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Ataque ao Iémen

Uma coligação liderada pela Arábia Saudita começou a bombardear o vizinho Iémen. O objetivo é acabar com o poder dos rebeldes houthis, que controlavam a capital, ameaçavam tomar Aden e são apoiados pelo Irão. Mais um conflito revelador da grande rivalidade geopolítica do Médio Oriente: Arábia Saudita versus Irão

INFOGRAFIA SOFIA MIGUEL ROSA

Dez países liderados pela Arábia Saudita lançaram, às primeiras horas de quinta-feira, uma operação militar no Iémen. A “Tempestade Decisiva”, como é chamada a missão, visa “defender e apoiar o Governo legítimo do Iémen e impedir que o movimento radical houthi assuma o controlo do país”, esclareceu Adel al-Jubair, embaixador saudita nos Estados Unidos.

Aviões da coligação alvejaram a base aérea de Al-Daylami, o aeroporto internacional a norte de Sanaa, bem como o complexo presidencial, que estava nas mãos dos rebeldes houthis (xiitas) desde janeiro. Registaram-se bombardeamentos também nas províncias de Sa’dah, Lahj e Taiz.

A Arábia Saudita controla o espaço aéreo do Iémen, impôs um bloqueio naval no estreito do Mar Vermelho e, segundo o “Yemen Times”, já há 25 mortos confirmados — um número provisório em virtude da continuidade dos bombardeamentos.

O ataque começou horas após o Presidente do Iémen, Abd-Rabbu Mansour, ter apelado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao Conselho de Cooperação do Golfo e à Liga Árabe a uma intervenção internacional para conter “a agressão dos houthis”. Estes dominavam a capital desde setembro e tinham em curso uma ofensiva para sul, na direção de Aden, onde se refugiara o Governo iemenita após os houthis tomarem o palácio presidencial.

A avançada houthi iniciou-se aos quatro ataques suicidas de sexta-feira contra duas mesquitas de Sanaa, frequentadas pelos houthis, e que fizeram mais de 140 mortos. O ataque foi reivindicado pelo autodenominado Estado Islâmico, mas muitos especialistas denunciam uma tentativa de oportunismo por parte dos jiadistas, apontando antes o dedo à Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA), sedeada no Iémen.

Após a chacina nas mesquitas, os houthis prometeram combater o “extremismo sunita”.

INFOGRAFIA SOFIA MIGUEL ROSA

Desde Washington, o embaixador saudita disse esta quinta-feira que, por enquanto, a operação vai resumir-se a bombardeamentos aéreos, mas que a coligação “fará o que for necessário”. Segundo a televisão Al-Arabiya, a Arábia Saudita já tem mobilizadas 150 mil tropas.

“Acho e espero que não haja uma ofensiva terrestre”, diz ao Expresso Manuel Almeida, ex-editor do influente jornal árabe “Asharq Al-Awsat”. “Vai depender da reação dos houthis, que num primeiro momento vai ser inevitavelmente atacar a fronteira com a Arabia Saudita.”

“O Presidente Obama autorizou o fornecimento de informações e de apoio logístico às operações militares lideradas pelo Conselho de Cooperação do Golfo”, disse, em comunicado, Bernadette Meehan, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. (O Conselho de Cooperação do Golfo é uma organização regional formada pela Arábia Saudita e pelas cinco petromonarquias na região do Golfo Pérsico.)

Inversamente aos EUA, o Irão — acusado de apoiar os houthis — condenou os ataques, considerando-os um “passo perigoso” que só agravará a crise no país. A posição de Teerrão não é uma surpresa. “Não tenho qualquer dúvida que os houthis são um grupo fortemente influenciado pelo Irão”, diz Manuel Almeida, colunista no sítio Al-Arabiya News. “Sem essa ligação, esta crise nunca teria assumido a atual proporção.”

Sauditas e iranianos protagonizam a grande e histórica rivalidade no Médio Oriente. A Arábia Saudita é o gigante sunita, simultaneamente guardiã das mesquitas sagradas de Meca e Medina. O Irão, que tem no poder um regime islamita desde 1979, é o contrapeso xiita. Paralelamente à rivalidade religiosa, há uma importante diferença cultural: os sauditas são árabes e os iranianos são persas.

Tudo isto os empurra para um braço de ferro geopolítico particularmente grave quando o palco do conflito é a região do Golfo. Há quatro anos, no contexto da Primavera Árabe, tanques e tropas sauditas invadiram o Bahrain, quando a população de maioria xiita contestava nas ruas a dinastia reinante dos Al Khalifa (sunita), que os sauditas defenderam.

A ameaça xiita às portas da Arábia Saudita — é esta a forma como é sentida em Riade — volta a manifestar-se agora, desencadeando nova intervenção militar, desta vez no Iémen.

Uma visita ao Irão, que tudo mudou

Mas nem sempre estes rebeldes foram um peão do Irão. Liderados por Abdul-Malik al-Houthi, os houthis (cuja designação vem do nome do chefe) são os zaydis do norte do Iémen que, nos anos 70, protestavam contra a discriminação de que eram alvo por parte do Governo e também contra o avanço do salafismo (uma doutrina sunita ultra-convervadora e, em muitos casos, radical) que ameaçava a sua identidade zaydi — xiitas em termos religiosos mas próximos dos sunitas do ponto de vista doutrinário.

“Nessa altura, eram um movimento puramente local com reivindicações razoáveis e legítimas”, explica Manuel Almeida. “O momento de mudança aconteceu quando o seu líder na altura fugiu do Iémen e passou um longo período no Irão. Quando regressou, em meados dos anos 90, criou um novo grupo caracterizado por uma agenda muito mais ativista e radical, baseado no revivalismo da identidade zaydi.”

Simultaneamente às reivindicações dos houthis e à presença no território do braço mais ativo da Al-Qaeda — que reivindicou o ataque contra o “Charlie Hebdo”, por exemplo —, também contribui para o barril de pólvora iemenita o facto de ser um dos países mais pobres do mundo. Segundo as Nações Unidas, cerca de dois terços da população — o que corresponde a cerca de 15 milhões de pessoas — necessitam de ajuda humanitária.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 26 de março de 2015. Pode ser consultado aqui

Por que não há piratas no Golfo Pérsico?

Contrariamente ao Golfo de Aden, no lado oposto da Península Arábica não há piratas. A Marinha de Omã é soberana na monitorização do tráfego marítimo. Reportagem em Omã

Se, nos dias que correm, o Golfo de Aden tornou-se uma armadilha para a marinha mercante que percorre o Mar Vermelho, é legítimo questionar por que razão o fenómeno da pirataria não se repete no Golfo Pérsico, no lado oposto da Península Arábica. Provavelmente, porque Aden não é longe da Somália, responde Said bin Khalfan Al-Harthy, assessor no Ministério da Informação, em entrevista ao Expresso. Julgo que a pirataria não é um problema crónico. Pode ser ultrapassado, mas os países envolvidos nesta ameaça têm de colaborar, têm de ir à raiz do problema, diz. Ou seja, enfrentar a situação que se vive na Somália, um Estado em progressiva desagregação.

Em matéria de navegação, os omanitas sabem do que falam. Nós somos um dos guardiães do Estreito de Ormuz, continua Al-Harthy. De frente para o Irão, a Península de Musandam território omanita encrostado nos Emiratos Árabes Unidos penetra no mar e afunila a passagem dos petroleiros que descem o Golfo Pérsico. No Estreito, cabe à Marinha Real de Omã a monitorização do trânsito e a segurança dos petroleiros.

Ao dominar Ormuz, Omã domina uma das rotas comerciais marítimas mais antigas e mais importantes do mundo. Os portugueses perceberam-no no século XVI e os Estados Unidos mais recentemente… Na Península de Musandam, está instalada uma base militar norte-americana.

Artigo publicado no Expresso Online, a 1 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui