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Rebeldes sírios ameaçam boicotar conversações de paz

Está em perigo a cimeira de Astana, prevista para este mês, no Cazaquistão, sobre o conflito na Síria. Grupos rebeldes acusam o regime de Bashar al-Assad de não cumprir o cessar-fogo

Aos cinco dias de trégua na Síria, o principal grupo rebelde suspendeu a sua participação nos trabalhos de preparação das negociações de paz previstas para o final do mês, no Cazaquistão. O Exército Livre da Síria,apoiado pela Turquia, fala em em várias “violações” ao cessar-fogo por parte das forças de Bashar al-Assad .

“O regime e seus aliados continuam a sua investida e realizaram operações, especiamente no Vale de Barada, Ghouta Leste (Damasco), nos subúrbios de Hama e Daraa. Também bombardearam a nascente de Al-Fijeh que fornece água a seis milhões de sírios em Damasco e arredores”, lê-se num comunicado conjunto assinado por 12 fações rebeldes.

É um “significativo revés”, comentou Hashem Ahelbarra, repórter da Al-Jazeera colocado na cidade turca de Gaziantep, fronteira à Síria. “Os rebeldes dizem que assinaram o cessar-fogo de boa fé mas que o regime sírio e o seu aliado russo falharam” o seu cumprimento. “Dizem que os aviões continuaram a atacar áreas controladas pelos rebeldes por todo o país com bombas de barril, em particular Wadi Barada.”

Os signatários do comunicado realçam o agravamento da situação nesta área a noroeste de Damasco — crucial para o abastecimento de água à capital e cercada por forças governamentais desde meados de 2015 —, alvo de bombardeamentos quase diários por parte das forças nacionais e dos seus aliados do Hezbollah (grupo xiita libanês).

Racionamento de água em Damasco

Segundo o Gabinete da ONU para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA), o fornecimento de água foi cortado a 22 de dezembro após a infraestrutura ter sido “deliberadamente alvejada e danificada”, sem adiantar por quem. Presentemente, há racionamento de água na capital síria, com as autoridades obrigadas a recorrer às reservas.

Segundo a BBC, a área de Wadi Barada “não está abrangida pelo cessar-fogo, dada a presença do grupo jiadista Jabhat Fateh al-Sham [antiga Jabhat al-Nusra], excluído pelo acordo”.

Promovidas pela Rússia, Irão e Turquia, as conversações de Astana ainda não tem data concreta. Os organizadores dizem não pretender substituir o processo negocial apoiado pelas Nações Unidas previsto, que deverá ser retomado em fevereiro, mas antes completá-lo.

O diálogo de Astana é o passo seguinte ao cessar-fogo mediado por Rússia e Turquia — que no pântano sírio apoiam fações contrárias. Ficaram de fora grupos jiadistas que as Nações Unidas designam como “terroristas”, como o Daesh e a Jabhat Fateh al-Sham (antiga Jabhat al-Nusra).

Não abrangidas pelo acordo de cessar-fogo estão também as milícias curdas Unidades de Proteção Popular (YPG), que o Governo turco considera serem a extensão síria do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que luta pela autonomia do povo curdo dentro da Turquia desde a década de 80.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2017. Pode ser consultado aqui

Trégua no Iémen, mas só durante 72 horas

Huthis e forças leais ao Presidente deposto aceitaram um cessar-fogo de 72 horas para permitir o fornecimento de alimentos e assistência médica a populações isoladas

Entra em vigor esta quarta-feira à noite, no Iémen, um cessar-fogo de 72 horas, anunciou o enviado especial da ONU para o Iémen, Ismail Ould Cheikh Ahmed. A trégua — que terá início às 23h59 locais (21h59 em Portugal continental) — foi aceite pelas autoridades huthis, que tomaram o poder em setembro de 2014, e pelo Presidente deposto Abd-Rabbu Mansour Hadi, visando o fornecimento de alimentos e assistência médica a áreas isoladas desde há meses.

“Temos esperança que esta cessação [das hostilidades] em todo o território crie a oportunidade para as agências e organizações humanitárias trabalharem em áreas que têm estado isoladas ou são de difícil acesso em todo o Iémen”, afirmou Jamie McGoldrick, coordenador humanitário da ONU, à agência Reuters.

O poder que controla a capital e a parte norte do país — composto pelos huthis (apoiados pelo Irão) e por aliados locais (como o ex-Presidente iemenita Abdullah Saleh, afastado do poder no contexto da Primavera Árabe) — declarou que o país necessita de uma trégua imediata e incondicional e exigiu o fim dos ataques levados a cabo pela coligação árabe liderada pela Arábia Saudita e o levantamento do bloqueio ao país, por terra, mar e ar.

Esta intervenção militar, em defesa do Presidente deposto Abd-Rabbu Mansour Hadi, está em curso desde desde março de 2015, sem resultados visíveis no terreno. As críticas à operação intensificaram-se recentemente, após um bombardeamento a um salão comunitário onde decorria um velório, na capital iemenita (Sana), no passado dia 8, que provocou 140 mortos e feriu mais de 500 pessoas. A Arábia Saudita assumiu a culpa justificando o ataque com “informação incorreta”.

No sangrento conflito no Iémen — que já levou a Cruz Vermelha Internacional a doar morgues a hospitais iemenitas —, nenhuma das partes é poupada às acusações. Num relatório divulgado pela organização humanitária Coligação Iemenita para a Monitorização das Violações dos Direitos Humanos, na segunda-feira, estão documentados 9949 casos de detenção arbitrária por parte dos huthis e de milícias aliadas, entre 21 de dezembro de 2014 e 30 de abril deste ano, incluindo 12 mulheres e… 204 crianças.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de outubro de 2016. Pode ser consultado aqui

Uma trégua com graves fragilidades

Entra em vigor no próximo sábado, mas deixa de fora o Daesh e outros grupos jiadistas. A oposição teme que o cessar-fogo negociado por EUA e Rússia beneficie, acima de tudo, Bashar al-Assad

Estados Unidos e Rússia anunciaram uma trégua para a guerra na Síria, prevista para entrar em vigor à meia-noite de sábado, em Damasco (menos duas horas em Lisboa). As partes em confronto têm até ao meio dia de sexta-feira para comunicar a sua adesão ao cessar-fogo.

O plano foi discutido ao telefone por Barack Obama e Vladimir Putin, chefes de Estado dos dois pesos pesados da política internacional, que, neste conflito, estão em lados opostos da barricada: Moscovo é o mais forte aliado de Bashar al-Assad (apoiado também pelos Irão e pelo libanês Hezbollah, ambos xiitas) e Washington está do lado da oposição (tal como Arábia Saudita e Turquia, ambos sunitas).

Anunciada na segunda-feira, através de um comunicado conjunto de Rússia e EUA, a trégua prevê o fim da troca de fogo entre as forças leais ao Presidente Assad e grupos da oposição.

O acordo deixa, porém, de fora grandes protagonistas dos combates — o autodenominado Estado Islâmico (Daesh), a Frente al-Nusra (associada à Al-Qaeda), e outras organizações igualmente rotuladas como terroristas pelo Conselho de Segurança da ONU.

“Para nós, a Al-Nusra é um ponto problemático, porque esse grupo está presente não só em Idlib, como também em Alepo, em Damasco e no sul”, reagiu Khaled Khoja, atual presidente da Coligação Nacional de Forças Revolucionárias e de Oposição da Síria. “O que é crítico aqui é que civis ou o Exército Livre da Síria (rebeldes) possam ser alvejados a pretexto de ser a Al-Nusra o alvo dos bombardeamentos.”

Esta terça-feira, o Governo sírio anunciou que aceita a trégua e que vai coordenar com a Rússia a decisão de quais os grupos ou áreas abrangidos pela “cessação de hostilidades”. Para a oposição ao regime, esta trégua irá dar cobertura a Assad — que desde setembro tem beneficiado com os bombardeamentos da aviação russa — para continuar a investir sobre áreas rebeldes.

“A Rússia e o regime irão visar áreas dos grupos revolucionários a pretexto de ali haver membros da Frente al-Nusra”, acusou Bashar al-Zoubi, responsável político do Exército Yarmouk, uma das fações que integram o Exército Livre da Síria (rebelde). “Nós sabemos como essas áreas são mistas. Se isso acontecer, esta trégua vai colapsar.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 23 de fevereiro de 2016. Pode ser consultado aqui

Fantasia num filme de terror

Entra em vigor no próximo sábado, mas deixa de fora o Daesh e outros grupos jiadistas. A oposição teme que o cessar-fogo negociado por EUA e Rússia beneficie, acima de tudo, Bashar al-Assad

Estados Unidos e Rússia anunciaram uma trégua para a guerra na Síria, prevista para entrar em vigor à meia-noite de sábado (horário de Damasco, menos duas horas em Lisboa). As partes em confronto têm até ao meio dia de sexta-feira para comunicar a sua adesão ao cessar-fogo.

Esta seria uma boa notícia — sobre um conflito que, em março, dobrará o seu quinto ano de duração, onde já perderam a vida mais de 250 mil pessoas e que se tornou a maior fonte de refugiados da atualidade — não fossem as dúvidas que se acumulam sobre a viabilidade da trégua.

Anunciada na segunda-feira, através de um comunicado conjunto de Rússia e Estados Unidos, que, neste conflito, estão em lados opostos da barricada — Moscovo apoia Bashar al-Assad, juntamente com o Irão e o libanês Hezbollah, ambos xiitas; Washington está do lado da oposição, tal como Arábia Saudita e Turquia, ambos sunitas —, a trégua prevê o fim da troca de fogo entre as forças leais ao Presidente Assad e grupos da oposição.

O acordo deixa, porém, de fora grandes protagonistas dos combates — o autodenominado Estado Islâmico (Daesh), a Frente al-Nusra (associada à Al-Qaeda) e outras organizações igualmente rotuladas como “terroristas” pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

“Para nós, a Al-Nusra é uma questão problemática, porque esse grupo está presente não só em Idlib, como também em Alepo, em Damasco e no sul”, reagiu Khaled Khoja, atual presidente da Coligação Nacional de Forças Revolucionárias e de Oposição da Síria. “O que é crítico aqui é que civis ou o Exército Livre da Síria [rebeldes moderados] possam ser atingidos a pretexto de ser a Al-Nusra o alvo dos bombardeamentos.”

Esta terça-feira, o Governo sírio anunciou que aceita a trégua e que vai coordenar com a Rússia a decisão de quais os grupos ou áreas abrangidos pela “cessação de hostilidades”. Para a oposição ao regime, uma possível paragem nos combates dará cobertura ao ditador Assad para continuar a investir sobre áreas rebeldes.

Se o Presidente tem recuperado algum controlo territorial, muito se deve ao apoio da aviação russa que, desde setembro, tem bombardeado em defesa do regime de Damasco. “O apoio russo e iraniano foi essencial aos avanços do nosso exército”, afirmou Bashar al-Assad, ao jornal espanhol “El País”, numa entrevista publicada no domingo. “Nós precisamos dessa ajuda por uma simples razão: porque mais de 80 países apoiaram os terroristas [como Assad se refere à oposição] de várias formas, alguns diretamente com dinheiro, com apoio logístico, com armamento, com recrutamento [de combatentes].”

Do lado da oposição, Bashar al-Zoubi, responsável político do Exército Yarmouk, uma das fações que integram o Exército Livre da Síria (rebelde), não tem grande confiança nesta trégua. “A Rússia e o regime irão visar áreas dos grupos revolucionários a pretexto de ali haver membros da Frente al-Nusra. Nós sabemos como essas áreas são mistas. Se isso acontecer, esta trégua vai colapsar.”

Esta é a primeira tentativa para trazer uma pausa ao conflito desde que, em 2012, um cessar-fogo mediado pelas Nações Unidas durou escassas horas. Mas olhando para a situação no terreno, e a ausência de qualquer dimensão política, mais parece ser este acordo uma resposta às situações de emergência humanitária do que um contributo sério para tirar os sírios do pesadelo da guerra. Um pesadelo que só Assad parece não ver: esta segunda-feira, ele marcou eleições legislativas para 13 de abril.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 23 de fevereiro de 2016. Pode ser consultado aqui

Trégua numa das cidades há mais tempo em guerra

Foi das primeiras cidades a rebelar-se contra Bashar al-Assad, no contexto da Primavera Árabe. Esta quarta-feira, após um acordo entre oposição e regime, Homs volta a estar sob controlo de Damasco

Raros são os dias em que se ouve falar de tréguas na Síria. Esta quarta-feira é, porém, um deles. Centenas de civis e combatentes começaram a ser retirados da zona de Waer, a última área da cidade de Homs disputada por forças da oposição e tropas leais ao Presidente Bashar al-Assad.

A movimentação segue-se a um acordo de cessar-fogo, mediado pela ONU, celebrado entre rebeldes e regime. No total, cerca de 2000 rebeldes e respetivas famílias deixarão os arredores de Homs, onde têm vivido sitiados desde 2012. Toda a cidade volta assim a estar sob controlo do Governo de Damasco.

Segundo o governador provincial Talal Barazi, a retirada prevista para esta quarta-feira envolve cerca de 700 pessoas: 400 mulheres e crianças e 300 combatentes. Segundo a BBC, o grupo será levado para a província de Idlib, controlada pela aliança rebelde Exército da Conquista, de que faz também parte a Frente Al-Nusra, ligada à Al-Qaeda.

Citado pela Agência France-Presse (AFP), Rami Abdel Rahman, diretor do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, afirmou que forças desta coligação rebelde farão a escolta dos autocarros.

Um jornalista da AFP testemunhou a entrada de dezenas de mulheres e crianças em pelo menos oito autocarros brancos. Nas imediações havia também veículos das Nações Unidas.

“A primeira fase ficará concluída até ao final da próxima semana”, disse o governador Barazi. A operação implica também a retirada de centenas de combatentes, alguns com ligações à Al-Qaeda. Grupos mais moderados que aceitaram o cessar-fogo permanecerão em Waer.

Assad dita os termos

Este tipo de acordos tem sido usado pelo regime sírio em várias zonas em disputa, que vê neles a melhor forma de ditar os termos do fim dos combates. Nalguns casos, Damasco permite inclusive que alguns grupos conservem o seu armamento e controlem as respetivas comunidades.

Ativistas sírios criticam esta estratégia do Governo de Assad referindo que estes acordos resultam de rendições após bloqueios punitivos sobre as populações. Este acordo permitirá também o fornecimento de alimentos e a entrada de ajuda humanitária na área.

Situada no centro da Síria, Homs foi das primeiras cidades sírias a manifestar-se nas ruas contra o regime sírio, em 2011, no contexto da Primavera Árabe. Chegou a ser designada “capital da revolução”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de dezembro de 2015. Pode ser consultado aqui