não tivesse sido obrigado a fugir do país em abril passado. “Saí numa altura em que havia muitos raptos a visar os hazaras”, conta ao Expresso. “Por três vezes, vi homens suspeitos a rondar a minha casa e a zona onde vivo e senti que também podia ser raptado. Aproveitei o início de uns combates e fugi. Pensei: ‘Se eles conquistarem a zona onde vivo podem facilmente invadir a minha casa e fazer o que bem quiserem’.”

O afegão vivia na província de Wardak, vizinha à de Ghazni, onde os sete hazaras massacrados desapareceram. Atualmente, vive em Nova Deli (Índia), onde luta pela atribuição do estatuto de refugiado junto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Wahid vai acompanhando, nas notícias, o drama de milhares de refugiados (muitos deles afegãos) que, de barco ou a pé, tentam entrar na Europa. “Não pude correr esse risco, por causa da Enarah. De outra forma, também teria ido.” Enarah é a filha de dois anos, que vive consigo e a mulher, em Nova Deli.

Minoritários e discriminados

Os hazaras são uma etnia minoritária no Afeganistão. De credo ismaelita (um braço dos xiismo), sofrem, no dia a dia, situações de discriminação por parte de afegãos oriundos de grupos étnicos maioritários. “Ao abrigo da Constituição do país, todas as etnias têm os mesmos direitos. Mas isso não é aplicado. Nós, hazaras, estamos em minoria e sentimo-nos discriminados. Apenas podemos viver em áreas específicas”, exemplifica Wahid.

“E temos menos hipóteses de conseguir um trabalho. Se precisarmos da assinatura de alguém dos serviços num determinado formulário, temos mais dificuldades para o conseguir, ou então temos de recorrer a subornos. Há uma enorme discriminação, sobretudo porque temos um credo diferente.”

Embora o grupo seja contemplado pelo sistema de quotas estabelecido, por exemplo, para a composição das forças de segurança. Como o Expresso constatou durante uma reportagem realizada em 2011 no Afeganistão, nas instalações militares sobram para os hazaras “trabalhos menores”, como as tarefas da limpeza ou o serviço de chá e café, por exemplo.

Condenação nacional

Segundo a Al-Jazeera, entre os manifestantes, esta quarta-feira, em Cabul havia, para além de hazaras, muitos pashtunes, tadjiques e uzebeques. “É o primeiro protesto nacional no Afeganistão em mais de 30 anos”, afirma Wahid.

Muitos “vieram de lugares distantes”, afirmou o chefe da polícia da capital, Abdul Rahman Rahimi. “Estamos a tentar que a manifestação não se torne violenta.”

Numa comunicação ao país, onde apelou à calma, o Presidente afegão, Ashraf Ghani, disse: “O inimigo está a tentar minar a nossa unidade”, acrescentando que “as forças de segurança do país são compostas por todos os grupos étnicos”.

Os sete cadáveres foram descobertos por talibãs, na região de Arghandab, província de Zabul (sul). Os “estudantes” entregaram-nos a anciãos da província vizinha de Ghazni, onde as vítimas foram raptadas há mais de um mês.

“Morte ao Estado Islâmico”

Precisamente em Ghazni, na terça-feira, manifestantes saíram à rua, acompanhando uma carrinha que transportava os caixões cobertos com bandeiras afegãs. “Morte ao Estado Islâmico”, ouviu-se.

“Queremos justiça não apenas para eles mas para milhares de outros inocentes que são mortos tão brutalmente, quase todos os dias”, afirmou à Al-Jazeera um manifestante, Ismail Khanjar. “Não queremos saber se eram xiitas ou não. São seres humanos e foram mortos daquela forma bárbara. Que crime cometeram?”

O Daesh irrompeu no Afeganistão em 2014. Desde então, a situação dos hazaras tem piorado consideravelmente, com várias notícias de raptos coletivos. Porém, no Afeganistão, a perseguição a esse grupo étnico é antiga. Durante os anos 90, milhares foram mortos pela Al-Qaeda e pelos talibãs (que à semelhança do Daesh são fundamentalistas sunitas).

Atualmente, “eles estão concentrados no sul do país, mas estão a tentar ganhar influência no norte”, diz Wahid.

Na semana passada, um grupo dissidente dos talibãs designado Alto Conselho do Emirado Islâmico do Afeganistão anunciou a eleição de um líder próprio, num aparente ato de desafio ao novo líder dos talibãs Mullah Akhtar Mansoor. “Aos poucos”, concorda Wahid, os talibãs vão ficando ainda mais radicais.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 11 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui e aqui

 

Brechas na estratégia contra o Daesh

A intervenção russa na Síria obriga os Estados Unidos a reagir. Mas a força enviada por Washington “roça o ridículo”, diz um analista

Guerrilheira curda na frente de guerra GABRIEL CHAIM

Ainda não foi anunciada, mas a batalha por Raqqa, a capital do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), parece já estar em marcha. “Eles vão iniciar uma operação forte para tomar Raqqa. Não sei o dia exato. Eles não dizem. Mas a movimentação já começou”, disse ao Expresso o fotógrafo Gabriel Chaim. “Eles” são um grupo das Unidades de Proteção Popular (YPG, curdos sírios) que o brasileiro tem acompanhado desde Kobane, de onde saíram na semana passada. “Eles estão a tomar aldeias. Mas o avanço é lento. Há muitas minas escondidas.”

O repórter refere que a força que vai tentar reconquistar Raqqa inclui também peshmergas (curdos iraquianos) e milicianos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, separatistas curdos turcos). “Não vai ser fácil nem rápido. Só com apoio aéreo poderão derrotar o Daesh.”

Dois povos, duas Sírias

Gabriel recorda que Raqqa é uma cidade árabe. Os curdos, que não são árabes, “fizeram uma parceria com um grupo ligado ao Exército Livre da Síria (rebeldes moderados), composto por ex-moradores da cidade, e estão a treiná-los. Quando recuperarem Raqqa vão entregar o poder a esse grupo árabe. Imagine-se o que aconteceria se curdos tomassem conta de uma cidade árabe… os árabes iriam revoltar-se”.

Na Síria, como no Iraque, árabes e curdos são mundos diferentes. Mas é do outro lado da fronteira, na Turquia — onde o poder central é desafiado pelo separatista PKK —, que este protagonismo curdo no combate ao Daesh mais indispõe. “Depois do surpreendente resultado eleitoral do AKP, a possibilidade de um entendimento entre rebeldes curdos e Governo ficou mais distante”, disse ao Expresso Manuel Castro e Almeida, colunista da televisão Al-Arabiya.

“Mal foi conhecido o resultado, o AKP acelerou a retórica anticurda, em relação ao PKK e aos curdos sírios. A Turquia continua a bombardear posições curdas na Síria e já vincou que não permitirá uma entidade curda autónoma, quase independente, na fronteira com a Síria. Este cenário, cada vez mais real, daria aos curdos da Turquia uma grande vantagem. Para o Governo AKP, fortemente ideológico e conservador, esta sempre foi a principal ameaça do conflito sírio.”

Na estratégia anti-Daesh que se esboça, nem só a Turquia mostra reservas. Após os EUA anunciarem o envio de 50 homens para o terreno, o Presidente russo, Vladimir Putin, alertou para o risco de uma “guerra por procuração” na Síria. Castro e Almeida defende, antes, que a preocupação de Washington é evitar um envolvimento prolongado e de difícil saída naquele que é o conflito mais complicado em décadas.

Há espaço para cooperar

“O programa americano de treino de rebeldes moderados, cancelado recentemente, propunha treinar milhares, mas treinou poucas dezenas. O contingente que Obama decidiu agora enviar (nem são tropas de combate) por enquanto roça o ridículo dada a gravidade da situação e a magnitude da ameaça”, diz este especialista em assuntos do Médio Oriente.

Há oito dias, em Viena, negociações sobre o conflito sentaram à mesa, pela primeira vez, todos os Estados da região, incluindo os arqui-inimigos Arábia Saudita (árabe sunita) e Irão (persa xiita). “Rússia e EUA podem ter visões diferentes em relação à Síria e ao regime, mas também têm preocupações comuns, com o Daesh no topo. Apesar da intervenção russa envolver bombardeamentos contra a oposição em geral, e não só o Daesh, há bastante espaço para cooperação. É verdade que a intervenção russa obriga os americanos a reagir. Mas para a Rússia a crise síria é mais importante estrategicamente do que para os EUA. Há uma forte possibilidade de a Rússia aceitar um novo governo sem Bashar al-Assad, desde que os seus interesses estratégicos sejam garantidos.”

Artigo publicado no Expresso, a 7 de novembro de 2015

“Estamos expostos à morte o dia inteiro”

Sacerdotes, bispos, religiosas e leigos relataram à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre casos de violência que testemunharam nos quatro cantos do mundo. “Perseguidos e Esquecidos?” é o título do relatório que compila esses relatos, divulgado terça-feira em todo o mundo

No verão de 2014, a tomada de Mossul e Nínive, no Iraque, pelo autodenominado Estado Islâmico (Daesh) forçou 120 mil cristãos ao êxodo. Pela primeira vez em 1800 anos, não houve missa dominical em Mossul.

No coração da região onde nasceu o Cristianismo, as populações cristãs estão à beira da extinção. “Numa altura em que o número de deslocados e refugiados atingiu máximos históricos, grupos islâmicos têm levado a cabo uma limpeza étnica de cristãos por motivos religiosos, designadamente em regiões de África e do Médio Oriente”, denuncia o relatório “Perseguidos e Esquecidos?”, divulgado, esta terça-feira, pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).

“Como consequência deste êxodo, o Cristianismo está em vias de desaparecer do Iraque, possivelmente no prazo de cinco anos, a menos que seja disponibilizada ajuda de emergência a nível internacional numa escala massiva cada vez maior.”

Cristianismo, essa importação colonial

O documento avalia pressões sobre cristãos católicos, ortodoxos e protestantes em países com regimes autoritários, como a Arábia Saudita, o Irão e a China, e em Estados onde estão em alta grupos radicais islâmicos, como Nigéria, Sudão, Quénia e Tanzânia.

Em países devastados pela guerra — como Síria e Iraque —, aos cristãos não resta alternativa a não ser (tentar) fugir. “Estamos expostos à morte o dia inteiro”, testemunha Jean-Clement Jeanbart, arcebispo católico grego melquita, da diocese de Alepo (Síria).

Menos mediáticas do que as perseguições em contextos de guerra, as ameaças aos cristãos decorrem também da afirmação de movimentos nacionalistas muçulmanos (Paquistão), hindus (Índia), budistas (Sri Lanka) e judeus (Israel). Muitos desses movimentos “veem o Cristianismo, cada vez mais, como uma importação estrangeira colonial”, continua o relatório da AIS. “Os cristãos são olhados com suspeição e são vistos como estando ligados ao Ocidente, que é considerado corrupto e explorador.”

“Perseguidos e Esquecidos?” debruça-se sobre a situação nos 22 países que registaram mais violações à liberdade religiosa entre outubro de 2013 e julho de 2015. A fotogaleria que acompanha este texto dedica duas fotos a cada país selecionado pela AIS, organização dependente da Santa Sé.

“Vemos hoje os nossos irmãos perseguidos, decapitados e crucificados por causa da sua fé em Jesus, perante os nossos olhos e muitas vezes com o nosso silêncio cúmplice”, alertou o Papa Francisco, em abril de 2015.

ARÁBIA SAUDITA — O país onde nasceu o Islamismo, há cerca de 1400 anos, e que abriga as principais cidades santas muçulmanas (Meca e Medina), é dos mais intolerantes em matéria de outros cultos religiosos. O sistema legal saudita baseia-se na “sharia” (lei islâmica) e prevê a aplicação da pena de morte a quem trocar o Islão por outra religião. Entre as acusações que condenaram o “blogger” saudita Raif Badawi a dez anos de prisão e 1000 chicotadas em público está um “like” que fez numa página do Facebook para árabes cristãos. Livros escolares fornecidos pelo Governo descrevem os cristãos como “suínos” e “as piores criaturas” que “habitarão no fogo do inferno”. (A foto retrata um muçulmano durante a peregrinação a Meca.) AHMAD MASOOD / REUTERS
ARÁBIA SAUDITA — A construção de igrejas é proibida, tal como a exibição da cruz e o enterro de não-muçulmanos. Também é proibido importar a Bíblia. Em março passado, o Grande Mufti Sheikh Abdul Aziz bin Abdullah apelou, pela terceira vez, à destruição de todas as igrejas construídas na Península Arábica. Em 2008, no Qatar, fora inaugurada a Igreja de Nossa Senhora do Rosário (católica) — sem cruz nem sino exterior —, num terreno doado pelo Emir Hamad bin Khalifa. Foi a primeira igreja cristã em território sunita waabita. Estima-se que, na Arábia Saudita, vivam cerca de 1,5 milhões de cristãos, a maioria imigrantes filipinos, como Omar e Khalid (na foto), saudados por sheikhs sauditas, em Riade, após converterem-se ao Islão. ALI JAREKJI / REUTERS
BIELORRÚSSIA — Maioritariamente ortodoxo oriental, é o país da Europa de Leste com maior proporção de católicos (na foto, uma igreja católica na aldeia de Staraelnya, sudoeste de Minsk). Porém, é necessária autorização estatal para se realizar atividades religiosas, sendo que os grupos não reconhecidos arriscam-se a ver as suas propriedades invadidas e os bens apreendidos. “Há uma grande necessidade de construção de pequenas igrejas e capelas para novas comunidades”, diz Magda Kaczmarek, da Ajuda à Igreja que Sofre, que visitou o país em novembro de 2014. “Uma questão que permanece sem resposta prende-se com a restituição de propriedades confiscadas pelo Estado após a II Guerra Mundial.” VASILY FEDOSENKO / REUTERS
BIELORRÚSSIA — Isolado, este país eslavo conserva a aura de décadas de domínio comunista, em que a Igreja era perseguida. Então, locais de culto foram transformados em cinemas, armazéns e pavilhões desportivos. No poder desde 1994, Alexander Lukashenko foi reeleito, no passado domingo, para um quinto mandato, com 83,5% dos votos, o seu melhor resultado de sempre. Fora de portas chamam-lhe “o último ditador europeu”. VASILY FEDOSENKO / REUTERS
CHINA Celebração pascal numa igreja católica de Shenyang, província de Liaoning, na China SHENG LI / REUTERS
CHINA Desde janeiro deste ano, a Christian Solidarity Worldwide já registou mais de 650 incidentes na província de Zhejiang, incluindo a demolição total ou parcial de igrejas ou de edifícios geridos pela Igreja (alguns aprovados pelo Governo), modificações ou coberturas da cruz, ferimentos, detenções e penas de prisão. Em 2014, os crentes chineses sofreram a mais dura perseguição em mais de uma década, com 449 líderes religiosos detidos, por comparação com 54, em 2013. (Na foto, um coro canta canções de Natal, numa igreja católica de Shenyang, província de Liaoning.) SHENG LI / REUTERS
COREIA DO NORTE À frente de um dos países mais isolados na cena internacional, a dinastia Kim, que governa o país desde 1953, pune o culto religioso, com a mesma determinação com que incentiva o culto da personalidade do líder. Campanhas de violência e outras formas de intimidação contra os fiéis inserem-se na estratégia de repressão a toda e qualquer dissidência. Notícias publicadas em órgãos de informação sul-coreanos, em março de 2014, dão conta da execução de 33 cristãos norte-coreanos após contactarem com missionários do sul. O regime acusou-os de espionagem. (Na foto, Hyeon Soo Lim, líder de uma congregação canadiana detido pelas autoridades de Pyongyang, “confessa” a participação em crimes visando derrubar o Estado.) REUTERS
COREIA DO NORTE Estima-se que pelo menos 10% dos cerca de 400 a 500 mil cristãos norte-coreanos estão detidos em campos de trabalhos forçados. Ali são sujeitos a tortura, assassínio, violação, experimentação médica, aborto forçado e mesmo execução. Os prisioneiros religiosos recebem, habitualmente, tratamento mais duro. (Na foto, Karen Short mostra uma imagem do marido, o missionário australiano John Short, preso na Coreia do Norte, acusado de distribuição de panfletos cristãos num comboio e num templo budista. Short seria libertado e expulso do país.) SIU CHIU / REUTERS
EGITO Em fevereiro passado, um grupo leal ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh) decapitou 20 egípcios coptas que trabalhavam na Líbia (na foto). A execução, filmada e posta a circular na Internet, aconteceu junto à costa mediterrânica. Treze das vítimas eram oriundas da aldeia de El-Aour (província de Minya), maioritariamente cristã. Entre eles, estava Abanub Ayyad Atiyyah, 22 anos, licenciado em administração e gestão de empresas. “Eu dependia dele para ajudar com as despesas da casa e os custos da educação do irmão”, testemunhou o pai. Bushra Fawzi também reconheceu o filho, Shenouda, entre os que se ajoelhavam, de fato laranja, junto aos carrascos: “É o meu primeiro filho e o mais velho, a minha primeira alegria e felicidade. Quero o seu corpo de volta. Se eles o deitaram ao mar, quero-o de volta. Se o queimaram, quero o seu pó.” O Papa Ortodoxo Copta Tawadros II anunciou que as vítimas serão formalmente reconhecidas mártires da Igreja. REUTERS
EGITO Em junho de 2014, Kerolos Shouky Attallah, um cristão copta egípcio de 29 anos, foi condenado a seis anos de prisão por clicar “gosto” numa página do Facebook considerada crítica do Islamismo. Kerolos não fez qualquer publicação e retirou o seu “gosto” quando percebeu que alguns muçulmanos consideravam a página ofensiva. Foi acusado de blasfémia, por explorar a religião divina no sentido do incitamento à rebelião. A gravidade da sua pena chocou os cristãos coptas e constituiu um alerta para os utilizadores do Facebook no Egipto. REUTERS
ERITREIA Cristãos e outras minorias religiosas estão a abandonar a Eritreia em grande número, em virtude não só da opressão governamental como também do aumento da atividade de grupos radicais islâmicos. (A foto mostra uma igreja improvisada no campo de refugiados de Calais, França, frequentada por migrantes etíopes e eritreus.) Em junho passado, 86 eritreus cristãos foram raptados pelo Daesh quando tentavam atravessar a Líbia. Após mandarem parar os carros onde os eritreus seguiam, os extremistas fizeram perguntas sobre o Alcorão para apanhar em falso os cristãos. PASCAL ROSSIGNOL / REUTERS
ERITREIA Estima-se que cerca de 3000 eritreus, a maioria cristãos, estejam atualmente presos em virtude das suas crenças religiosas. Antigos prisioneiros descreveram atos de tortura e outros abusos físicos bem como as difíceis condições de sobrevivência em celas sobrelotadas, sem condições sanitárias nem ventilação. As relações Igreja-Estado azedaram após uma carta assinada por quatro bispos católicos eritreus, em junho de 2014, afirmando que as políticas governamentais eram, em parte, responsáveis pela migração em massa, acusação que irritou as autoridades de Asmara. PASCAL ROSSIGNOL / REUTERS
ÍNDIA Em março de 2015, a polícia indiana foi acusada de recorrer à violência para dispersar uma manifestação pacífica contra o aumento dos ataques contra igrejas e cristãos, por parte de extremistas hindus. (Na foto, indianas protestam contra a “destruição de cruzes”, em Bombaim.) DANISH SIDDIQUI / REUTERS
ÍNDIA Em alguns países, como a Índia, uma certa elite religiosa radicalizada, cada vez maior e mais influente, considera o Cristianismo ofensivo, não só pela fé que defende como também pelas suas ligações ao período colonial. O cardeal Telesphore Toppo, arcebispo de Ranchi, recebeu ameaças de morte. Vários relatos sugerem que movimentos nacionalistas hindus atuam no pressuposto de que a vitória eleitoral do primeiro-ministro nacionalista hindu Narendra Modi, em 2014, significou um relaxamento das autoridades em relação aos ataques feitos em nome da religião mais identificada com o Estado-nação. DANISH SIDDIQUI / REUTERS
INDONÉSIA É um dos nove países onde ganhou expressão uma clara violência anticristã: os outros são Irão, Iraque, Quénia, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Sudão, Síria. A Indonésia é o país muçulmano mais populoso do mundo, com mais de 200 milhões de crentes em Allah. Nalgumas áreas, populações cristãs estão sujeitas às leis da “sharia” (lei islâmica). (A indonésia da foto usa uma máscara para se proteger do fumo dos incêndios que invade aquela igreja de Palangkaraya.) REUTERS
INDONÉSIA Num dos últimos ataques conhecidos, em inícios de julho, extremistas islâmicos atacaram um acampamento de milhares de escoteiros organizado por uma associação protestante, em Yogyakarta, na ilha de Java. Os radicais disseram que os protestantes não tinham autorização para organizar aquele evento público e que, estando a decorrer o Ramadão, atividades do género violavam a natureza sagrada daquele mês. (Na foto, indonésios ameaçados pela erupção do vulcão Sinabung buscam refúgio dentro de uma igreja.) RONI BINTANG / REUTERS
IRÃO A natureza confessional da República Islâmica do Irão e o poder de órgãos de segurança internos como os “pasdaran” e os “basiji” colocam o país na dependência das autoridades religiosas xiitas, com graves repercussões para as minorias religiosas. O crime de apostasia renúncia ou abandono de uma crença religiosa surge como um dos principais obstáculos à liberdade religiosa no país. A conversão de um muçulmano a outra religião não é explicitamente proibida na Constituição, mas tradicionalmente é tratada como crime. (Na foto, um religioso passa junto às campas de iranianos arménios mortos durante a guerra Irão-Iraque, numa igreja no centro de Teerão.) MORTEZA NIKOUBAZL / REUTERS
IRÃO A maior parte dos 0,5% de iranianos que professam o Cristianismo são protestantes. A Igreja Católica está presente em seis dioceses, entre as quais Ahwaz (caldeia), Isfahan (arménia) e Teerão (caldeia). Em janeiro de 2014, Davoud Alijani, pastor numa igreja de Ahwaz, foi libertado da prisão de Karoon. Tinha sido detido durante as celebrações natalícias de 2011. O número de cristãos presos quase duplicou durante o ano de 2014, apesar das promessas do Governo no sentido de promover a tolerância religiosa. (A foto regista uma missa de Ano Novo, na Igreja de Saint Serkis, no centro de Teerão.) MORTEZA NIKOUBAZL / REUTERS
IRAQUE O ano passado foi catastrófico para os cristãos do Iraque. Quando, em junho, o Daesh tomou de assalto a segunda cidade, Mossul, apresentou aos “nazarenos” uma escolha: ou iam embora ou tinham de converter-se ao Islão e pagar o imposto da “jizya”. A alternativa era… a espada. Quando, depois, o Daesh retirou a opção da “jizya”, quase toda a comunidade cristã fugiu com a roupa que trazia no corpo. (Na foto, católicos iraquianos entram na Igreja do Sagrado Coração, em Bagdade, protegida por seguranças.) AHMED SAAD / REUTERS
IRAQUE “Durante longos séculos, nós, cristãos do Iraque, vivemos muitas dificuldades e perseguições. Mas o que vivemos agora são os piores atos de genocídio na nossa terra”, alertou, em fevereiro passado, o arcebispo caldeu Bashar Warda, de Erbil. “Enfrentamos a extinção do Cristianismo como religião no Iraque.” Os cristãos iraquianos não vão além dos 275 mil. A Ajuda à Igreja que Sofre estima que o Cristianismo poderá desaparecer do Iraque no prazo de cinco anos. Será o fim de uma presença contínua de 1800 anos. (Na foto, funeral do cristão Tareq Aziz, ministro dos Negócios Estrangeiros de Saddam Hussein, a 13 de junho passado, em Amã, Jordânia.) MUHAMMAD HAMED / REUTERS
ISRAEL A 17 de junho passado, extremistas judeus atearam fogo à Igreja da Multiplicação dos Pães, em Tabgha, na Galileia, norte de Israel (na foto). No local, foram encontrados graffitis em hebraico denunciando o culto de “falsos ídolos”. A igreja atacada assinala, para os cristãos, o local onde Jesus realizou o “milagre dos cinco pães e dois peixes”, referido nos quatro Evangelhos. Milhares de peregrinos visitavam esta igreja todos os anos. Este foi o segundo ataque àquela igreja: em abril de 2014, extremistas judeus profanaram cruzes e um altar no local. BAZ RATNER / REUTERS
ISRAEL É o único país do Médio Oriente com uma população cristã em expansão. O recente ataque à Igreja da Multiplicação dos Pães (foto) marca um padrão emergente, denunciam líderes religiosos locais. Ouvido pela AIS, o bispo auxiliar William Shomali, do Patriarcado Latino de Jerusalém, diz recear que o extremismo judeu esteja a “aumentar em número e no grau de intolerância”. BAZ RATNER / REUTERS
NIGÉRIA — Para muitos cristãos no país mais populoso de África, a vida está diretamente ameaçada pelos terroristas do Boko Haram que pretendem erradicar o Cristianismo na Nigéria. Estima-se que os cristãos ascendam a 49,3% da população e os muçulmanos a 48,8%. Os extremistas têm visado, sobretudo, aldeias, igrejas e escolas, raptando raparigas e matando rapazes. Ataques à diocese católica de Maiduguri (nordeste), em maio passado, provocaram a destruição de 350 igrejas e colocaram em fuga 100 mil católicos. (Na foto, uma missa católica em Port Harcourt.) AFOLABI SOTUNDE / REUTERS
NIGÉRIA — Ruínas de uma igreja em Baga, cidade situada no nordeste da Nigéria, tomada por combatentes do Boko Haram em janeiro deste ano JOE PENNEY / REUTERS
PAQUISTÃO Neste protesto, na cidade de Lahore, pede-se a libertação de Asia Bibi, uma paquistanesa cristã, condenada à morte por blasfémia MOHSIN RAZA / REUTERS
PAQUISTÃO — Neste país muçulmano, cristãos têm sido enforcados e queimados vivos às mãos de extremistas, que aproveitam um certo relaxamento das autoridades de Islamabad em responder a atos violentos contra minorias religiosas. Aparentemente, diz a Ajuda à Igreja que Sofre, as instituições legais têm cedido à pressão colocada por grupos conservadores, que crescem em poder e popularidade. Em março passado, ataques à bomba contra duas igrejas de Lahore mataram 17 pessoas. (Na foto, interior da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, nessa cidade.) MOHSIN RAZA / REUTERS
QUÉNIA — País esmagadoramente cristão, o Quénia consagra o direito à liberdade religiosa na sua Constituição. Todas as novas Igrejas têm de ser registadas e, pontualmente, a legislação permite a intervenção de tribunais islâmicos em processos relacionados com casamento, divórcio e herança. Populações muçulmanas queixam-se de discriminação e esquecimento por parte das autoridades, razões que têm facilitado a recruta por parte de jihadistas. (Na foto, Margaret Ngesa, da Missão da Igreja Africana da Legião de Maria, na sua casa, em Nyang’oma Kogelo, aldeia da família de Barack Obama.) THOMAS MUKOYA / REUTERS
QUÉNIA — A 2 de abril de 2015, homens armados invadiram a Universidade de Garissa, leste do país, e mataram 147 pessoas. Durante o ataque, selecionaram criteriosamente os reféns: libertaram os muçulmanos e executaram cristãos e outros não-muçulmanos. Os terroristas afirmaram serem membros do Al-Shabaab, grupo jihadista sedeado na Somália com ligações à Al-Qaeda, e justificaram o ataque à instituição dizendo estar situada em território muçulmano colonizado por não-muçulmanos. NOOR KHAMIS / REUTERS
RÚSSIA — A liberdade religiosa melhorou no país desde os anos do comunismo, mas legislação relativa a encontros ilegais, manifestações, procissões e protestos têm visado diretamente cristãos que se reuniam em cafés, cinemas, centros culturais, ruas, parques infantis e praças públicas. Há mesmo casos de crentes que foram processados por se reunirem em casas privadas. Alguns centros geridos por cristãos foram acusados de “atividade ilegal”. (A foto regista uma vigília em frente a uma igreja católica, em Krasnoyarsk, na Sibéria.) ILYA NAYMUSHIN / REUTERS
RÚSSIA — A Constituição de 1993 declara que o Estado russo é não-confessional e consagra a liberdade religiosa, desde que isso não interfira com a ordem pública. Mas na prática, a legislação restringe esta liberdade. De acordo com a Lei da Liberdade de Consciência e Associações Religiosas de 2007, o Estado apenas reconhece o Cristianismo Ortodoxo Oriental, o Judaísmo, o Islamismo e o Budismo como “religiões tradicionais” da Rússia. Paralelamente, ignora o papel histórico da Igreja Católica e das comunidades protestantes. (Na foto, o primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev, discursa numa capela russa, em Vrsic, Eslovénia, em 26 de julho.) SRDJAN ZIVULOVIC / REUTERS
SÍRIA — Diz a tradição cristã que São Paulo foi convertido na Síria e batizado, crismado e ordenado pela Igreja em Damasco. Hoje, a região não podia ser mais agreste para com os cristãos. “Na minha diocese de Alepo, no norte da Síria, estamos na linha da frente deste sofrimento”, testemunha Jean-Clement Jeanbart, arcebispo católico grego melquita. “A minha própria catedral foi bombardeada seis vezes e agora não a podemos usar. A minha casa também foi atingida mais de dez vezes.” Tanto na Síria como no Iraque, as comunidades cristãs e outras minorias vulneráveis estão indefesas contra as investidas do Daesh. “Somos de facto tratados como ovelhas destinadas ao matadouro.” (Na foto, tropas curdas junto a uma igreja assíria, em Tel Jumaa.) RODI SAID / REUTERS
SÍRIA — Em abril de 2014, um sacerdote jesuíta holandês de 75 anos que vivia e trabalhava na Síria há quase 50 anos (na foto) foi assassinado. O padre Frans van der Lugt tornara-se um defensor dos pobres e necessitados, independentemente da sua religião. Durante três anos, permaneceu no bairro cristão da Cidade Velha de Homs, promovendo ações de reconciliação entre diferentes grupos, enquanto a cidade esteve cercada. Recusou ofertas para ser retirado dali. O padre Frans van der Lugt era um dos recetadores da assistência encaminhada pela fundação Ajuda à Igreja que Sofre para a Síria. YAZAN HOMSY / REUTERS
SRI LANKA — Embora o Budismo seja visto como uma religião de paz, um ramo mais militante deste credo aliou-se a correntes nacionalistas que o consideram a religião legítima de países como o Sri Lanka e Myanmar (antiga Birmânia). O ódio e violência daí decorrentes tem visado populações cristãs e muçulmanas. Muitas igrejas foram destruídas e encerradas às mãos de budistas extremistas. (Na foto, a Igreja de St. James, em Jaffna.) REUTERS
SRI LANKA — Em 2014, cerca de 60 igrejas e capelas foram atacadas no Sri Lanka, ainda assim uma acentuada redução em relação às 105 do ano anterior. Num dos casos, 11 monges budistas lideraram uma multidão de 250 pessoas que atacaram a Igreja da Sagrada Família, em Asgiriya, arrastando o pastor e a mulher para fora de casa para serem agredidos. (A foto mostra um protesto em Colombo contra os ataques a locais de culto.) DINUKA LIYANAWATTE / REUTERS
SUDÃO — A redução do número de cristãos no Sudão é diretamente proporcional ao reforço da agenda islâmica do Presidente Omar al-Bashir. No poder desde 1989, é o único chefe de Estado em funções a ser alvo de um mandado de captura emitido, em 2009, pelo Tribunal Penal Internacional, acusado de genocídio no conflito do Darfur. (A foto mostra muçulmanos em oração, em Cartum.) MOHAMED NURELDIN ABDALLAH / REUTERS
SUDÃO — Em 2014, uma sudanesa grávida de oito meses foi presa e condenada à morte por adultério e apostasia. Mariam Ibrahim tinha casado com um cristão, atrevimento que levou a família a denuncia-la à polícia. Filha de uma ortodoxa etíope, que a batizou quando era bebé, e de um muçulmano, que a abandonou com pouca idade, Mariam viu um tribunal decidir que devia ser educada na fé do pai. A sua condenação à morte captou as atenções internacionais, originando grande pressão sobre as autoridades de Cartum. Foi libertada e autorizada a viajar para os EUA (na foto, à chegada a um aeroporto de New Hampshire, a 31 de julho de 2014), onde vive com o marido, o filho e a pequena Maya, nascida na prisão. A caminho dos EUA, foi recebida em Roma pelo Papa Francisco. BRIAN SNYDER / REUTERS
TURQUEMENISTÃO — Um novo código administrativo introduzido em janeiro de 2014 aumentou as punições para os grupos religiosos “ilegais”, ou seja não registados. A Igreja Católica conseguiu registar-se como comunidade religiosa apenas em março de 2010 — o primeiro pedido tinha sido entregue em 1997, quando chegaram a Ashgabat (na foto) os dois primeiros sacerdotes católicos. Muitos cristãos são forçados a prestar culto em segredo. REUTERS
TURQUEMENISTÃO — Fechado ao escrutínio independente, permanece como um dos países mais repressivos do mundo. Os órgãos de informação e as liberdades religiosas estão sujeitas a restrições draconianas e os defensores dos direitos humanos enfrentam ameaças constantes de represálias por parte do Governo do Presidente Kurbanguly Berdymukhamedov (na foto). Esmagadoramente muçulmano, acolhe as celebrações muçulmanas sunitas como festas nacionais. REUTERS
TURQUIA — O recente atentado sangrento (97 mortos) em Ancara, atribuído ao Daesh, vem confirmar os receios que apontam para um aumento do Islamismo radical no seio da sociedade turca. Oficialmente um Estado laico — um legado do primeiro Presidente Mustapha Kemal Ataturk —, a Turquia é politicamente dominada pelo AKP, um partido islamita moderado (sunita). Os judeus e duas comunidades cristãs (Patriarcado Ecuménico de Constantinopla e Patriarcado Apostólico Arménio) são oficialmente reconhecidas como “minorias protegidas”. Os alauitas, um ramo do Islão xiita, apenas são reconhecidos em termos culturais, apesar de ter entre 15 e 20 milhões de seguidores. (Na foto, missa na Igreja Patriarcal Surp Asdvadzadzin (arménia), em Istambul.) MURAD SEZER / REUTERS
TURQUIA — Museus que, originalmente, tinham sido igrejas são hoje utilizadas como mesquitas. Um pedido semelhante foi feito em relação à mundialmente famosa Hagia Sophia (na foto), em Istambul, uma antiga igreja que, desde 1935, tem o estatuto de museu. No início de 2015, as autoridades turcas autorizaram a construção de uma igreja para a pequena minoria siríaca, em Istambul, a primeira desde a implantação da República, em 1923. Erol Dora, o primeiro e único deputado turco siríaco, afirmou: “A escala da discriminação torna-se óbvia quando notícias sobre a primeira nova igreja a ser construída num século são saudadas como um acontecimento monumental”. MURAD SEZER / REUTERS
UCRÂNIA — A liberdade religiosa tem-se ressentido de toda a instabilidade política que tem afetado o país, palco de uma recente intervenção militar por parte da Rússia. “O facto das dioceses ortodoxas estarem a ser confiscadas pela força na Ucrânia e de os ortodoxos ucranianos sofrerem discriminação é uma surpresa desagradável para nós”, denunciou, a 2 de outubro passado, o chefe da Igreja Ortodoxa Polaca, após um encontro com um representante da Igreja Ortodoxa Ucraniana. “Onde estão as autoridades? Porque não protegem o povo e defendem os seus direitos religiosos? A Ucrânia quer ser um Estado democrático, mas em democracia tem de haver ordem.” (Na foto, uma procissão perto do sítio onde se despenhou o avião MH17 da Malaysia Airlines, na aldeia de Hrabove, região de Donetsk.) REUTERS
UCRÂNIA — Desde que a Crimeia passou para soberania russa, na sequência do referendo de 16 de março de 2014, que a proibição de literatura religiosa “extremista” foi alargada àquela antiga região ucraniana. Todos os livros catalogados nesta categoria tiveram de ser entregues às autoridades até ao final de 2014. (Na foto, uma imagem de Jesus Cristo danificada pela guerra, numa igreja na região de Donetsk.) MARKO DJURICA / REUTERS
VIETNAME — O Governo continua a controlar as atividades religiosas e a reprimir os grupos que desafiam a sua autoridade, com graves sanções para os crentes que não obedecem às restrições oficiais. Ao abrigo do Decreto 92, introduzido a 1 de janeiro de 2003, grupos que desejem organizar “encontros religiosos” têm de obter autorização. Também prevê que os sacerdotes sejam obrigados a frequentar cursos sobre a história do Vietname e sobre legislação e obriga-os a submeter pedidos formais sempre que quiserem viajar para o estrangeiro ou entre regiões vietnamitas. (Na foto, uma missa católica numa paróquia pobre dos arredores de Hanói.) NGUYEN HUY KHAM / REUTERS
VIETNAME — Após uma diretiva de 2012 do Comité de Assuntos Religiosos do Ministério do Interior, grupos de cristãos protestantes do noroeste e das terras altas centrais do Vietname enfrentaram situações de repressão. Em três províncias do norte, os governos locais recusaram reconhecer a Igreja Católica como entidade legal, contrariando assim uma determinação do poder central. (A imagem regista uma cerimónia de batismo, numa igreja católica de Hoa Binh.) NGUYEN HUY KHAM / REUTERS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de outubro de 2015. Pode ser consultado aqui e aqui

Porque usam os jiadistas tantos Toyotas? Os EUA querem saber

Os Toyotas tornaram-se quase uma imagem de marca de grupos terroristas como o autodenominado Estado Islâmico (Daesh). Os Estados Unidos já contactaram a marca japonesa para tentar perceber como chegam às mãos dos jiadistas

O Governo dos Estados Unidos quer saber por que razão há tantos Toyotas nas mãos do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) e já contactou a construtora japonesa para que ajude a determinar a origem dos carros que se veem nos vídeos jiadistas.

O pedido de informação foi efetuado por uma unidade especial do Departamento do Tesouro encarregue de investigar o financiamento ao terrorismo.

“Lamentavelmente, os Toyotas Land Cruiser e Hilux tornaram-se quase imagem de marca do Daesh”, disse à ABC Mark Wallace, ex-embaixador dos EUA na ONU e atual presidente do Counter Extremism Project, organização sem fins lucrativos que visa expôr o apoio financeiro às redes terroristas.

“O Daesh usa este tipo de veículos em ações de tipo militar e atividades terroristas. Em quase todos os vídeos, aparece uma frota de Toyotas e isso preocupa-nos muito.”

Ao serviço da propaganda jiadista

Muitos veículos da marca japonesa — a segunda maior construtora mundial, a seguir à Volkswagen — surgem, com frequência, em vídeos de propaganda jiadista filmados no Iraque, Síria e Líbia. Desejados pela sua fiabilidade em terrenos extremos, os Toyotas são também usados em ações de patrulha, equipados com armamento pesado e carregados com terroristas empunhando armas ou a bandeira negra do califado.

Quando o Daesh conquistou Raqqa e desfilhou, em parada, pelo centro daquela cidade síria, em meados do ano passado, mais de dois terços dos carros eram Toyotas. Havia também Mitsubishis, Hyundais e Isuzus.

“Nós descrevemos ao Departamento do Tesouro as nossas rotas de abastecimento no Médio Oriente bem como os nossos procedimentos para proteger a integridade desse fornecimento”, afirmou Ed Lewis, diretor de Política e Pública e de Comunicação da Toyota.

A marca, continuou, tem “uma política restrita no sentido de não vender veículos a potenciais compradores que possam usa-los ou modifica-los para fins terroristas ou atividades paramilitares”. Ed Lewis acrescentou que é impossível para a empresa seguir o rasto dos veículos que são roubados, comprados ou recomprados.

Centenas de carros, novos e usados

Em declarações à ABC, o embaixador iraquiano nos EUA, Lukman Faily, disse que, paralelamente à utilização de veículos usados, as autoridades de Bagdade acreditam que o Daesh adquiriu “centenas de novos” Toyotas nos últimos anos. “Temos feito esta pergunta aos nossos vizinhos. Como é possível que estes carros novos, estes 4×4, centenas deles… de onde é que eles vêm?”

A investigação das autoridades norte-americanas visa contribuir para estancar o fluxo de bens produzidos no Ocidente e que acabam nas fileiras jihadistas, através de redes de contrabando.

A 1 de abril de 2014, a Public Radio International noticiou que, quando o Departamento de Estados dos EUA decidiu apoiar os rebeldes do Exército Livre da Síria com “ajuda não-letal”, a lista de entregas incluía 43 camiões Toyota. Mais recentemente, um artigo publicado no jornal australiano “The Daily Telegraph” alertava para o desaparecimento de mais de 800 Toyotas em Sidney, entre 2014 e 2015.

Estatísticas da Toyota referem que as vendas de Hilux e de Land Cruisers no Iraque triplicaram entre 2011 e 2013 (de 6000 unidades para 18.000). Em 2014, caíram para 13.000. Na Síria, as vendas foram suspensas em 2012.

“Gastamos o nosso tempo a combater estes terroristas e por isso não conseguimos controlar a fronteira entre o Iraque e a Síria”, asmitiu o brigadeiro-general Saad Maan, porta-voz dos militares iraquianos.

“Não creio que a Toyota tente, intencionalmente, lucrar com isto”, conclui Mark Wallace, “mas estão avisados e deviam fazer mais”. No início do ano, a Counter Extremism Project escreveu diretamente à construtora instando-a a fazer mais para seguir o fluxo de veículos para o Daesh, dado que todos têm números de série, facilmente rastreáveis.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de outubro de 2015. Pode ser consultado aqui

Quem mata mais na Síria?

O autodenominado Estado Islâmico ultrapassou todos os limites do terror, mas na Síria são as forças leais ao regime que continuam a matar mais civis

A guerra na Síria leva mais de quatro anos, o autodenominado Estado Islâmico (Daesh) arrebatou as atenções ultrapassando todos os limites do terror, mas quem mata mais civis são as forças leais ao Presidente Bashar al-Assad.

Dados recolhidos pela ONG Rede Síria para os Direitos Humanos, revelam que, entre janeiro e julho deste ano, três quartos das mortes civis foram provocadas pelas tropas do regime, que continuam a ser o único contendor sírio com poder aéreo.

No último grande ataque levado a cabo pelos aviões de Damasco, pelo menos 111 pessoas foram mortas quando um mercado de Duma, arredores de Damasco, foi bombardeado, no domingo passado.

Controlada pelos rebeldes, a área de Duma situa-se na região de Ghuta onde, em 2013, foram realizados ataques com armas químicas, comprovados por uma missão das Nações Unidas (que, porém, não conseguiu determinar a sua origem).

“Bombas de barril”

Cinco grandes grupos armados são presentemente os protagonistas desta guerra: tropas do Governo, forças curdas, grupos extremistas islâmicos (como o Daesh), opositores ao regime e a coligação internacional (que começou a bombardear a 23 de setembro de 2014).

Segundo a ONG humanitária síria, este ano, as forças do Governo foram responsáveis por 7894 mortes, enquanto ao Daesh são atribuídas 1131 mortes. Grupos da oposição já terão morto 743 pessoas, as forças da coligação internacional 125 e as forças curdas 80. Outros 381 sírios foram mortos de forma não determinada.

O Governo de Damasco é acusado de largar “bombas de barril” sobre centros populacionais, que matam indiscriminadamente. Tratam-se de artefactos improvisados geralmente cheios de fragmentos metálicos, petróleo e armas químicas. São lançadas por via aérea e, devido à grande quantidade de explosivos que pode carregar, têm uma precisão baixa. O seu uso é ilegal.

Diplomacia marca passo

Na segunda-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, uma resolução apelando a um “processo político que conduza a uma transição política” que acabe com a guerra. Numa posição inédita, o Conselho expressou “uma séria preocupação pelo facto de a crise síria ser atualmente a maior emergência humanitária do mundo”, tendo já provocado 250 mil mortos e 12 milhões de deslocados.

Esta iniciativa política, prevista para começar em setembro, consiste na organização de quatro grupos de trabalho visando outros tantos problemas específicos: a segurança, o terrorismo, a reconstrução e questões legais e políticas.

Na segunda-feira, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, reafirmou que Moscovo não aceita a saída do poder de Bashar al-Assad como pré-condição para o lançamento de qualquer processo de paz. Juntamente com o Irão, a Rússia é dos últimos aliados do Presidente sírio.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de agosto de 2015. Pode ser consultado aqui