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Mortes palestinianas aumentam durante o cessar-fogo

Alguns palestinianos não resistiram aos ferimentos, levando o número de mortos na Faixa de Gaza a superar a fasquia dos 2000. Mais de 500 são crianças

Os bombardeamentos israelitas pararam na Faixa de Gaza, mas o número de palestinianos mortos continua a subir. O Ministério palestiniano da Saúde informou, esta segunda-feira, que as vítimas mortais resultantes da última operação israelita no território são já 2016, após o falecimento de alguns feridos internados em hospitais de Gaza, Cairo e Jerusalém.

Entre os mortos, há 541 crianças, 250 mulheres e 96 idosos, detalhou o ministério. A troca de fogo entre as forças de segurança israelitas e o movimento islamita Hamas, que controla o território, provocou também 10.196 feridos.

Por seu lado, as autoridades israelitas confirmaram que durante a operação militar morreram 64 soldados, cinco dos quais na sequência de “fogo amigo”, ou seja, fogo disparado do lado de Israel. Foram mortos ainda três civis.

Presentemente, vigora na Faixa de Gaza uma trégua mediada pelo Egito, que expira à meia-noite (22h em Lisboa) de hoje. Mas prosseguem no Cairo negociações indiretas entre israelitas e palestinianos visando a obtenção de um cessar-fogo duradouro.

O levantamento do bloqueio ao território imposto por Israel e pelo Egito desde 2007 é a principal exigência do Hamas e também o principal obstáculo à celebração de um acordo.

Israel destrói casas de suspeitos

Na Cisjordânia, o outro território palestiniano, a tensão continua latente. Esta segunda-feira, Israel destruiu as casas de dois palestinianos suspeitos de terem participado no rapto e morte de três jovens judeus, em junho, perto de Hebron, crime que desencadeou a intervenção militar em Gaza. Ambos – Amir Abu Eisha e Husam al-Qawasmi – continuam a monte.

Segundo a agência palestiniana Ma’an, as forças israelitas chegaram durante a noite de domingo, ordenaram às famílias que abandonassem as casas, artilharam-nas com explosivos e detonaram-nas.

Esta é uma tática usada por Israel contra suspeitos de participação em atos terroristas, contestada por organizações de defesa dos Direitos Humanos que a consideram uma forma de “punição coletiva”, que castiga populações inocentes.

A casa de Marwan Qawasmi, um terceiro suspeito, foi selada com betão. Este está detido em Israel desde julho, acusado de ter ordenado aos outros dois o rapto dos três jovens judeus.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de agosto de 2014. Pode ser consultado aqui

Como Israel ajudou o Hamas

Antes de declarar guerra aos islamitas, Telavive tolerou as suas atividades durante décadas

O Hamas nasceu e cresceu na Faixa de Gaza quando quem lá mandava, desde 1967, era Israel. Venceu as legislativas palestinianas de 2006, menos de um ano depois de Israel retirar tropas e colonos daquele território. Não terá Israel responsabilidade na dimensão que o grupo islamita ganhou?

As raízes do Hamas remontam à Mujama al-Islamiya, uma associação caritativa estabelecida em Gaza, em 1973, pelo clérigo tetraplégico Ahmed Yassin. Foi registada em Israel enquanto tal e, em 1979, reconhecida como “organização”. Foi criada uma ampla rede de escolas, infantários, clínicas e mesquitas. E estabelecida a Universidade Islâmica de Gaza, hoje vista como um viveiro de militância islamita e alvejada pela aviação israelita nas operações “Chumbo Fundido” (2008/2009) e “Barreira de Proteção” (2014).

“Para meu grande pesar, o Hamas é uma criação de Israel”, disse então o israelita Avner Cohen, com mais de 20 anos de serviço em Gaza, como responsável pelos assuntos religiosos, citado pelo “Wall Street Journal”. Também David Hacham, funcionário em Gaza nos anos 80 e 90 como especialista em assuntos árabes, dizia: “Vejo o filme dos acontecimentos e acho que cometemos um erro. Mas à época ninguém pensou nas consequências.”

Em 1984, durante uma rusga, Israel descobriu armas numa
mesquita. Yassin foi preso e condenado a 12 anos de prisão. Foi libertado ao fim de um ano… e regressou à Mujama.

Oficialmente, o Hamas nasceu em 1988 — já a primeira Intifada (revolta) estava na rua — como o ramo palestiniano da Irmandade Muçulmana (fundada no Egito em 1928 sob o lema “O Islão é a solução, o Corão é a nossa Constituição”). No preâmbulo da Carta fundadora, lê-se: “Israel existe e existirá até que o Islão o destrua, como já destruiu outros antes dele”.

Dividir para reinar

Durante a administração de Gaza pelo Governo egípcio, nacionalista e laico, de Gamal Abdel Nasser (o Egito perdeu Gaza para Israel em 1967), o ativismo islamita era reprimido, mas a ocupação israelita tolerou-o. Para Telavive, o Hamas (acrónimo de “Movimento de Resistência Islâmica”) era um contrapeso ao seu verdadeiro inimigo — a Organização de Libertação da Palestina (laica), responsável por ataques terroristas contra Israel, e a sua fação dominante, a Fatah de Yasser Arafat.

“O nosso principal inimigo era a Fatah”, reconheceria Yitzhak Segev, governador israelita de Gaza em 1979, para quem o xeque Yassin “era ainda 100% pacífico”. Segev encontrou-se com ele várias vezes numa altura em que os contactos com membros da OLP — inimigo comum de Israel e Hamas — estavam proibidos.

Foi após os Acordos de Oslo de 1993 que o Hamas se tornou a ‘besta negra’ dos israelitas. Os islamitas recusaram-se a reconhecer o Estado de Israel e a renunciar à violência. Com isso, posicionaram-se na fila da frente da resistência palestiniana ao ocupante judaico e conquistaram popularidade junto de quem, ainda que não concordando com a sua agenda ideológica e religiosa, se identificava com a sua estratégia de confronto.

A mutação do Hamas — de grupo religioso a força de combate — confirmou-se em 1994 quando passou a recorrer a ataques suicidas. Israel recuperou uma tática antiga — os assassínios seletivos — e, em 2004, matou o xeque Yassin, à saída de uma mesquita.

Em meados de 2005, Israel retiraria da Faixa de Gaza — 21 colonatos desmantelados por decisão do primeiro-ministro Ariel Sharon — e em janeiro de 2006, o Hamas vencia, sem contestação, as eleições legislativas. O resultado não foi reconhecido pela Fatah nem pela comunidade internacional que ameaçou cortar a ajuda financeira aos palestinianos.

O capítulo que se abriu de seguida dura até hoje. O Hamas tomou o poder em Gaza pela força e a Palestina, na prática, ficou bicéfala: na Cisjordânia manda a Fatah; o Hamas reina na Faixa de Gaza. Aqui, desde então, Israel já desencadeou três operações militares de grande envergadura. São “duas partes que parecem não conseguir viver uma com a outra”, diz Aaron David Miller, especialista no Centro Woodrow Wilson, de Washington DC. “Ou aparentemente uma sem a outro”.

Artigo publicado no Expresso, a 15 de agosto de 2014

Cessar-fogo fora da agenda israelita

O primeiro-ministro israelita diz que os bombardeamentos a Gaza são para continuar. O Presidente palestiniano acusa Israel de “genocídio”

O primeiro-ministro israelita afirmou esta quinta-feira que um cessar-fogo na Faixa de Gaza “não está na agenda”. Benjamin Netanyahu respondia a deputados interessados em saber se estão em curso contactos diplomáticos internacionais, nomeadamente com o Egito, o outro vizinho da Faixa de Gaza, no sentido da obtenção de uma trégua. “Não estou a falar com ninguém sobre um cessar-fogo agora.” 

A posição de Netanyahu segue-se ao envio de uma carta, assinada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, aos homólogos internacionais (de países com quem Israel tem relações diplomáticas), onde Avigdor Liberman justificou a intervenção militar e pediu apoio e “compreensão em relação ao exercício do legítimo direito à autodefesa” por parte de Israel.

“É importante que os líderes mundiais condenem o disparo contínuo de rockets pelo Hamas e outros grupos terroristas contra povoações israelitas, e tomem medidas para que seja desmantelada a infraestrutura terrorista do Hamas.”

O ministro israelita apelou também ao fim do Governo palestiniano – que tomou posse a 2 de junho, após um processo de reconciliação entre as duas fações palestinianas, Fatah e Hamas. “É evidente que o Governo palestiniano tem de dissolver imediatamente a sua parceria com o Hamas.”

Presidente palestiniano recorda Auschwitz

O Presidente palestiniano, por seu lado, descreveu a operação militar israelita como “um genocídio contra o povo palestiniano”. “Esta não é uma guerra contra o Hamas ou qualquer outra fação, mas antes contra o povo palestiniano”, afirmou Mahmud Abbas ontem à tarde, durante uma reunião da liderança palestiniana convocada de emergência, em Ramallah, para discutir eventuais pedidos de adesão da Palestina ao Tribunal Penal Internacional de Haia e outras organizações internacionais. 

“É genocídio. A morte de famílias inteiras por parte de Israel contra o nosso povo é genocídio”, acusou Abbas. “Devemos recordar Auschwitz?” O ministério palestiniano da Saúde informou hoje que cerca de metade das vítimas mortais em Gaza são mulheres e crianças. Segundo a agência de notícias Ma’an, o número de mortos ultrapassou, hoje, os 80.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de julho de 2014. Pode ser consultado aqui

Fogo cruzado nos céus de Gaza

Continuam os bombardeamentos aéreos ao território palestiniano, enquanto em Israel se prepara uma invasão terrestre. A operação contra o Hamas já fez dezenas de mortos. O Expresso falou com um palestiniano de uma das cidades no centro do conflito

Issa Amro tem acompanhado os bombardeamentos israelitas na Faixa de Gaza à distância, apesar de viver muito próximo do local que está na origem da mais recente crise israelo-palestiniana. Issa é palestiniano e vive em Hebron, na Cisjordânia, local onde foram raptados e encontrados mortos três jovens israelitas. Às mãos do Hamas, acusa Israel.

“A situação aqui está muito tensa”, diz ao Expresso. “Há mais militares israelitas do que habitualmente e todas as noites fazem rusgas casa a casa.” Procuram pistas que os levem até aos responsáveis pela morte dos três judeus e “procuram destruir tudo o que podem”, diz Issa.

“O Netanyahu [primeiro-ministro israelita] e o seu governo têm sede de sangue”, acusa Issa. Por isso, o ataque israelita que começou terça-feira em Gaza não o surpreende. A operação tem consistido em bombardeamentos efetuados por aviões de combate e navios da Marinha que disparam a partir do Mediterrâneo. Mas Issa acredita que a intervenção poderá não ficar por aqui.

As autoridades de Telavive já aprovaram a mobilização de cerca de 40 mil reservistas a pensar numa invasão terrestre. “Não acredito que eles entrem nas áreas densamente povoadas”, diz o palestiniano. “Acho que vão ficar nos descampados, junto à fronteira.”

Tiro ao motociclista

Desencadeada terça-feira, a operação “Barreira de Proteção” (“Protective Edge”, em inglês) visa punir o Hamas — a organização islamita que controla o território desde 2007 — e parar com a ‘chuva de rockets’ disparados na direção de Israel.

“Vamos continuar a realizar ataques que constituam um alto preço para o Hamas”, afirmou esta quarta-feira o ministro israelita da Defesa, Moshe Ya’alon. “Estamos a destruir armas, infraestruturas terroristas, sistemas de controlo, instituições, edifícios governamentais, casas de terroristas. E estamos a matar altos comandantes.”

As Forças de Defesa de Israel confirmaram que Abdullah Difallah, um destacado operacional do Hamas, foi atingido esta quarta-feira no norte do território, quando seguia de moto.

Também a norte, na área de Beit Hanoun, uma das casas atingidas durante a madrugada pertencia a Hafiz Hamad, um líder da Jihad Islâmica, outra organização islamita com influência na Faixa de Gaza. Cinco familiares de Hamad morreram durante o ataque, sendo homens e mulheres entre os 16 e os 62 anos.

O número de mortos em Gaza desatualiza a cada hora que passa. A meio da tarde, o balanço da agência palestiniana Ma’an apontava para 39 mortos. Nas primeiras 24 horas da operação morreram 24 pessoas.

‘Rockets’ que voam longe

As autoridades militares israelitas alertam para o alcance de alguns ‘rockets’ que estão a ser disparados desde Gaza, nomeadamente o M302, de fabrico sírio, que pode voar 160 quilómetros. Um destes projéteis já caiu na cidade de Hadera (norte de Israel), a 100 quilómetros de Gaza, algo nunca conseguido anteriormente.

As Forças de Defesa de Israel dizem que o M302 “pode atingir a maior parte do território”. Issa Amro diz que não defende o lançamento de ‘rockets’. “Mas neste momento é a única opção” que Gaza tem para se defender, refere.

Telavive e Jerusalém contam-se entre as grandes cidades israelitas atingidas pelos ‘rockets’ do Hamas. Algumas dezenas foram intercetados pelo escudo de defesa Cúpula de Ferro, disperso pelo país.

Em Telavive, a Conferência sobre a Paz realizada terça-feira pelo diário israelita “Haaretz” foi interrompida pelo som das sirenes de alerta, obrigando os participantes a refugiarem-se no bunker. Quando lhe foi possível intervir, Phillip Gordon, coordenador das questões para o Médio Oriente da Casa Branca, afirmou: “Os Estados Unidos protegerão sempre Israel. É por isso que lutamos todos os dias [por Israel] nas Nações Unidas”.

Porém, continuou o norte-americano, essa aliança não inibe Washington de fazer perguntas importantes. “Como irá Israel permanecer democrático e judeu se tenta governar milhões de árabes palestinianos que vivem na Cisjordânia? Como terá paz se não está disposto a delinear uma fronteira, acabar com a ocupação e permitir a soberania, segurança e dignidade palestinianas? Como iremos impedir que outros países apoiem os esforços palestinianos em organizações internacionais, se Israel não for encarado como um país comprometido com a paz?”

AS ÚLTIMAS DUAS GRANDES OPERAÇÕES

“Pilar de Defesa”, 2012
Israel bombardeou Gaza entre 14 e 21 de novembro para atingir a capacidade militar do Hamas, que vinha lançando ‘rockets’ contra o seu território. O início da operação foi marcado pelo assassínio de Ahmed Jabari, chefe do braço militar do Hamas em Gaza. Segundo a Amnistia Internacional, morreram 99 pessoas em Gaza; do lado israelita, morreram dois soldados e quatro civis.

“Chumbo Fundido”, 2008/2009
Começou a 27 de dezembro, em plena festividade da Hanuka judaica, e durou até 18 de janeiro, envolvendo uma invasão terrestre. Israel atacou após o Hamas ter terminado o cessar-fogo que durava há meio ano, acusando os israelitas de não suspenderem o bloqueio por terra, mar e ar à Faixa de Gaza. Morreram 1417 pessoas em Gaza, a maioria civis, e 13 militares israelitas e três civis.

(IMAGEM Bandeiras de Israel e do Hamas WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de julho de 2014. Pode ser consultado aqui

Israel lança operação militar contra o Hamas

É a terceira ofensiva militar no território palestiniano dos últimos seis anos. Os bombardeamentos aéreos já começaram e a ofensiva terrestre está a ser preparada

Israel iniciou esta terça-feira uma ofensiva militar na Faixa de Gaza, visando “restabelecer a estabilidade no sul” de Israel. A operação “Barreira de Proteção” começou com bombardeamentos aéreos sobre mais de 50 alvos.

O diário egípcio “Al-Ahram” noticiou que um carro com civis foi atingido no bairro de Daraj, no centro de Gaza, tendo matado os seus cinco ocupantes, as primeiras baixas desta operação.

Ao início da tarde, após uma reunião no ministério da Defesa, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou ao Exército israelita para que se prepare para uma possível invasão terrestre.

“As instruções do primeiro-ministro no fim da reunião foram no sentido de nos prepararmos para uma campanha minuciosa, longa, contínua e forte em Gaza”, afirmou um alto responsável, não identificado, citado pelo diário israelita “Haaretz”. “O primeiro-ministro ordenou que o exército esteja preparado para entrar. Está sobre a mesa uma ofensiva terrestre.”

Chuva de ‘rockets’ sobre Israel

A escalada segue-se à intensificação do lançamento de “rockets” desde a Faixa de Gaza contra território israelita. Segundo as Forças de Defesa de Israel, só na segunda-feira, foram disparados mais de 85 foguetes.

O Hamas reivindicou a responsabilidade por alguns lançamentos, que atingiram grandes cidades do sul de Israel e, pela primeira vez no decurso desta crise, fizeram soar as sirenes de alarme na região central do país e em Jerusalém.

Esta operação é a terceira contra o território palestiniano da Faixa de Gaza dos últimos seis anos, visando punir o movimento islamita Hamas, que controla aquele território desde 2007: no final de 2008, Israel desencadeou a operação “Chumbo Fundido” e, em novembro de 2009, e a ofensiva “Pilar Defensivo”.

O início do novo ataque a Gaza aconteceu um dia após três israelitas terem confessado a autoria do rapto e assassínio do jovem palestiniano Mohammed Abu Khdeir, queimado vivo até à morte.

Israel efetuou seis detenções relacionadas com este caso, que os investigadores acreditam ter sido um ato de vingança contra o rapto e morte de três jovens israelitas, na área de Hebron (Cisjordânia).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de julho de 2014. Pode ser consultado aqui