O Mundial da Rússia arranca esta quinta-feira com 32 países em competição. Mas o gosto pelo futebol contagia muitos mais. Dos parques dos Estados Unidos às estepes da Mongólia, passando pelas favelas do Brasil e pelas praias de Portugal, esta fotogaleria regista a paixão universal pelo “desporto-rei”
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TAILÂNDIA — Crianças jogam à bola num campo flutuante, na aldeia piscatória de Ko Panyi, no sul da Tailândia SOE ZEYA TUN / REUTERSREINO UNIDO — Partida de futebol próximo de uma fábrica munida a carvão, na zona de Rugeley, centro de Inglaterra OLI SCARFF / AFP / GETTY IMAGESCAMBODJA — Uma bola chega para divertir um grupo de crianças junto à estância de Koh Dach, nas margens do rio Mekong, arredores de Phnom Penh PRING SAMRANG / REUTERSBRASIL — Ringue na favela Tavares Bastos, no Rio de Janeiro CARL DE SOUZA / AFP / GETTY IMAGESESPANHA — O adro de uma igreja de Olivença transformado num campo de futebol FRANCISCO LEONG / AFP / GETTY IMAGESCOREIA DO SUL — Ringues no telhado de um centro comercial de Seul, a capital sul-coreana JUNG YEON-JE / AFP / GETTY IMAGESITÁLIA — Campo pelado junto ao aqueduto Felice, em Roma FILIPPO MONTEFORTE / AFP / GETTY IMAGESGANA — Terminadas as aulas nesta escola primária de Dambai, um conjunto de crianças entretem-se a jogar à bola FRANCIS KOKOROKO / REUTERSÁUSTRIA — Dois irmãos jogam futebol no jardim de sua casa, em Viena LEONHARD FOEGER / REUTERSFILIPINAS — A chuva intensa (e um bebé às costas do menino) não demove três crianças de jogarem à bola, na cidade de Quezon, área metropolitana de Manila DONDI TAWATAO / REUTERSESTADOS UNIDOS — Ao cair da noite, relvados entre os arranha-céus de Nova Iorque enchem-se de praticantes de futebol HECTOR RETAMAL / AFP / GETTY IMAGESRÚSSIA — Indiferentes às condições do terreno, um grupo de russos treina na lama, numa aldeia próxima de Leninegrado ANTON VAGANOV / REUTERSMALI — Balizas sem rede, sandálias em vez de sapatilhas. Não existem obstáculos para estes jovens futebolistas dos arredores de Bamako ANN RISEMBERG / REUTERSÍNDIA — Pavilhão cercado de rede, em Bombaím, para impedir que as bolas pontapeadas com força se percam nos terrenos circundantes FRANCIS MASCARENHAS / REUTERSMONGÓLIA — Um penalty sob os céus de Ulan Bator, a capital mongol RENTSENDORJ BAZARSUKH / REUTERSMYANMAR — Em Rangum, cidade da antiga Birmânia, joga-se futebol junto ao pagode Botataung ANN WANG / REUTERSINDONÉSIA — Adultos e crianças de Jacarta jogam à bola num parque de estacionamento instalado no topo de um edifício DARREN WHITESIDE / REUTERSBÓSNIA HERZEGOVINA — Futebol num cenário histórico: a fortaleza Vranduk, construída no século XIV DADO RUVIC / REUTERSCHINA — Relvado instalado num telhado de Xangai ALY SONG / REUTERSCUBA — Fintas e correrias na baixa de Havana ALEXANDRE MENEGHINI / REUTERSCHILE — Um lance disputado num terreno poeirento de Santiago do Chile IVAN ALVARADO / REUTERSARGÉLIA — O entusiasmo pelo futebol numa zona degradada de Argel ZOHRA BENSEMRA / REUTERSJAPÃO — Neste laboratório da Universidade Poitécnica de Tóquio, quem joga são robôs TORU HANAI / REUTERSVIETNAME — O pátio de um templo é “sagrado” para estas crianças da aldeia de Hoang Xa, arredores de Hanói NGUYEN HUY KHAM / REUTERSÁFRICA DO SUL — Um campo com marcações para a prática do basquetebol transformado num estádio de futebol, no Soweto, contíguo a Joanesburgo SIPHIWE SIBEKO / REUTERSHAITI — Uma partida entre amigos num terreno sujo de Port-au-Prince ANDRES MARTINEZ CASARES / REUTERSEL SALVADOR — Relvado cheio de praticantes, no Complexo Desportivo La Campanera, uma comunidade na área metropolitana de San Salvador visada pela violência dos gangues JOSE CABEZAS / REUTERSQUÉNIA — Campo sujo e encharcado perto dos bairros de lata do vale Mathare, em Nairobi NJERI MWANGI / REUTERSPORTUGAL — Arte e talento na praia de Espinho ALEX GRIMM / GETTY IMAGES
Artigo publicado na “Tribuna Expresso”, a 14 de junho de 2018. Pode ser consultado aqui
Alvo de um bloqueio político, o Qatar contra-ataca com o futebolista mais caro de sempre
O Qatar é um caso de persistência nas manchetes internacionais. Em inícios de junho, o pequeno emirado ribeirinho ao Golfo Pérsico foi notícia dias a fio após ser alvo de um bloqueio diplomático e comercial — que ainda dura — decretado por quatro ‘irmãos’ árabes (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito). Há poucas semanas, arrebatou noticiários nos quatro cantos do mundo ao estar por detrás da contratação mais cara da história do futebol — a do brasileiro Neymar, comprado ao Barcelona pelo Paris Saint-Germain (PSG), propriedade de um fundo soberano do Qatar, por 220 milhões de euros.
“Nem tudo o que está relacionado com o Qatar está relacionado com política. Mas penso que, neste caso, é justo estabelecermos uma ligação dessa natureza”, diz ao Expresso David B. Roberts, investigador no King’s College, de Londres. “Neste contexto, em que o Qatar é alvo de um bloqueio pouco usual e bastante difícil e a imprensa dos países que se opõem ao Qatar tem promovido uma imagem muito negativa do emirado, dizendo, por exemplo, que apoia terroristas, é perfeitamente plausível que os qataris estivessem interessados em promover esta transferência, para beneficiar de dias, semanas a fio de manchetes demonstrativas de uma mentalidade muito mais positiva.”
O PSG está nas mãos do Qatar desde 2011, quando a Qatar Sports Investments adquiriu 70% do clube francês. Nasser Al-Khelaifi, membro da família real do Qatar, subiu à presidência, contratou o sueco Zlatan Ibrahimovic ao Milan e logo o seu reinado começou a dar frutos: o PSG foi tetracampeão da Ligue 1 entre 2012 e 2016. O ‘penta’ foi-lhe roubado na época passada pelo Mónaco, treinado por Leonardo Jardim.
“O PSG é apenas uma peça de uma campanha mais abrangente de soft power”, diz o professor Roberts, referindo-se à capacidade de influência de um Estado através da ideologia ou da cultura (e não das armas). “Quanto dinheiro é gasto, todos os anos, pela Coca-Cola e pela Pepsi em publicidade em todo o lado? Às vezes não percebemos porque patrocinam determinado torneio de futebol ou até um jogador e o que ganham com isso. Mas toda a grande empresa no mundo gasta milhões em publicidade por alguma razão. É isso que o Qatar está a fazer também.”
Do boxeur Ali ao FIFA 2022
Esta estratégia de afirmação fora de portas através do desporto é, aliás, tão antiga quanto o próprio país. Em 1971, ano em que se tornou independente do Reino Unido, o Qatar recebeu o mediático pugilista Muhammad Ali, que realizou um combate de exibição ao ar livre no Estádio de Doha. Desde então, o país já acolheu quase de tudo, desde torneios de topo de ténis e golfe a competições de desportos motorizados e meetings de atletismo. Em 2006, a capital, Doha, recebeu os Jogos Asiáticos, uma versão regional dos Jogos Olímpicos.
Mas é o futebol, o desporto mais popular no país, que tem justificado grandes eventos. Em 1988, o Qatar organizou a Taça Asiática, o correspondente regional do Campeonato Europeu, que repetiu em 2011. Em 1995, acolheu o Campeonato do Mundo de Sub-20 (em que Portugal foi terceiro). Em 2014, o Estádio Jassim Bin Hamad, em Doha, foi palco da… Supertaça italiana, entre a Juventus e o Nápoles. Em 2022 será colocada a cereja no topo do bolo, com a realização do Mundial da FIFA.
De permeio, por intermédio da Qatar Sports Investments — a mesma que comprou o PSG —, passou a patrocinar o FC Barcelona, um dos clubes mais mediáticos do mundo, primeiro através da Qatar Foundation (2011-2013) e depois da Qatar Airways (2013-2017). Curiosamente, desde 2013 que o patrocinador principal do grande rival do Barça, o Real Madrid, é a companhia aérea Emirates, dos Emirados Árabes Unidos, um dos protagonistas do bloqueio em curso ao Qatar.
Gastar quantias avultadas no desporto não é, pois, algo de novo para o emirado. “O Qatar tem muito dinheiro. É o país mais rico do mundo em termos per capita”, diz David B. Roberts, recordando que o país tem pouco petróleo mas partilha com o Irão o maior campo de gás do mundo. “Um Estado aplica aquilo que tem. O que é que a Coreia do Norte tem? Tem ambição nuclear e armas de longo alcance. O Qatar tem essencialmente instrumentos financeiros, e está a aplica-los.”
Muito dinheiro para gastar
Obrigado a acatar 13 exigências para ver o bloqueio por terra, mar e ar levantado — entre as quais o corte de relações com o Irão (“O Qatar não pode ter uma má relação com o Irão. Têm uma relação pragmática”, defende Roberts) —, o negócio Neymar é uma jogada de contra-ataque. “O Qatar é muito resiliente, tem aliados internacionais importantes e muito dinheiro para gastar”, diz o autor do livro “Qatar: Securing the Global Ambitions of a City-state” (2017). “Mas esta crise vai-lhe sair extremamente cara, porque vai ter de reformular a origem da grande maioria das importações. Sim, podem vir do Irão ou, provavelmente, da Turquia, isso já está a acontecer, mas vai-lhe sair muito caro. É um preço que o Qatar está disposto a pagar. Eles dizem: ‘A soberania não tem preço. Para fazermos o que queremos, temos de pagar por isso.’”
No domingo passado, a Qatar Ports Management Co. anunciou a abertura de uma nova rota de navegação entre o seu porto de Hamad e o porto paquistanês de Karachi, visando contornar dificuldades impostas pelo bloqueio. Para David B. Roberts, o desfecho desta crise demorará anos, não meses.
Até lá, em campo, Neymar provará (ou não) se a fortuna que custou teve retorno. Para já, o Qatar não podia estar mais satisfeito. O brasileiro estreou-se pelo PSG no passado domingo, à segunda jornada da Ligue 1, no campo do Guingamp. Marcou um golo, participou nos outros com que o PSG venceu e foi considerado “o homem do jogo”. No final, afirmou: “As pessoas pensam que deixar o Barça é morrer, mas é o contrário, estou mais vivo do que nunca.” E com os bolsos incomparavelmente mais cheios também.
Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de agosto de 2017 e republicado no “Expresso Online” no mesmo dia. Pode ser consultado aqui
No mundo do futebol popular português, há equipas que se inspiram nos grandes da Europa para jogar à bola de forma desinteressada. A “Tribuna Expresso” visitou o Juventus de Pedroso, em Vila Nova de Gaia, um clube onde se privilegia a conduta em detrimento da ambição desportiva
Real Madrid 1 – Juventus 3. Se o futebol popular português funcionar como prenúncio, a vitória na final da Liga dos Campeões, este sábado, sorrirá à equipa italiana. Foi esse o resultado, esta época, entre o Grupo Desportivo Juventus de Pedroso e o Real Club Recarei — o primeiro de Vila Nova de Gaia, fundado por admiradores da “Vecchia Signora”, e o segundo de Paredes, por fãs do Real Madrid. As duas equipas competem na Liga de Ovar e defrontaram-se para a taça local – o Juventus eliminou o Real.
Nos meandros do futebol amador, há vários clubes batizados com nomes que aludem aos grandes europeus. Em Recarei, leva-se muito a sério a rivalidade da capital espanhola: para além do Real Club, existe também o Atlético de Recarei. “Não se podem ver…”, comenta Joaquim Costa, presidente do Juventus de Pedroso. “Em V. N. de Gaia, há o Arsenal de Serzedo, mas a equipa está parada.”
Aos 55 anos, Joaquim Costa leva já 36 ao serviço do futebol. Tinha 18 anos quando, com um grupo de amigos, fundou o Juventus de Pedroso. “Uns viviam no lugar de Santa Marinha e outros na Alheira. Éramos da mesma idade e andávamos no coro da igreja. Costumávamos fazer jogos entre o coro de Santa Marinha e o da Alheira. Um dia pensamos em jogar juntos”, como equipa. Foram a Recarei. “Portamo-nos muito bem, todos gostaram. Então pensamos: ‘Por que não criarmos um clube de futebol?’”
Em finais de 1980, em Itália, a Juventus de Dino Zoff, Marco Tardelli e Claudio Gentile — treinada por Giovanni Trapattoni — ia a caminho de mais um título no Calcio e seduzia adeptos em todo o mundo. “Era um clube mediático, o melhor clube italiano”, recorda. Em Pedroso, para os que estavam envolvidos na criação do clube, o nome Juventus era oportuno, ou não fossem todos jovens. “O símbolo da Juventus de Turim é preto e tem um touro, o nosso é verde e tem um trevo. Escolhemos o verde porque éramos jovens, éramos verdes, e o trevo porque procurávamos a sorte.” Do nome ao emblema, “tudo tinha ligação com a juventude.”
O verde e o trevo distinguem o emblema dos de Pedroso do símbolo dos de Turim MARGARIDA MOTA
Se no início jogavam de forma irregular, com o tempo e o gosto passaram a jogar todos os domingos de manhã. “Para pertencer à equipa, cada jogador pagava uma quota e não podia faltar muitas vezes senão era expulso. Até hoje, nunca deixamos de fazer um jogo por falta de gente.”
Os associados da coletividade são os dirigentes, os atletas e uns quantos voluntários. Todos pagam 10 euros por mês, treinador incluído, para fazer face às despesas, nomeadamente a renda da sede — onde Joaquim Costa recebeu o “Expresso” —, uma divisão única com paredes forradas de recordações: troféus, galhardetes e fotografias. A primeira taça conquistada data de 8 de dezembro de 1982.
Angariar mais sócios poderia ser uma solução para responder às dificuldades, mas “não temos nada para dar aos sócios”, nem um espaço de convívio onde possam tomar um café. “Lutamos por um espaçozinho um pouco maior.”
O clube não tem dívidas, mas para pagar as despesas correntes — os gastos anuais ascendem a 3500 euros e, por mês, entram à volta de 160 euros em quotas —, os dirigentes têm de arregaçar as mangas e ser criativos. A Junta de Freguesia apoia com algum, passam rifas de vez em quando, tentam arranjar patrocinadores para comprar equipamentos novos e associam-se a eventos onde possam lucrar alguma coisa. Entre 13 e 19 deste mês, lá estarão com uma tasquinha montada na Festa no Caneco, organizada pela Junta de Pedroso.
A placa foi retirada da fachada da sede para identificar a barraca do clube na Festa do Caneco MARGARIDA MOTA
No rol das despesas, pesa bastante o aluguer do campo, 125 euros por mês. Os jogos “em casa” são disputados em Pousadela, Nogueira da Regedoura, fora da freguesia e mesmo do distrito do Porto. “Em Pedroso, não temos campo disponível ao domingo de manhã. Estão todos ocupados com as camadas jovens.”
Em tempos, chegaram a usar o Estádio Jorge Sampaio, inaugurado em 2003, com campo relvado, bancadas coloridas para cerca de 8500 espectadores e pista de tartan. “Agora o FCPorto tem a preferência. Dão-lhe utilização e asseguram a manutenção da relva, o que não é mau. Eu não defendo aquele estádio, é um elefante branco. Preferia mais campos adaptados à realidade da nossa freguesia que é rica em futebol popular. Nem que fossem pelados.”
Durante a semana, não há treinos. Os adversários pensam que sim, por causa dos resultados que conseguem. “Este clube e o futebol popular em geral existem precisamente para aqueles que não podem treinar à semana. Hoje trabalha-se muito por turnos”, explica Joaquim Costa. “Ao fim de semana estão livres, a malta encontra-se e o treino faz-se nos jogos. Vai-se experimentando jogadores em determinadas posições. Não vale a pena marcar treinos para aparecerem meia dúzia. É preferível não treinar.”
A dedicação e o compromisso tem dado frutos. Atualmente, o Juventus é o campeão da Liga de Ovar — disputada, esta época, por 20 equipas — e lidera a competição. “Nos últimos cinco anos, ganhamos quatro campeonatos e uma taça.”
Joaquim Costa define-se como “uma pessoa do futebol”. Tem formação de treinador, cursos de massagista, primeiros-socorros, de árbitro e de treino específico para guarda-redes. Em várias funções, designadamente a de adjunto, já subiu duas equipas ao Nacional, o Souzense e o Grijó. “Ter criado este clube, deu-me muito sentido de responsabilidade e ensinou-me muito na vida, desde logo a lidar com pessoas. Quando me dizem que eu me dedico muito ao futebol respondo que o futebol, a mim, não me deve nada. Ensinou-me tanta coisa que eu tinha de pagar ainda.”
Para além do Juventus de Pedroso, e da sua atividade profissional — é controlador de qualidade numa fábrica de vidro —, Joaquim está também ligado ao futebol distrital. “Ao domingo de manhã dedico-me ao Juventus, ao sábado dedico-me ao Avintes, onde sou coordenador do futebol juvenil. Já tenho 25 anos de carreira, recebi o cartão vitalício da Federação.” Nunca foi expulso, orgulha-se.
Joaquim Costa, presidente do Juventus de Pedroso MARGARIDA MOTA
Fala com emoção dos jogos internacionais do Juventus, cerca de 40, em Espanha e com equipas espanholas em Portugal. Os mais especiais realizaram-se em Vigo. Todos os anos, a equipa portuguesa defrontava uma seleção de jogadores das várias equipas de futebol popular da cidade. O intercâmbio — ora lá, ora cá — deixou de se fazer em 2005, por questões financeiras. “Era uma coisa saudável. Os espanhóis gostavam muito de vir aqui. Pediam sempre que servíssemos frango assado — “Costa, queremos pito!”, uma coisa banal para nós. Lá, em termos gastronómicos, os primeiros anos foram difíceis, não nos adaptávamos à comida deles. Para nós, uma grande ida a Espanha era levar a lancheira, almoçar na praia do Samil (Vigo) e depois fazer o jogo. Independentemente do resultado do jogo, toda a gente se divertia. Era uma festa.”
O Juventus era sempre o clube português convidado. “Tínhamos uma conduta muito boa, nunca arranjávamos problemas. Quando surgia alguma confusão acabava depressa. E no futebol popular não é preciso muito…”
Em Vigo, Joaquim Costa tornou-se “uma autoridade”. Nas cerimónias de entrega de prémios da Agrupación Deportiva Primavera — um campeonato semelhante à Liga de Ovar —, era apresentado como “o presidente da liga de futebol popular em Portugal”. “Eles queriam apresentar aos alcaides alguém importante. Então, não diziam que eu era de Pedroso, mas antes que era de Portugal. Para os alcaides, se eu fazia aqueles quilómetros todos para ali estar era porque o evento era importante, e ficavam mais predispostos a ajudar. Os espanhóis diziam que ganhavam muito dinheiro com a minha ida lá. Eu nunca me importei com isso.”
Enquanto estiver no ativo, os planos para ir a Turim ver a Juventus ao vivo ficam adiados. “Gostava imenso, mas ando sempre tão envolvido no futebol que dificilmente teria um espaçozinho para sair. A minha filha vai casar agora e eu disse-lhe: ‘Cuidado com a data…’”
De Turim, nunca recebeu qualquer reconhecimento ou mensagem de incentivo. “Mandei para lá fotos, galhardetes, uma apresentação de quem somos, mas não responderam. Se calhar a altura também não foi a melhor… A Juventus teve uma fase menos boa, por causa de casos de corrupção, até chegou a ser despromovida. Mas não desmotivamos. Não vou desistir, vou voltar a mandar.”
Equipa do Juventus de Pedroso que disputou o 1º Torneio Internacional de Veteranos, no passado fim de semana, em Pedroso JUVENTUS DE PEDROSO
Quando, em fevereiro passado, a Juventus esteve no Porto para discutir com o FCPorto a passagem aos quartos de final da Champions, Joaquim ainda rondou o hotel onde a “squadra” estava hospedada. Mas de Buffon, Dybala ou Dani Alves, nem ve-los. “É muito difícil chegar a estas equipas profissionais.”
Este sábado, não sabe se vai ver a final da Champions pela televisão. Estará em Lisboa, num torneio, com o Avintes. Na pior das hipóteses, grava o jogo e vê depois. Sem surpresa, vai torcer pela Juventus, ainda que a presença de Cristiano Ronaldo na equipa adversária o faça hesitar. “Gosto que ele ganhe sempre tudo, é português e tem conseguido superar todas as expectativas. Mas sendo o adversário a Juventus, e uma vez que o Real Madrid tem ganho tanta coisa, torço pela Juventus. O Buffon está em fim de carreira, merece um prémio.”
No apoio à Juventus, os de Pedroso abrem uma exceção quando os italianos defrontam o clube português por quem torcem. “Temos a simpatia, mas não aquele clubismo… Se a Juventus jogar com o nosso clube, torcemos pelo nosso clube. Se a Juventus ganhar, já não é tão dramático.”
Na época passada, o Benfica convidou Joaquim Costa para ser o coordenador-geral da Escola Geração Benfica, em Lever (V. N. de Gaia), perto de Pedroso. Joaquim disse “não” ao clube do seu coração. “Ia ganhar dinheiro, mas tinha de deixar o Avintes. Antes quero fazer parte da história do Avintes do que ser um qualquer que foi à procura de dinheiro. Tenho pena, mas o Avintes ajudou-me muito na vida e agora, que precisa de mim, eu não vou abandona-lo. São coisas que mexem com o nosso coração.”
(Foto principal: Em cima ao centro, o galhardete do Real Club Recarei, exposto na sede do “rival” Juventus de Pedroso MARGARIDA MOTA)
Artigo publicado na “Tribuna Expresso”, a 2 de junho de 2017. Pode ser consultado aqui
Faz fronteira com a Síria e com o Egito, mas goza, a nível futebolístico, de um estatuto europeu. Israel disputa o Campeonato da Europa a nível de seleções e os seus clubes competem nas provas da UEFA, como o confirma o jogo desta quarta-feira entre Maccabi de Telavive e FC Porto
A cada nova época desportiva, já poucos estranham a presença de equipas israelitas nas provas organizadas pela UEFA. É assim desde 1992, ano em que Maccabi de Telavive e Hapoel Petah-Tikva fizeram história ao tornarem-se os primeiros clubes israelitas a participarem nas competições europeias.
Criado em 1948, Israel herdou dos britânicos, que detinham o mandato da Palestina, o entusiasmo pelo futebol — hoje, o desporto mais popular entre os israelitas. Correspondendo à sua localização geográfica, em 1954, o país aderiu à Confederação Asiática de Futebol, estatuto que duraria apenas 20 anos.
Cedo, a participação desportiva israelita começou a ressentir-se de atitudes de boicote por parte de equipas adversárias, que se recusavam a defrontar os israelitas.
Vencer sem jogar
Em 1958, essa animosidade levou a um episódio bizarro: durante a fase de qualificação para o Mundial da Suécia, Israel garantiu o apuramento sem ter disputado um único jogo. Turquia (que hoje também disputa as provas da UEFA), Indonésia e Sudão recusaram jogar contra Israel. Para contornar o embaraço, a FIFA organizou um “play off” entre Israel e o País de Gales. Israel perdeu as duas partidas por 2-0.
Igualmente, em 1964, quando Israel recebeu e venceu a Taça Asiática, o feito foi ensombrado pelo facto de 11 dos 16 países participantes se terem retirado da competição. Israel ganharia o torneio triunfando apenas contra Índia, Coreia do Sul e Hong Kong.
A convivência de Israel no seio da Confederação Asiática de Futebol complicou-se definitivamente após a eclosão da guerra do Yom Kippur, em 1973, a quarta israelo-árabe. Durante os Jogos Asiáticos do ano seguinte, disputados em Teerão (ainda no Irão reinava o Xá Mohammad Reza Pahlavi), Kuwait e Coreia do Norte recusaram defrontar Israel.
Os israelitas chegariam à final, que perderiam por 0-1 para os iranianos (um jogo impossível de se realizar na atualidade). Porém, o mérito desportivo sucumbiria à contestação política e Israel seria expulso da Confederação Asiática em 1974.
Durante os anos 80, a seleção israelita jogou a maioria dos jogos contra equipas europeias, disputou na Europa a qualificação para o Mundial de Espanha (1982) e na Oceânia o acesso aos dois torneios seguintes (México 86 e Itália 90).
Casa emprestada por causa da guerra em Gaza
O futebol israelita recuperaria a estabilidade competitiva em 1992, quando as suas equipas começaram a disputar as provas da UEFA. O país seria admitido na confederação como membro associado nesse ano e como membro de pleno direito dois anos depois.
De permeio, em 1993, a seleção israelita atingiria a glória ao derrotar a França, no Parque dos Príncipes, em Paris, por 2-3, durante a qualificação para o Mundial dos Estados Unidos. (Atualmente, é na zona europeia que a seleção israelita disputa a qualificação para os Mundiais da FIFA.)
Se, em termos políticos, Israel encontrou na UEFA a estabilidade que a dada altura perdeu na Confederação Asiática, a instabilidade crónica que flagela a região do Médio Oriente tem penalizado as equipas israelitas também no seio europeu.
Na última época, por exemplo, por determinação da UEFA, Maccabi de Telavive, Hapoel de Telavive e Hapoel Beersheva tiveram de recorrer a “locais alternativos, fora do território de Israel” para disputar os jogos caseiros da Liga dos Campeões e da Liga Europa. Um efeito colateral de mais uma guerra na Faixa de Gaza, no verão de 2014.
Palestinianos mostram cartão vermelho
Em maio passado, o conflito israelo-palestiniano chegou ao Congresso anual da FIFA, realizado em Zurique (Suíça). Membro da organização desde 1998 — à semelhança das associações de outras nações não soberanas como Inglaterra, Escócia e País de Gales —, a Associação Palestiniana de Futebol lançou uma petição no sentido da suspensão de Israel.
Então, os palestinianos enumeraram situações que, em seu entender, encerram em si violações dos princípios e da ética da FIFA por parte das autoridades israelitas: restrições à circulação de jogadores e responsáveis palestinianos entre os dois territórios palestinianos (Cisjordânia e Faixa de Gaza); proibição de entrada a adversários internacionais nos territórios ocupados palestinianos; inclusão de equipas oriundas de colonatos nos campeonatos secundários israelitas.
Jibril Rajub, presidente da Associação Palestiniana de Futebol, acabaria por emendar a moção, retirando a exigência da suspensão de Israel e propondo a formação de um comité internacional que investigue a liberdade de movimentos dos jogadores palestinianos, as acusações de racismo e o estatuto de cinco equipas israelitas sedeadas na Cisjordânia.
A cedência palestiniana foi muito criticada entre os palestinianos. “Isto não quer dizer que eu vou desistir da resistência”, garantiu Jibril Rajub. “Não devemos misturar política e futebol”, contrapôs o delegado israelita, Ofer Eini.
O CASO BRAHIMI
Mal foi conhecido que o FC Porto ia defrontar o Maccabi de Telavive, para a Liga dos Campeões, multiplicaram-se apelos, na imprensa argelina e nas redes sociais, para que o argelino Yacine Brahimi se recusasse a defrontar os israelitas. “A decisão final sobre as minhas deslocações profissionais cabe a mim e ao FC Porto”, escreveu Brahimi no Facebook. Na primeira mão, no Dragão, a 20 de outubro passado, Brahimi marcou um dos golos da vitória do Porto por 2-0 sobre o Maccabi. Uma lesão entretanto diagnosticada resolveu o dilema relativo à sua deslocação a Israel
* Este texto baseia-se num artigo escrito por Richard Williams, publicado Sky News Online
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de novembro de 2015. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.