Arquivo de etiquetas: EUA

Paz à mesa do diálogo, violência nas ruas do país

Oficialmente, os talibãs não falam nem com o Governo de Cabul nem com os Estados Unidos. Na prática, estão todos em Doha, no Qatar, a esboçar conversações, a menos de três meses das presidenciais no Afeganistão

No Afeganistão, o caminho da paz é longo e sinuoso. Esta segunda-feira, terminam no Qatar dois dias de conversações entre quase 50 delegados do Governo de Cabul e 17 representantes talibãs. “Não é uma negociação, é um diálogo”, alerta Abdul Matin Bek, chefe da Diretoria Independente para a Governação Local, um órgão de comunicação entre os governos central e regionais no Afeganistão.

Se correr bem, este diálogo poderá, numa primeira fase, levar a conversações bilaterais diretas e, posteriormente, a negociações oficiais. “O facto de estarmos todos aqui sentados é significativo, num momento em que os afegãos sentem que não há esperança”, afirmou Sayed Hamid Gailani, líder da Frente Islâmica Nacional do Afeganistão, à televisão Al-Jazeera.

Os talibãs têm-se recusado a negociar com o Governo liderado pelo Presidente Ashraf Ghani, que consideram ser “um fantoche” do Ocidente. Anuíram a estar presentes em Doha numa base pessoal.

Igualmente, têm-se negado ao diálogo direto com os Estados Unidos enquanto subsistirem tropas norte-americanas no país. Mas na terça-feira, também na capital do Qatar, serão retomadas conversações entre representantes dos dois lados que, segundo o enviado dos EUA, Zalmay Khalilzad, têm registado “progressos substanciais”.

A esta agitação diplomática não será alheio o facto de o Afeganistão ter eleições presidenciais agendadas para 28 de setembro.

“Compreendemos que fazer a paz não é fácil”, disse Markus Potzel, enviado especial da Alemanha, país que, juntamente com o Qatar, co-patrocina esta iniciativa. “O vosso país está na encruzilhada de interesses regionais e internacionais que conflituam entre si. Mas fatores externos só resultarão em conflito se os afegãos estiverem divididos.”

Na prática é tudo, porém, bastante mais complexo. No domingo, na cidade de Ghazni (leste do Afeganistão), um atentado reivindicado pelos “estudantes” provocou 12 mortos e 150 feridos. “Os talibãs deviam perceber que não é possível conseguir mais privilégios nas conversações atacando civis, especialmente crianças”, reagiu em comunicado o Presidente Ghani.

A última carnificina da autoria dos talibãs visou um edifício das forças de segurança, atingindo também uma escola privada.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui

O ataque são as sanções, dizem os iranianos

A ameaça americana não aumentou a angústia do povo mas um ministro iraniano avisa que a haver guerra, ela não será curta

Estados Unidos e Irão estiveram, esta semana, a dez minutos de uma confrontação militar. Garantiu-o Donald Trump, que afirmou ter abortado um ataque iminente contra alvos iranianos em resposta ao abate de um drone americano.

Nas ruas de Teerão, a notícia não provocou especial ansiedade — não que, para os iranianos, a ameaça não seja credível, mas apenas porque… já estão habituados a viver sob tensão. “Nos últimos meses, apesar de a maioria dos iranianos viver sob grande pressão económica, sob tensões políticas e ameaças de uma guerra desencadeada pelos EUA, quando andamos na rua ou observamos os comportamentos das pessoas percebemos que não existe uma atmosfera própria de uma situação anormal ou de medo da guerra”, diz ao Expresso, da capital iraniana, Farzaneh Amirabdollahian, de 42 anos. “Mesmo nas redes sociais, as pessoas fazem piadas sobre as ameaças de Trump, o que mostra que não o levam muito a sério.”

A inimizade entre EUA e Irão tem sido uma constante desde a Revolução Islâmica de 1979. A partir de então não houve relações diplomáticas. O desanuviamento proporcionado pelo acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, em 2015, desapareceu com a entrada de Trump na Casa Branca. O Presidente retirou os EUA do acordo e repôs as sanções ao Irão. “Os EUA já começaram a guerra contra o povo iraniano ao intensificarem as sanções, mas nós vamos resistir e não desistimos”, diz a iraniana.

“É óbvio que no meu país ninguém quer a guerra. Já provámos esse gosto amargo nos anos 80.” O Irão diz ter tido mais de um milhão de mortos na guerra com o Iraque (1980-88). “Por isso, tentamos ser pacientes e tolerar o pesado fardo da pressão económica como resultado das sanções cruéis.” As últimas sanções aprovadas por Washington, anunciadas esta semana, visaram diretamente o ayatollah Ali Khamenei. “Impor sanções ao líder supremo, que emitiu uma fatwa [decreto] contra todas as formas de armas de destruição maciça, é um ataque direto à nação”, defendeu o porta-voz do Governo de Teerão, Ali Rabiei. “Esta medida aumentará a união do povo iraniano.”

“NAS REDES SOCIAIS, AS PESSOAS FAZEM PIADAS SOBRE AS AMEAÇAS DE TRUMP, O QUE MOSTRA QUE NÃO O LEVAM MUITO A SÉRIO”

Washington e Teerão dizem não querer a guerra, mas esse cenário domina a retórica das duas capitais. Quarta-feira, Trump aludiu a essa possibilidade: “Não falo de tropas no terreno. Digo apenas que se acontecer alguma coisa, não durará muito tempo.” Respondeu-lhe o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano: “Guerra curta com o Irão é uma ilusão.”

Os “B” que querem a guerra

Javad Zarif é um rosto moderado do regime dos ayatollahs e um dos artífices do acordo de 2015. No contexto atual, tem sido uma voz combativa das intenções de Trump e… da “equipa B”, que “despreza a diplomacia e está sedenta de guerra”: são eles Bolton, ‘Bibi’, Bin Salman e Bin Zayed.

Conselheiro de segurança nacional de Trump, o ultraconservador John Bolton é um dos grandes arquitetos da invasão ao Iraque de 2003 e um defensor da mudança de regime em Teerão. Entrou para a equipa de Trump em março de 2018, sem esconder ao que ia: em agosto de 2017, na publicação “National Review”, assinara o “Nas redes sociais, as pessoas fazem piadas sobre as ameaças de Trump, o que mostra que não o levam muito a sério” artigo “Como sair do acordo nuclear iraniano” — o que veio a acontecer em maio de 2018.

‘Bibi’ é a alcunha do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Se na terminologia do fundador da República Islâmica, o ayatollah Ruhollah Khomeini, os EUA são o “grande Satã”, Israel é o “pequeno Satã”. Outros “B” são os príncipes herdeiros da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos. O primeiro, Mohammad bin Salman, representa a maior monarquia árabe sunita do Médio Oriente, que tem como grande rival o Irão, República persa xiita. Já Mohammed bin Zayed Al Nahyan foi considerado por “o governante árabe mais poderoso” pelo jornal “The New York Times”.

“O mais importante é que o Irão nunca invadiu qualquer país e nunca o fará. Mas estará sempre preparado para defender a nação”, conclui Farzaneh.

(FOTO Pormenor de um mural antiamericano, num muro da antiga embaixada dos Estados Unidos em Teerão PHILLIP MAIWALD / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de junho de 2019. Pode ser consultado aqui

A ano e meio das eleições, há já 23 candidatos que querem bater o pé a Donald Trump

Faltam 18 meses para as eleições presidenciais nos Estados Unidos e 24 personalidades já andam de microfone na mão a tentar convencer eleitores. A batalha mais intensa trava-se entre os democratas, que têm no terreno 22 candidatos. No campo republicano, Donald Trump é (quase) apenas um observador

No mesmo dia em que tomou posse como 45.º Presidente dos Estados Unidos, a 20 de janeiro de 2017, Donald Trump fez soar o tiro de partida da corrida às eleições de 2020 e formalizou a sua recandidatura. Esta sexta-feira, a exatamente ano e meio das presidenciais — e também a nove meses do “caucus” do Iowa, que tradicionalmente marca o início oficial da fase das primárias —, Trump conta já com 23 concorrentes, 22 deles a competir pela nomeação democrata.

“No atual estado da corrida, há na minha opinião quatro nomes a olhar como possíveis vencedores, embora em diferentes estados de desenvolvimento e afirmação das respetivas candidaturas”, comenta ao Expresso Germano Almeida, analista de política americana.

“Joe Biden e Bernie Sanders são os ‘frontrunners’ [favoritos] e todas as sondagens o demonstram para já. Beto O’Rourke e Pete Buttigieg são os ‘challengers’ [desafoadores], ambos com potencial para crescer o suficiente até ao final da corrida a ponto de poderem ganhar, mas nesta fase com menos de metade das intenções de Biden e Sanders. O passado beneficia, nesta fase da corrida, a maior notoriedade de ambos. Mas o tempo está a favor de O’Rourke e Buttigieg — e geralmente as eleições americanas premeiam o ‘futuro’).”

As duas sondagens divulgadas após Joe Biden anunciar a sua candidatura, a 25 de abril, atribuem-lhe uma vitória inequívoca num possível confronto direto com Donald Trump a 3 de novembro de 2020. O ex-vice-presidente de Barack Obama consegue 43% contra 36% na pesquisa da empresa HarrisX e 51% contra 45% na da CNN.

“Joe Biden é forte em dois segmentos onde Hillary falhou (nos homens e nos brancos) e é forte no Midwest, a zona do mapa eleitoral onde Trump bateu inesperadamente Hillary”, em concreto os estados da Pensilvânia, do Michigan e do Wisconsin onde a diferença entre ambos não chegou a 100 mil votos.

Qual o favorito de Barack Obama?

Contrariamente ao que fez com Hillary Clinton, em 2016, Barack Obama (ainda) não declarou apoio. “Mas na prática já está a ajudar Biden — e basta olhar para o logótipo da campanha Biden para se perceber o desejo de ‘herança’ e ‘continuidade’ em relação aos dois mandatos de Obama que Joe Biden pretende corporizar. De resto, Obama aceitou fazer parte de um dos primeiros vídeos de campanha, para dizer que apesar da idade de Joe, ele ‘está muito longe do fim’ e foi sempre ‘resiliente e leal’.”

Precisamente a idade dos candidatos mais veteranos pode tornar-se um grande obstáculo para as pretensões democratas. “Quer Biden quer Sanders serão, de muito longe, o mais velho Presidente da história americana. Têm esse problema para enfrentar: convencer os democratas e, depois, todo o eleitorado americano de que estarem próximos dos 80 anos quando da tomada de posse não será uma barreira intransponível para derrotarem Trump.”

À parte a idade, estes dois “pesos pesados” da política norte-americana pouco têm em comum. “São muito diferentes. Biden é moderado, Sanders é radical. Joe herda o essencial dos anos Obama, Bernie elogia alguns aspetos mas é crítico da proximidade de Obama com o ‘establishment’. Biden defende a classe média dentro de uma visão ‘americana’ de premiar o mérito e não carregar excessivamente nos impostos, Sanders promete agravamento fiscal que leve a que o Estado tenha mais recursos para assumir uma redistribuição da riqueza mais justa”, enumera Germano Almeida.

“Sanders aposta no discurso ‘sexy’ de arrasar o ‘establishment’, Biden corre o risco de ficar com o rótulo de ser o candidato do sistema (e isso, por estes dias, é perigoso para quem vai a eleições). A grande armadilha em que os democratas podem cair será a de nomearem Bernie Sanders e, com isso, contribuírem para a reeleição de Trump. Sanders tem propostas demasiado radicais e demasiado à esquerda para o americano comum. Num duelo final com Trump, não terá grandes hipóteses de vitórias.”

As esperanças Beto e Pete

Dos 24 candidatos que já andam de microfone na mão, a tentar convencer o eleitorado, 22 estão empenhados na nomeação democrata.

“O ex-congressista estadual Beto O’Rourke, do Texas, parecia ser a maior esperança do centro político da América para estas eleições. Junta enorme carisma com apoios de eleitores independentes e até de republicanos, com o aliciante de alargar o mapa eleitoral dos democratas para os estados do Sul, geralmente reservados aos republicanos. Mas não está a descolar e terá sido a maior vítima do ‘momentum’ de Pete Buttigieg, que pode ser a grande surpresa destas eleições.”

Pete Buttigieg é o primeiro candidato assumidamente homossexual numas presidenciais norte-americanas. “Casado com um homem, está a transformar esse aparente problema junto do eleitorado mais conservador num tema forte de campanha. Tem um discurso moral, com uma componente religiosa, o que pode ser um trunfo para a eleição geral (os democratas estão a perder grande parte do voto mais religioso para os republicanos). Com 37 anos, pretende ser o mais jovem nomeado e o mais jovem Presidente de sempre.”

Seis mulheres na corrida

Numa entrevista concedida pouco antes de sair da Casa Branca, Obama projetou uma necessária renovação geracional na liderança democrata e identificou dois nomes: precisamente Pete Buttigieg e também Kamala Harris, senadora pela Califórnia e uma das seis mulheres que estão na corrida.

“Kamala Harris é a única que ainda pode chegar lá, mas com hipóteses muito reduzidas. Entrou muito forte, chegou a aparecer em segundo lugar, mas depois dos avanços de Bernie Sanders, Beto O’Rourke e agora Joe Biden, e sobretudo com a afirmação mediática de Pete Buttigieg, já quase não se ouve falar dela.”

Entre as restantes cinco candidatas, o analista identifica apenas uma que pode superar a fasquia dos 5% de votos — a senadora Elizabeth Warren, do Massachussets. “Mas depois do avanço de Bernie Sanders ficou sem espaço de crescimento”, diz Germano Almeida. “Elizabeth e Bernie disputam os sectores mais à esquerda do Partido Democrata. Ela teria hipóteses reais se conseguisse duas coisas nesta corrida: ser a herdeira do movimento Sanders 2016 (46% do voto democrata) e aliar a isso os créditos de ter feito parte da Administração Obama e de ter querido sair quando achou que Barack Obama não iria, afinal, tão longe quanto a esquerda americana desejaria em temas como a regulação financeira ou a reforma fiscal.”

No campo republicano, Donald Trump está tranquilo em matéria de primárias. Até ao momento, tem apenas um adversário com que se preocupar — o advogado Bill Weld. Sem perspetivas de vencer, o ex-governador do Massachusetts tem, na interpretação de Germano Almeida, autor do livro “Isto não é bem um Presidente dos EUA” (Prime Books, 2018), um objetivo: “Avisar o Partido Republicano de que os efeitos de um segundo mandato presidencial de Donald Trump podem ser destruidores para o argumentário clássico do conservadorismo americano.“

“Tendo em conta o comportamento do Presidente, e também a sua agenda (em vários aspetos contraditória com o que os republicanos andaram a defender durante décadas)”, conclui o analista, “um apoio cúmplice e passivo de todo o Partido Republicano a Trump seria a total capitulação”.

(IMAGEM US EMBASSY & CONSULATES IN THE UNITED KINGDON)

Donald Trump, 72 anos, republicano, empresário, 45º Presidente dos Estados Unidos DARREN HAUCK / GETTY IMAGES
John Delaney, 56 anos, democrata, antigo deputado na Câmara dos Representantes pelo estado do Maryland JOSHUA LOTT / AFP / GETTY IMAGES
Andrew Yang, 44 anos, democrata, empresário de origem chinesa. Propõe pagar 1000 dólares por mês a cada norte-americano maior de 18 anos em resposta à robotização da economia LUCY NICHOLSON / REUTERS
Elizabeth Warren, 69 anos, democrata, senadora pelo Massachusetts KAREN PULFER FOCHT / REUTERS
Tulsi Gabbard, 38 anos, democrata, deputada na Câmara dos Representantes pelo Hawai ETHAN MILLER / GETTY IMAGES
Julián Castro, 44 anos, democrata, secretário da Habitação e do Desenvolvimento Urbano no segundo mandato de Barack Obama. Tem ascendência mexicana CARLOS BARRIA / REUTERS
Kirsten Gillibrand, 52 anos, democrata, senadora por Nova Iorque SCOTT OLSON / GETTY IMAGES
Kamala Harris (à direita), 54 anos, democrata, senadora pela Califórnia. É filha de uma indiana e de um jamaicano BRIAN SNYDER / REUTERS
Pete Buttigieg, 37 anos, democrata, “mayor” de South Bend, Indiana. Este veterano da guerra no Afeganistão é o primeiro candidato assumidamente homossexual ELIJAH NOUVELAGE / REUTERS
Marianne Williamson, 66 anos, democrata, escritora. Dos seus 13 livros, quatro chegaram a nº 1 na lista de “bestsellers” do jornal “The New York Times” BOB STRONG / REUTERS
Cory Booker, 50 anos, democrata, senador por New Jersey ANDREW KELLY / REUTERS
Amy Klobuchar, 58 anos, democrata, senadora pelo Minnesota SCOTT OLSON / GETTY IMAGES
Bill Weld, 73 anos, republicano, ex-governador do Massachusetts. Nas eleições de 2016, foi candidato à vice-presidência, pelo Partido Libertário, ao lado de Gary Johnson HUTTON SUPANCIC / GETTY IMAGES
Bernie Sanders, 77 anos, independente, senador pelo Vermont desde 2007, eleito nas listas do Partido Democrata. Em 2016, perdeu as primárias democratas para Hillary Clinton LUCY NICHOLSON / REUTERS
Jay Inslee, 68 anos, democrata, governador do estado de Washington. As alterações climáticas são a sua principal motivação para concorrer às eleições MARIO TAMA / GETTY IMAGES
John Hickenlooper, 67 anos, democrata, ex-governador do Colorado. Tem formação em Geologia ZACH GIBSON / GETTY IMAGES
Wayne Messam, 44 anos, democrata, “mayor” de Miramar, Florida. Filho de jamaicanos, é dono de uma empresa de construção JOE RAEDLE / GETTY IMAGES
Beto O’Rourke, 46 anos, democrata, ex-deputado na Câmara dos Representantes pelo Texas. Foi baixista numa banda de “post-hardcore” (género musical derivado do punk) MARIO TAMA / GETTY IMAGES
Mike Gravel, 88 anos, democrata, ex-senador pelo Alaska. Ao centro na foto (datada de 2011), fala com participantes num protesto contra banqueiros, financeiros e políticos, em Zurique (Suíça) ARND WIEGMANN / REUTERS
Tim Ryan, 45 anos, democrata, membro da Câmara dos Representantes pelo Ohio AARON JOSEFCZYK / REUTERS
Eric Swalwell, 38 anos, democrata, deputado na Câmara dos Representantes pela Califórnia JOE RAEDLE / GETTY IMAGES
Seth Moulton, 40 anos, democrata, membro da Câmara dos Representantes pelo Massachusetts. Liderou um dos primeiros pelotões de infantaria a entrar em Bagdade, na invasão ao Iraque (2003) SCOTT EISEN / GETTY IMAGES
Joe Biden, 76 anos, democrata, vice-presidente dos EUA nos dois mandatos de Barack Obama (2009-2017). Foi senador pelo Delaware durante mais de 30 anos SCOTT OLSON / GETTY IMAGES
Michael Bennet, 54 anos, democrata, senador pelo Colorado ALEX WONG / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de maio de 2019. Pode ser consultado aqui

Cerco americano fortalece linha dura

Do dia para a noite, nos EUA, milhões de iranianos ganharam o rótulo de criminosos. Em Teerão, os conservadores agradecem

Olho por olho, dente por dente. Se a Guarda Revolucionária do Irão (GRI) passou a ser, para os EUA, uma “organização terrorista estrangeira” (FTO), para o Irão qualquer militar americano estacionado na região tornou-se um alvo — e são muitos à volta da República Islâmica, geograficamente entalada entre Iraque e Afeganistão. “Com esta atitude estúpida, Trump deu autorização para o assassínio de forças americanas”, escreveu o “Kayhan”, o jornal mais conservador do Irão.

“Os líderes iranianos têm uma vantagem fundamental: planeamento estratégico de longo prazo, por contraponto às táticas impulsivas de curto prazo [do Governo Trump]”, diz ao Expresso Ghoncheh Tazmini, investigadora na Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres. “Este é um luxo que, para sermos realistas, quem está no primeiro mandato na Casa Branca não tem. Líbano e Iraque são parceiros do Irão há quase 40 anos. Os EUA presumem que exercer ‘máxima pressão’ durante dois ou seis anos vai alterar a relação do Irão com os aliados, o que revela o quão limitado é o conhecimento que têm das dinâmicas regionais.”

Estudantes “criminosos”

Para os EUA, o carimbo FTO torna criminosa qualquer pessoa, no seu território ou jurisdição, que tenha recebido “treino de tipo militar de ou em nome de uma FTO designada”. Para a iraniana, abriu-se a caixa de Pandora: “Todos os iranianos têm de cumprir serviço militar. Os que têm formação vão, normalmente, para gabinetes estatais, muitos outros vão para os quartéis. Consoante for interpretado ‘receber treino militar de ou em nome da FTO designada’, é possível que milhões de iranianos (milhares no Líbano, Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão que receberam treino da Força Quds, braço da GRI para as missões externas) sejam considerados criminosos. O que complica tudo é que para sair do Irão é preciso ter o serviço militar feito, ou estar isento. Potencialmente, milhares de estudantes iranianos ou com dupla nacionalidade passaram a ser designados como criminosos da noite para o dia.”

Num país dividido entre conservadores e reformistas, fundamentalistas e moderados, a decisão dos EUA criou uma unidade atípica: no Parlamento, destacadas figuras reformistas surgiram com o traje verde da Guarda. “A ‘pressão máxima’ de Trump vai enfraquecer as forças moderadas e fortalecer a posição dos conservadores, unindo a linha dura e criando um espírito solidário.” Isto acontece numa altura em que cheias no Irão mataram 70 pessoas. O Crescente Vermelho queixa-se da falta de ajuda internacional por causa das sanções e, no terreno, são os Guardas quem presta socorro.

(FOTO Membros da Guarda Revolucionária do Irão, numa cerimónia em Mashhad WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de abril de 2019

Já há 18 candidatos às presidenciais de 2020. E Joe Biden pode ser o 19.º

A cerca de 20 meses das próximas presidenciais, já há candidatos a percorrer os Estados Unidos de microfone na mão a tentar convencer eleitores. O ódio a Donald Trump espicaçou em especial os democratas, que já têm em marcha 17 candidaturas

Nos Estados Unidos, a corrida às eleições presidenciais de 2020 conta já com 18 atletas. Donald Trump foi quem primeiro se apresentou em pista, ao formalizar essa pretensão exatamente no mesmo dia em que tomou posse como 45º Presidente dos Estados Unidos, 20 de janeiro de 2017. A confiança de Trump na reeleição explodiu este fim de semana, conhecidas as conclusões do procurador especial Robert Mueller que apontam para a inexistência de provas claras de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia, nas eleições de 2016.

No seu sítio na Internet, Trump não desperdiçou a oportunidade para tirar benefícios desta vitória. Mal se abre a página do seu sítio na Internet, salta um “pop-up” que diz: “Não houve conluio & exoneração completa. Os democratas ganharam milhões com uma mentira. Agora vamos responder! Façam a vossa doação na próxima hora e vamos quadruplicar [as contribuições dos democratas]! Contribuam já.”

“Estão a aproveitar a onda ‘No Collusion’ [Não houve conluio] para mobilizar os republicanos em torno de Trump”, comenta ao Expresso o analista de política americana Germano Almeida. “‘No Collusion’ passa a ser uma espécie de slogan da recandidatura” — e possivelmente irá ser repetido por Trump até à exaustão no comício desta quinta-feira na cidade de Grand Rapids, Michigan.

Na corrida pela reeleição, Trump tem já 17 concorrentes, 16 deles afetos ao Partido Democrata. (Nas fotogalerias abaixo, os 18 surgem pela ordem em que anunciaram candidatura.) Germano Almeida destaca três nomes. À cabeça, o veterano Bernie Sanders, o senador do Vermont que em 2016 quase derrotou Hillary Clinton nas primárias democratas. “Sanders tem muita notoriedade e uma base mobilizada. Mas é demasiado à esquerda e fará 80 anos a meio do mandato.”

No pólo oposto da veteranice, há sangue novo com um poder mobilizador crescente. Por um lado, Beto O’Rourke, que nas últimas eleições para o Congresso, a 6 de novembro de 2018, quase derrotou o republicano Ted Cruz no Texas, um dos estados mais conservadores, na disputa para o Senado. “É talvez o candidato mais carismático e com maior potencial de crescimento. Sendo do Sul, pode ser a melhor hipótese para fazer a ponte entre os radicais e a ala moderada e pragmática.”

Por outro lado, uma das seis mulheres que estão na corrida à Casa Branca. “Kamala Harris, senadora da Califórnia, arrancou muito forte a agarrar temas caros à base democrata. É muito bem preparada e consegue atrair a atenção mediática. Tem história pessoal e familiar poderosa e consegue aliar uma agenda de esquerda com um discurso credível, sem cair no radicalismo. Será talvez a favorita não assumida de Barack Obama.”

No campo republicano, Donald Trump tem, para já, apenas um concorrente: Bill Weld, um advogado que foi governador do Massachusetts e candidato à vice-presidência nas eleições de 2016, ao lado de Gary Johnson, pelo Partido Libertário.

A batalha mais acesa trava-se, pois, entre democratas. E a mais de ano e meio das eleições — agendadas para 3 de novembro de 2020 —, poderão ainda surgir mais candidatos. “Está tudo à espera de Joe Biden”, diz Germano Almeida, autor do livro “Isto não é bem um Presidente dos EUA” (Prime Books, 2018).

Vice-presidente de Barack Obama nos dois mandatos (2009-2017) e senador pelo Delaware durante mais de 30 anos (1973-2009), Biden é “um dos poucos pesos-pesados que restam na alta política americana. Como tem níveis de notoriedade muitíssimo superiores a todos os outros, surge neste momento muito à frente nas primeiras sondagens.”

Esta quinta-feira, Biden surge a liderar destacado uma sondagem da Universidade Quinnipiac (Connecticut) sobre a nomeação democrata, com 29% das preferências de voto. É seguido por Bernie Sanders (19%), Beto O’Rourke (12%) e Kamala Harris (8%).

Na última sondagem nacional, realizada pela conservadora Fox News e divulgada no domingo — e que ainda não contempla o efeito “No Collusion” —, Biden bate Trump por uns claros 47% contra 40%. “Neste fase do processo, em que os candidatos ainda não tiveram oportunidade de se dar a conhecer verdadeiramente, é normal que sobressaia quem já é conhecido há mais tempo. E, nesse plano, Joe Biden e Bernie Sanders têm grande vantagem sobre todos os outros.” Na sondagem da Fox, Sanders também vence Trump, por 44% contra 41%.

Perante a confiança intacta em Biden, seria de todo impossível uma repetição da dupla Obama-Biden, desta vez com papeis invertidos? “Legalmente sim, realisticamente não”, explica o comentador. “Nem Barack Obama aceitaria a descida de posto nem isso seria bom para Joe Biden. Seria a condenação do nomeado [Biden] a um rótulo de ‘marioneta’ do verdadeiro candidato desejado [Obama].”

Apesar dos bons números, uma eventual candidatura de Joe Biden não está isenta de riscos. Na semana passada, a televisão norte-americana CNBC dava conta da hesitação de alguns doadores democratas, pelo menos numa primeira fase. A coberto do anonimato, um financeiro multimilionário afirmava: “Penso que com Biden há um sentimento de ‘Eu gosto dele, é mesmo um bom tipo’, mas seria candidato numa altura em que um branco de 76 anos pode não ser aquilo que os eleitores desejam.”

“Os democratas terão de refletir se querem correr o risco de escolher alguém que terá 78 anos à data da tomada de posse para o primeiro mandato — e que percorre os corredores do poder em Washington há quase tantos anos quantos os que Beto O’Rourke tem de vida”, comenta Germano Almeida. “A escolha dos democratas será muito geracional.”

Na segunda-feira, Jennifer O’Malley Dillon surgiu nas notícias como a mais recente contratação de Beto O’Rourke para a sua equipa de estrategas. Com trabalho feito em cinco campanhas presidenciais, foi vice-diretora da primeira campanha de Obama, em 2012. Desta vez, diz alinhar com o candidato do Texas porque representa “uma nova geração de líderes de que precisamos”.

Sendo importante, a idade não explica tudo. Bernie Sanders é mais velho do que Biden e, nas 24 horas seguintes a anunciar que ia a votos, conseguiu angariar 5,9 milhões de dólares (5,2 milhões de euros) — neste capítulo, o campeão foi Beto O’Rourke que amealhou 6,1 milhões de dólares (5,4 milhões de euros).

“Se um dos grandes problemas de Hillary em 2016 foi ser ‘demasiado conotada’ com o poder estabelecido e ‘mais do mesmo’ do que se tinha passado em Washington, será mesmo inteligente escolher, para travar uma repetição do triunfo de Trump, alguém que faz parte do ‘establishment’ há mais de 40 anos?”, questiona Germano Almeida.

Perante a pulverização democrata, Kamala Harris e Beto O’Rourke são os únicos que conseguem acompanhar os veteranos Biden e Sanders com sondagens nacionais acima dos dois dígitos. “Dão mostras de terem enorme margem de crescimento”, diz o analista. “Kamala mais à esquerda de Beto. Beto proveniente do Sul e mais forte em zonas da América rural, com melhor desempenho em ‘território Trump’ e Kamala mais urbana e ligada a estados onde os democratas tradicionalmente dominam. Kamala mais forte entre os negros, Beto mais forte entre brancos e homens (dois segmentos em que Hillary falhou e em que os democratas terão de fazer melhor em 2020). Ambos fortes entre os jovens, as mulheres e os latinos.” Fortes também num campo que, geralmente, é determinante para o desfecho de uma eleição presidencial nos Estados Unidos: “o fator novidade”.

(IMAGEM PIXABAY)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 28 de março de 2019. Pode ser consultado aqui