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Internet: um luxo ou um direito humano?

A esta pergunta respondeu a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, durante a sua intervenção na Web Summit. Michelle Bachelet abordou o impacto da tecnologia nos direitos humanos e enunciou princípios para lidar com o binómio liberdade de expressão ou discurso de ódio, na Internet

Mais de 70 anos depois, será que a Declaração Universal dos Direitos Humanos — redigida a seguir à II Guerra Mundial — deveria atualizar-se e adaptar-se à era digital? “Hoje, a Internet ainda é um luxo, mas não tenho dúvida de que é um direito humano”, disse Michelle Bachelet, a alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, numa intervenção na Web Summit. “Por essa razão, está incluído na Agenda do Desenvolvimento Sustentável para 2030 que todas as pessoas devem ter direito ao acesso à Internet.”

O “acesso universal e a preços acessíveis à Internet” consta do nono dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aprovados pela Assembleia Geral da ONU, que visam resolver necessidades tanto nos países desenvolvidos como nos territórios em desenvolvimento, sem deixar ninguém para trás.

“Vimos o que aconteceu durante o encerramento das escolas”, durante os confinamentos decretados no âmbito do combate à covid-19. “Todas as crianças que não tinham acesso à Internet não conseguiram prosseguir com a sua educação”, recorda a ex-Presidente do Chile (2006-10 e 2014-18).

“Não é fácil qualificar o discurso”

Bachelet afirmou que as questões da Internet são hoje objeto de estudo e trabalho no seio da organização que dirige. “Não é preciso atualizar os tratados dos direitos humanos. Eles são feitos para nos anteciparmos aos desafios. Hoje, o desafio é: como aplicar as leis existentes a este novo espaço digital e como compensar a proteção dos direitos humanos que são violados de novas maneiras, através da utilização de novas tecnologias.”

Uma das principais preocupações prende-se com o choque entre o exercício da liberdade de expressão e o discurso de ódio na Internet. Para a alta comissária, no cargo desde 2018, “é arriscado” traçar uma linha entre estas duas dimensões. “Como podemos ter a certeza de que algo que foi dito ou escrito é discurso de ódio ou liberdade de expressão? Não é fácil qualificar o discurso.”

A chilena defende uma análise caso a caso e propõe a aplicação de seis critérios: o contexto em que determinada coisa foi dita ou escrita, quem a proferiu, com que intenção, qual o conteúdo, a extensão do discurso e a probabilidade de provocar danos.

Da mesma forma, qualquer intenção de impor limites ao discurso deve obedecer a princípios, que enumera: legalidade, legitimidade, necessidade e proporcionalidade.

Vigiar a doença ou a população?

Em contexto de pandemia, Bachelet abordou o impacto sobre o direito à privacidade de novas ferramentas tecnológicas de vigilância em massa e de inteligência artificial para reconhecimento facial. “Enquanto algumas medidas são proporcionais e necessárias para conter a disseminação da covid-19, outras correm o risco de minar os direitos digitais”, disse. “Muitos países usaram a covid-19 como desculpa para limitar direitos, as vozes dos críticos e o descontentamento das pessoas.”

Falou ainda da questão dos aplicativos de rastreamento de proximidade, adotados em vários países, como a Stay Away Covid no caso português. “A Organização Mundial da Saúde é cautelosa quanto ao emprego destas tecnologias, porque podem cruzar a linha pouco clara entre a vigilância da doença e a vigilância da população.”

A alta comissária avançou com propostas para que as medidas se tornem mais aceitáveis: que se assegure que as restrições sejam eficazes e produzam o efeito desejado, que se recolha apenas informação realmente necessária para o fim pretendido e que seja apagada assim que o objetivo for atingido, que se recorra o mais possível ao anonimato, que se limite o acesso à informação recolhida, não havendo partilha entre agências governamentais e que, passada a crise, se elimine as práticas invasivas de recolha de dados.

Na era digital, Bachelet não tem dúvidas de que os direitos individuais offline devem também ser protegidos online. E conclui: “Os direitos humanos são uma bússola para nos guiar nas incertezas e nos novos desafios”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de dezembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Irão levanta bloqueio à aplicação Telegram

Fim das restrições coincide com abrandamento dos protestos antigovernamentais. Teerão acusa o popular serviço de troca de mensagens de ajudar à mobilização dos manifestantes

O Irão levantou as restrições impostas ao popular serviço de mensagens Telegram, noticiou, este domingo, a agência iraniana IRNA. “A rede social Telegram está agora disponível nas redes sem fios e de dados.”

O serviço foi normalizado no sábado à noite, coincidindo com um abrandamento nos protestos antigovernamentais que tomaram as ruas de cerca de 80 cidades iranianas desde finais de dezembro. Para o Governo de Teerão, esta rede social é uma poderosa ferramenta de mobilização dos manifestantes.

“As manifestações tornaram-se violentas em alguns locais como resultado de provocações por parte de certos elementos estrangeiros que usaram o serviço de mensagens Telegram”, justifica a IRNA.

A aplicação — que tem cerca de 40 milhões de utilizadores, numa população de 80 milhões — ficou sob fogo do regime dos “ayatollahs” após ter sido usada para incitamento a “conduta odiosa, ao uso de cocktails Molotov, à revolta armada e agitação social”, como denunciou, no Twitter, o ministro iraniano das Telecomunicações, MJ Azari Jahromi.

No mesmo dia, o fundador e CEO da Telegram fez “mea culpa”, anunciou a suspensão do canal onde esse incitamento foi feito e alertou os utilizadores para a existência de “linhas que não devem ser atravessadas”, twitou Pavel Durov.

https://twitter.com/durov/status/947179988213624832?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E947179988213624832%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2018-01-14-Irao-levanta-bloqueio-a-aplicacao-Telegram

O bloqueio da aplicação Telegram foi uma das medidas tomadas pelo Governo iraniano para tentar conter os maiores protestos antigovernamentais realizados no país desde o Movimento Verde de 2009, que contestou a reeleição do Presidente conservador Mahmud Ahmadinejad.

Outras medidas passaram pelo uso da força: a repressão das forças de segurança provocou, pelo menos, 22 mortos e mais de 1000 detidos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de janeiro de 2018. Pode ser consultado aqui