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Mike Pompeo visitou cinco países em cinco dias. Objetivo: pressionar os árabes a normalizarem a relação com Israel

Entre domingo e quinta-feira, o secretário de Estado dos Estados Unidos desdobrou-se em contactos em Israel, Sudão, Bahrain, Emirados Árabes Unidos e Omã. Donald Trump precisa de um sucesso ao nível da política externa, comenta ao Expresso um cientista político israelita

O principal interesse é de Israel mas as despesas parecem estar a cargo dos Estados Unidos. Duas semanas após o anúncio da normalização da relação diplomática entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, mediada pela Casa Branca, o Estado judeu tem novos alvos árabes em mira. Esta semana, as autoridades de Sudão, Bahrain e Omã foram sondadas acerca da possibilidade de seguirem o exemplo dos Emirados. A abordagem foi feita não por um governante ou diplomata israelita mas por um dos principais governantes da Administração norte-americana: o secretário de Estado Mike Pompeo.

“A tempo das eleições, Donald Trump quer apresentar ao povo norte-americano pelo menos um sucesso ao nível da política externa”, diz ao Expresso Ely Karmon, investigador do Instituto de Política e Estratégia, de Herzliya (Israel). “Ele não foi bem sucedido com os europeus, nem com a China, Coreia do Norte e Irão. Esta é uma possibilidade que lhe permitirá dizer: ‘Eu trouxe a paz, não ao Médio Oriente mas pelo menos entre Israel e alguns países árabes’.”

No universo de 22 países árabes, apenas três reconhecem o cialmente o Estado judeu: Egito (1979), Jordânia (1994) e Emirados Árabes Unidos (2020). Para o cientista político israelita, o Sudão pode ser o próximo. “Está muito interessado em normalizar a sua relação com os Estados Unidos, deixar de ser considerado um Estado pária e sair da lista de países que apoiam o terrorismo. Possivelmente, este é um incentivo americano para convencer o Sudão a iniciar a normalização com Israel.”

Segundo a publicação noticiosa “Sudan Tribune”, as autoridades de Cartum apelaram a que os EUA desvinculem os dois processos. Em comunicado posterior às conversações com Pompeo, o Governo sudanês fez saber que “no que respeita ao pedido dos EUA no sentido da normalização das relações com Israel, o primeiro-ministro [Abdallah Hamdok] explicou ao secretário do Estado que o período de transição no Sudão é liderado por uma ampla coligação com uma agenda específica que visa concluir o processo de transição, alcançar a paz e a estabilidade no país antes de realizar eleições livres”.

O Sudão vive uma fase de transição que decorre da deposição de Omar al-Bashir, a 1 de abril de 2019, após 30 anos de poder, e essa parece ser a prioridade do Conselho Soberano (composto por seis civis e cinco militares) quem manda atualmente no país.

Inegável é que, num passado recente, os dois países têm vindo a esboçar uma aproximação. A 3 de fevereiro, Abdel Fattah al-Burhan foi ao encontro do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, quando este realizava uma visita o cial ao Uganda. Então, o gabinete de Netanyahu fez saber que “ficou acordado o início de uma cooperação que conduzirá à normalização dos laços entre os países”.

“Apesar do Sudão ter participado em guerras contra Israel, algo mudou no ano passado, após a revolução”, comenta Ely Karmon. “O novo governo mudou a política e está a tentar que o país seja membro de uma coligação sunita mais moderada.”

O peso do Irão

Depois da visita ao Sudão, Mike Pompeo seguiu para o Bahrain, um pequeno reino ribeirinho ao Golfo Pérsico particularmente permeável a promessas de mais segurança. “Uma das razões que leva o Bahrain a querer ter relações diretas com Israel é o facto de se sentir ameaçado pelo Irão”, diz o israelita. “Talvez seja o Estado mais ameaçado pelo Irão.”

O país vive a singularidade de ter no poder uma família real sunita enquanto a maioria da população ser xiita (como o Irão). No Bahrain, “há muitos grupos xiitas contrários ao regime que são nanciados e apoiados pelo Irão”, recorda Ely Karmon.

À semelhança do que aconteceu no Sudão, as declarações públicas das autoridades do Bahrain não foram no sentido de uma adesão imediata à proposta de Pompeo. Segundo a agência noticiosa o cial local, o Rei Hamad bin Isa Al-Khalifa “realçou a importância da intensificação de esforços para se acabar com o conflito israelo-palestiniano de acordo com a solução de dois Estados” que leve ao “estabelecimento de um Estado palestiniano independente com Jerusalém Oriental como capital”.

Apesar do discurso oficial, é inegável que, nos últimos anos, o Bahrain tem dado sinais de abertura em relação a Israel. Em 2017, o monarca denunciou o boicote árabe a Israel e afirmou que os seus súbditos são livres de visitar o Estado judeu. No ano passado, o ministro dos Negócios Estrangeiros reafirmou o direito à existência de Israel e, em dezembro, Shlomo Amar, o rabino chefe de Jerusalém, participou num evento inter-religioso no Bahrain.

Omã, de bem com todos

A última viagem de Mike Pompeo neste périplo levou-o a Omã, um sultanato que nas últimas décadas, sob a liderança do Sultão Qaboos, que morreu a 10 de janeiro passado, após mais de 50 anos no poder, tem adotado uma política de coexistência pacífica com todos os países da região, Israel e Irão incluídos.

Omã tem relações amigáveis com Israel desde os anos 1960, de forma especialmente secreta. Ainda assim, em 1994, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin visitou o país, naquela que foi a primeira deslocação conhecida de um líder israelita a um país do Golfo. E em 2018, também Benjamin Netanyahu foi recebido em Muscate.

Relativamente ao Irão, Omã também tem um histórico de não hostilidade. Não tomou parte na guerra Irão-Iraque e atuou como mensageiro entre Washington e Teerão durante as negociações internacionais relativas ao programa nuclear iraniano.

“Omã tem um novo líder [Haitham bin Tariq Al Said, primo de Qaboos] que não tem o mesmo prestígio do anterior e que tem de levar em consideração a estabilidade do seu regime e do próprio país”, alerta Ely Karmon. “E tem relações sensíveis e economicamente importantes com Teerão. Poderá não querer colocar-se na mira do Irão.”

Esta sexta-feira, Mike Pompeo regressou aos Estados Unidos com cansaço acumulado e aparentemente de mãos vazias. De nenhum dos países sondados, o governante norte-americano leva notícias sonantes que possam ser utilizadas, a curto prazo, como bandeira eleitoral.

(FOTO: Bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, no aeroporto Ben Gurion, em Telavive, para dar as boas-vindas ao Presidente dos EUA Barack Obama, a 20 de março de 2013 EMBAIXADA DOS EUA EM ISRAEL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de agosto de 2020. Pode ser consultado aqui

John R. Lewis High School, uma inspiração para as próximas gerações

Uma escola secundária do estado da Virginia substituiu o nome de um antigo general da Confederação pelo de um ícone da luta contra a discriminação racial. “A vida extraordinária de John Lewis e a sua defesa da justiça racial serão uma inspiração para os nossos estudantes”, diz a promotora da alteração

No próximo ano letivo, haverá uma “nova” escola nos Estados Unidos. Fisicamente já existe — situa-se em Springfield, no estado da Virginia —, mas acaba de mudar de nome numa reação direta a um momento sensível do país.

A até agora Escola Secundária Robert E. Lee passará a chamar-se Escola Secundária John R. Lewis. Abandona o nome de um antigo general da Confederação (a união política pró-esclavagista do século XIX) e adota o de um ícone da luta pelos direitos dos negros na América.

À direita na foto, John R. Lewis é, juntamente com Martin Luther King Jr., um dos líderes de uma marcha entre Selma e Montgomery, no estado do Alabama, em 1965 STEVE SCHAPIRO / ACADEMY OF ACHIEVEMENT

A decisão foi tomada na quinta-feira, pelo Conselho Escolar do Condado de Fairfax, que reuniu à distância e acolheu a proposta por unanimidade. Aconteceu seis dias após a morte do ativista e numa altura em que várias cidades norte-americanas estão tomadas por protestos anti-racismo que têm visado símbolos (maioritariamente estátuas) associados à escravatura.

“O nome Robert E. Lee está para sempre ligado à Confederação, e os valores confederados não estão alinhados com a nossa comunidade”, reagiu Tamara Derenak Kaufax, que fez a proposta, em fevereiro. “Creio que a vida extraordinária de John Lewis e a sua defesa da justiça racial serão uma inspiração para os nossos estudantes e para a nossa comunidade nas próximas gerações.”

Numa audição pública sobre a proposta de mudança de nome da escola, na quarta-feira à noite, um membro da comunidade, citado pelo jornal “USA Today”, afirmou: “A mudança começa nos níveis mais baixos de nós próprios, depois da nossa comunidade e depois do país. Devemos aos pioneiros da história continuar a lutar pela igualdade de todas as formas que pudermos.”

Um dos 13 “Cavaleiros da liberdade”

Nascido em 1940, em Troy (estado do Alabama), John Lewis foi um pioneiro no combate ao racismo nos EUA. Aos 17 anos conheceu Rosa Parks e aos 18 o carismático Martin Luther King.

Em 1961, tinha 21 anos, foi um dos 13 “Cavaleiros da liberdade” — sete brancos e seis negros — que ousaram percorrer de autocarro o Sul dos Estados Unidos, onde as leis antissegregação encontravam resistência para ser aplicadas.

Em 1965, participou nas três marchas ao longo de uma autoestrada que ligava as cidades de Selma e Montgomery, no Alabama (87 km), iniciativa que levaria à aprovação da Lei dos Direitos de Voto, uma conquista histórica do movimento negro.

A primeira marcha ficaria conhecida como “Domingo Sangrento” (“Bloody Sunday”), em virtude da violência policial que se fez sentir sobre os manifestantes desarmados. Em março passado, já com a saúde debilitada, Lewis marcou presença em Selma para assinalar o 55º aniversário dos acontecimentos e deixou um conselho: “Votem como nunca votaram antes”.

John Lewis foi congressista durante mais de três décadas, eleito pela primeira vez em 1987, pelo estado da Georgia, abraçando causas que desafiassem a segregação, a discriminação e a injustiça — o combustível do movimento “Black Lives Matter” que está nas ruas norte-americanas.

Em 2011, Barack Obama — o primeiro Presidente negro na história dos EUA — atribuiu a John Lewis a mais alta honraria civil nos Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade. Morreu a 17 de julho, aos 80 anos, de cancro no pâncreas.

(FOTO PRINCIPAL John R. Lewis ACADEMY OF ACHIEVEMENT)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de julho de 2020. Pode ser consultado aqui

Venezuela e Irão: amizade de circunstância contra um inimigo comum

Seis navios enviados pelo Irão chegaram recentemente à Venezuela, carregados de alimentos e petróleo. Penalizados por sanções impostas pelos Estados Unidos, os dois países investem numa relação bilateral que significa uma preciosa fonte de receitas para Teerão e, para Caracas, a garantia de que os depósitos de combustível não se esvaziem por completo

Da pandemia de covid-19 aos protestos contra o racismo, passando por sondagens que traduzem dificuldades na corrida para a Casa Branca, Donald Trump tem problemas suficientes que lhe tomem os dias. Não muito longe dos Estados Unidos, contudo, dois dos países com quem o Presidente norte-americano assumiu uma rutura estão mais ativos e cooperantes do que nunca — o Irão e a Venezuela.

“Desde 1999, a ‘Venezuela Bolivariana’ ocupa um lugar especial na mundividência político-ideológica e nas ambições da República Islâmica do Irão”, afirma ao Expresso o investigador Ali Fathollah-Nejad, do Brookings Doha Center e professor na Universidade de Tübingen (Alemanha).

“Os dois ‘Estados revolucionários’ formam um eixo de resistência Sul-Sul, terceiromundista e ‘anti-imperialista’, contra a América. Ambos sofrem tremendamente com sanções onerosas impostas pelos EUA e têm uma má gestão económica e corrupção no centro do baixo e mau desempenho económico e financeiro.”

Numa tentativa de contrariar dificuldades, têm chegado à Venezuela cargueiros enviados pelo Irão, transportando bens essenciais. O último atracou em Caracas na semana passada, com alimentos destinados a abastecer o primeiro supermercado iraniano que vai abrir portas no país.

Antes, cinco outros navios tinham transportado 1,5 milhões de barris de petróleo iraniano e equipamentos destinados a revitalizar as refinarias locais, que têm sido afetadas pelo efeito das sanções norte-americanas.

“O Irão é dos poucos aliados que restam à Venezuela. Tanto a China como a Rússia reduziram a sua exposição ao país, já que, ao abrigo das sanções dos EUA, negociar com o regime de Nicolás Maduro pode sair muito caro”, diz ao Expresso o investigador Nicolás Saldías, do Wilson Center, em Washington D.C. (EUA), referindo-se à ameaça de retaliação de Washington sobre países que insistam em desenvolver relações económicas com a República Islâmica.

“O Irão, por seu lado, já é fortemente sancionado pelos EUA, pelo que tem muito pouco a perder e, na verdade, até tem algo a ganhar com a exportação de bens extremamente necessários para a Venezuela”, acrescenta Saldías.

A rutura da Administração Trump com o Irão data de 8 de maio de 2018, quando os EUA abandonaram o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano e reintroduziram as sanções que haviam sido suspensas por Barack Obama. Com a Venezuela, uma data-chave foi 23 de janeiro de 2019, quando Washington retirou legitimidade a Maduro e reconheceu Juan Guaidó como Presidente Interino do país.

“Na medida em que ambos os países se tornaram párias na cena internacional, têm pouca escolha a não ser cooperar”, conclui Saldías.

“Os envios de combustível do Irão para a Venezuela, com o objetivo de aliviar uma escassez aguda de gasolina no país, foram assumidos por ambos os lados dentro da narrativa de ‘frente de resistência contra o imperialismo dos EUA’”, diz Ali Fathollah-Nejad.

“Para os conservadores iranianos, a relutância de Washington em interferir militarmente foi vista como sinal de que ‘estamos a testemunhar o declínio precoce e rápido dos nossos arqui-inimigos, particularmente os EUA’, disse o chefe dos Guardas da Revolução”, corpo de elite das forças armadas iranianas.

Temendo uma reação militar dos norte-americanos, as embarcações iranianas foram escoltadas por aviões de combate e helicópteros venezuelanos na sua aproximação à costa.

Aviões carregados de barras de ouro

Em direção contrária aos navios que chegaram do Irão, partiram de Caracas aviões da companhia aérea iraniana Mahan Air carregados com toneladas de lingotes de ouro. É a forma de pagamento dos venezuelanos. “Estima-se que a Venezuela tenha pago ao Irão mais de 700 milhões de dólares [624 milhões de euros] em ouro por remessas de gasolina e outros bens básicos”, esclarece Saldías.

“Esta é a mesma companhia aérea terrorista que o Irão usa para transportar armas e combatentes por todo o Médio Oriente”, insurgiu-se o secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo. “Estes voos têm de parar e os países deviam fazer a sua parte e negar autorizações de voo, da mesma forma que muitos já recusaram autorizações de aterragem a esta companhia aérea sancionada.”

Para o Irão, esta relação significa uma preciosa fonte de receitas. Para a Venezuela, é uma forma de garantir que os depósitos de combustível não se esvaziem por completo — uma grande ironia, tratando-se a Venezuela de um dos países onde o crude é mais abundante.

“A Venezuela e o Irão têm, respetivamente, as maiores e as quartas maiores reservas mundiais de petróleo comprovadas, sendo as reservas venezuelanas o dobro das iranianas”, recorda Ali Fathollah-Nejad. “No entanto, as sanções dos EUA, a escassez interna e a natureza mutável do mercado mundial de petróleo são obstáculos importantes para Caracas e Teerão desenvolverem plenamente a sua riqueza em hidrocarbonetos.”

Nicolás Saldías recorda que, na Venezuela, a indústria petrolífera está nas mãos do Estado, através da Petróleos de Venezuela (PDVSA), “que tem sido usada pelo regime para apoiar os seus programas sociais e para corrupção. Na medida em que muitos milhões de dólares foram desviados da empresa, menos dinheiro foi investido para manter os níveis de produção. À medida que o regime de Maduro se tornou instável, o papel das forças armadas cresceu. Os líderes militares que chefiam a empresa têm falta de experiência no sector, o que piorou o desempenho da empresa”.

Crise com raízes em 2002

Saldías identifica o início da instabilidade na indústria petrolífera venezuelana na grande greve de 2002, motivada por razões políticas (estava Hugo Chávez no Palácio de Miraflores), que paralisou o sector e obrigou a Venezuela a importar petróleo do estrangeiro.

Seguiram-se despedimentos em massa e substituíram-se engenheiros qualificados e quadros que se opunham a Chávez por pessoal menos qualificado. A produção caiu e, depois, tudo se complicou com a queda do preço do crude nos mercados internacionais e as sanções dos EUA.

Para o Irão, estes carregamentos de petróleo trazem benefícios simbólicos e económicos. “Simbolicamente, contribuem para manter a narrativa que o Irão tem usado de forma consistente na região (em especial relativamente ao regime de Assad na Síria), segundo a qual nunca abandona aliados leais, sobretudo quando estão em apuros. E também, atravessando estas remessas metade do globo, dão crédito à sua autoproclamada ambição de se afirmar como verdadeiro ‘ator global’”, explica Ali Fathollah-Nejad.

“Em termos económicos, as remessas de combustível coincidem com uma alta produção interna que não está a ser absorvida em virtude da falta de compradores estrangeiros (também como resultado da pandemia) e da diminuição do consumo doméstico (consequência da triplicação dos preços dos combustíveis em novembro).”

Esta aliança estratégica contra o “imperialismo americano” não é de agora. Membros fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 1960, foi com Hugo Chávez em Caracas (1999-2013) e Mahmud Ahmadinejad em Teerão (2005-2013) que se desenvolveram os laços bilaterais mais fortes.

Os dois presidentes visitaram-se muitas vezes e firmaram acordos nos sectores energético, agrícola, industrial e financeiro. Há outro domínio de cooperação entre o chavismo e os ayatollahs que causa inquietação… “Este relacionamento estreito fez soar alarmes nos EUA. Há quem acredite que o Hezbollah [grupo paramilitar libanês apoiado pelo Irão] esteja ativo na Venezuela.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de junho de 2020. Pode ser consultado aqui

Dez vidas negras que não importaram nos últimos 15 anos nos EUA

George Floyd foi o último de vários afro-americanos que morreram violentamente às mãos da polícia, nos Estados Unidos. Nestes dez casos, ocorridos ao longo dos últimos 15 anos, quase sempre os agentes ficaram impunes

SEAN BELL
A 25 de novembro de 2006, horas antes de se casar, Sean Bell, de 23 anos, foi morto quando o seu carro foi alvejado 50 vezes por cinco agentes da polícia de Nova Iorque. O afro-americano tinha saído do Club Kalua, um clube de strip na zona de Queens, onde celebrara a sua despedida de solteiro com dois amigos. Um deles envolveu-se numa altercação à saída do clube, despertando a atenção da polícia. Os amigos ficaram gravemente feridos. Dos cinco agentes envolvidos, três foram julgados e declarados inocentes. O Club Kalua já não existe: o espaço é agora um local de oração.

OSCAR GRANT
Era 1 de janeiro de 2009 e o metro que chegava de São Francisco vinha apinhado de gente que tinha ido festejar a passagem de ano à cidade. A polícia recebeu um alerta de confrontos e acorreu à estação de Fruitvale, em Oakland. Na plataforma, vários passageiros foram detidos, entre os quais o afro-americano Oscar Grant, de 22 anos. Enquanto o algemavam, deitaram-no no chão, de bruços, com um agente de joelhos sobre o seu corpo. Pouco depois, outro polícia alvejou-o nas costas. O momento foi captado por vários telemóveis de passageiros. O agente foi condenado a dois anos de prisão, mas beneficiou de uma redução de pena. Este caso inspirou o filme “Fruitvale Station — A Última Paragem”, de 2013.

TRAYVON MARTIN
Aproveitando uma pausa nas aulas, Trayvon Martin, de 17 anos, que vivia com a mãe em Miami Gardens (Florida), foi passar uns dias com o pai, em Sanford, no mesmo estado. A 26 de fevereiro de 2012, quando ia pela rua, foi alvejado mortalmente por um vigilante do condomínio que antes tinha alertado o 911 (o 112 europeu) para a presença na área de uma “pessoa suspeita”. Em tribunal, o segurança alegou legítima defesa e foi ilibado.

ERIC GARNER
Estava numa rua de Staten Island, um bairro de Nova Iorque, quando começou a ser rondado por um grupo de polícias que o acusavam de vender ilegalmente cigarros avulsos. No momento da detenção, ofereceu resistência e um agente envolveu-lhe o pescoço com um braço, estrangulando-o. “I can’t breathe” (Não consigo respirar), ouviu-se onze vezes num vídeo que registou o incidente. Perdeu a consciência e foi levado para o hospital, onde foi declarado morto. O caso ocorreu a 17 de julho de 2014 e motivou protestos de rua. A família de Eric Garner recebeu uma indemnização do município de Nova Iorque no valor de 5,9 milhões de dólares (5,2 milhões de euros), mas o agente nunca foi julgado. Apenas alvo de um inquérito disciplinar que concluiu no seu despedimento, cinco anos depois.

MICHAEL BROWN
A 9 de agosto de 2014, Michael Brown, de 18 anos, morreu atingido por seis tiros no peito enquanto lutava com um polícia de 29 anos, em Ferguson, nos subúrbios de St. Louis (Missouri). O agente tinha-se lançado no encalce do jovem, após ser detetado nas câmaras de vigilância de uma loja de conveniência a roubar cigarrilhas. A polícia defenderia que o jovem comportou-se de forma “agressiva” com o agente. Segundo o relato de uma testemunha, Michael teria erguido os braços e pedido para o agente não disparar. “Hands up, don’t shoot”, foi o grito que mais se ouviu nos protestos que se seguiram, em Ferguson, e que degeneraram em violência, pilhagens e muita destruição. O agente nunca foi julgado.

TAMIR RICE
Tinha 12 anos e estava a brincar num parque público de Cleveland (Ohio) quando foi alvejado fatalmente. A polícia tinha sido chamada ao local por um transeunte que alertou para a presença de um homem que não parava de “tirar uma arma das calças e de a apontar às pessoas”. A pistola de Tamir era um brinquedo, uma réplica quase fiel de uma arma de airsoft. Dois polícias chegaram ao local e um deles disparou quase de imediato. Foi despedido, mas não julgado. Este caso aconteceu a 22 de novembro de 2014.

FREDDIE GRAY
Foi preso na rua, sem oferecer resistência, por agentes da polícia de Baltimore (Maryland), a 12 de abril de 2015, que depois justificaram a detenção alegando que ele estava em posse de uma faca. Durante a viagem dentro da carrinha da polícia, ficou inanimado e foi levado para o hospital. Morreu sete dias depois, de lesões na espinal medula. Tinha 25 anos. Seis polícias foram levados a julgamento: uns foram inocentados, outros viram cair a acusação.

PHILANDO CASTILE
Seguia de carro com a namorada e a filha desta, de quatro anos, quando foi mandado parar pela polícia, em Falcon Heights (Minnesota), a 6 de julho de 2016. Enquanto mostrava os documentos, o afro-americano de 32 anos disse ao agente que tinha uma arma no carro. O agente ficou nervoso, gritou repetidamente “não a tire para fora” e disparou sete tiros à queima-roupa, acertando cinco em Castile. O agente, de 29 anos, foi acusado de homicídio e descarga imprudente de arma de fogo. Foi absolvido.

AHMAUD ARBERY
Tinha 25 anos e foi morto a tiro a 23 de fevereiro de 2020, em Glynn County (Geórgia) quando fazia “jogging” perto de casa. Começou a ser perseguido por uma “pickup”. Dentro, dois homens (pai e filho), que moravam na zona, estavam armados. Um carro que seguia atrás filmou o encontro fatal. Uma investigação apurou que, após Arbery ser atingido, um dos homens subiu para cima do seu corpo e disse: “Maldito negro.” Os dois homens foram detidos apenas 74 dias depois, após o vídeo ter sido divulgado e se ter tornado viral nas redes sociais. Ahmaud Arbery tinha 25 anos.

BREONNA TAYLOR
A 13 de março, por volta da meia-noite, três agentes à paisana invadiram a casa de Breonna Taylor, em Louisville (Kentucky) por suspeitas de tráfico de droga. A técnica de emergência de 26 anos morreu durante o tiroteio que se seguiu entre o seu namorado e os agentes, atingida por oito balas. No local, não foi encontrada qualquer estupefaciente.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de junho de 2020. Pode ser consultado aqui

Guerra aberta entre Donald Trump e a sua rede social favorita

Em menos de uma semana, o Twitter sinalizou duas publicações do Presidente dos Estados Unidos, sugerindo ao leitor a verificação de factos, e apagou outra por “incitamento à violência”, Pelo meio, Donald Trump aprovou legislação que retira proteção jurídica às empresas que exploram a Internet

A rede social favorita do Presidente dos Estados Unidos apagou-lhe, esta sexta-feira, uma publicação por “incitamento à violência”. Nesse post, relativo à morte do afro-americano George Floyd, asfixiado sob o joelho de um agente da polícia, Trump aludia aos edifícios queimados e às pilhagens de lojas que se verificaram em Mineápolis, onde ocorreu o crime.

Trump criticou a falta de liderança do mayor Jacob Frey — nas suas palavras “um radical de esquerda” — e ameaçou enviar a Guarda Nacional para controlar a cidade. “When the looting starts, the shooting starts.” (Quando o saque começa, começa o tiroteio.)

A publicação foi apagada, mas numa nota colocada no espaço do tweet é disponibilizado uma ligação que a torna visível. “Pode ser do interesse público que este tweet continue acessível”, explica a rede social. Porém, não é possível comentar, fazer “gosto” na publicação ou partilha-la sem fazer qualquer comentário.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1266231100780744704?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1266231100780744704%7Ctwgr%5E73b9a07c38f5d4282e42b5d78949f345654b4bf5%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2020-05-29-Guerra-aberta-entre-Donald-Trump-e-a-sua-rede-social-favorita

A guerra entre Trump e o Twitter começou terça-feira, depois de a rede social, pela primeira vez, ter sinalizado dois tweets do Presidente com um link de verificação de factos. Nas mensagens, Trump considerava “fraudulento” o voto por correspondência, opção que pode vir a ser alargada nas eleições presidenciais de 3 de novembro em virtude das limitações provocadas pela pandemia de covid-19.

Trump respondeu à intervenção do Twitter, quinta-feira, emitindo um decreto executivo “sobre prevenção da censura online”. O diploma retira proteção jurídica às empresas que exploram a Internet, possibilitando que os reguladores federais as penalizem pela forma como ‘policiam’ os conteúdos.

“Twitter, Facebook, Instagram e YouTube possuem imenso, se não inédito, poder de moldar a interpretação de acontecimentos públicos; de censurar, apagar ou fazer desaparecer informação; e de controlar aquilo que as pessoas veem ou não”, lê-se no decreto.

Zuckerberg em defesa de… Trump

Pressentindo perigo também para os seus lados, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, saiu em defesa de Donald Trump, afirmando em entrevista à televisão Fox News que o papel das empresas privadas não é serem “árbitros da verdade”. Respondeu-lhe Jack Dorsey, presidente executivo do Twitter: “A nossa intenção é ligar os pontos de declarações em conflito e mostrar as informações em disputa para que as pessoas possam julgar por si mesmas”.

Trump é penalizado no âmbito de um assunto sobre o qual tem sido muito criticado pela forma tardia como reagiu. George Floyd foi morto na segunda-feira, mas o Presidente norte-americano pronunciou-se sobre o caso pela primeira vez apenas quarta-feira à noite, quando Mineápolis já estava tomada por violência, pilhagens e edicícios a arder. No Twitter, claro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui