A história de Fidel Castro através da forma como ao longo do tempo se foi vestindo. Até para um revolucionário, o hábito fez o monge
Fidel Castro, que morreu três meses depois de ter completado 90 anos, é uma das figuras marcantes do século XX. Encarnou as esperanças de democratização da América Latina quando derrubou a ditadura de Batista, em 1958. Resistiu ao boicote económico e político dos EUA e a diversas tentativas de assassínio (mal) engendradas pela CIA. Totalmente dependente do apoio militar e político da URSS em plena Guerra Fria, a revolução dos barbudos da Sierra Maestra degenerou numa ditadura que, aos poucos, se foi liberalizando, ainda que timidamente. Derradeiro elo deste processo foi a transferência do poder para o irmão Raúl (2008) e a aproximação deste ao Presidente norte-americano Obama. Trump, mal foi eleito, prometeu anular o degelo cubano-americano. Fidel já cá não estará para ver, mas recordemos o seu percurso através dos fatos com que se foi apresentando.
O TRAJE DOLORINO E O RIGOR DO ENSINO JESUÍTA
Sempre que, no Colégio Dolores, Fidel trajava de dolorino, sentia-se um entre iguais. Na escola anterior, o Colégio La Salle, também em Santiago de Cuba, os colegas apontavam-no a dedo: “Porco judeu!” Na católica Cuba da década de 30, assim se tratavam os não batizados. Nascido a 13 de agosto de 1926, em Birán, era o terceiro filho da relação proibida entre o galego latifundiário Ángel Castro e Lina, uma criada na sua quinta de Manacas.
Para acabar com o falatório, D. Ángel manda os bastardos para Santiago de Cuba. É na catedral local que, a 19 de janeiro de 1935, Fidel recebe o sacramento do batismo. O pai não está, nem o seu nome consta do registo, mas aos 8 anos Fidel deixava de ser um pária.
No Colégio Dolores, gerido por jesuítas espanhóis, Fidel absorve o rigor intelectual, “o sentido da dignidade pessoal, da honra, o carácter, a franqueza, a retidão, a valentia, a capacidade de suportar um sacrifício”, como mais tarde contará. Aos 14 anos, escreve uma carta ao “amigo Roosevelt”. Pede-lhe uma nota de 10 dólares, porque “gostaria de ter uma”, e oferece-se para o guiar numa visita às minas de ferro de Mayari. O Presidente dos EUA nunca lhe respondeu.
DE FATO E GRAVATA PARA SE OUVIR NA UNIVERSIDADE
A 4 de setembro de 1945 entra na Universidade de Havana, que está em brasa, tomada por estudantes que idolatravam José Martí, o herói da independência cubana. Fidel percebe que o ambiente dos discursos, dos murros e das pistolas à cinta está talhado para ele. Veste fato e gravata para ganhar o respeito dos colegas de Direito.
Em vez de ir às aulas, fica no parque a deslumbrar com os seus dotes de oratória. “Nessa universidade, onde cheguei com um espírito rebelde e algumas ideias elementares de justiça, tornei-me revolucionário.” No terceiro ano, matricula-se em 50 disciplinas de três cursos: Direito, Direito Diplomático e Ciências Sociais.
DE CAMISA ABERTA EM VIAGEM PELA AMÉRICA
A 31 de março de 1948, de camisa aberta e com vontade de conhecer a América Latina, chega a Bogotá. Na capital colombiana, de espingarda na mão, envolve-se no Bogotazo, um motim posterior ao assassínio de um candidato à presidência. “Essa experiência fez com que eu me identificasse mais com a causa dos povos.”
Fidel vive com o dinheiro que o pai lhe manda. D. Ángel reconhecera-o aos 17 anos e, apesar da rebeldia do filho, financiava-lhe estudos e caprichos. A 12 de outubro, casa com Mirta Díaz Balart, oriunda de uma família influente. O pai falta à cerimónia e à festa no American Club, mas paga a lua de mel nos EUA.
Em Miami e Nova Iorque, Fidel deslumbra-se com o urbanismo, o tráfego automóvel e choca-se com a falta de pudor dos casais que se beijam em público. Compra “O Capital” e espanta-se por ver à venda obras que, como esta, apelam à destruição do sistema capitalista. Volta a Cuba com uma convicção: se os americanos têm Cadillacs e devoram Corn Flakes, fazem-no graças à espoliação dos sul-americanos pelas multinacionais.
SIERRA ACIMA, DE CAMUFLADO AZEITONA
De barba cerrada, uniforme militar e o inseparável puro Cohiba, Fidel surge diante dos cubanos como o perfeito guerrilheiro. Para iniciar a libertação do país do regime de Fulgencio Batista — a quem chamam Mr. Yes, dada a sua simpatia pró-americana —, Fidel concebe a captura do quartel de Moncada, que fracassa a 26 de julho de 1953. Na prisão de Boniato, prepara a sua defesa: “A História absolver-me-á.” É condenado a 15 anos de prisão, mas beneficia de uma amnistia. Exila-se no México, onde reagrupa efetivos, recolhe fundos e conhece Ernesto (Che) Guevara.
A 25 de novembro de 1956, Fidel, Che, o irmão Raúl e 79 seguidores partem do porto de Tuxpan a bordo do “Granma”, um iate decrépito com um velho motor diesel, de 14 metros. Na véspera, Fidel redige o seu testamento. Às 4h20 de 2 de dezembro, desembarcam na Playa Colorada. “Ganhámos! Como José Martí, recuperámos a nossa terra! O tirano Batista tem os dias contados!”, diz Fidel. No refúgio da Sierra Maestra, os 16 sobreviventes olham-no como a um profeta.
A causa de Fidel desperta interesse nos EUA, e Herbert Matthews sobe à sierra para o entrevistar para “The New York Times”. No acampamento, a conversa é constantemente interrompida pelos rebeldes que comunicam as últimas. Tudo não passa de uma encenação para convencer o jornalista de que o exército é numeroso e bem organizado. Na primeira página do jornal, Fidel é retratado como um revolucionário romântico.
NA PRESIDÊNCIA, COM AS INSÍGNIAS DO PODER
Beneficiando de deserções em massa nas forças de Batista, Fidel acumula vitórias. A 8 de janeiro de 1959, entra em Havana, montado num tanque, sob aclamação popular. Menos de um mês depois, toma as rédeas do governo revolucionário. Nos ombros, ostenta as insígnias de Comandante en Chefe: a amarelo, os ramos de oliveira; o preto e o vermelho são as cores do movimento 26 de julho, que Castro fundou e disse ser “o pequeno motor” que fez arrancar a revolução.
Fora de portas, El Comandante posiciona-se como um pivô estratégico da Guerra Fria, perante a total rejeição dos americanos, que não perdoam uma revolução à porta. Aproxima-se da URSS e, a 3 de janeiro de 1961, corta relações com os EUA. Começa a era das conspirações. Só à CIA, atribui-se a criação ou financiamento de 634 operações para matar Fidel, envolvendo desde charutos explosivos a canetas envenenadas. “Se sobreviver a tentativas de assassínio fosse uma modalidade olímpica, teria ganho a medalha de ouro.”
A 17 de abril de 1961, o fracasso do desembarque de 1400 exilados cubanos treinados pela CIA, na Baía dos Porcos, estreita de vez a relação entre Havana e Moscovo. Fidel passa a dizer-se marxista-leninista e anuncia que Cuba adotou o comunismo. Em outubro de 1962, fotos aéreas revelam a existência de mísseis nucleares soviéticos na ilha, e o mundo quase é arrastado para a guerra atómica. Cuba vai mais longe do que a URSS no apoio às lutas no Terceiro Mundo. O Che morre na Bolívia, mas os cubanos salvam o regime do MPLA em Angola.
A página vira quando Mikhail Gorbatchov entra no Kremlin. Fidel refuta a perestroika e chama a Gorbatchov “coveiro do comunismo”. Em 1989, ao assinalar o 30º aniversário da revolução, vaticina: “Socialismo ou morte!”
DE LOOK FASHION, FACE ÀS DIFICULDADES
Com o fim da ajuda soviética e a continuidade do embargo norte-americano, as dificuldades económicas acentuam-se, obrigando Fidel a uma cedência doutrinal: aceita a privatização de empresas e despenaliza a compra de dólares. Aprova a visita a Cuba do Papa João Paulo II. Ainda que pouco frequentadas, as igrejas cubanas estavam sob vigilância. Fidel temia que o povo se inspirasse no movimento polaco Solidariedade.
A 21 de janeiro de 1998, no aeroporto José Martí, Fidel dá as boas-vindas ao Papa, de fato e gravata. Desde a Cimeira Ibero-Americana de 1994, em Cartagena das Índias, onde vestira uma guayabera (camisa tradicional cubana), que, em eventos internacionais ou na receção a personalidades, despira a farda de guerrilheiro.
O novo look garante-lhe as atenções mediáticas fora de portas. Mas, em Cuba, os seus longos discursos — chegou a figurar no “Guiness Book” com uma alocução de 4h29 na Assembleia Geral da ONU, a 26 de setembro de 1960 — soam cada vez mais anacrónicos. Os cubanos já não o ouvem: obedecem-lhe.
O FATO DE TREINO DO VIGOR E DA DOENÇA
A 20 de outubro de 2004, após uma cerimónia em Santa Clara, tropeça e cai desamparado. Recupera das fraturas no braço e no joelho, mas toma consciência de que não é eterno. Na primavera de 1990, já fora operado, secretamente, no Cairo, a um tumor no cólon, e os problemas de saúde nunca mais o largaram. A 31 de julho de 2006, é operado aos intestinos e transfere poderes para o seu vice, o irmão Raúl. Conserva o título de Presidente até 24 de fevereiro de 2008.
O sigilo à volta da doença — diverticulite (provocada pela falta de fibras na dieta alimentar) — dispara a especulação sobre o seu estado de saúde e antecipa a sua morte várias vezes. Fidel resguarda-se em casa. De tempos a tempos, é fotografado na companhia de ilustres que o visitam, vestindo um fato de treino Adidas, marca que patrocina a seleção olímpica cubana.
Na escola, Fidel fora desportista de eleição no futebol, basquetebol e basebol. Nas aulas de educação física, exibia uma obsessão constante por se superar. Presença assídua nos campeonatos intercolegiais e estaduais, em 1944, fora eleito o melhor atleta estudantil nacional. Quando já estava afetado pela doença, recorreria a uma metáfora desportiva para resumir a sua vida: “O tempo passa e os homens da maratona cansam-se. A corrida foi longa, muito longa!”
Artigo publicado no “Expresso”, a 3 de dezembro de 2016 e republicado no “Expresso Online”, no dia seguinte. Pode ser consultado aqui
Durante quase meio século, Fidel Castro foi o líder incontestado de Cuba. No dia da sua morte, o Expresso publica a biografia de uma das figuras históricas do século XX
Era Fidel Castro uma criança e desconhecia por que razão, no recreio do Colégio de La Salle, em Santiago de Cuba, lhe chamavam “porco judeu”. Na católica Cuba dos anos 1930, era assim que era denunciado quem não fosse batizado. Era o caso de Fidel, filho do galego Ángel Castro, um latifundiário próximo da United Fruit Company — a açucareira norte-americana que empregava meia Cuba —, e de Lina, criada de Ángel na sua quinta de Manacas.
Fidel nascera a 13 de agosto de 1926, em Biran, e era o terceiro filho dessa relação proibida. As duas famílias de Ángel Castro — casado perante Deus e a lei com a professora primária Maria Luisa Argota — causavam falatório nas redondezas. Para se defender no processo de divórcio interposto pela mulher, D. Ángel envia os filhos bastardos para Santiago de Cuba, onde nunca ninguém ouvira falar dos Castro. Nessa semi-clandestinidade, o pequeno Fidel cede à sensação de abandono. Na escola, as notas são uma catástrofe e o comportamento uma calamidade. Torna-se insolente, recusa a autoridade e é açoitado amiúde.
A 19 de janeiro de 1935, é finalmente batizado na Catedral de Santiago. O pai não está presente e o registo de batismo não o refere. No papel, Fidel já não era um pária, mas o reconhecimento paterno apenas surgiria aos 17 anos de idade, já D. Ángel se tinha casado com Lina. Só então, Fidel passa a usar o apelido do pai.
No ambiente de estudo e recolhimento proporcionado pelos colégios jesuítas, Fidel parece desabrochar. Torna-se um aluno exemplar e o primeiro em todos os desportos. Aos 14 anos, num inglês básico, escreve uma carta ao “amigo” Franklin Roosevelt, pedindo-lhe uma nota de 10 dólares, porque “gostaria de ter uma”. Propõe-lhe, também, uma visita guiada às minas de ferro de Mayari. O Presidente dos Estados Unidos nunca respondeu.
Aos 14 anos, Fidel Castro ao Presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt, com data de 6 de novembro de 1940 WIKIMEDIA COMMONS
Em 1945, após assistir ao fim da II Guerra Mundial, Fidel inscreve-se em Direito na Universidade de Havana, que se distinguia pela politização dos seus alunos. Após a disciplina jesuíta, ele mergulha na desordem. Tomada por estudantes nacionalistas e revolucionários, que idolatram José Martí, o herói da independência cubana, a universidade está em brasa. Fidel percebe que o mundo dos discursos, dos murros e das armas à cintura está talhado para si.
A “OVELHA NEGRA” DA FAMÍLIA
Cinquenta anos após a independência formal (1902), Cuba continua sob tutela dos Estados Unidos. Para Fidel, que chefia as Juventudes Ortodoxas, uma formação social-democrata, só uma “revolução profunda” libertaria o povo das frustrações provocadas pelas injustiças sociais. Depois de viajar pela Venezuela, Panamá e Colômbia, apercebe-se que o ódio ao domínio neocolonial norte-americano não é exclusivo dos cubanos. À luz desse antiamericanismo, os comunistas já não lhe parecem os monstros sedentos de sangue que os padres jesuítas e o pai lhe tinham descrito.
Antes, pareciam ser os únicos com sentido de disciplina e capacidade para organizar um exército capaz de enfrentar ditadores. Mas em Cuba, o Partido Comunista era ultraminoritário, sem representatividade nas universidades nem influência no sindicato operário. E os cubanos nem sequer simpatizavam com a União Soviética.
Fidel vive com o dinheiro que o pai lhe manda. As raparigas amedrontam-no e fazem-no corar, mas, a 12 de outubro de 1948, casa com Mirta Díaz Balart, uma estudante de Filosofia oriunda de uma família influente. D. Ángel não comparece à cerimónia nem à festa no American Club, sentido com a rebeldia do filho. Fidel não se empenha nos estudos, é a vergonha da família. Ainda assim, o patriarca aceita financiar a lua-de-mel… nos Estados Unidos.
Em Miami e Nova Iorque, Fidel deslumbra-se com o urbanismo galopante e a densidade do tráfego automóvel, choca-se com a falta de pudor dos jovens casais que se beijam em público e perde-se nas livrarias. Compra “O Capital” de Karl Marx e interroga-se como um país tão profundamente anticomunista permite a venda de obras que apelam à destruição do sistema capitalista. Fica com a sensação que o “american way of life” resulta da pilhagem dos pobres pelos ricos: se os americanos têm frigoríficos, arranha-céus, Cadilacs e devoram “corn flakes”, devem-no à espoliação dos povos da América do Sul pelas suas multinacionais. O anti-imperialismo é o motor que faz Fidel mover.
De regresso a Havana, o casal instala-se num hotel. Mirta retoma os estudos e Fidel as atividades no Partido Ortodoxo. A política causa-lhe dependência e, em poucos meses, a mulher está só. Fidel intima-a a recusar tudo o que é oferecido pelos Dias Balart. Não quer sentir-se “comprado”. Para alimentar o filho — Fidelito, nascido a 1 de setembro de 1949 —, Mirta pede dinheiro aos amigos. Aos poucos, Fidel torna-se agressivo, mesquinho e quase tirânico. O seu espírito de missão tudo transcende. Vive unicamente para o povo cubano. Foi alvo de um chamamento.
Em setembro de 1950, ele conclui o curso, mas não consegue uma bolsa de estudo para ir para os Estados Unidos e preparar a revolução “nas entranhas do monstro”. Abre um escritório na capital, no n.º 57 da Rua Tejadillo, e põe-se à prova. Após ser preso durante uma manifestação estudantil, assume a sua defesa. Pede uma toga emprestada e, na sala de audiências, organiza uma coleta para pagar a caução. É absolvido.
Fidel com “Fidelito”, seu filho e de Mirta Diaz-Balart, a sua primeira mulher, numa foto datada de 1954 WIKIMEDIA COMMONS
DO “GRANMA” À “SIERRA”
A 11 de março de 1952, após liderar o assalto ao campo militar de Columbia, centro de operações do exército, o general Fulgencio Batista autoproclama-se Presidente de Cuba. Conhecidas as suas inclinações pró-americanas, chamam-lhe “Mister Yes”. Este “status quo” fortalece o projeto de luta armada de Fidel, que cria uma organização militar — “Movimento” — que visa a ação direta, “la guerrilla”. Rigoroso na seleção dos seus seguidores, apenas aceita quem esteja disposto a morrer pela revolução e aceite uma vida de austeridade. Fidel é o chefe incontestado deste exército secreto, instruído no manejamento das armas nas caves da Universidade de Havana.
O “Movimento” sai da clandestinidade a 27 de janeiro de 1953. Por ocasião do centenário de José Marti, 500 homens munidos de tochas integram-se no cortejo oficial. Faltava passar à ação. Fidel concebe então a captura de um centro nevrálgico para iniciar a libertação do país. A 26 de julho, lidera o desastroso assalto ao quartel de Moncada, em Santiago, que se salda na morte de 64 dos 123 membros do comando. Fidel escapa para a “sierra”, mas acaba por ser preso. Na prisão de Boniato, recompõe-se das emoções. Divorcia-se de Mirta, dedica-se à leitura e prepara a defesa. “A história absolver-me-á” é o título da sua alegação.
Condenado a quinze anos de prisão, beneficia de uma amnistia presidencial. Refugia-se no México, onde reagrupa os efetivos, junta fundos recolhidos nas comunidades cubanas exiladas nos Estados Unidos e contacta com o revolucionário argentino Ernesto Che Guevara. É informado da morte do pai, que não via há anos, e fica a saber que Naty Revuelta, uma ex-amante oriunda da burguesia cubana, dera à luz uma menina, Alina. Fidel encarrega a mãe de verificar se a bebé tem traços dos Castro.
A 25 de novembro de 1956, Fidel, o irmão Raúl, Che e 79 seguidores partem de Tuxpan a bordo do “Granma”, um barco de recreio de 14 metros e dois motores a diesel, para iniciarem a revolução. Na véspera, Fidel redige o testamento. A 2 de dezembro, às 4.20h da madrugada, 82 homens extenuados e angustiados, devido às violentas tempestades e à perseguição das tropas governamentais, desembarcam na Playa Colorada.
“Ganhámos! Como José Martí recuperámos a nossa terra! O tirano Batista tem os dias contados!”, declara Fidel. Os seus seguidores olham-no como a um profeta. No refúgio escarpado da “sierra” Maestra, ele organiza o que resta da sua força: 16 rebeldes sobrevivem à perseguição do exército e aos raides aéreos ordenados por Fulgencio Batista. Mas em Havana, o Presidente comete um erro: anuncia a morte de Fidel. A United Press difunde a notícia pelo mundo inteiro e Fidel sente que estão criadas as condições para, um dia, tal qual uma lenda, ele ressuscitar.
Fidel Castro na companhia do revolucionário argentino Che Guevara, em 1961 ALBERTO KORDA / WIKIMEDIA COMMONS
UM BARBUDO NA AMÉRICA
A causa de Castro desperta atenções nos Estados Unidos após Herbert Matthews, um famoso articulista do “The New York Times”, subir à “sierra” para entrevistar Fidel. No acampamento, a conversa é constantemente interrompida pelos rebeldes que comunicam as últimas a Fidel. Tudo não passa de uma encenação para convencer o jornalista que o exército é numeroso e está bem organizado. Na primeira página do maior jornal norte-americano, Fidel surge como um revolucionário romântico e encantador que personifica as maiores esperanças do povo cubano. Cai nas graças dos norte-americanos e, contrariamente ao que Batista quer fazer constar, a CIA não o considera comunista, antes vê nele um potencial parceiro na luta contra o perigo vermelho.
Em maio de 1958, o Presidente cubano lança uma ofensiva para acabar com os grupos antigovernamentais. Colocado entre a espada e a parede, Fidel transcende-se. Beneficiando de deserções em massa nas forças de Batista, o exército de Fidel vai acumulando vitórias e conquistando cidade após cidade. A 31 de dezembro, o chefe de Estado foge para a República Dominicana. A 8 de janeiro de 1959, Fidel entra vitorioso em Havana e assume o posto de Supremo Comandante das Forças Armadas. A 13 de fevereiro, toma as rédeas do governo revolucionário.
A convite do Press Club, Fidel faz uma visita de charme aos Estados Unidos. À frente de uma “comitiva de barbudos”, responde com humor às perguntas incómodas, come hamburgueres e cachorros quentes e repete que não é comunista. Para atrair a atenção dos media, hospeda-se num hotel de baixa categoria, no bairro novaiorquino de Harlem. Por lá passam o Presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, o primeiro-ministro indiano Jawaharial Nehru e o activista negro Malcom X. O vice-Presidente Richard Nixon recebe-o, mas não o Presidente Dwight Eisenhower, que se desculpa com uma partida de golfe.
A 15 de abril de 1959, Fidel Castro aterra na pátria do capitalismo, à frente de uma “comitiva de barbudos”. Ainda no aeroporto de Washington D.C., fala aos microfones WARREN K. LEFFLER / WIKIMEDIA COMMONS
Regressado a Cuba, instala-se numa suíte no 23º andar do Hotel Hilton, o ponto mais alto da capital. Institui um “governo de veludo” para acalmar o povo, profundamente anticomunista, e adormecer o vizinho americano, que de pronto reconhece as novas autoridades. A nova Constituição estabelece a pena de morte e o confisco dos bens de quem serviu o regime de Batista. Cuba está transformada num tribunal popular e Fidel num carrasco. Ele é o mentor deste simulacro de justiça que visa salvar a alma dos concidadãos pela “purificação”, pelo pelotão de fuzilamento, “el paredón”. Com base na “convicção moral” dos vencedores, centenas de cubanos são executados, a maioria sem julgamento.
UM PIVÔ DA GUERRA FRIA
A 8 de maio de 1960, Cuba e a União Soviética reatam as relações diplomáticas e Fidel e Nikita Krutchev assinam pactos militares e económicos bilaterais. Os Estados Unidos não ficam indiferentes e suspendem a ajuda financeira; Cuba confisca as refinarias americanas que se recusam a refinar petróleo soviético; Washington reduz a quota de importação açucareira; Havana responde com nacionalizações. De permeio, Fidel abole a figura do Pai Natal, substituindo-o por um personagem barbudo, de uniforme verde-azeitona, chamado “D. Feliciano”.
A animosidade entre Estados Unidos e Cuba atinge o pico a 3 de Janeiro de 1961 com o corte de relações diplomáticas. Na lógica da Guerra Fria, Cuba figura na área de influência da URSS. Começa então a era das conspirações e das tentativas de assassinato a Fidel Castro. Só à CIA, atribui-se 634 operações para liquidá-lo. “Se sobreviver a tentativas de assassinato fosse uma modalidade olímpica, eu teria ganho a medalha de ouro”, disse ele.
A 17 de abril de 1961, cerca de 1400 exilados cubanos treinados pela CIA desembarcam na Baía dos Porcos. Há três meses na Casa Branca, John Fitzgerald Kennedy recua no prometido apoio aéreo à invasão, que resulta num rotundo fracasso. Num discurso a 2 de dezembro, Fidel Castro afirma-se marxista-leninista e anuncia que Cuba adotou o comunismo. A natureza marxista da revolução leva à rutura entre Fidel e Che Guevara, partidário das conceções maoistas. Paralelamente, dececiona muitos “comandantes barbudos” que denunciam o que consideram ser o embrião de um regime ditatorial, desviado dos propósitos nacionalistas e democráticos dos tempos da “sierra” Maestra.
Milhares de pessoas são acusadas de delitos contrarrevolucionários e executadas. Os prisioneiros políticos, as vagas de refugiados e as expulsões forçadas aumentam vertiginosamente. A economia cubana está na penúria. Antes da revolução, 80% das importações vinham dos Estados Unidos. Ao cortar esse “cordão umbilical”, Fidel vira-se para os soviéticos e fica chocado com o atraso das técnicas dos novos aliados em relação às americanas, em pelo menos 20 anos. A 12 de março de 1962, Fidel institui uma caderneta de racionamento para cada cubano, que chega a prever rações na ordem dos cinco ovos e um oitavo de libra de manteiga ao mês. O mercado negro salva o povo da fome.
Em outubro de 1962, fotografias tiradas por um avião de reconhecimento U2 confirmam a existência de mísseis nucleares soviéticos na ilha, ameaçando 80% do território norte-americano. JFK decreta um bloqueio naval a Cuba. Na mira da marinha dos EUA, a frota da URSS inverte a marcha e Krutchev retira os mísseis. Durante 13 dias, a “crise dos mísseis” coloca o mundo à beira de uma guerra atómica. Nas ruas de Havana, milhares de cubanos gritam: “Nikita mariquita, lo que se da no se quita”.
FÉ CEGA NO SOCIALISMO
Para Fidel, a rutura com o Kremlin não se coloca. “Não cometeremos duas vezes o mesmo erro e não romperemos com os soviéticos depois de termos rompido com os EUA”, diz. Pelo contrário, “El Comandante” converte-se no mais eloquente advogado da URSS no Terceiro Mundo. África torna-se a nova “sierra” Maestra e só Angola, ao longo de anos, recebe milhares de civis e técnicos cubanos.
Fidel abraça o cosmonauta Yuri Gagarin, numa foto de 26 de junho de 1961, dois meses após o soviético se ter tornado o primeiro homem a viajar pelo espaço ALBERTO KORDA / WIKIMEDIA COMMONS
Mas eis que no Kremlin instala-se Mikhail Gorbatchov, o “coveiro do comunismo”. Num discurso proferido a 26 de julho de 1988, Fidel refuta a “Perestroika”, qualificando-a de “perigosa” e “oposta aos princípios do socialismo”. Após a retirada militar soviética e a queda do Muro de Berlim, a crise instala-se na ilha: 85% dos seus mercados tinham desaparecido assim como subsídios e benesses comerciais; os sistemas educativos e sanitários, quase universais, gratuitos e de alto nível técnico, e toda uma série de indicadores sociais foram seriamente afetados. Em janeiro de 1989, ao assinalar o 30º aniversário da revolução, Fidel Castro reafirmaria a sua rigidez doutrinal: “Socialismo ou morte!”
Os apertos económicos obrigam-no, porém, a cedências: a formação de “joint ventures”, a privatização de empresas e bancos e a despenalização da compra de dólares. Para Fidel, para quem qualquer reforma de mercado é uma espécie de rendição, tratava-se de “medidas dolorosas para aperfeiçoar o regime”. Nas cimeiras internacionais, ele troca o uniforme militar verde-azeitona pelo fato e gravata e concentra ainda mais as atenções. Mas em Cuba, os seus longos discursos — chegou a figurar no Livro Guiness dos Recordes com uma alocução de 4.29 horas, a 26 de setembro de 1960, na Assembleia Geral da ONU — soam cada vez mais anacrónicos. Os cubanos já não o ouvem, apenas lhe obedecem.
Ainda que pouco frequentadas, as igrejas são colocadas sob vigilância. Fidel teme que os cubanos se inspirem no movimento Solidariedade que agita a Polónia para o desafiar. Persegue os homossexuais, abre “sidatórios” para doentes com sida, um vírus vindo do estrangeiro, diz-se, e investe sobre o mercado negro. À repressão sobre as “porcarias” da abordagem capitalista chama “Retificação dos Erros”, uma política que remete Cuba para a idade das cavernas. Neutraliza os dissidentes políticos e queixa-se das organizações dos Direitos Humanos que consideram os cubanos escravos. “O escravo sou eu!”, diz Fidel. “Sou o escravo do meu povo. Dedico-lhes dias e noites há já quase cinquenta anos.”
A QUEDA FINAL
Em finais de 1989, Fidel Castro toma consciência de que não é eterno. O stresse provoca-lhe hipertensão, que conduz a crises frequentes. É obrigado a deixar de fumar o famoso charuto Cohiba, o “Lanzero”, e a seguir um rigoroso regime alimentar. Transgride-o pontualmente para degustar um pouco de queijo “roquefort”, que adora. No maior dos segredos, é operado a um tumor no cólon, no hospital da Universidade do Cairo.
Cansados dos delírios de Fidel, cada vez mais cubanos praticam atos de rebeldia. Jovens inoculam o vírus da sida para se tornarem indesejados e serem expulsos do país; outros tentam atingir a costa da Florida agarrados a câmaras-de-ar roubadas a camiões e entregues às incertezas do mar das Caraíbas, infestado de tubarões. A polícia cubana fecha os olhos aos “balseros”. São menos bocas que o Estado terá de alimentar.
Fidel Castro junto ao monumento dedicado a José Martí, na capital de Cuba, a 27 de setembro de 2003 RICARDO STUCKERT / ABR.A / WIKIMEDIA COMMONS
Fidel reconhece que Cuba está diferente e dá mostras de realismo em relação ao que se passa no mundo. Excomungado pelo Vaticano desde 1962, ele abre as portas de Cuba a um dos responsáveis pela desagregação do bloco socialista, na Europa de Leste, o Papa João Paulo II, em janeiro de 1998. Durante os cinco dias da visita, Fidel acompanha-o em várias aparições públicas, designadamente durante a missa na Praça da Revolução, em Havana.
“Fidel foi o Presidente que mais atenção deu ao Papa João Paulo II”, escreveria o cardeal Tarcisio Bertone, no seu livro “Un cuore grande, Omaggio a Giovanni Paolo II”. “Fidel mostrou afeto pelo Papa, que já estava doente, e João Paulo II confidenciou-me que, possivelmente, nenhum chefe de Estado tinha preparado tão profundamente a visita de um Pontífice.” Fidel tinha lido as encíclicas, os principais discursos de João Paulo II e até alguns de seus poemas. Em dezembro desse ano, Fidel aboliu a proibição da celebração do Natal, que durava há quase 30 anos.
A 20 de outubro de 2004, a aparatosa queda desamparada de Fidel Castro, após uma cerimónia de formatura estudantil, em Santa Clara, parece ser o início do capítulo final de “El Comandante”. Fidel recupera das fraturas no braço e no joelho, mas não mais a doença deixa de o importunar. A 31 de julho de 2006, na sequência de uma intervenção cirúrgica ao intestino, Fidel Castro transfere os seus poderes para o seu irmão mais novo, Raúl, seu Vice-Presidente. Fidel conserva o título de Presidente de Cuba até 24 de fevereiro de 2008, quando a Assembleia Nacional elege Raúl Castro para a presidência do país. “Trairia a minha consciência assumir uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total, que eu não estou em condições físicas de oferecer”, escreveu Fidel numa carta aos cubanos.
Fidel resguarda-se em casa, sendo, a espaços, fotografado em fato de treino na companhia de governantes e personalidades estrangeiras, dos quais o Presidente da Venezuela Hugo Chávez foi a visita mais frequente. Fidel escreve uma coluna no Granma (“Reflexões”) e dá entrevistas ocasionais, onde aproveita para fazer “mea culpa”. Em setembro de 2010, afirmou: “O modelo cubano já não funciona nem para nós.” “Sou o responsável pela perseguição aos homossexuais que houve em Cuba.”
O sigilo à volta da sua doença — diverticulite (provocada pela falta de fibras na dieta alimentar) — dispara a especulação à volta do seu estado de saúde. A morte de Fidel é antecipada várias vezes. Hoje, confirmou-se. “O tempo passa e os homens da maratona cansam-se”, disse um dia “El Comandante”. “A corrida foi longa, muito longa!”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui
O ex-líder cubano coincidiu no poder com dez Presidentes dos Estados Unidos. Uma investigação de Fabián Escalante, ex-chefe dos serviços secretos cubanos, concluiu que, entre 1959 e 2000, Fidel terá sobrevivido a 634 tentativas de assassínio. Algumas planeadas de forma criativa
AMANTE TRAIÇOEIRA
1960, janeiro — Chegada a Cuba com o pai após a revolução de 1959, a alemã Marita Lorenz perdeu-se de amores por Fidel Castro e tornou-se numa das suas muitas amantes. Ficou grávida e acusou o regime de a ter obrigado a abortar. Abandonou a ilha e juntou-se à comunidade cubana da Florida, onde foi recrutada pela CIA para assassinar Castro. Recebeu ampolas com veneno que deveria colocar na comida do cubano. De volta a Cuba, Fidel terá desconfiado do que se passava e entregou a Marita a sua arma para que ela o matasse. A alemã não foi capaz e pôs Fidel ao corrente dos planos da CIA.
CHARUTO CONTAMINADO
1960, setembro — Quando Fidel foi a Nova Iorque para discursar na Assembleia Geral da ONU, a CIA viu nessa visita uma ocasião única para atentar contra ele. Juntamente com a máfia, planeou várias operações. Uma delas consistia em colocar no seu quarto de hotel uma caixa de charutos contaminados com um poderoso veneno à base de butolina sintética. A polícia recusou colaborar e o plano abortou. Outra passava por colocar sais de tálio nos seus sapatos ou nos seus charutos. O químico provocaria a queda da barba. Esta operação não visaria matar Fidel, mas antes enfraquece-lo e desacredita-lo perante o seu povo. Uma terceira tentativa passava por pulverizar um estúdio de rádio onde Fidel iria participar numa emissão em direto com um aerossol contendo uma substância que provocaria um riso incontrolável, afetando o seu carisma e prestígio.
BÚZIO ARMADILHADO
1963, primeiro trimestre — Sabendo que Fidel Castro gostava de fazer mergulho, a CIA planeou mata-lo através de um fato de mergulhador forrado com esporos e bactérias que infetavam a pele e inoculavam o bacilo da tuberculose. O fato deveria ser entregue ao advogado americano James B. Donovan, envolvido nas negociações com Cuba visando a libertação de prisioneiros da invasão da Baía dos Porcos (1961), e que tinha acesso a Fidel. O jurista recusou a missão e, por iniciativa própria, ofereceu a Castro um outro fato. A CIA insistiu e planeou colocar um búzio armadilhado com explosivos na zona onde Fidel costumava praticar pesca submarina. O búzio seria colorido e fora do comum, para atrair a atenção de Fidel e aproxima-lo o suficiente para que fosse atingido pela explosão.
BATIDO TÓXICO
1963, março — À noite, Fidel tinha por hábito passar pelo hotel Habana Libre, onde se deliciava com batidos de chocolate. Um empregado do bar chamado Santos de la Caridad Perez Nunez recebeu, de um guarda-costas da máfia, duas cápsulas de cianeto, a mando da CIA. Deveria mistura-las no batido de Fidel para envenená-lo. O empregado deixou uma em casa e escondeu a outra no frigorífico do hotel, à espera da melhor oportunidade. Certo dia, Fidel apareceu e fez o pedido de sempre. Perez Nunez foi buscar a ampola e reparou que estava presa ao gelo do frigorífico. Ao tentar descolá-la, a cápsula partiu-se e o seu conteúdo perdeu-se. Terá sido esta a ocasião em que a CIA esteve mais próxima de matar Fidel.
CANETA ENVENENADA
1963, novembro — No dia 22, exatamente o mesmo em que John Fitzgerald Kennedy foi assassinado em Dallas, Rolando Cubela, embaixador de Cuba na UNESCO, e Desmond Fitzgerald, chefe da secção de assuntos cubanos da CIA, encontraram-se em Paris para coordenar o projeto de um golpe de Estado em Cuba e o assassinato de Fidel. Cubela recebeu uma caneta luxuosa com uma agulha hipodérmica destinada a inocular, lentamente, um veneno em Fidel. O complô foi descoberto e Cubela foi condenado a 25 anos de prisão. Após ser libertado, exilou-se em Espanha.
APAGÃO OPORTUNO
1967, novembro — Fidel tinha presença prevista na inauguração do Campeonato Nacional de Basebol no Estádio de El Cerro, em Havana. Um grupo de conspiradores planeou um atentado contra Fidel que passava pela colocação de um cúmplice junto ao quadro elétrico com a missão de provocar um curto-circuito e gerar um apagão no recinto. Simultaneamente, seriam lançadas granadas de fragmentação contra a tribuna onde Fidel se encontrava.
ACIDENTE COMBINADO
1971, outubro — Élio Hernández Alfonso era um operário numa siderurgia que odiava Fidel e o regime cubano. Em nome de uma contrarrevolução, tentou recrutar vários trabalhadores dessa unidade fabril para assassinar “El Comandante” quando ele visitasse o local. O plano consistia em derrubar sobre Fidel um enorme contentor de ferro fundido, à sua passagem. Descoberto o plano, o autor foi preso.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui
Fidel Castro à chegada ao aeroporto de Washington D.C., em 1959 WARREN K. LEFFLER / WIKIMEDIA COMMONS
“SE QUISER FERRO PARA FABRICAR OS SEUS BARCOS PODEREI MOSTRAR-LHE AS MELHORES MINAS DE FERRO DO MEU PAÍS. SÃO EM MAYARI, ORIENTE, CUBA.” Excerto de uma carta enviada por Fidel Castro ao Presidente dos EUA Franklin Roosevelt, tinha o cubano 14 anos
“O MOVIMENTO TRIUNFARÁ. SE VENCERMOS, FAR-SE-Á MAIS CEDO AQUILO A QUE MARTÍ ASPIROU. SE OCORRER O CONTRÁRIO, SERVIRÁ DE EXEMPLO AO POVO DE CUBA PARA QUE EMPUNHE A BANDEIRA E SIGA EM FRENTE.” Fidel invoca José Martí, o herói da independência cubana, no discurso aos homens que o acompanharam no assalto ao quartel de Moncada, a 26 de julho de 1953
“NÃO RECEIO A PRISÃO, TAL COMO NÃO RECEIO A FÚRIA DO MISERÁVEL TIRANO QUE ROUBOU A VIDA A SETENTA DOS MEUS CAMARADAS. CONDENAI-ME. NÃO IMPORTA. A HISTÓRIA ABSOLVER-ME Á.” Conclusão da alegação de defesa feita pelo próprio Fidel, após ser preso na sequência da operação falhada de tomada do quartel de Moncada
“QUERO SABER TUDO E ATÉ RELEIO AS BIBLIOGRAFIAS DE CADA LIVRO, ACALENTANDO A ESPERANÇA DE LER MAIS TARDE. LÁ FORA, INQUIETAVA-ME PORQUE O TEMPO ME FALTAVA E AQUI, ONDE O TEMPO PARECE SOBRAR, TAMBÉM ME INQUIETO. QUE ESCOLA TÃO FORMIDÁVEL É ESTA PRISÃO!” Excerto de uma carta de Fidel a Natty Revuelta, com data de 18 de dezembro de 1953, escrita na prisão, onde se revelou um ávido leitor
“NA MONTANHA, SOFRE-SE MAIS DE SEDE QUANDO O CANTIL ESTÁ VAZIO. ADQUIRI O HÁBITO DE NÃO BEBER ÁGUA ATÉ PODER REABASTECE-LO.”
“SÓ TENHO UMA NOIVA: A REVOLUÇÃO!” Após ser rejeitado pela jovem Lidia Amor, por quem se apaixonara
“GANHÁMOS! COMO JOSÉ MARTÍ RECUPERÁMOS A NOSSA TERRA! O TIRANO BATISTA TEM OS DIAS CONTADOS!” Acabado de atracar em Cuba, a bordo do Granma, a 2 de dezembro de 1956, para desencadear a revolução
Fidel Castro é interrogado após ser detido na sequência do assalto ao quartel de Moncada, em julho de 1953, em Santiago de Cuba WIKIMEDIA COMMONS
“QUEREMOS ESTABELECER EM CUBA UMA VERDADEIRA DEMOCRACIA, SEM VESTÍGIOS DE FASCISMO, PERONISMO OU COMUNISMO.” Em Nova Iorque, durante uma visita aos Estados Unidos, logo após a revolução de 1959
“O PROBLEMA É QUE NOS PUSERAM A ESCOLHER ENTRE UM CAPITALISMO QUE MATA AS PESSOAS DE FOME E O COMUNISMO QUE RESOLVE O PROBLEMA ECONÓMICO MAS SUPRIME AS LIBERDADES TÃO CARAS AO HOMEM.”
“CRISTO NÃO FOI BUSCAR DOZE PROPRIETÁRIOS PARA FAZER DELES SEUS APÓSTOLOS MAS SIM DOZE PESCADORES POBRES…” Discurso a 9 de novembro de 1959, por altura de uma festa religiosa em honra de Nossa Senhora da Caridade do Cobre, santa padroeira de Cuba
“SOU UM MARXISTA-LENINISTA E ASSIM SEREI ATÉ AOS ÚLTIMOS DIAS DA MINHA VIDA.” Discurso a 2 de dezembro de 1961
“SE SOBREVIVER A TENTATIVAS DE ASSASSINATO FOSSE UMA MODALIDADE OLÍMPICA, EU TERIA GANHO A MEDALHA DE OURO.” Segundo Fabián Escalante, fundador dos serviços de segurança cubanos, Fidel foi alvo de 634 tentativas de assassinato
“QUE HAJA DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA E QUE NINGUÉM ENTRE EM COMPADRIOS, POIS NÃO PODE HAVER PRIVILÉGIOS, ABSOLUTAMENTE!” Após instituir a “caderneta” de racionamento para cada chefe de família cubano, em março de 1962
“CREIO QUE TODOS NÓS DEVEMOS APOSENTAR-NOS RELATIVAMENTE JOVENS.” Em entrevista à “Playboy”, publicada em janeiro de 1967
“CHEGARÁ UM DIA EM QUE FRUTAS, VEGETAIS E ATÉ O LEITE SERÃO DISTRIBUÍDOS GRATUITAMENTE POR TODO O POVO. CHEGARÁ O DIA EM QUE O DINHEIRO NADA VALERÁ. O HOMEM TRABALHARÁ PELO HÁBITO.” Por alturas da “ofensiva revolucionária” de 1968, em que Fidel nacionaliza o que restava da iniciativa privada cubana
“AS RELAÇÕES NÃO PODERÃO MELHORAR ENTRE NÓS ENQUANTO OS ESTADOS UNIDOS SE ARROGAREM O DIREITO DE PRATICAR A INTERVENÇÃO E A SUBVERSÃO NA ÁREA.”
“O ESCRAVO SOU EU! SOU O ESCRAVO DO MEU POVO. DEDICO-LHES DIAS E NOITES HÁ JÁ QUASE CINQUENTA ANOS. COM QUE IDADE SE REFORMAM NOS VOSSOS PAÍSES?”
“FOI O MEU PAI QUE ME DEU O PRIMEIRO CHARUTO. EU DEVIA TER UNS 14 OU 15 ANOS. LEMBRO-ME QUE FUMEI AQUELE PRIMEIRO ‘PURO’ SEM SABER COMO SE FAZIA. FELIZMENTE, NÃO INALEI O FUMO.” Até deixar de fumar, Fidel tornou-se o maior propagandista dos charutos Cohiba
“SOCIALISMO OU MORTE!” Durante uma cerimónia comemorativa do 30.º aniversário da revolução, em janeiro de 1989
Fidel Castro e o revolucionário cubano Camilo Cienfuegos, por volta do ano 1959, momentos antes de jogarem uma partida de beisebol pela equipa dos “Barbudos” WIKIMEDIA COMMONS
“PEDEM-NOS QUE RETIREMOS AS NOSSAS TROPAS DE ÁFRICA, ENQUANTO NO NOSSO PRÓPRIO TERRITÓRIO, NA BASE DE GUANTÁNAMO, TEMOS MILHARES DE SOLDADOS AMERICANOS CONTRA A NOSSA VONTADE!” Em 1976, criticando os EUA, numa altura em que tropas cubanas combatiam em Angola
“UMA VEZ, A NATIONAL GEOGRAPHIC TIROU-ME UMA FOTOGRAFIA EM HAVANA E PAGOU COM UM CHEQUE DE 100 DÓLARES, QUE NÃO FOI POSSÍVEL DESCONTAR. ASSIM, OS ESTADOS UNIDOS, ALÉM DE TODAS AS OUTRAS DÍVIDAS, DEVEM-ME ESSES 100 DÓLARES.” Ironizando sobre a dívida reivindicada pelos Estados Unidos, por causa das nacionalizações de empresas norte-americanas em Cuba
“ASSIM DESEMBARCAREI. O MEU COLETE É MORAL E FOI O QUE ME PROTEGEU SEMPRE.” Em outubro de 1979, a bordo de um avião onde seguiam também jornalistas americanos, a caminho da sede da ONU, em Nova Iorque, mostrando que não trazia colete à prova de bala
“TODOS OS MEUS AMORES SÃO PLATÓNICOS.” Fidel Castro teve nove filhos de cinco mulheres
“ACIMA DE TUDO, USO UNIFORME POR UMA QUESTÃO PRÁTICA. ASSIM NÃO TENHO DE COLOCAR UMA GRAVATA TODOS OS DIAS. ACABA-SE O PROBLEMA DE TER DE ESCOLHER O FATO, A CAMISA, AS MEIAS. TUDO COMBINA.”
“VOU PROCURANDO AS MULHERES AQUI E ALI, LUTANDO CONTRA OS PRECONCEITOS QUE SUBSISTEM. MAS SE DEIXARMOS A QUESTÃO ENTREGUE ÀS LEIS QUE VIGORAM NO CAPITALISMO, DEDICAR-SE-ÃO A TRABALHAR EM BARES, A SEREM PROSTITUTAS OU MULHERES DE SEUS MARIDOS, COMO ANTERIORMENTE QUANDO UMA MULHER DIVORCIADA ERA CONDENADA AO DESPREZO.”
“NÃO ENTENDO PORQUE ME CHAMAM DITADOR. UM DITADOR É ALGUÉM QUE TOMA DECISÕES ARBITRÁRIAS E UNILATERAIS E QUE ATUA ACIMA DAS INSTITUIÇÕES.”
“O POVO COLOCOU-ME ALI E UM REVOLUCIONÁRIO NÃO DESERTA.” Em março de 1990, em conversa com jornalistas durante uma visita ao Brasil
“CUBA NÃO É UM PAÍS ONDE O SOCIALISMO CHEGOU DEPOIS DOS BATALHÕES VITORIOSOS DO EXÉRCITO VERMELHO. MAS SE HOUVESSE REGRESSO AO CAPITALISMO, SERÍAMOS UM PROLONGAMENTO DE MIAMI.” Após a queda do Muro de Berlim
“TODAS AS CRÍTICAS SÃO OPOSIÇÃO. E TODA A OPOSIÇÃO É CONTRARREVOLUCIONÁRIA.”
“HÁ QUEM PENSE QUE TENHO O PODER DE ESPANTAR A CHUVA. VAMOS VER…”
“O PAPA NÃO PODE SER CONSIDERADO O ANJO EXTERMINADOR DE SOCIALISMOS, COMUNISMOS E REVOLUÇÕES. ELE É UM CRÍTICO PERMANENTE DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL. E MUITO NOS ALEGRAMOS COM ISSO.” Sobre João Paulo II, que visitou Cuba em janeiro de 1998
Na sala da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, a 22 de setembro de 1960 WARREN K. LEFFLER / WIKIMEDIA COMMONS
“CHEGUEI À CONCLUSÃO, TALVEZ UM POUCO TARDE, QUE OS DISCURSOS DEVEM SER CURTOS.” Frase proferida em agosto de 2000. Em setembro de 1960, Fidel discursou na Assembleia Geral da ONU, com uma alocução que entrou para o Livro de Recordes do Guinness como a mais longa feita nas Nações Unidas
“A NOSSA JUVENTUDE PRECISA DE EDUCAÇÃO ABRANGENTE, UMA PROFUNDA CULTURA POLÍTICA, NEM DOGMÁTICA NEM SECTÁRIA. JOSÉ MARTÍ DISSE: ‘SER CULTO PARA SER LIVRE’. HÁ QUE ACRESCENTAR A APÓSTROFE: ‘SEM CULTURA NÃO HÁ LIBERDADE POSSÍVEL’.” Em 2000, quando promove uma re-estruturação da política cultural cubana
“EU TAMBÉM SOU UM SONHADOR QUE VIU OS SEUS SONHOS TORNAREM-SE REALIDADE.” A 8 de dezembro de 2000, durante a inauguração de uma estátua em bronze de John Lennon, que surge sentado num banco de parque, em Havana
“TRAIRIA A MINHA CONSCIÊNCIA SE ASSUMISSE UMA RESPONSABILIDADE QUE REQUER MOBILIDADE E ENTREGA TOTAL E QUE NÃO ESTOU EM CONDIÇÕES FÍSICAS DE OFERECER. DIGO-O SEM DRAMATISMO.” Excerto da mensagem de Fidel, publicada no “Granma” a 19 de fevereiro de 2008, explicando a sua renúncia à presidência de Cuba
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de dezembro de 2015, onde as citações surgem acompanhadas de fotos. Pode ser consultado aqui
Fidel esteve em Portugal por duas vezes. A primeira no Porto, em 1998, para participar na VIII Cimeira Ibero-Americana. A segunda em maio de 2001, para contactos institucionais. José Saramago, António Guterres, Jorge Sampaio, Pina Moura e Américo Amorim foram alguns dos portugueses que, em Portugal ou no estrangeiro, privaram com “El Comandante”. Fotogaleria de encontros históricos
José Saramago e Fidel Castro abraçam-se durante uma ação de solidariedade com Cuba, em Matosinhos, em 1998 REUTERSNa fila atrás de Fidel, para além de Saramago, está Narciso Miranda, então presidente da câmara de Matosinhos REUTERSO comício em Matosinhos realizou-se a 18 de outubro de 1998, dez dias após José Saramago ter ganho o Prémio Nobel da Literatura REUTERSFidel, Jorge Sampaio (Presidente de Portugal) e José Maria Aznar (primeiro-ministro de Espanha), na foto de família da VII Cimeira Ibero-Americana, em 1997, na Ilha de Margarita (Venezuela) ANDREW WINNING / REUTERSA VIII Cimeira Ibero-Americana realizou-se no Porto, nos dias 17 e 18 de outubro de 1998. Fidel brinda com o monarca espanhol Juan Carlos, com um cálice de Porto JOSÉ MANUEL RIBEIRO / REUTERSAo lado de Andrés Pastrana (Presidente da Colômbia) e à frente Fraga Iribarne (presidente da Galiza), durante a cerimónia de entronização da Confraria do Vinho do Porto, a 17 de outubro de 1998 DESMOND BOYLAN / REUTERSSessão final da VIII Cimeira Ibero-Americana, realizada no edifício da Alfândega da cidade Invicta RICKEY ROGERS / REUTERSFoto de família dos chefes de Estado e de Governo da América Latina, de Portugal e de Espanha participantes na VIII Cimeira Ibero-Americana, com a ponte da Arrábida como cenário MARCELO DEL POZO / REUTERSNa companhia do empresário Américo Amorim e de Pina Moura, então ministro da Economia, após a visita a uma fábrica de cortiça, a 19 de outubro de 1998 REUTERSRecebendo o Presidente português Jorge Sampaio, no aeroporto de Havana, a 14 de novembro de 1999 REUTERSSampaio participou na IX Cimeira Ibero-Americana, que se realizou na capital cubana, a 15 e 16 de novembro de 1999 REUTERSFidel Castro retribuiu a visita a Jorge Sampaio, no Palácio de Belém, a 17 de maio de 2001 REUTERSO líder cubano passou por Lisboa após um périplo pelo Médio Oriente e Norte de África REUTERSÀ conversa com o primeiro-ministro António Guterres, no Palácio de S. Bento, a 17 de maio de 2001 REUTERS Com Guterres, num passeio animado pelos jardins do Palácio de S. Bento REUTERS
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de julho de 2014 e republicado a 26 de novembro de 2016. Pode ser consultado aqui e aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.