Hassan Nasrallah discursou esta sexta-feira, numa cerimónia alusiva ao Dia de Jerusalém, nos subúrbios de Beirute. O líder do Hezbollah defendeu que “a loucura cometida por Netanyahu ao atacar o consulado iraniano na Síria levará, esperançosamente, ao fim desta batalha e a uma saída vitoriosa”. Nasrallah disse que esta agressão marca um “antes” e um “depois” na região e que a frente libanesa está aberta a participar num ataque a Israel
Um pouco por todo o mundo muçulmano, assinalou-se, esta sexta-feira, o Dia de Jerusalém (Al-Quds, em árabe), um evento anual que visa expressar solidariedade com o povo palestiniano. Foi instituído há 45 anos pelo então Líder Supremo do Irão e fundador da República Islâmica, ayatollah Ruhollah Khomeini.
Este ano, o dia — sempre agendado para a última sexta-feira antes do fim do Ramadão — celebrou-se com tensão acrescida já que teve lugar escassos quatro dias após um ataque que voltou a abalar o Médio Oriente: o bombardeamento ao consulado iraniano em Damasco, na Síria, atribuído a Israel.
“A resposta do Irão não respeitará um limite de tempo, os iranianos estão a pensar e a aprender, e certamente responderão”, alertou, esta sexta-feira o líder do grupo xiita libanês, Hassan Nasrallah, num discurso alusivo ao Dia de Jerusalém.
“Estai certos que a resposta do Irão ao bombardeamento do seu consulado em Damasco é inevitável”
Nasrallah disse que o ataque foi um “acontecimento significativo, que criou um ‘antes’ e um ‘depois’ em termos de consequências”.
“Em Israel, eles entraram em pânico e estão a abastecer-se de comida e água, não só no norte [próximo da fronteira com o Líbano], mas também no centro. O momento em que a resposta vai chegar depende da decisão do Líder Supremo [do Irão], e ela virá”, afirmou, numa intervenção transmitida por vídeo, numa cerimónia realizada no bairro de Dahiyeh, a sul de Beirute, capital do Líbano.
“A frente do Líbano não será fechada porque está altamente ligada a Gaza, esta é uma decisão firme”, ameaçou Nasrallah. “Estamos a travar uma batalha que escreverá a história da região.”
“Ainda não usamos as nossas principais armas”
No bombardeamento de Damasco, em que foram mortas onze pessoas, entre as quais sete membros dos Guardas da Revolução Iraniana, uma das vítimas foi o general iraniano Mohammad Reza Zahedi que “contribuiu para o desenvolvimento da resistência no Líbano”, realçou Nasrallah.
O líder do Hezbollah disse que a relação do Hezbollah com o Irão é “uma fonte de orgulho. Aqueles que devem sentir vergonha são os que procuram normalizar os laços com Israel”.
O Dia de Jerusalém aconteceu a dois dias de se assinalar meio ano da operação “Tempestade Al-Aqsa”, como o Hamas batizou o ataque a Israel, a 7 de outubro. Nasrallah considerou a investida “um acontecimento histórico que representou uma grande ameaça à sobrevivência da entidade sionista”.
“Alguns estão em negação em relação ao facto de Israel ter sido derrotado”, disse Nasrallah, acrescentando que, em meio ano de guerra, o Governo de Benjamin Netanyahu não foi capaz nem de destruir o Hamas nem de libertar os reféns.
“As atrocidades israelitas em Gaza são o resultado do fracasso e da falta de opções”
O líder do Hezbollah vaticinou que Netanyahu não tem opção que não seja acabar com a guerra, o que para ele será uma derrota. “A loucura cometida por Netanyahu ao atacar o consulado iraniano na Síria levará, esperançosamente, ao fim desta batalha e a uma saída vitoriosa.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui
Mais uma linha vermelha foi ultrapassada na região do Médio Oriente. Teerão responsabilizou Israel pelo bombardeamento do seu consulado em Damasco, numa clara violação da sua soberania. O ataque vitimou mortalmente dois generais iranianos. “O nível do ataque é tal que a mensagem dissuasora do Irão terá de ser muito forte”, defende um investigador iraniano
A guerra na Faixa de Gaza e as disputas geopolíticas em seu redor assemelham a região do Médio Oriente a um movimento de ondas sísmicas libertadas após um forte tremor de terra, com epicentro no território palestiniano e réplicas por toda a região.
Na fronteira israelo-libanesa, há trocas de fogo diárias entre o Hezbollah e as forças de Israel. A leste, o Iraque é palco de atritos frequentes entre as tropas dos Estados Unidos e milícias apoiadas pelo Irão. No mar alto, os rebeldes iemenitas hutis, solidários com os palestinianos, lançam mísseis de longo alcance contra embarcações comerciais associadas a Israel.
Noutra frente, num registo não declarado, Israel e o Irão combatem-se de forma indireta. A Síria é o teatro de operações onde Telavive e Teerão mais ficam frente a frente — o país tem fronteira com Israel e dá guarida a forças iranianas. E foi precisamente nesta nação árabe que, esta segunda-feira, os dois países escalaram significativamente a tensão entre ambos.
Pelas 17 horas em Damasco (15h em Portugal Continental), um bombardeamento atingiu com precisão o consulado iraniano na capital síria, reduzindo-o a escombros. O Irão acusou Israel, que não refutou a acusação, remetendo-se ao silêncio.
Violação de duas soberanias
“Para Teerão, este ataque foi uma violação do espaço soberano sírio e, mais ainda, do seu próprio espaço soberano, porque o consulado, ao abrigo das convenções de Viena, que foram ratificadas pelos três Estados envolvidos, é território iraniano”, explica ao Expresso o professor Tiago André Lopes, da Universidade Portucalense.
“Há a perceção de que Israel está a violar direito soberano”, acrescenta o especialista em Relações Internacionais. “E as violações de soberania não podem contar só quando são a Rússia ou a China a fazê-las. Uma violação de soberania é sempre uma violação de soberania.”
Num telefonema para o seu homólogo sírio, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Hossein Amirabdollahian, responsabilizou Israel pelo que designou ser “uma violação de todas as convenções internacionais”.
Retaliação por ataque a base naval
O ataque em Damasco foi desencadeado horas depois de um drone ter alvejado uma base naval israelita em Eilat (sul), junto ao Mar Vermelho, numa ação reivindicada por uma milícia iraquiana apoiada pelo Irão (Resistência Islâmica no Iraque). O porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari, afirmou que o aparelho usado foi “fabricado no Irão” e que o ataque foi “dirigido pelo Irão”.
A retaliação a este incidente no sul de Israel fez-se sentir em Damasco. Segundo o embaixador iraniano na Síria, Hossein Akbari, o ataque “foi realizado por caças F-35” que dispararam seis mísseis contra o edifício. Só o portão ficou de pé, relatou à televisão pública iraniana.
No total, foram mortas 11 pessoas, incluindo sete membros dos Guardas da Revolução, dois deles com a patente de general. Mohammed Zahedi, veterano de 63 anos, liderou a Força Quds no Líbano e na Síria até 2016. Esta força, que adota o nome árabe da cidade de Jerusalém, é uma unidade de elite dentro dos Guardas da Revolução que coordena o apoio de Teerão a grupos armados no Médio Oriente.
O regime israelita “deveria saber que, com tais ações desumanas, nunca alcançará os seus objetivos sinistros”, reagiu o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi. “E, dia após dia, testemunhará o fortalecimento da Frente de Resistência e a repulsa e o ódio das nações livres pela sua natureza ilegítima. Este crime covarde não ficará sem resposta.”
“O ataque de Israel ocorreu num local diplomático que é considerado território do Irão. O nível do ataque é tal que a mensagem dissuasora do Irão terá de ser muito forte”, disse ao Expresso Javad Heirannia, diretor do Centro de Investigação Científica e Estudos Estratégicos do Médio Oriente, de Teerão. “Mas não me parece que o Irão vá demonstrar essa reação de momento, porque faria com que a atenção à guerra em Gaza se voltasse para a guerra com o Irão. E traria a América para essa guerra, o que não é desejável para o Irão.”
O ataque ao consulado iraniano suscitou outra leitura nos bastidores do regime dos ayatollahs. “No Irão, há a ideia de que os Estados Unidos deram carta branca a Israel para fazer o que quiser. Há a perceção de que Israel é um proxy do braço armado dos Estados Unidos”, refere Tiago André Lopes.
Para esta perceção contribuíram declarações como as proferidas, sexta-feira passada, pelo ministro da Defesa de Israel. Yoav Gallant afirmou que “Israel está a fazer a transição da defesa para a perseguição ao Hezbollah; chegaremos onde quer que a organização opere, em Beirute, em Damasco e mais além”. E prometeu: “Onde quer que precisemos de agir, agiremos.”
“Para o Irão, Israel é sempre visto como uma espécie de instrumento”, acrescenta o investigador português. “O Irão não reconhece o Estado de Israel porque olha para Israel quase como uma espécie de colonato americano para os Estados Unidos terem um pé na região. O Irão olha para Israel do mesmo modo que a Rússia e a Sérvia olham para o Kosovo.”
Não foi a primeira vez que Israel atacou território sírio visando agentes com ligações ao Irão. Nos últimos dez anos, fê-lo com regularidade para abortar a entrega de armas enviadas por Teerão para aliados na região, seja o regime de Bashar al-Assad, na Síria, seja o grupo xiita Hezbollah, no Líbano.
Porém, “depois da guerra em Gaza, Israel atacou, sem precedentes, os principais comandantes da Força Quds. Normalmente, os alvos eram posições dos Guardas da Revolução e grupos aliados do Irão, mas recentemente Israel tem alvejado os altos comandantes dos Guardas da Revolução”, diz Heirannia.
“Israel está sob muita pressão interna e ao nível da opinião pública global”, diz o iraniano. “Uma guerra com o Irão reduzirá essa pressão e a atenção será direcionada para o Irão. Por outro lado, aproximará de Israel a América e os países ocidentais, que têm estado divididos como resultado da guerra de Gaza.” Em contrapartida, “a falta de reação por parte de Teerão levará Israel a tomar medidas mais severas contra o Irão.”
Tiago André Lopes defende que é provável que o Irão recorra aos seus proxies para retaliar o ataque que sofreu em Damasco. O contexto que envolve particularmente um deles — a Resistência Islâmica no Iraque, que visou Eilat esta semana — está atualmente efervescente.
“Os Estados Unidos estão a ser empurrados para fora do Iraque. O Governo de Bagdade está a negociar a saída das tropas americanas” — uns 2500 soldados que restam no país. “Este movimento, que também opera na Síria, poderá ser agora usado para dar uma espécie de contra resposta àquilo que aconteceu em Damasco.”
“A acontecer, o embate com Israel acontecerá sempre com uma capa, que será a proteção dos palestinianos”, conclui o professor da Portucalense. “A capa escolhida será sempre essa, porque o único outro grupo que poderia unir a região tem a oposição da Turquia que são os curdos. A questão dos curdos é mais difícil, a palestiniana é mais unificadora.”
(Bandeira do Irão junto aos escombros em que se transformou o consulado iraniano em Damasco, atingido por mísseis FIRAS MAKDESI / REUTERS)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui
O regime iraniano enfrenta uma crise de legitimidade e os ayatollahs já não o conseguem esconder. Num apelo desesperado, Ali Khamenei instou, há dias, os seus conterrâneos a votarem nas eleições desta sexta-feira, 1 de março, para o Parlamento e para a Assembleia de Peritos, o órgão que escolhe o Líder Supremo. Os opositores, por seu lado, apelam ao boicote. Após as últimas eleições terem registado um mínimo histórico de afluência às urnas, a República Islâmica está pressionada mais do que nunca pela urgência em inverter a tendência, para se mostrar relevante
Da última vez que o Irão realizou eleições legislativas, em fevereiro de 2020, o país estava ainda sob o signo do choque. A 4 de janeiro, uma das figuras mais prestigiadas da República Islâmica, o general Qasem Soleimani, tinha sido assassinado por um drone disparado pelos Estados Unidos, estava ele no aeroporto de Bagdade, no Iraque. No dia do voto, o sentimento anti-ocidental estava ao rubro entre os mais entusiastas do regime religioso.
Esta sexta-feira, dia 1 de março, os iranianos regressam às urnas para escolher os seus representantes no Parlamento (Majlis) e também os membros da Assembleia de Peritos, o órgão encarregue de escolher o Líder Supremo. O escrutínio acontece num contexto em que, seja pela inimizade de décadas com os Estados Unidos, ou pela aliança com a Rússia, seja pelo apoio de Teerão a grupos armados na região, como o palestiniano Hamas ou o libanês Hezbollah, ambos protagonistas na guerra em curso na Faixa de Gaza, o país sente-se na mira dos grandes poderes ocidentais.
Esta perceção não estará ausente destas eleições, que constituirão um dilema para os eleitores: “Se os candidatos da linha dura e anti-Israel vencerem as eleições para o Parlamento, então poderão legislar no sentido de empurrar o governo e as forças armadas para uma abordagem mais conflituosa em relação aos conflitos na região”, comenta ao Expresso Mohammad Eslami, investigador iraniano na Universidade do Minho.
“Na mesma linha, se a prioridade do Parlamento for a economia e a subsistência das pessoas, [os novos deputados] poderão reorientar o regime para uma abordagem mais pacífica.”
Estas serão também as primeiras eleições desde a morte da iraniana Mahsa Amini, na sequência de ferimentos infligidos pela “polícia da moralidade” após ser detida por não usar o véu islâmico segundo a etiqueta da República Islâmica. O assassínio da jovem de 22 anos desencadeou uma vaga de protestos populares antirregime que duraram meses e só terminaram quando o regime começou a deter e a enforcar manifestantes, na sequência de julgamentos considerados fraudulentos.
Na crença de que votar é validar a República Islâmica e contribuir para a sua perpetuação, os opositores ao regime dos ayatollahs têm-se multiplicado em apelos ao boicote como forma de acentuar o divórcio entre uma parte significativa da sociedade e a hierarquia religiosa no poder.
“Estas eleições têm uma importância significativa uma vez que as anteriores registaram uma taxa de participação inferior a 50% [exatamente 42,57%], um mínimo histórico desde a Revolução Islâmica”, em 1979, diz Eslami. Para se mostrar relevante e com saúde, o regime iraniano — que tem sido desafiado por sucessivas vagas de contestação popular (por razões políticas, sociais e económicas) — está pressionado pela necessidade de inverter a tendência.
“Outro aspeto importante é o surgimento de vários movimentos sociais envolvidos ativamente no processo eleitoral” continua o iraniano. “Entre eles estão a oposição iraniana e antigos grupos reformistas que se recusam a apoiar as eleições, defendendo uma posição de ‘Não às eleições manipuladas’ e expressando relutância em conceder legitimidade ao atual regime através do voto. Já os apoiantes do regime defendem a participação eleitoral sob a bandeira ‘Desta vez, tudo vai mudar’”, fazendo fé que os próximos representantes parlamentares estarão comprometidos com “uma conduta transparente nas suas funções”.
A 18 de fevereiro, o Líder Supremo do Irão, o ayatollah Ali Khamenei, de 84 anos, fez um apelo ao voto com laivos de desespero, colocando a ênfase mais na participação do que no sentido do voto. Disse então:
“Todos devem participar nas eleições. As eleições são o principal pilar da República Islâmica. As eleições são a forma de reformar o país. Aqueles que querem resolver os problemas e repará-los devem recorrer às eleições. O caminho certo são as eleições. A principal prioridade é a participação do povo. A escolha das pessoas certas é secundária.”
Mas enquanto o líder religioso suplica para que os iranianos votem, por todo o país há ações de boicote ao ato eleitoral como, por exemplo, cartazes de campanha queimados. Em declarações ao Expresso, fontes da oposição iraniana no exílio dizem-se cientes que “estas eleições são vitais para que o regime recupere legitimidade”. Mas “a verdade é que o povo iraniano como um todo não acredita mais nas eleições fraudulentas deste regime”.
Conscientes que a legitimidade que o sistema político iraniano procura depende em muito da taxa de afluência às urnas, esta semana, 275 personalidades iranianas das áreas política, social e cultural uniram-se num apelo público ao boicote a este escrutínio que consideram ser “encenado”.
Na mira destes notáveis — um deles Morteza Alviri, um antigo presidente da Câmara Municipal de Teerão e embaixador em Espanha — está, designadamente, a quantidade de candidaturas desqualificadas pelo Conselho dos Guardiães.
Ainda assim, após três meses de análise às qualificações dos candidatos, este órgão composto por seis teólogos e seis juristas (que exercem mandatos de oito anos) viabilizou mais de 15.200 nomes para disputar as eleições legislativas. Entre os candidatos, há 1713 mulheres, mais do dobro das 819 que se apresentaram a votos em 2020.
Uma complexa pirâmide de poder
A estrutura de poder da República Islâmica é constituída por um emaranhado de órgãos eleitos por sufrágio direto universal e outros nomeados que têm no topo dessa cadeia de decisão o Líder Supremo. Para além do Parlamento e da Assembleia de Peritos, também o Presidente é escolhido por voto popular.
Esta sexta-feira, serão escolhidos os 290 deputados e deputadas do Parlamento (formalmente designado Assembleia consultiva Islâmica), com idades entre os 30 e os 75 anos de idade, para mandatos de quatro anos. Cinco assentos estão reservados a representantes de minorias.
Concorrem dezenas de partidos políticos, mas na dinâmica política quotidiana, o sistema movimenta-se em função de outras sensibilidades: conservadores versus reformistas.
“Apesar da multiplicidade de partidos, o sistema político no Irão funciona ao estilo de coligações, com os partidos a alinharem-se sob as bandeiras abrangentes dos reformistas, moderados ou conservadores, a fim de garantir uma maioria no Parlamento”, explica Eslami.
“Estes três principais movimentos políticos no Irão representam diferentes ideologias e crenças: os reformistas pressionam por reformas sociais e políticas, os moderados defendem uma abordagem mais pragmática da governação e os conservadores os valores e princípios tradicionais. Este processo de construção de coligações destaca a importância da cooperação e do compromisso no sistema político iraniano.”
Também a eleição para a Assembleia de Peritos encerra um alto grau de complexidade. “Para serem elegíveis, os candidatos devem possuir qualificações específicas a nível religioso, político e da jurisprudência. Devem ter uma compreensão profunda dos ensinamentos e princípios islâmicos, bem como experiência em jurisprudência islâmica. Devem também ter uma sólida experiência política e ser capazes de navegar pelas complexidades do sistema político iraniano. O número de candidatos que conseguem reunir estas qualificações e, portanto, inscrever-se como candidatos é muito baixo”, conclui Eslami.
“Durante este processo de seleção, mais de metade dos candidatos são normalmente desqualificados, limitando ainda mais o número de indivíduos que podem concorrer a um lugar na Assembleia de Peritos. Como resultado, é comum que haja apenas dois ou três candidatos a competir por cada vaga, tornando o processo eleitoral altamente competitivo e exclusivo.”
Um nome que, este ano, não passou no crivo do Conselho dos Guardiães, suscitando indignação entre os reformistas, foi Hassan Rohani, que foi Presidente do Irão entre 2013 e 2021 e que era membro da Assembleia de Peritos desde o ano 2000.
Rohani exerceu a presidência com o rótulo de moderado tendo sido responsável pela assinatura do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, a 14 de julho de 2015, que contribuiu para retirar a República Islâmica do isolamento internacional e aliviar as dificuldades económicas do povo ao garantir o levantamento de sanções internacionais.
Rohani foi sucedido na presidência pelo conservador Ebrahim Raisi, que virou o Irão para oriente, designadamente na direção da Rússia.
Em três meses, o conflito na Faixa de Gaza assumiu uma dimensão regional, com vários Estados a envolverem-se em trocas de fogo. A Palestina é o argumento útil, mas vários países atacam no interesse de agendas próprias
INFOGRAFIA DE JAIME FIGUEIREDO
A ofensiva de Israel na Faixa de Gaza destapou o vespeiro da conflitualidade no Médio Oriente. Desde o início da guerra, a 7 de outubro, nove Estados da região já dispararam contra vizinhos. Se países como o Líbano e a Síria têm uma grande exposição ao problema israelo-palestiniano, atores internos no Iraque e no Iémen parecem agir por controlo remoto.
O Irão saiu da sombra e passou a protagonista, bombardeando três países, um deles o Paquistão, uma potência nuclear. A Turquia confirmou que mantém o foco na questão curda. E até a discreta Jordânia alvejou um vizinho.
Israel ➨ Faixa de Gaza
O ataque terrorista do Hamas a Israel, a 7 de outubro, entrou para a memória coletiva do povo judeu como uma espécie de 11 de Setembro, pela sua surpresa, dimensão, impacto emocional e pela vulnerabilidade que evidenciou um país reconhecido pela eficácia dos seus serviços de informação.
Israel retaliou contra a Faixa de Gaza, o território palestiniano controlado pelo grupo islamita, inicialmente com bombardeamentos aéreos posteriormente combinados com uma ofensiva terrestre. No próprio dia do ataque, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse à nação que Israel não parará até “destruir as capacidades do Hamas”.
Ainda que a maioria dos foguetes tenham sido intercetados pelo Iron Dome, o escudo defensivo de Israel, ou caído em descampados, o seu disparo revela capacidade desafiante do Hamas e é, para as comunidades israelitas próximas da fronteira, um reviver permanente do terror vivido a 7 de outubro.
Líbano ➨ Israel
Mal começou a guerra em Gaza, a fronteira norte de Israel tornou-se numa frente de conflito, com troca de fogo de parte a parte e vítimas mortais ocasionais dos dois lados. O sul do Líbano é um bastião do Hezbollah, uma milícia xiita (e também partido político, com deputados e ministros) cujo nascimento está intrinsecamente ligado à invasão israelita do sul do Líbano, em 1982, e subsequente ocupação, até ao ano 2000.
A luta contra a ocupação israelita da Palestina e também contra a presença militar dos Estados Unidos no Médio Oriente são prioridades para o Hezbollah. Os ataques ao longo da fronteira com Israel são, por isso, frequentes, mas com a guerra em Gaza tornaram-se diários e mais intensos.
Israel ➨ Líbano
Para Israel, a sua fronteira norte é um local de tensão permanente desde que se retirou do sul do Líbano. Desde 7 de outubro, as forças israelitas têm não só alvejado posições do Hezbollah como também já atacaram nos subúrbios de Beirute, para eliminar um alto responsável do Hamas.
Este estado de guerra forçou a transferência de milhares de habitantes do norte de Israel para locais mais seguros.
Na fronteira entre Israel e Líbano, que foi demarcada pela ONU (Linha Azul), existe, desde 1978, uma missão de capacetes azuis (UNIFIL), que não tem, porém, dissuadido a troca de fogo de parte a parte.
Israel ➨ Síria
Os ataques israelitas em território sírio não são inéditos e, desde 7 de outubro, já ocorreram por diversas vezes, visando, entre outros, o Aeroporto Internacional de Damasco.
Os alvos de Israel, para além de posições do exército sírio, são prioritariamente grupos armados apoiados pelo Irão e combatentes do Hezbollah libanês, que foram cruciais para a sobrevivência política do Presidente Bashar al-Assad, após os protestos da Primavera Árabe e a guerra civil que se lhe seguiu.
A Síria mantém com Israel uma disputa territorial em torno dos Montes Golã, que Israel ocupou na guerra de 1967, anexou através de uma lei de 1981, mas que os sírios continuam a reivindicar.
Iémen ➨ Israel
No Iémen quem manda são os hutis, um grupo que conquistou o poder pela força em 2014, mas que não é reconhecido como um interlocutor legítimo pela comunidade internacional.
Estes rebeldes iemenitas, que controlam a costa ocidental do país, declararam apoio aos palestinianos e mostraram-no ameaçando navios em trânsito pelo Mar Vermelho com origem ou a caminho de portos em Israel.
Em retaliação ao assédio dos hutis às embarcações que percorrem esta via marítima, por onde passa 12% do comércio mundial, forças dos Estados Unidos e, por uma vez, também do Reino Unido já bombardearam posições dos hutis dentro do Iémen.
Irão ➨ Iraque
A 3 de janeiro, um duplo atentado suicida reivindicado pelo Daesh, na cidade iraniana de Kerman, provocou 94 mortos. O Irão retaliou esta semana e um dos alvos foi Erbil, na região autónoma do Curdistão iraquiano (norte), onde Teerão disparou 11 mísseis balísticos contra o que diz ser um centro de espionagem da Mossad (serviços secretos de Israel).
O Iraque, cuja população é maioritariamente xiita, como o Irão, ainda alberga tropas norte-americanas que ali ficaram após ajudarem no combate ao Daesh. Não raras vezes, os militares dos EUA investem contra milícias locais ligadas ao Irão e são eles próprios um alvo das mesmas, como tem acontecido desde 7 de outubro.
Esta semana, o primeiro-ministro do Iraque defendeu a saída das tropas norte-americanas do país.
Irão ➨ Síria
Paralelamente ao ataque na região iraquiana de Erbil, os Guardas da Revolução Islâmica, uma unidade de elite das Forças Armadas iranianas, atacaram também dentro da Síria, com a qual o Irão não tem fronteira.
Quatro mísseis balísticos foram lançados desde a província de Khuzestan, a oeste do Irão, na direção de posições do Daesh em Idlib, numa resposta direta aos atentados em Kerman.
Nesta região do noroeste da Síria, persiste ainda um foco rebelde de contestação ao regime sírio, que é apoiado pelo Irão. Neste ataque, noticiou a agência iraniana IRNA, Teerão disparou “nove mísseis de vários tipos” contra “grupos terroristas em diferentes áreas dos territórios ocupados na Síria”.
Turquia ➨ Iraque
O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, tem sido dos líderes mais vocais contra o primeiro-ministro de Israel, ao ponto de já ter dito que Benjamin Netanyahu “não é diferente de Hitler”. Mas paralelamente ao seu apoio à Palestina, há uma questão maior no posicionamento da Turquia na região: o independentismo curdo.
Dentro de portas, os curdos são uma ameaça separatista que Ancara tenta combater também nos países da vizinhança onde vivem minorias curdas.
No sábado passado, caças turcos alvejaram posições no Curdistão iraquiano (norte), onde a Turquia tem várias bases militares. Na véspera, um ataque a uma dessas bases atribuído ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla inglesa) provocou nove mortos entre os militares turcos.
Turquia ➨ Síria
Os curdos foram o alvo de bombardeamentos turcos também na Síria, dentro do mesmo espírito que levou Ancara a atacar no Curdistão iraquiano.
Segundo o Ministério da Defesa da Turquia, foi alvejado um total de 29 localizações — incluindo “cavernas, bunkers, abrigos e instalações petrolíferas” — associadas ao PKK e às Unidades de Proteção Popular (YPG, na sigla inglesa). Esta organização armada da região do Curdistão sírio teve um papel central na coligação liderada pelos EUA que derrotou o Daesh na Síria.
Dos quatro países do Médio Oriente que têm populações curdas — Turquia, Síria, Iraque e Irão —, a Síria é a que tem a minoria mais pequena.
Irão ➨ Paquistão
No dia seguinte a ter atacado no Iraque e na Síria, o Irão bombardeou também o Paquistão. Os dois países partilham uma fronteira de 900 quilómetros e um inimigo comum: os separatistas do Balochistão, uma região rica em gás e minérios, atravessada pela fronteira entre ambos.
Na terça-feira, o Irão usou drones e mísseis para alvejar posições do Jaish al-Adl, um grupo sunita composto por baloches envolvido em ataques dentro do Irão, numa área remota e montanhosa dessa região separatista. Morreram duas crianças e três civis ficaram feridos.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, esclareceu que os alvos dos bombardeamentos não foram paquistaneses, mas “terroristas iranianos presentes em solo paquistanês”. A 15 de dezembro, 11 polícias iranianos tinham sido mortos num ataque a uma esquadra, perto da fronteira com o Paquistão.
Paquistão ➨ Irão
Islamabade respondeu ao ataque do Irão mandando chamar o seu embaixador em Teerão e disparando mísseis contra a província iraniana de Sistão e Balochistão. O bombardeamento, que teve como alvo outro grupo separatista — a Frente de Libertação Baloche —, provocou nove mortos (nenhum tinha nacionalidade iraniana).
Os ataques entre estes dois países originaram posições de condenação de parte a parte e acusações de violação da soberania, mas a relação não congelou.
No mesmo dia em que o Irão atacou o Paquistão, os dois países realizaram um exercício naval com navios de guerra, no Estreito de Ormuz, no Golfo Pérsico. E no dia seguinte (véspera da retaliação do Paquistão), os dois ministros dos Negócios Estrangeiros deitaram água na fervura e conversaram ao telefone.
Esta sexta-feira, o Governo paquistanês anunciou que o seu país e o Irão concordaram em diminuir as tensões após a troca de violentos ataques esta semana.
“Os dois ministros dos Negócios Estrangeiros concordaram que a cooperação e a coordenação no combate ao terrorismo e outras áreas de interesse comum devem ser reforçadas”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão, no final de uma chamada telefónica entre os dois governantes.
Jordânia ➨ Síria
Não foram razões políticas que estiveram na origem de bombardeamentos atribuídos à Jordânia em território sírio, mas, ao estilo de uma guerra sem regras, entre os dez mortos que o ataque provocou havia crianças.
O alvo, na quinta-feira, foi a província de Sweida, no sudoeste da Síria, uma zona não muito distante da fronteira com a Jordânia. Terá sido um esforço para atingir o tráfico de drogas — nomeadamente da anfetamina Captagon, usada pelos terroristas do Daesh para facilitar a matança — e perturbar o seu fluxo para dentro do reino hachemita.
As autoridades de Amã não se pronunciaram sobre o caso, mas é conhecido que, no passado, o país já recorreu a ataques desta natureza para atingir grupos dedicados ao narcotráfico, bem organizados e armados.
No ano passado, o Governo do Reino Unido defendeu que o Captagon é uma “tábua de salvação financeira” para a máquina de guerra do regime sírio.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui
A explosão de duas bombas numa cidade iraniana provocou, esta quarta-feira, mais de 100 mortos. Foi o último de uma série de ataques contra o Irão ou grupos armados aliados na região que indiciam uma intenção de provocação à República Islâmica. Dois investigadores ouvidos pelo Expresso coincidem na análise. A guerra não está a correr bem ao primeiro-ministro israelita. Prolongá-la e abrir novas frentes na região é uma necessidade de Benjamin Netanyahu, em nome da sua própria sobrevivência política
Duas iranianas juntos a um retrato de Qasem Soleimani, em Teerão MORTEZA NIKOUBAZL / GETTY IMAGES
Há exatamente quatro anos, no aeroporto de Bagdade, capital do Iraque, um míssil certeiro disparado por um drone dirigido por forças dos Estados Unidos — era Donald Trump o inquilino da Casa Branca — atingiu mortalmente o general iraniano Qassem Soleimani.
Esta quarta-feira, a explosão de duas bombas, perto do Cemitério dos Mártires, onde Soleimani está enterrado, na cidade de Kerman (centro do Irão), provocaram pelo menos 103 mortos e 141 feridos. O banho de sangue levou o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, a cancelar a sua visita à Turquia, prevista para esta quinta-feira.
Este “ataque terrorista”, como depressa foi rotulado pelas autoridades iranianas, atingiu em cheio uma multidão que se dirigia para uma cerimónia em memória daquele herói nacional — que teve um papel determinante na derrota do Daesh no Iraque e na Síria.
A tragédia fez acionar os alertas da escalada do conflito na região do Médio Oriente, que, menos de 24 horas antes, já sofrera um poderoso abalo com o assassínio de Salah al-Aaruri, número dois do Hamas, num ataque com drone atribuído a Israel, no sul de Beirute, capital do Líbano.
“O significado dos dois ataques consecutivos não se prende com quem era Soleimani ou com o seu legado enquanto figura política e estratégica, mas com o simbolismo da sua liderança da Força Quds”, diz ao Expresso Mohammed Cherkaoui, professor na área da Resolução de Conflitos na Universidade George Mason (Virgínia, EUA). “O alvo de Kerman é a ligação Irão-Palestina, menos de 20 horas após o assassínio do número dois do Hamas, em Beirute.”
A Força Quds, que adota o nome árabe da cidade de Jerusalém, é uma unidade de elite dentro do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão. Está encarregue do apoio de Teerão a um conjunto de peões na região, que atuam em nome do interesse nacional iraniano — como o grupo islamita palestiniano Hamas, o movimento xiita libanês Hezbollah e os rebeldes iemenitas hutis. Atualmente, todos estão empenhados, em maior ou menor grau, em ações de confronto com Israel.
Nenhum dos dois ataques foi reivindicado, mas na região aponta-se o dedo ao Estado judeu. Na rede social X, o deputado israelita Danny Danon, antigo embaixador nas Nações Unidas, confirmou suspeitas e felicitou “as Forças de Defesa de Israel, o Shin Bet, a Mossad e as forças de segurança pelo assassínio de Salah al-Aaruri”, no Líbano. “Qualquer pessoa envolvida no massacre de 7 de outubro deve saber que entraremos em contacto e apresentaremos a fatura.”
Nascido na cidade palestiniana de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, Salah al-Aaruri era o principal coordenador das ações do Hamas naquele território palestiniano. A confirmar-se a implicação de Telavive na sua morte, foi a primeira vez que Israel atacou na capital libanesa desde a guerra de 34 dias que travou com Hezbollah, no verão de 2006.
Com que objetivo o fez agora?
“Até agora, a guerra em Gaza do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que dura há quase três meses, parece debater-se com dificuldades ao nível da erradicação do Hamas, da libertação dos reféns e da alteração da geopolítica da Faixa de Gaza”, continua o antigo membro do Painel de Peritos das Nações Unidas. “Parece ter mudado de tática na direção do norte, onde o Hezbollah poderá retaliar pelo assassínio do líder palestiniano, no sul de Beirute.”
Neste sentido, a intenção de Netanyahu seria mostrar mão dura e, ao mesmo tempo, procurar transmitir liderança e segurança ao povo israelita. Mas outra razão maior sobressai.
“Netanyahu está também a tentar provocar um confronto com os iranianos e, possivelmente, uma guerra regional. Acredita que é o melhor momento estratégico para puxar a perna dos Estados Unidos, numa demonstração de força contra o Irão, tomado pelo apelo de que há que parar o ‘Irão nuclear’, que vem desde o seu famoso discurso na Assembleia-Geral da ONU, em que mostrou o desenho de uma ‘bomba nuclear iraniana a fazer tique-taque’”, acrescenta.
Javad Heirannia, que dirige o Centro de Investigação Científica e Estudos Estratégicos do Médio Oriente, de Teerão, enumera indícios recentes que revelam que Israel está de olho no Irão. “As condições da guerra em Gaza e a intensificação dos ataques dos hutis do Iémen no Mar Vermelho e no Estreito de Bab al-Mandab aumentaram as tensões”, diz ao Expresso.
“Primeiro, Israel enviou uma mensagem de alerta e dissuasão ao Irão, ao levar a cabo atos de sabotagem dentro do país, incluindo um ataque cibernético a postos de gasolina. Depois, fez um aviso ainda mais sério, visando o comandante dos Guardas da Revolução na Síria. Com as explosões em Kerman, Israel elevou o nível de alerta dissuasor contra Teerão e anunciou que pode criar insegurança e atingir o Irão por dentro.”
O episódio na Síria de que fala Heirannia ocorreu a 25 de dezembro. Razi Mousavi, principal comandante da Força Quds nesse país e coordenador da relação entre Teerão e Damasco, foi morto na sua casa, no bairro de Sayida Zeinab, a sueste da capital síria, atingida por três mísseis.
“Israel realiza estes planos de assassínios contra o que considera serem ‘alvos ligados ao Irão’. Netanyahu internalizou o medo — nele mesmo e no Likud [o seu partido, no poder] e nos círculos políticos de direita — de que o principal inimigo de Israel é o Irão”, explica Mohammed Cherkaoui. “Agora, ele não está a travar uma guerra dual entre Israel e o Hamas, antes a arquitetar um extravasamento em formato triangular, onde o Hezbollah no Líbano, os hutis no Iémen, milícias armadas na Síria e no Iraque, e o Irão vão para um confronto de força. Confia no que considera ser uma mola para as relações Israel-Ocidente.”
Nasrallah ao ataque… verbal
Esta quarta-feira, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, fez um discurso evocativo do aniversário da morte de Soleimani. A milícia xiita que lidera — que é também uma formação política (Partido de Deus), com deputados eleitos e ministros no Governo — é um dos principais vértices do chamado “eixo de resistência” que o regime de Teerão promove junto de peões regionais, que atuam em seu nome.
A expectativa em relação à comunicação de Nasrallah redobrou de interesse após a morte do n.º 2 do Hamas em território libanês. Mas Nasrallah absteve-se de ameaças concretas. “Se o inimigo pensa travar uma guerra contra o Líbano, a nossa luta será sem teto, sem limites, sem regras”, disse Nasrallah, remetendo para sexta-feira um novo discurso sobre o assunto.
Em paralelo aos bombardeamentos e à ofensiva terrestre de Israel na Faixa de Gaza, tem-se registado troca de fogo entre forças israelitas estacionadas no norte de Israel e grupos do Hezbollah no sul do Líbano. De um lado e do outro já houve vítimas mortais, mas a situação ainda não evoluiu para uma guerra aberta.
Uma sucessão de ataques como os de Damasco, Beirute e, hoje, em Kerman potencia uma escalada que pode contagiar toda a região. Heirannia pensa que esse cenário não é do interesse de Teerão. “O Irão sabe que entrar numa guerra futura com Israel arrastará a América para esse conflito, e esta não é uma opção desejável para Teerão. Parece que o Irão vai adiar a vingança para outro momento. A questão principal é qual poderá ser a avaliação de Israel e qual a sua próxima ação. Não esqueçamos que as guerras sempre foram baseadas em erros de cálculo.”
Netanyahu quer o Irão na guerra
Após o ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro, o Irão negou envolvimento direto e tanto Israel como os Estados Unidos afastaram essa possibilidade no exercício de identificação de culpados. Para Cherkaoui, com o evoluir da guerra, a entrada do Irão num conflito abrangente tornou-se “o desejo ideal de Netanyahu por várias razões”.
“Primeiro, tem necessidade extrema de prolongar a guerra e abrir novas frentes na região. Também teme a retaliação política dos seus adversários e de um grande segmento da sociedade israelita que leve a perder o cargo e à possibilidade de um processo judicial e condenação que o leve à prisão”, conclui o académico.
“O que faz sentido para ele, agora, é gerir a sua guerra em Gaza pressionando no sentido de uma escalada regional. Recordemos como os governos ocidentais, de Washington a Berlim, se apressaram, política e militarmente, a proteger a segurança nacional de Israel a 7 de outubro de 2023, sob o lema: ‘Israel está sob ataque do Hamas’. Agora imagine-se o que faria o Ocidente em reação a: ‘Israel está sob ataque do Irão!’…
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui e aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.