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“Se Joe Biden ganhar tem de agradecer aos republicanos conservadores”

A campanha eleitoral nos Estados Unidos chega ao fim esta segunda-feira com as sondagens a preverem a vitória de Joe Biden e os comícios de última hora a mostrarem um Donald Trump fresco e combativo. Ao Expresso, um consultor de comunicação analisa as campanhas democrata e republicana e identifica qual foi a novidade desta corrida em termos de comunicação política

Republicanos (à esquerda) e democratas IMAGEM

Donald Trump e Joe Biden cumprem esta segunda-feira o seu último dia de campanha. Chega ao fim uma corrida atípica, marcada pela pandemia que atingiu os Estados Unidos como nenhum outro país e também tensa, pela incerteza do resultado final e pelos receios em relação ao que se seguirá numa América profundamente dividida e radicalizada.

Se Joe Biden, nesta reta final, tem contado com o apoio do “irmão” Barack Obama — um dos Presidentes mais populares de sempre, com quem Biden fez dupla na Casa Branca entre 2009 e 2017 —, Donald Trump surge como um homem cada vez mais só. Com sondagens adversas, o 45º Presidente tem-se mostrado enérgico e combativo, mas em palco surge sem a companhia das grandes figuras do Partido Republicano, rodeado apenas pela família.

“Trump está como sempre foi. A organização de toda a sua equipa, de toda a gente que o rodeia, tem uma lógica um pouco mafiosa, não no sentido criminoso da palavra, mas no sentido da importância que a família assume. Se olharmos para estes quatro anos de mandato, quais são os elementos estáveis dentro do seu círculo de confiança? A família”, comenta ao Expresso Alexandre Guerra, mestre em Ciência Política e assessor de imprensa de Pedro Santana Lopes entre 2010 e 2017.

“No círculo de poder de um político, nomeadamente do Presidente dos EUA, há cargos que têm particular importância pela confiança de proximidade e pelo acesso que têm ao Presidente: o diretor de comunicação, o assessor de imprensa, o chefe de gabinete e assessores próximos. Estas pessoas são sempre muito próximas do líder político.”

Em relação ao diretor de comunicação, por exemplo, Trump vai no oitavo em quatro anos, enquanto Barack Obama teve cinco em dois mandatos e George W. Bush quatro. Ao nível do porta-voz da Casa Branca, já teve quatro, enquanto Obama teve cinco em dois mandatos e George W. Bush quatro.

“Trump é daqueles políticos que não fomentam a estabilidade de equipa. É um líder que, naturalmente, começa só e acaba só”, continua Alexandra Guerra, que é ainda autor do livro “A política e o homem pós-Humano” (Alêtheia, 2016) (atualmente é assessor de imprensa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa). “Isso é revelador da sua própria incapacidade em desenvolver relações de trabalho e criar relações de lealdade com os assessores mais próximos.”

Não por acaso, o 45º Presidente escolheu e privilegiou como canal preferencial de comunicação com o povo norte-americano o Twitter, onde tem mais de 87 milhões de seguidores. Ao disparar tweets “contorna todo aquele staff que existe para proteger o Presidente em tempos normais mas que ele nunca considerou”, aponta Alexandre Guerra.

Com Trump a atuar fora dos cânones da comunicação política tradicional, à semelhança do que já fizera na campanha de 2016, Alexandre Guerra considera que a grande novidade desta campanha aconteceu… fora das duas candidaturas.

“Em termos de comunicação política, não se retira muito de novo desta campanha”, diz. “Barack Obama trouxe sobretudo o contacto direto com os eleitores: os SMS, as redes sociais. Trump, em 2016, trouxe o seu estilo, que desafiava os cânones instituídos e os métodos e dinâmicas de trabalho entre aquilo que é uma equipa de comunicação política e o Presidente, por um lado, e entre o Presidente e os canais tradicionais de comunicação política, por outro”.

O que a corrida de 2020 traz de inédito é o facto de “haver republicanos, muitos deles antigos estrategos do Partido, que de uma forma muito afirmativa e assumida estão a fazer campanha pelo candidato democrata”, destaca. “O verdadeiro republicano conservador, que faz aquilo que acha que é melhor para a América, gosta de Ronald Reagan, não gosta de Donald Trump.”

Alexandre Guerra destaca duas iniciativas: o Lincoln Project (Projeto Lincoln) e o movimento Republican Voters Against Trump (Eleitores Republicanos Contra Trump). “Estes dois projetos são uma novidade. A comunicação é extremamente bem feita, por profissionais com experiência na área da comunicação política, muitos deles com anos de campanhas no campo republicano. Conseguiram criar uma dinâmica.”

O Projeto Lincoln inspira-se na figura do 16º Presidente, Abraham Lincoln, que liderou o país durante os anos mais sangrentos e desunidos da História dos EUA — os da guerra civil (1861-1865). Foi elaborado por autodenominados “americanos dedicados” que querem “proteger a democracia”: “Os fundadores do projeto Lincoln passaram mais de 200 anos a eleger republicanos. Mas agora desencadearam um movimento nacional com uma única missão: derrotar Donald Trump e o Trumpismo”, declaram no sítio na Internet do projeto.

Na mesma linha, os Eleitores Republicanos Contra Trump assumem-se como um movimento que representa “republicanos, ex-republicanos, conservadores e ex-eleitores de Trump que não podem apoiar Trump para Presidente neste outono”.

“Não há memória de isto ter acontecido anteriormente de forma tão sistematizada e organizada”, comenta Alexandre Guerra. “Há vários movimentos republicanos que se organizaram para salvar o Partido Republicano e salvar aquilo que são os valores da América – e ao fazerem-no acabaram por se colocar ao serviço do candidato democrata. É uma coisa totalmente inédita”, diz.

“Estes republicanos assumem claramente que não votam Trump. Vão fazer um voto patriótico em Joe Biden. Se Biden ganhar tem de agradecer aos republicanos conservadores.”

Analisando a estratégia democrata, o consultor de comunicação não se mostra particularmente impressionado com a campanha de Joe Biden e Kamala Harris. “Não tem sido muito entusiasmante. Faltaram pesos-pesados à equipa de candidatura que pensassem política e comunicação política e delineassem uma campanha que, desde o início, atacasse forte Donald Trump. Faltou um James Carville (que trabalhou com Bill Clinton), um David Axelrod (que ajudou Barack Obama), um Karl Rove (que assistiu George W. Bush), um Alastair Campbell (que foi o estratego de Tony Blair, no Reino Unido)”, recorda.

Alexandre Guerra enumera mesmo alguns “erros de principiante” que acharia impossível de acontecer numa campanha presidencial norte-americana. “No primeiro debate, Biden chamou ‘palhaço’ ao Presidente dos EUA. Também a forma como ele foi vestido: ele é branco, tem cabelo branco e levou uma gravata branca e preta, o que lhe deu um ar abatido e envelhecido. E levou um lenço do lado esquerdo do fato, que é algo que muito eleitorado que ele tem de conquistar, mais rural e menos sofisticado, acha presunçoso e um tique de aristocrata.”

Porém, escaldados com a campanha de há quatro anos, que não impediu a vitória do inexperiente Trump contra a superpreparada Hillary Clinton, os democratas tentaram agora aprender com os erros. “Perceberam que tinham de lutar até ao fim, até ao último dia, independentemente das sondagens”, diz Alexandre Guerra.

“Esta preocupação foi expressa num memorando enviado [no mês passado] pela diretora de campanha, Jennifer O’Malley Dillon, a apoiantes e doadores do Partido Democrata, onde dizia claramente: ‘Não se fiem no que dizem as sondagens e os analistas. Este é um combate até ao fim. Não subestimem o adversário’. Foi um memo muito certeiro e revelador da preocupação que existe na campanha de Biden para que não se cometam os mesmos erros da campanha de Hillary, que ganhou o voto popular mas não ganhou nos sítios certos.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Trump: 25 tweets polémicos

Escolheu o Twitter como megafone para os seus mais de 87 milhões de seguidores. Em menos de 280 carateres, Trump ameaçou países, insultou adversários e demitiu colaboradores

No lindo Midwest, as temperaturas geladas estão a chegar aos 60 graus negativos, o mais frio alguma vez registado. Nos próximos dias, é esperado ainda mais frio. As pessoas não podem ficar fora mesmo durante minutos. Que raio se passa com o Aquecimento Global? Por favor, volta depressa, nós precisamos de ti!

Devíamos ter um concurso para saber qual das estações de televisão, incluindo a CNN mas não a Fox, é a mais desonesta, corrupta e/ou distorcida na sua cobertura política ao vosso Presidente favorito (eu). São todas más. A vencedora recebe o TROFÉU NOTÍCIAS FALSAS!

Mike Pompeo está a fazer um grande trabalho, tenho muito orgulho nele. O seu antecessor, Rex Tillerson, não tinha a capacidade mental necessária. Era burro como uma pedra e eu não consegui livrar-me dele suficientemente rápido. Ele também era preguiçoso. Agora é todo um novo jogo, grande espírito no Departamento de Estado!

Quem consegue descobrir o verdadeiro significado de “covfefe”??? Divirtam-se!

Contexto:
Ninguém sabe ao certo o que significa, mas Trump aproveitou o sururu desencadeado nas redes sociais para voltar à carga. Num primeiro tweet, cuja escrita parece ter ficado a meio, ele digitou: “Apesar da constante covfefe negativa da imprensa.” Pensa-se que “covfefe” seja “coverage” (cobertura), escrito de forma atabalhoada. Trump apagaria o tweet inicial, mas “covfefe” já se tornara meme na internet. Na Wikipedia, há uma entrada sobre o assunto.

A Dinamarca é um país muito especial com pessoas incríveis, mas com base nos comentários da primeira-ministra, Mette Frederiksen, de que não teria interesse em discutir a compra da Gronelândia, eu adio o nosso encontro marcado para dentro de duas semanas para outra altura…

LIBERTEM A VIRGÍNIA, e salvem a grande segunda Emenda. Está em perigo!

Contexto:
Em quatro minutos, Trump disparou três tweets a defender a ‘libertação’ dos estados do Minnesota, Michigan e Virgínia, todos liderados por governadores democratas. As publicações são uma referência às medidas restritivas, então em vigor em vários estados por causa da pandemia de covid-19, que contrariavam a intenção do Presidente de reabrir a economia de todo o país. A segunda emenda da Constituição protege o direito do indivíduo ao porte de arma.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1313186529058136070

Vou deixar o grande Centro Médico Walter Reed hoje às 18h30. Estou a sentir-me mesmo bem! Não tenham medo da covid. Não deixem que ela domine a vossa vida. Sob a Administração Trump, temos desenvolvido alguns medicamentos e conhecimento realmente ótimos. Sinto-me melhor do que há 20 anos!

Para o Presidente iraniano Rohani: NUNCA MAIS VOLTE A AMEAÇAR OS ESTADOS UNIDOS OU IRÁ SOFRER CONSEQUÊNCIAS COMO POUCOS AO LONGO DA HISTÓRIA SOFRERAM ANTES. JÁ NÃO SOMOS UM PAÍS QUE APOIA AS VOSSAS PALAVRAS DEMENTES DE VIOLÊNCIA & MORTE. TENHA CUIDADO!

Parabéns a Boris Johnson pela sua grande VITÓRIA! A Grã-Bretanha e os Estados Unidos agora estarão livres para fechar um novo Acordo Comercial maciço após o BREXIT. Este acordo tem o potencial para ser muito maior e mais lucrativo do que qualquer acordo que pudesse ser feito com a União Europeia. Comemore Boris!

Tenho grande confiança no Rei Salman e no Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, eles sabem exatamente o que estão a fazer…

A revista Time ligou a dizer que PROVAVELMENTE eu iria ser nomeado “Homem (Pessoa) do Ano”, como no ano passado, mas que eu teria de concordar com uma entrevista e uma sessão fotográfica. Eu disse que provavelmente não é uma boa ideia e declinei. Obrigado de qualquer forma!

O louco do Joe Biden está a tentar agir como um durão. Na realidade, ele é fraco, tanto mental como fisicamente, e mesmo assim ameaça-me, pela segunda vez, com agressão física. Ele não me conhece, mas seria derrotado depressa e duramente, chorando todo o tempo. Não ameace pessoas, Joe!

Rússia, Rússia, Rússia! É tudo o que se ouvia no início deste Embuste de Caça às Bruxas… E agora a Rússia desapareceu porque eu não tive nada a ver com a ajuda da Rússia para que fosse eleito. Foi um crime que não existiu.

Estamos unidos nos nossos esforços para derrotar o Vírus Invisível da China, e muitas pessoas dizem que é Patriótico usar máscara quando não se pode manter distância social. Não há ninguém mais Patriota do que eu, o vosso Presidente favorito!

Uma tendência em alta (no Google) desde imediatamente a seguir ao segundo debate é POSSO MUDAR O MEU VOTO? Isto refere-se a mudá-lo para mim. A resposta na maioria dos estados é SIM. Vão fazê-lo. A mais importante Eleição das vossas vidas!

Contexto:
É falso que a maioria dos estados permita mudar o voto: só acontece no Alasca, Michigan, Minnesota, Mississípi e Wisconsin. Em Nova Iorque, não há uma disposição específica, mas os eleitores que já tenham votado podem voltar a votar presencialmente no dia das eleições (só conta o voto presencial).

Ser simpático com o Rocket Man não funcionou durante 25 anos, porque haveria de funcionar agora? Clinton falhou, Bush falhou, e Obama falhou. Eu não vou falhar.

Muito interessante ver congressistas democratas “progressistas”, que vieram de países cujos governos são uma catástrofe completa e total, os piores, mais corruptos e ineptos em qualquer parte do mundo (se é que têm um governo funcional), dizerem agora ruidosa e maldosamente ao povo dos Estados Unidos, a melhor e mais poderosa nação da Terra, como o nosso governo deve ser gerido. Porque não voltam e ajudam a consertar os lugares destruídos e infestados de crime de onde vieram?

Contexto:
As congressistas democratas a que Trump se refere são Alexandria Ocasio-Cortez, Ayanna Pressley, Ilhan Omar e Rashida Tlaib. Deste quarteto apenas Omar não nasceu nos EUA, tendo chegado ao país com oito anos como refugiada de guerra da Somália. O ataque presidencial foi motivado pelo testemunho das congressistas na Câmara dos Representantes em que falaram das condições desumanas que presenciaram durante visitas a instalações de detenção de migrantes no Texas.

Precisamos do Muro para segurança e proteção do nosso país. Precisamos do Muro para ajudar a parar a entrada maciça de droga a partir do México, agora classificado como o país mais perigoso do mundo. Se não houver Muro, não há Acordo!

Por que razão haveria Kim Jong-un de me insultar chamando-me “velho”, quando eu NUNCA lhe chamaria “baixo e gordo”? Ah bem, eu tento tanto ser amigo dele — e talvez um dia isso aconteça!

TORNE A AMÉRICA GRANDE OUTRA VEZ!

De que serve a NATO se a Alemanha paga milhares de milhões de dólares à Rússia por gás e energia? Porque é que só há cinco de 29 países que honram o seu compromisso? Os EUA pagam pela proteção da Europa e depois perdem milhares de milhões em comércio. Têm de pagar 2% do PIB IMEDIATAMENTE, não até 2025.

Estes BANDIDOS estão a desonrar a memória de George Floyd e eu não vou deixar que isso aconteça. Acabei de falar com o governador Tim Walz e disse-lhe que os militares estão totalmente com ele. Qualquer dificuldade e assumo o controlo mas, quando a pilhagem começa, o tiroteio começa. Obrigado!

NOTÍCIAS FALSAS SÃO O INIMIGO DO POVO!

Começamos a ter avaliações MUITO boas da nossa gestão do coronavírus (o vírus da China), especialmente quando comparadas com outros países e áreas do mundo. Agora as vacinas estão a chegar e depressa!

Obama tem sorte por ter concorrido contra Mitt Romney, um homem com muito pouco talento ou capacidade política, por oposição a alguém que sabe como lutar e vencer!

Artigo publicado no “Expresso”, a 31 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Halloween em tempos de pandemia… e de eleições

A tradição não olha a imprevistos e como tal, nos Estados Unidos, nem a pandemia nem a campanha eleitoral impedem os norte-americanos de celebrar o Halloween. Seguem-se 20 fotos de uma festa que chega a ser um susto

Em contagem decrescente para as eleições presidenciais, este esqueleto de Halloween apela à participação, em Falls Church, Virgínia KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Apoio a Joe Biden e Kamala Harris, numa casa de Nashville, Tennessee. Aqui não se esqueceu a época de Halloween JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES
Máscaras para vários gostos, numa rua de Nova Iorque CINDY ORD / GETTY IMAGES
Apelo ao voto esculpido numa abóbora de Halloween, em Hanover, Massachusetts DAVID L. RYAN / GETTY IMAGES
Nesta casa em Washington D.C., até os esqueletos decorativos protegem-se com máscara e procuram manter a distância social TOM BRENNER / REUTERS
Protegido do frio e do novo coronavírus, no bairro nova-iorquino de Upper West Side ALEXI ROSENFELD / GETTY IMAGES
Cartaz de apoio à dupla democrata candidata à Casa Branca numa vivenda “aterrorizada”, em Nashville, Tennessee JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES
A “selfie” da praxe, num espaço de atrações dedicado ao Halloween, em Buena Park, Califórnia MIKE BLAKE / REUTERS
Com muitos eventos de Halloween cancelados, em virtude da pandemia, nesta casa nova-iorquina celebra-se dentro de portas CINDY ORD / GETTY IMAGES
Esqueletos de Halloween, “ao serviço” da campanha de Donald Trump, num jardim de uma casa de Warren, Ohio SHANNON STAPLETON / REUTERS
Eleições e Halloween disputam as atenções no jardim desta casa, em Los Angeles, Califórnia LUCY NICHOLSON / REUTERS
Discreta decoração de Halloween, numa casa do bairro de Upper West Side, em Nova Iorque ALEXI ROSENFELD / GETTY IMAGES
Votos garantidos para Donald Trump e Joe Biden, neste subúrbio de St. Paul, Minnesota BING GUAN / REUTERS
Uma abóbora ao serviço da sensibilização contra a covid-19, em Nova Iorque NOAM GALAI / GETTY IMAGES
“Vote como que se a sua vida dependesse disso”, apela-se nesta casa de Murray Hill, Nova Iorque, profusamente decorada para o Halloween NOAM GALAI / GETTY IMAGES
Junto a esta instalação alusiva ao Halloween, em La Cañada Flintridge, Califórnia, não faltam pessoas interessadas, e protegidas com máscara MARIO ANZUONI / REUTERS
Duas mulheres e dois esqueletos “à conversa”, num bairro de Wilmington, Delaware KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Brincadeiras sob uma gigantesca teia de aranha, numa casa que apoia Joe Biden, em Youngstown, Ohio SHANNON STAPLETON / REUTERS
De máscara e resguardada dentro do carro, esta criança diverte-se a brincar às “Travessuras ou Gostosuras”, em Woodland Hills, Califórnia MARIO ANZUONI / REUTERS
“Obrigado por usar uma máscara” TIMOTHY A. CLARY / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Dez altos e baixos da política externa de Donald Trump

Três analistas comentam a diplomacia do 45º Presidente. Do braço de ferro com a China à ambiguidade em relação às alterações climáticas

1 PANDEMIA A covid-19 tomou o mundo de assalto e os EUA em particular, tornando-os o país mais castigado. Donald Trump desvalorizou o problema, descredibilizou a Organização Mundial da Saúde e, mesmo após ter sido infetado, ignorou o perigo promovendo comícios de multidões. “É a primeira vez desde o pós-guerra que os EUA não estão na primeira linha de uma resposta a uma crise internacional relevante”, diz Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais. “É uma mudança profunda. A principal potência internacional abdica da sua posição como garante da ordem e da estabilidade internacional.”

2 CHINA Com origem em Wuhan, a pandemia acentuou a ‘guerra fria’ entre EUA e China, levando Trump a encher a boca com “o vírus chinês”. “Barack Obama defendia que era impossível uma estratégia de contenção da ascensão da China por causa da interdependência entre as economias americana e chinesa”, diz Carlos Gaspar. “Trump decidiu ou foi levado a alinhar com uma estratégia de contenção da China cujo primeiro passo decisivo é o desacoplamento tecnológico e comercial entre as duas maiores economias mundiais. Está a pôr em causa a dinâmica de globalização.”

3 COREIA DO NORTE Quando Trump chegou à Casa Branca, a Península da Coreia, e o mundo por arrasto, estava em polvorosa perante sucessivos ensaios nucleares norte-coreanos. Trump fez tábua rasa da prática presidencial que o precedeu e tornou-se o primeiro Presidente a pisar a Coreia do Norte. Esteve três vezes com Kim Jong-un, mas o diálogo não deu frutos: Pyongyang não desnuclearizou, e Washington não levantou as sanções. “O que se vê a esta distância é que o Presidente dos EUA ofereceu uma gigantesca photo op a um ditador cruel, que não é de confiar, a troco de quase nada”, diz Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas.

4 ISRAEL-PALESTINA Trump fez uma escolha clara quando, a 6 de dezembro de 2017, reconheceu Jerusalém como capital de Israel. Acentuou esse alinhamento pelo Estado judaico a 15 de setembro passado ao surgir como o anfitrião da assinatura dos Acordos de Abraão, pelos quais duas monarquias árabes sunitas (Emirados Árabes Unidos e Bahrein) reconheceram Israel. “São o culminar de quatro anos de política pró-Israel, de diabolização do Irão [persa xiita] e sobretudo o ponto de chegada da preferência clara pela Arábia Saudita [árabe sunita]”, diz Germano Almeida. “É bom ver Israel assinar a paz, mas é preciso ver o que se perdeu à conta disso.” Os palestinianos foram ignorados e o Irão espicaçado.

5 IRÃO Trump deu total prioridade ao isolamento do Irão e isso ficou patente a 8 de maio de 2018 quando retirou os EUA do acordo internacional sobre o programa nuclear de Teerão. “A diabolização do Irão foi energizada pela necessidade de querer destruir tudo o que Obama fez”, diz Germano Almeida. Ao rasgar o acordo distanciou os EUA dos europeus, que mantiveram o compromisso, e desbravou caminho “a uma política para o Médio Oriente baseada em dois ‘pivôs’ por procuração: Israel e a Arábia Saudita”. O assassínio por um drone americano, a 3 de janeiro de 2020, do general Qasem Soleimani, o cérebro das intervenções iranianas na região, insere-se nessa guerra.

6 RÚSSIA Trump chegou à Casa Branca sob a suspeita de ter beneficiado de uma interferência russa nas eleições. Mas não evitou que a relação EUA-Rússia se degradasse. “A retórica utilizada em Washington relativamente à Rússia assumiu contornos nunca vistos”, diz o major-general Carlos Branco, autor do livro “Do fim da Guerra Fria a Trump e à Covid-19” (2020). “O secretário de Estado, Mike Pompeo, foi ao ponto de afirmar que a Rússia é um perigo para os EUA. O encerramento dos consulados russos em São Francisco, Nova Iorque e Washington foram precedentes perigosos. A classificação da Rússia pela Estratégia Nacional de Segurança, aprovada em 2017, como uma potência revisionista, colocando-a ao nível de ‘Estados párias’ como a Coreia do Norte, indica ao ponto a que chegou a relação.”

7 AFEGANISTÃO Com tropas neste país desde 11 de setembro de 2001, os EUA celebraram, a 29 de fevereiro deste ano, a paz com os talibãs que abre as portas ao regresso a casa. “Este acordo insere-se no cumprimento da promessa eleitoral de terminar com as ‘guerras intermináveis’”, diz o major-general Carlos Branco, antigo porta-voz do comandante da força da NATO no Afeganistão. “Os soldados americanos iniciarão uma retirada progressiva, pendente da evolução das negociações entre o Governo de Cabul e os talibãs, que não estão a ser fáceis.” Ao negociar diretamente com os talibãs, Trump contornou as dificuldades do diálogo intra-afegão. “Este acordo completa a estratégia de retraimento dos EUA, que decidiram pôr fim ao ciclo de intervenções militares no ‘arco islâmico’”, acrescenta Carlos Gaspar. “Quiseram impor a paz e sair com honra, mas este acordo não garante a paz aos afegãos, nem a honra dos norte-americanos e põe em causa tudo aquilo pelo qual os militares norte-americanos e os seus aliados combateram no Afeganistão.”

8 MULTILATERALISMO Um cunho da Administração Trump foi a denúncia de compromissos internacionais: Parceria Transpacífico, NAFTA, Acordo de Paris, Nuclear do Irão, UNESCO, Conselho dos Direitos Humanos… “Trump não simpatiza com o multilateralismo, sobretudo quando não é vantajoso para os interesses americanos. Mas é preciso avaliar com cautela as questões relativas à NATO”, alerta Carlos Branco. “As dificuldades de diálogo com os aliados europeus prendem-se, acima de tudo, com a sua reduzida contribuição financeira para o orçamento da organização. Contudo, nunca a NATO teve uma atividade tão intensa desde o fim da Guerra Fria.”

9 ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS A 1 de junho de 2017, Trump chocou o mundo ao retirar os EUA do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, criando polémica num assunto consensual nos corredores científicos e políticos. “É o momento mais vergonhoso dos anos Trump”, diz Germano Almeida. “Dá mau nome à América e coloca os EUA como ‘Estado pária’ num assunto fundamental para esta e as próximas gerações.” O Presidente nunca se assumiu totalmente como um negacionista, mas foi ambíguo para agradar aos empresários.

10 TERRORISMO George W. Bush executou Saddam Hussein, Barack Obama eliminou Osama bin Laden e Trump o líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi. Como os antecessores, pode dizer que tem “um troféu de caça” que, de forma mais simbólica do que real, identifica a derrota da ameaça islamita.

(FOTO Encontro entre Kim Jong-un e Donald Trump, na Zona Desmilitarizada U.S. GOVERNMENT / RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Donald Trump aspira ao Nobel da Paz. Serão os Acordos de Abraão suficientes?

O dedo da Administração norte-americana no processo de normalização da relação diplomática entre Israel e dois países árabes é o grande trunfo de Donald Trump na disputa pelo Nobel da Paz, que será conhecido esta sexta-feira. Mas há um histórico que joga contra si: no passado, antecessores que mediaram negociações importantes no Médio Oriente foram ignorados pela Academia

O Prémio Nobel da Paz 2020 é anunciado esta sexta-feira e, segundo a organização, há 211 indivíduos e 107 organizações na corrida. A lista de candidatos não é pública, mas pelo menos um nome é conhecido.

Christian Tybring-Gjedde, deputado norueguês do Partido do Progresso (populista), fez saber que propôs a candidatura de Donald Trump. “Por seu mérito, acho que tem feito mais tentativas para criar a paz entre as nações do que a maioria dos outros indicados para o prémio da Paz”, justificou.

O Presidente dos Estados Unidos tem como forte trunfo os Acordos de Abraão, assinados na Casa Branca a 15 de setembro, que selaram a normalização da relação diplomática entre Israel e dois países árabes — os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, ambos na região do Golfo Pérsico.

Não se tratando de verdadeiros acordos de paz, uma vez que os signatários não estavam nem nunca se envolveram em guerra, são entendimentos importantes numa região tão conflituosa como o Médio Oriente, onde a diplomacia norte-americana leva décadas de investimentos.

“Goste-se ou não, os Estados Unidos continuam a ser o principal intermediário em negociações no Médio Oriente”, diz ao Expresso Henry R. Nau, professor no Departamento de Ciência Política da Universidade de George Washington (Washington D.C.). “Por imperfeita que seja a política do Médio Oriente, os acordos entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain representam dois grandes passos em frente na direção de uma região mais estável.”

Nos últimos 50 anos, a diplomacia dos Estados Unidos participou com êxito na mediação de três importantes tratados de paz na região. Dois foram mesmo assinados na Casa Branca e valeram aos protagonistas diretos o Nobel da Paz — mas não ao mediador.

Dialogar às escondidas

O primeiro concretizou-se a 17 de setembro de 1978, era o Presidente dos EUA Jimmy Carter. O democrata foi anfitrião da cerimónia de assinatura dos Acordos de Camp David, que levaram à paz entre Israel e o Egito.

O tratado resultou de 13 dias de negociações secretas em Camp David, casa de campo presidencial, nas montanhas Catoctin, no estado de Maryland. Naquele recato, o diálogo fez-se entre três homens: Carter, que mediou, Menachem Begin (primeiro-ministro israelita) e Anwar al-Sadat (Presidente egípcio). Apenas os dois últimos foram então agraciados com o Nobel da Paz.

Quinze anos depois, o caminho da paz no Médio Oriente voltou a passar pelos Estados Unidos. A 13 de setembro de 1993, a Casa Branca abriu portas a novo acontecimento histórico: a assinatura dos Acordos de Oslo, pelos quais Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP) se reconheceram mutuamente, dando início a um processo negocial que tinha a sua etapa final na declaração do Estado palestiniano.

Ainda que o trabalho de formiga tenha sido realizado pela diplomacia da Noruega, os Acordos de Oslo valeram o Nobel da Paz apenas aos protagonistas: os israelitas Yitzhak Rabin (primeiro-ministro) e Shimon Peres (ministro dos Negócios Estrangeiros) e o palestiniano Yasser Arafat (líder da OLP). Ganhariam o Nobel em 1994 e não em 1993, ano dos sul-africanos Nelson Mandela e Frederik de Klerk.

Bill Clinton seria ainda mediador no Tratado de Paz entre Israel e a Jordânia, assinado a 26 de outubro de 1994, em Arabah (Israel), junto à fronteira entre os dois países. Mas o Nobel nunca lhe chegaria às mãos, contrariamente a Jimmy Carter que haveria de ser galardoado em 2002 “por décadas de incansável esforço para encontrar soluções pacíficas para os conflitos internacionais, fazer avançar a democracia e os direitos humanos e promover o desenvolvimento económico e social”, justificou o Comité Nobel.

E Trump?

Donald Trump tem contra si este histórico, que colocou antecessores seus em plano secundário perante a Academia Nobel, mas tem também obra feita. Além dos Acordos de Abraão, contribuiu decisivamente para o desanuviamento da tensão na Península da Coreia (ainda que sem resultados políticos substanciais) e averbou um tratado de paz entre os EUA e os talibãs afegãos, assinado a 29 de fevereiro passado, em Doha (Qatar).

Além disso, ao ter eliminado o líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi, em outubro de 2019, sempre pode dizer que teve um papel principal no combate ao terrorismo internacional.

(FOTO RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui