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Cabo Delgado precisa urgentemente de ajuda. A Fundação Aga Khan já disse ‘presente’

Com atividade em Moçambique há mais de 20 anos, a Fundação Aga Khan acaba de lançar um projeto de fortalecimento do sector agrícola na província de Cabo Delgado, fustigada pela violência jiadista. Financiado pelo Governo da Noruega, visa em especial mulheres e jovens

Jovem formado com o apoio da Fundação Aga Khan Moçambique lidera uma equipa na produção de espécies florestais FUNDAÇÃO AGA KHAN MOÇAMBIQUE

Nos últimos quatro anos, a região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, emergiu no mapa-mundo como um dos pontos negros do jiadismo internacional. Para as populações daquela província, o quotidiano transformou-se num filme de terror, com ataques de grupos armados contra aldeias, execuções bárbaras, raptos e muita gente em fuga.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a violência em Cabo Delgado já provocou mais de 3100 mortos e 800 mil deslocados internos, 27% dos quais são mulheres e 52%, crianças.

Em agosto, quando visitou Moçambique, o diretor-geral da OIM, António Vitorino, lançou um apelo: “Exorto à rápida expansão da assistência humanitária para apoiar centenas de milhares de indivíduos deslocados pela contínua insegurança em Cabo Delgado”. É o que já está a fazer a Fundação Aga Khan, que há duas semanas lançou um projeto de desenvolvimento nas áreas da agricultura, segurança alimentar e coesão social.

“O projeto visa contribuir para o desenvolvimento e recuperação da atividade agrícola das comunidades deslocadas acolhidas pelas comunidades residentes, através do fornecimento de materiais, insumos agrícolas e conhecimento técnico”, explica ao Expresso Nazim Ahmad, representante diplomático da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN, sigla em inglês) em Moçambique.

Mulher é atendida numa brigada móvel de prestação de cuidados de saúde oferecida à sua comunidade com apoio da Fundação FUNDAÇÃO AGA KHAN MOÇAMBIQUE

O principal alvo são as mulheres e os jovens dos distritos de Chiúre e Metuge, perto de Pemba, e o universo de beneficiários ascende a 15 mil pessoas, entre os quais 3000 deslocados internos que fugiram à violência.

“Esses dois distritos são os que receberam o maior número de deslocados internos”, diz Nazim Ahmad. “As condições de segurança estão asseguradas, dado que os distritos a sul da província de Cabo Delgado estão fora da zona de conflito.”

Na prática, os principais serviços prestados pelo projeto passam por:

  • equipar famílias com kits agrícolas
  • melhorar as condições pós-colheita para minimizar as perdas
  • estabelecer ligações de mercado entre as famílias e atores económicos locais
  • formar lavradores em “agricultura inteligente face ao clima”, um conceito desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)
  • melhorar as infraestruturas e as condições de ensino e aprendizagem em escolas agrícolas
  • estabelecer famílias deslocadas em terrenos seguros

“Este projeto irá permitir o financiamento de ações nas áreas da segurança alimentar, resiliência socioeconómica e coesão social”, resume o dirigente da AKDN.

No terreno, a intervenção é facilitada pelo trabalho dos chamados Comités de Desenvolvimento de Aldeias (CDA), criados e desenvolvidos com o apoio da Fundação Aga Khan Moçambique. Organizações de base comunitária, os CDA são compostos por pessoas reconhecidas localmente pela sua capacidade de influência em aspetos importantes do desenvolvimento local. Neste projeto, serão cruciais para “apoiar a integração de deslocados internos”, diz Nazim Ahmad.

Outra instituição essencial ao desenvolvimento do projeto é o Instituto Agrário de Bilibiza (IABil), em Ócua (distrito de Chiúre), que a Fundação Aga Khan tem apoiado, na formação de técnicos agrários qualificados. Este polo recebeu 370 alunos e todo o corpo docente do IABil de Quissanga, que foi atacado, pilhado e destruído pelos insurgentes, em inícios de 2000.

Este projeto é financiado pelo Governo da Noruega e está orçado em 10 milhões de coroas norueguesas (980 mil euros).

Assinatura do protocolo entre a Fundação Aga Khan e o Governo da Noruega, representados por Nazim Ahmad e o embaixador da Noruega em Moçambique, Haakon Gram-Johannessen (ambos em pé), a 23 de novembro passado FUNDAÇÃO AGA KHAN MOÇAMBIQUE

Presente em 30 países — incluindo Portugal, há 35 anos, com intervenção junto de comunidades migratórias —, a Fundação Aga Khan está em Moçambique desde 1998, ano em que foi assinado um acordo de cooperação entre a instituição e o Governo de Maputo.

Em todo o país, a Fundação Aga Khan Moçambique emprega 1180 pessoas, das quais 97% são moçambicanas e 63% mulheres.

Em Cabo Delgado — a província mais pobre, apesar de ser a mais rica em recursos naturais —, além de Metuge e Chúre, a instituição opera também nos distritos de Ancuabe, Pemba, Mecufi, Montepuez, Balama, e Namuno. A degradação das condições de segurança, sobretudo a partir de 2020, obrigou a Fundação a adaptar-se à nova realidade. Mas sem nunca abandonar o país.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

ONU assinala Dia Mundial da Sanita, um “luxo” inacessível a 4200 milhões de pessoas

As sanitas salvam vidas e previnem a proliferação de doenças mortais, mas mais de metade da população mundial não tem uma em casa. A diretora da delegação da Fundação Aga Khan na Índia explica ao Expresso as implicações sociais da falta de lavabos seguros, em especial para as mulheres

Em qualquer casa portuguesa damos naturalmente por adquirido a existência de, pelo menos, uma sanita para uso de quem ali vive. Tal não é, porém, a realidade para mais de metade da população mundial, que (sobre)vive sem acesso às mínimas condições de higiene e saneamento.

A pensar nestes muitos milhões para quem uma sanita é um bem de luxo, e sobretudo no impacto desta situação ao nível da saúde e da segurança globais, a Organização das Nações Unidas instituiu o Dia Mundial da Sanita, que se assinala esta quinta-feira.

“Este é um dia dedicado a enfrentar o desafio global do saneamento. Celebra-se para dar ênfase à enorme crise sanitária que o mundo está ainda a combater: 4200 milhões de pessoas vivem ainda sem saneamento — o que corresponde a mais de metade da população global — e 673 milhões ainda praticam a defecação a céu aberto”, explica ao Expresso Tinni Sawhney, diretora-executiva da Fundação Aga Khan (Índia).

Fatima Ibrahim, de 10 anos, dirige-se para as casas de banho instaladas na sua escola, no campo de refugiados Tabareybarey, no Níger UNICEF / PHELPS

Com mais de 1300 milhões de habitantes — e a caminho de ultrapassar a China como país mais populoso à face da Terra —, a Índia é dos países onde o impacto decorrente de condições sanitárias de cientes é maior.

Essa vulnerabilidade reflete-se desde logo ao nível da segurança individual nomeadamente das mulheres. Muitos crimes sexuais, nomeadamente violações, acontecem no momento em que as indianas saem de casa para fazerem as necessidades em locais afastados, seja à beira da estrada ou junto a linhas de comboio, seja atrás de arbustos ou montes de lixo.

Risco psicológico e sexual

O problema está à vista de todos e tem sido amplamente analisado. “Vários estudos indicam que a falta de saneamento aumenta as vulnerabilidades de mulheres e meninas de várias formas. Para além da humilhação de terem de se aliviar ao ar livre, há também o medo de serem assediadas e violentadas, e sofrem de stresse psicossocial decorrente de tudo isto”, diz a dirigente do ramo indiano da Fundação Aga Khan.

Eriam Sheikh, de 7 anos, regressa de uma ida à casa de banho, montada sobre estacas, na cidade indiana de Bombaim UNICEF / MANPREET ROMANA

“A situação tem sido particularmente grave em comunidades informais urbanas, onde compartilhar os lavabos públicos com os homens coloca as mulheres em grande risco de sofrerem atos de violência e agressão sexual”, continua Tinni Sawhney.

A falta de casas de banho nas escolas, por exemplo, torna-se fator de absentismo, com consequências nefastas para o percurso educativo das raparigas. Mesmo nos casos em que existe algum tipo de instalação sanitária, muitas alunas são levadas a faltar às aulas durante o período menstrual.

“É inegável que melhorar o saneamento tornaria as vidas de mulheres e meninas mais seguras e saudáveis. Elas são afetadas de forma desproporcional pela falta de acesso a água potável, saneamento e higiene”, a rma Tinni Sawhney. Providenciar estas condições básicas “pode significar que todas as meninas possam continuar na escola quando atingirem a puberdade e que todas as mulheres que acedam a lavabos seguros e protegidos quem libertas do medo de serem agredidas e de perderem a dignidade.”

Uma jovem regressa de uma casa de banho improvisada no mato, na Guiné-Bissau UNICEF / GIACOMO PIROZZI

Trabalho de mais de um século

A presença da Fundação Aga Khan na Índia remonta ao início do século XX quando, em 1905, em Mundra (estado de Gujarate), foi fundada a primeira escola da organização. Nas últimas décadas, a Fundação — que tem delegações em 30 países, entre os quais Portugal — tem desenvolvido trabalho especializado nas áreas do acesso à água potável, saneamento e promoção de hábitos higiénicos.

“Nos últimos cinco anos, a Fundação Aga Khan (Índia) tem apoiado o maior programa de saneamento do mundo — a Missão Índia Limpa — convergindo com os esforços do Governo indiano para eliminar a defecação a céu aberto em todo o país”, diz Tinni Sawhney.

“A Fundação juntamente com as suas agências Programa Aga Khan de Apoio Rural e Agência Aga Khan para o Habitat têm sido fundamentais para facilitar o acesso ao saneamento a mais de 150 mil famílias em cinco estados da Índia. Isto foi possível através de uma combinação de abordagens, como a mudança de comportamentos, a melhoria da capacidade de funcionários do governo e o fortalecimento de instituições comunitárias que foram incentivadas a assumir a responsabilidade pelo processo de mudança.”

Wiseman e Job limpam uma casa de banho comunitária, em Mukuru kwa Ruben, arredores de Nairobi (Quénia)UNICEF / MODOLA

Apesar da pandemia de covid-19, que afeta a Índia em força — é atualmente o segundo país com mais casos (atrás dos EUA) e o terceiro em número de mortos (a seguir a EUA e Brasil) —, a Fundação Aga Khan (Índia) não deixou de assinalar o Dia da Sanita deste ano com um programa de eventos.

“As atividades incluem a colocação de postos de lavagem das mãos e a distribuição de sabonetes em centros de primeira infância, escolas e entre as comunidades, não só para prevenir a propagação de covid-19 e outras doenças infecciosas [como a cólera e a febre tifoide], mas também para garantir a e ciente utilização de água.”

Com este programa, a Fundação Aga Khan espera envolver mais de 50 mil pessoas de comunidades vulneráveis, dos estados de Bihar, Gujarat, Madhya Pradesh, Maharashtra, Telangana e Uttar Pradesh. A longo prazo, está a contribuir para que se cumpra o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 6 — de um conjunto de 17 metas globais, estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015 — que promete saneamento para todos até 2030.

(Nas Ilhas Fiji, este menino está sentado sobre uma sanita abandonada UNICEF / SOKHIN)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Projeto palestiniano vence Prémio Aga Khan para a Arquitetura

O Prémio Aga Khan para a Arquitetura 2013 é entregue, esta sexta-feira, em Lisboa. O projeto de Restauro do Centro Histórico de Birzeit, no território palestiniano da Cisjordânia é um dos distinguidos

O restauro do Centro Histórico de Birzeit, na Cisjordânia, foi distinguido pela Fundação Aga Khan. “A obtenção de um prémio internacional cria nos palestinianos a sensação de que podem ser como qualquer outro povo”, afirmou ao Expresso a ministra palestiniana do Turismo.

A ministra Rula Ma’ayah receberá o prémio relativo ao projeto, numa cerimónia realizada no Castelo de São Jorge que contará com a presença de Aga Khan, líder espiritual dos ismaelitas (uma vertente do xiismo) e do Presidente Cavaco Silva.

“Para um cidadão ou para uma instituição palestinianos, a obtenção de um prémio internacional funciona como um impulso. Ficamos com a sensação que podemos ser como qualquer outro povo”, afirmou Rula Ma’ayah, 43 anos.

“Nós vivemos sob ocupação (de Israel), enfrentamos muitos problemas, mas temos pessoas e instituições capazes, que podem competir a nível internacional.”

Vinte finalistas, de todo o mundo

Instituído em 1977, o Prémio Aga Khan para a Arquitetura, no valor de um milhão de dólares (quase 760 mil euros), promove conceitos de construção que correspondam às necessidades e aspirações de comunidades com uma presença muçulmana significativa. E reconhece exemplos de excelência arquitetónica no campo do design contemporâneo, habitação social, preservação histórica e melhoria do meio ambiente.

Da lista de 20 finalistas, constaram projetos como o Liceu Francês Charles de Gaulle, em Damasco (Síria), a Escola Primária de Girubuntu, em Kigali (Ruanda) e o Restauro Pós-Tsunami das Casas de Kirinda, de Tissamaharama (Sri Lanka).

Conhecedora do trabalho do gabinete de Arquitetura Riwaq, responsável pelo projeto premiado, Eva Oliveira, 34 anos, investigadora de Estudos Palestinianos na Universidade de Birzeit, comenta: “O prémio é importante, desde logo, pelo reconhecimento internacional da qualidade do trabalho arquitetónico executado na Palestina. Este projeto é representativo de vários outros que estão em desenvolvimento nos centros históricos de Jenin e Hebron, por exemplo.”

Uma imagem diferente da Palestina

Outra razão realçada pela investigadora portuguesa prende-se com o aspeto financeiro, “dada a situação económica precária do Estado palestiniano e a dependência de financiamento externo. Com certeza que o dinheiro será usado na restauração de algumas aldeias que estão em ruínas. Os custos da restauração dos edifícios são altos e várias famílias estão a vender as pedras dos edifícios antigos para construírem novas casas a preços mais baixos”.

Há ainda a questão da conservação do património cultural que “sofre ameaças diárias, sobretudo desde a construção do muro de separação (entre Israel e a Cisjordânia). Sabendo-se que aquele que ocupa e coloniza tenta apagar os sinais nativos, prévios à sua chegada, compreende-se que preservar e conservar o património cultural palestiniano é também uma forma de resistência à ocupação: o chamado sumud“.

Por último, Eva Oliveira refere que o prémio “dá uma imagem diferente da Palestina, normalmente associada a caos, conflitos, pessoas mumificadas com pedras e fisgas nas mãos. Este prémio realça os aspetos positivos do povo palestiniano: a humanidade, a cultura, o conhecimento, o profissionalismo. Há um grande potencial na Palestina à espera de ser explorado”.

FOTOS FUNDAÇÃO AGA KHAN

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de setembro de 2013. Pode ser consultado aqui