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Iranianas preparam nova revolta contra o regime dos ‘ayatollahs’: “Vejo as mulheres mais motivadas do que assustadas”

A um mês do primeiro aniversário da morte da jovem iraniana Mahsa Amini às mãos da polícia da moralidade, por usar o lenço islâmico de forma “imprópria”, há cada vez mais iranianas a sair à rua sem o hijab na cabeça. Ao Expresso, uma jovem envolvida em ações clandestinas de resistência ao regime religioso partilha as motivações das mulheres e levanta o véu sobre a jornada de contestação que se projeta para o próximo mês. “De certeza que o regime vai aumentar a repressão, mas até a repressão tem limites”, desafia

O Irão está em contagem decrescente para aquilo que se perfila como uma nova vaga de protestos contra as autoridades teocráticas. Dentro de exatamente um mês, passará um ano desde a violenta morte da iraniana Mahsa Amini, de 22 anos, num hospital de Teerão, na sequência de ferimentos infligidos por agentes da polícia da moralidade. A jovem fora detida por levar o lenço islâmico na cabeça (hijab) de forma “imprópria”.

Nas ruas do país, uma presença crescentemente indiscreta é reveladora do nervosismo do regime quanto a esse cenário. Dez meses após os grandes protestos antirregime que se seguiram à morte da jovem curda, a polícia da moralidade regressou em força, com “patrulhas de orientação” a percorrer os espaços públicos com o foco nas mulheres.

“Eles colocaram a polícia da moralidade em todas as ruas principais. Há carros grandes com agentes do sexo feminino que mandam parar as mulheres e meninas que não usam o véu e levam-nas para as esquadras. Recentemente, o município de Teerão contratou 400 agentes para controlar as estações de metro e impedir que mulheres sem véu usem esse transporte”, diz ao Expresso Niloufar (nome fictício), uma iraniana de 26 anos, residente na cidade de Shiraz, no sul do país.

No Irão, a quantidade de mulheres que recusa cobrir a cabeça quando sai de casa aumentou muitíssimo, num claro gesto de desafio ao regime dos ayatollahs. “Apesar das patrulhas, muitas mulheres não colocam o véu nas ruas”, continua a jovem. “É uma forma de protesto. As mulheres falam sobre a próxima revolta que será ainda maior e mais forte” do que a do ano passado.

Para além do boicote ao hijab, cujo uso é obrigatório pela lei da República Islâmica, as mulheres têm recorrido a “formas mais profundas de mostrar oposição”, diz Niloufar. “Apesar da repressão, há cada vez mais palavras de ordem contra o regime escritas nas paredes. Os grandes cartazes com fotos dos líderes do regime, em particular [o Líder Supremo, o ayatollah] Ali Khamenei, são destruídos e às vezes queimados. Isto é muito percetível.”

Também nas redes sociais, as mulheres desdobram-se em incentivos à mobilização no primeiro aniversário da morte de Mahsa Amini. “É hora de nos erguemos”, “não há outra forma”, “vamo-nos vingar”, lê-se nos cartazes em farsi, exibidos por iranianas que ocultam a identidade, mas não os cabelos sem véu.

“Eu vejo as mulheres mais motivadas do que assustadas. Estão unidas, querem liberdade e direitos básicos. Sabem que podem ser presas, mas estão determinadas”, diz Niloufar. “Os mullahs têm todas as razões para temer uma nova revolta no aniversário da morte de Mahsa Amini. De certeza que o regime vai aumentar a repressão, mas até a repressão tem limites. Tenho a certeza que as jovens e as mulheres não enjeitarão nenhuma possibilidade de ir para as ruas e o regime sabe disso.”

“Este é o preço pela nossa liberdade. Algo mudou para sempre no Irão desde o ano passado.”

Muitas já o fazem, arriscando serem enxovalhadas e agredidas na via pública, como aconteceu à mulher que seguia sem véu, no vídeo abaixo, registado na cidade de Amol, no norte do país.

Niloufar leva uma autêntica vida dupla na região onde vive. Sem que a família tenha conhecimento, ela põe a sua segurança em risco e colabora ativamente, na clandestinidade, com a Organização dos Mujahidin [Combatentes] do Povo do Irão [MEK, na sigla persa], um grupo opositor ao regime dos ayatollahs, formado por dissidentes no exílio.

“Todos os dias, vemos cada vez mais ações realizadas em várias cidades por células de resistência ligadas ao MEK. Muitas destas unidades são compostas por mulheres valentes, cientes dos riscos de vida que correm quando escrevem slogans nas paredes contra o regime, distribuem folhetos do MEK ou colocam fotografias da líder do grupo, Maryam Rajavi” na via pública, penduradas em pontes e viadutos. “Há alguns protocolos como, por exemplo, vigiar que não há polícia por perto. Parece uma operação de uma guerra.”

A organização é um alvo especial do regime. Durante os protestos após o caso Mahsa Amini, 3626 apoiantes e simpatizantes do MEK foram presos. No mês passado, um dos seus membros, Javad Vafaei, de 27 anos, natural de Mashhad, a segunda maior cidade do Irão, foi condenado à morte pelas suas atividades ao serviço do MEK, designadamente participação em protestos.

A execução por enforcamento de manifestantes tem sido uma das armas do regime para calar a contestação. Niloufar descreve mais brutalidade das forças governamentais. “Muitos manifestantes ficaram cegos após serem usadas espingardas contra eles. Quando prendem pessoas, pulverizam-lhes os olhos para não verem quem os está a prender ou para onde são levados. É uma espécie de tortura branca, não atacam o corpo, mas a alma.

“Impor medo e terror ao povo é a maneira dos mullahs manterem o seu poder.”

Hoje, como sempre desde a Revolução Islâmica no Irão (1979), a polícia da moralidade e a imposição do hijab são as estratégias favoritas do regime para controlar as mulheres. Mas diante de cada vez mais atos de desobediência na via pública, o Governo tem intensificado e diversificado medidas para as intimidar.

Nas últimas semanas, um projeto de lei destinado a endurecer as penalizações para as iranianas que recusem usar o hijab começou a produzir resultados ainda antes de ser aprovado pelos legisladores. O novo diploma visa introduzir formas de obrigar ao uso do hijab sem passar por confrontos entre polícia e cidadãos.

Reservado a mulheres com hijab

Isso passa por penalizar as mulheres nos empregos, universidades, espaços comerciais, aeroportos, restaurantes, no interior de carros ou nas redes sociais. E também punir quem quer que o regime entenda ser cúmplice dos atos de rebeldia femininos.

Em nome da decência da República Islâmica, um restaurante que abra as portas a uma cliente sem hijab, por exemplo, pode ser multado. Um caso recente exposto nas redes sociais tem no centro a startup iraniana Digikala que, no mês passado, viu a sua sede ser fechada pelas autoridades até que fosse feito um pedido de desculpas público pelo “comportamento não islâmico” de funcionárias que não usavam o hijab. E também que a empresa adotasse um código de vestuário.

Muita da controvérsia em torno deste projeto de lei prende-se com o facto de estar a ser discutido à margem das sessões regulares do Parlamento, mas antes numa comissão parlamentar e à porta fechada, para não suscitar debate público.

Niloufar, que à semelhança de muitas conterrâneas arrisca sair à rua sem o hijab, diz que as forças de segurança “temem” as mulheres iranianas, uma vez que elas, especialmente as jovens, “estão na linha da frente da revolta e motivam outras pessoas a protestar”, diz. “Os mullahs pensam que, visando as mulheres, podem controlar as ruas e manter a população descontente dentro de casa. Mas como é possível assustar metade da população do Irão dessa maneira?”

O véu islâmico é um poderoso símbolo político no Irão. A seguir à morte de Mahsa Amini, muitas mulheres queimaram os seus lenços em fogueiras na via pública. No atual contexto, não usá-lo de todo ou de forma relaxada, deixando à mostra fartas mechas de cabelo, é uma forma inequívoca de rejeitar o regime.

“Este regime é misógino, quer limitar as mulheres. Eles não contemplam direitos para as mulheres, pensam que são cidadãos de segunda. Os mullahs são muito antiquados e agressivos. Dizem que são muçulmanos, mas não são. Mostram o Islão como uma religião agressiva no mundo. E executam pessoas”, conclui Niloufar, que não se considera uma pessoa religiosa, mas diz observar algumas regras.

“Os fundamentalistas são contra as mulheres em qualquer lado, e os mullahs que mandam no Irão são o regime mais fundamentalista de todos. Por isso, por definição, eles são contra as mulheres. Mas a repressão sobre as mulheres é apenas uma parte da repressão sobre toda a sociedade que se virou contra eles.”

(FOTO A imagem de Mahsa Amini, numa manifestação solidária com os protestos anti-regime no Irão, na cidade australiana de Melbourne MATT HRKAC / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de agosto de 2023, e no “Expresso”, a 18 de agosto de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Estes cinco países podem ganhar com o degelo entre Riade e Teerão

Usados como peças de xadrez no tabuleiro geopolítico regional, cinco Estados podem ser os primeiros a beneficiar com a reaproximação saudita-iraniana

Arábia Saudita e Irão têm uma rivalidade antiga que moldou o Médio Oriente. Mais do que um acordo, o recente entendimento é, acima de tudo, uma medida de criação de confiança entre ambos. Apesar de não contemplar um roteiro para a resolução dos diferendos que os opõem, há potencial para acreditar que possa gerar estabilidade. Também há, contudo, especificidades que transcendem a vontade dos dois gigantes.

IÉMEN

Acordo é bom, mas falta ouvir os locais

Em guerra há quase dez anos, o Iémen tem sido uma peça no xadrez das rivalidades regionais, pelo que é o país onde o impacto do acordo pode ser maior. O Irão é aliado dos rebeldes huthis (xiitas) e a Arábia Saudita lidera uma operação militar regional de bombardeamentos ao país, visando o fim da era huthi e o regresso do Governo deposto, refugiado na cidade de Aden. Mas é ingénuo pensar que basta a vontade dos dois países para ditar a paz naquele território tribal, cuja governação o antigo ditador Ali Abdullah Saleh comparou a “uma dança sobre cabeças de serpentes”.

“Há um consenso de que o acordo diplomático entre a Arábia Saudita e o Irão é bom para o Iémen. Ao mesmo tempo, existe um entendimento de que a dimensão regional é só uma parte do conflito, que também tem uma dimensão local”, explica ao Expresso Veena Ali-Khan, investigadora do International Crisis Group para o Iémen. “Um acordo regional é um passo em frente, mas não é tudo; ainda é preciso um diálogo entre iemenitas.”

No terreno o país vive um cessar-fogo que sobreviveu ao seu término oficial, em outubro passado. Apesar de não ter sido renovado, as principais linhas da frente mantêm-se congeladas, havendo registo de ataques e combates aleatórios. Oficialmente, a trégua continua em vigor e os principais grupos em contenda têm-se privado de lançar ofensivas, o que indicia uma vontade de voltar a página do conflito e seguir em frente.

“Há um ambiente de reconciliação. Os huthis estão a falar com os sauditas, mas há sempre a possibilidade de o conflito se reacender. Os huthis saudaram o pacto, mas deixaram muito claro que um acordo entre Irão e Arábia Saudita não complementa um acordo entre huthis e sauditas.”

Recentemente, num posto de fronteira entre os dois países, as partes devolveram cadáveres de combatentes, num gesto interpretado como sinal de progresso entre ambos. Os sauditas receberam seis corpos e os huthis 58, naquele que foi o terceiro acordo do género.

Enquanto algumas feridas não saram e a política continua a marcar passo, acentua-se a grande catástrofe humanitária em que se transformou o Iémen. Terça-feira, o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas anunciou a suspensão do seu programa de prevenção da desnutrição. Tudo acontece num dos países mais pobres do mundo, altamente dependente da ajuda internacional e onde, segundo a UNICEF, uma criança morre a cada dez minutos.

Síria

Guerra não acabou, mas Assad manda

A guerra na Síria foi outro braço de ferro entre os dois rivais. O Irão foi um esteio para Bashar al-Assad, fazendo deslocar, desde o vizinho Líbano, combatentes do aliado xiita Hezbollah para defender o ditador. A Arábia Saudita, por seu lado, apoiou grupos da oposição. No entanto, 12 anos após o início do conflito, e ainda que não tenha formalmente terminado, Riade e Teerão deixaram de olhar para a Síria como uma guerra por procuração.

Com a ajuda dos bombardeamentos da Rússia, as forças de Assad recuperaram muito território. Hoje, mesmo países que, de início, estiveram do lado da oposição aceitam que reconhecer que Assad voltou a mandar no país é um atalho para limitar mais instabilidade na região. Três países árabes resistem nessa aproximação: Marrocos, Catar e Kuwait.

Em maio passado, esse consenso crescente de que o diálogo com a Síria é necessário foi coroado com a reintegração da Síria na Liga Árabe, de onde tinha sido suspensa no primeiro ano da guerra. Essa reabilitação regional de Assad aconteceu numa cimeira realizada na cidade saudita de Jeddah.

“O Irão não faz parte da Liga Árabe [é um país persa], mas esse regresso da Síria à organização faz parte da normalização entre os dois países”, diz ao Expresso Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense. “Há uma aceitação de que Bashar al-Assad venceu a guerra, e essa normalização do líder é consequência direta da normalização das relações entre Riade e Teerão.”

Na cimeira árabe de Jeddah, Assad comentou o regresso da Síria ao concerto árabe: “Espero que marque o início de uma nova fase de ação árabe pela solidariedade entre nós, pela paz na nossa região, por desenvolvimento e prosperidade em vez de guerra e destruição”. Para trás ficaram mais de 300 mil civis mortos, quase 340 ataques com armas químicas, 82 mil bombas de barril lançadas sobre zonas residenciais e dezenas de cercos a localidades ao estilo medieval. Mais de 13 milhões de pessoas tornaram-se deslocados ou refugiados.

Líbano

Polarização e crise não são prioridades

O anúncio do acordo entre sauditas e iranianos criou uma ilusão no Líbano. Com o país fortemente polarizado, a nível político, entre o movimento xiita Hezbollah e seus aliados (que representam a influência do Irão no país) e, no campo oposto, algumas fações apoiadas pela Arábia Saudita, “quando o acordo foi inicialmente tornado público, ambos os lados tiveram a expectativa de que ajudasse a resolver o impasse político no país… a seu favor”, explica ao Expresso David Wood, analista do International Crisis Group para o Líbano.

Organizado mediante um sistema confessional, que determina que o Presidente do país seja sempre cristão maronita, o primeiro-ministro muçulmano sunita e o presidente do Parlamento muçulmano xiita, o Líbano está há dez meses sem conseguir eleger o chefe de Estado. A escolha cabe ao Parlamento, que já falhou 12 tentativas.

Este impasse político, num país que reconhece, oficialmente, 18 grupos religiosos, expõe uma classe política que age em função de agendas sectárias e não de um interesse nacional. Para agravar, o país atravessa uma grave crise económica — em abril, a taxa de inflação estava nos 269% — e vive na iminência de colapso financeiro, alimentado por altos índices de corrupção, incompetência e desvios de dinheiro público.

A recuperação económica está dependente de um empréstimo de 785 milhões de euros concedido pelo Fundo Monetário Internacional, que não avança devido às múltiplas crises que o país enfrenta. À semelhança do que se passa em relação ao Presidente, os políticos também não se entendem sobre o governador do Banco Central.

“O Líbano ainda não sentiu qualquer impacto tangível da reaproximação iraniano-saudita”, assegura Wood. “Na realidade, o país é uma prioridade muito menor para Riade e Teerão, em comparação com vários outros vizinhos. Por isso, é improvável que a reaproximação faça grande diferença no Líbano até que a Arábia Saudita e o Irão resolvam outros conflitos que consideram mais urgentes, a começar pela situação no Iémen.”

Esta falta de urgência em estabilizar o Líbano prende-se também com o peso desigual que o país tem para Riade e Teerão. Para esta, é uma das pontas do chamado arco xiita, com o qual a República Islâmica projeta influência no Médio Oriente.

Iraque

Arena de diálogo para amaciar

Antes da assinatura do acordo entre Riade e Teerão, em Pequim, foi em Bagdade que, durante dois anos, as partes partiram pedra para desbravar um caminho comum. Pela sua complexidade étnica e religiosa, o Iraque tem fações naturalmente próximas de ambos os países. Essa circunstância contribuiu para transformar este país num campo de batalhas por procuração após a queda do ditador Saddam Hussein e, mais recentemente, numa arena de diálogo. Entre 2020 e 2022, realizaram-se cinco rondas de conversações que serviram para clarificar pontos de vista e criar uma prática regular de comunicação.

Com o Irão, o Iraque partilha 1600 quilómetros de fronteira e uma população de maioria xiita, que foi reprimida nos tempos do sunita Saddam e chegou ao poder nos anos da guerra iniciada em 2003. Mais ainda, é um país atravessado pelo arco xiita de influência iraniana na região. Muitos grupos armados recebem apoio direto da Guarda Revolucionária Iraniana, algo que ficou exposto quando, a 3 de janeiro de 2020, o general Qasem Soleimani — herói nacional no Irão, tido como cérebro da estratégia militar do país para o Médio Oriente — foi assassinado no aeroporto de Bagdade por drones dos Estados Unidos. Em retaliação, Teerão bombardeou uma base americana no Iraque.

Já a Arábia Saudita, que nunca teve um grau de envolvimento militar no Iraque semelhante ao do Irão, partilha uma fronteira de 800 quilómetros, onde chega a sentir vulnerabilidade. Riade tem maior afinidade com a comunidade sunita, profundamente tribal, e representa um potencial de grandes investimentos que Teerão não consegue acompanhar. Para os sauditas, o acordo com o Irão funciona também como salvaguarda, na eventualidade de escalada na sempre tensa relação entre Teerão e Washington.

Bahrain

A curta distância dos dois gigantes

Este arquipélago do Golfo Pérsico é o único reino da Península Arábica que tem uma monarquia reinante sunita e uma população de maioria xiita, por vezes apontada como potencial quinta-coluna do Irão. Esta circunstância tornou o país vulnerável a interferências do gigante xiita, como sucedeu durante a Primavera Árabe (2011) — Riade interveio em defesa da dinastia Al-Khalifa e Teerão dos manifestantes —, e condena-o a ser um permanente palco de competição ideológica e geopolítica entre os dois gigantes.

Em 2016, o Bahrain foi lesto a solidarizar-se com a Arábia Saudita e a cortar relações com o Irão no dia seguinte a Riade tê-lo feito. Desde então, acentuou as suas divergências em relação a Teerão e reconheceu o Estado de Israel, tornando-se um dos protagonistas dos Acordos de Abraão, promovidos pelo então Presidente americano Donald Trump.

Ao estilo de um efeito dominó, Bahrain, Jordânia e Egito são apontados como os países árabes que estão na calha para normalizar relações diplomáticas com o Irão. “As autoridades egípcias já afirmaram que a melhoria do relacionamento entre o Cairo e Teerão depende de como progredir a relação entre o Irão e a Arábia Saudita”, explica o académico iraniano Javad Heiran-Nia. Da relação Riade-Teerão parece depender o degelo do Médio Oriente.

Quem fica a perder?

ISRAEL

O Irão é o elemento central da política externa de Israel, que o vê como ameaça existencial (devido ao programa nuclear) e circunstancial (pelo apoio a grupos palestinianos). Os Acordos de Abraão, com que o Estado hebraico iniciou uma aproximação ao mundo árabe, visaram também isolar o Irão. Com quatro países a bordo, a Arábia Saudita era candidata. “A pressão está sobre Riade”, diz Tiago Lopes. “Terá de escolher se dá prioridade ao Irão, para reconstruir o grande espaço islâmico, se a Israel, numa lógica de estabilização da região.”

TURQUIA

“A Turquia perde espaço político no Médio Oriente com a aproximação entre Irão e Arábia Saudita”, comenta o docente da Universidade Portucalense. “No mundo sunita, sempre foi vista como poder mediador e moderado. Com a normalização, deixa de poder fazer a ponte, porque não há nada para moderar.” Tiago Lopes recorda a recente cimeira da NATO, em Vílnius, onde após colocar entraves à adesão da Suécia, Ancara acabou por ceder. “A Turquia decidiu voltar à sua política de ambiguidade, que é ter relações com o Ocidente, mas também não estragar o relacionamento que tem com a Rússia.”

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Artigo publicado no “Expresso”, a 4 de agosto de 2023. Pode ser consultado aqui

“Os iranianos não têm ilusões: este regime não consegue resolver os problemas que atormentam o país há 40 anos”

Dez meses após a morte da iraniana Mahsa Amini, os grandes protestos antirregime estão ausentes das ruas, mas as razões do descontentamento popular continuam vivas. Em entrevista ao Expresso, um membro da oposição no exílio diz que “o Irão é uma sociedade explosiva” e que “ninguém deve ficar surpreendido se acordar amanhã e testemunhar a erupção de outro levantamento por todo o país”

Logotipo do Conselho Nacional da Resistência do Irão (CNRI) WIKIMEDIA COMMONS

Fora do Irão, Paris é uma espécie de capital da oposição ao regime dos ayatollahs. É na principal cidade francesa que tem sede o Conselho Nacional da Resistência do Irão (CNRI), o maior grupo no exílio de opositores ao regime iraniano, que se assume como “a alternativa democrática viável” à República Islâmica.

Este ano, pela primeira vez, uma manifestação convocada pelo CNRI esteve na iminência de não sair à rua. Agendada para 1 de julho, foi inicialmente proibida pela polícia, que alegou haver risco de perturbação da ordem pública.

A organização recorreu à justiça, que foi célere a deliberar. A 24 horas da iniciativa, o Tribunal Administrativo de Paris fez saber que um protesto previsto para durar três horas e circunscrito à Praça Vauban não implicava riscos.

A proibição foi revertida e o Governo francês foi condenado a pagar €1500 aos organizadores. A manifestação saiu à rua e nela participaram dezenas de milhares de iranianos, vindos dos quatro cantos do mundo.

“A decisão era totalmente injustificada. Que me lembre, pelo menos nos últimos 20 anos, nunca tivemos uma manifestação em Paris proibida. Afinal, tudo é muito consistente com o princípio básico não apenas da lei francesa, mas da lei europeia, de liberdade de expressão e de reunião”, diz ao Expresso, de Paris, Ali Safavi, membro do CNRI.

Pressões ao telefone

Para este iraniano, que integra o CNRI há mais de 40 anos — o conselho foi fundado em 1981 —, a posição inicial das autoridades francesas foi uma capitulação face à pressão exercida a partir de Teerão. A 10 de junho, foi notícia uma conversa telefónica de 90 minutos entre o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o seu homólogo iraniano, Ebrahim Raisi.

“Uma questão levantada por Raisi foram as atividades de — nas palavras do regime iraniano — contrarrevolucionários em solo francês, ou seja, da oposição ao regime, não só do nosso movimento mas também de outros iranianos ativos. Em certo sentido, talvez se possa concluir que, após aquela discussão de 90 minutos, Raisi exigiu alguma concessão.”

Nos últimos anos, o diálogo entre o Irão e países ocidentais tem implícita uma tentativa de atar o regime de Teerão a um compromisso relativo ao seu programa nuclear. Com escritórios em grandes países europeus e nos Estados Unidos, foi a partir do seu gabinete na Avenida da Pensilvânia, a 200 metros da Casa Branca, que o CNRI revelou, em 2002, a existência de duas centrais nucleares secretas (em Natanz e Arak) e detalhou atividades nucleares do regime.

No caso específico de França, há um interesse maior do que o nuclear para que Paris continue a cortejar Teerão: quatro cidadãos franceses detidos em prisões iranianas. Usar estrangeiros detidos arbitrariamente no Irão e acusados de espionagem ou atividades subversivas para pressionar governos ocidentais é prática conhecida da República Islâmica.

Este ano, França já conseguiu libertar três cidadãos de um total de sete. Em fevereiro, saiu em liberdade a antropóloga franco-iraniana Fariba Adelkha, detida em 2019 e condenada a seis anos de prisão.

A dupla nacionalidade de pouco lhe valeu, já que a República Islâmica não reconhece esse estatuto e considera apenas a cidadania iraniana. “É deveras lamentável que a política europeia tenha ficado vítima de sequestro e chantagem”, comenta Ali Safavi.

Em maio, para conseguir fazer regressar a casa um trabalhador humanitário belga, detido em Teerão, Bruxelas libertou Asadollah Assadi, diplomata iraniano condenado a 20 anos de prisão por envolvimento numa tentativa frustrada de atentado à bomba em França.

“Estes governos deviam encarar estas tentativas do regime iraniano como sinal de fraqueza. Isso mostra quanto temem o nosso movimento, não apenas devido às campanhas políticas fora do Irão como pelo seu impacto e influência dentro do Irão“, diz Safavi.

“No final de contas, acreditamos que a mudança deve vir de dentro do Irão. Temos uma enorme rede nacional dentro do país que mantém acesa a chama da resistência, apesar de toda a repressão, execuções e supressão” de direitos e liberdades.

Ciclo bárbaro de violência

A mais recente vaga de repressão no Irão teve como faísca a morte de Mahsa Amini, há quase dez meses, na sequência de ferimentos sofridos às mãos da polícia da moralidade, por não levar o hijab (véu islâmico) corretamente colocado. Os grandes protestos antigovernamentais que se seguiram foram silenciados recorrendo a um ciclo bárbaro de detenções, tortura e execução de manifestantes.

Uma técnica persistente, nos últimos meses, que a oposição atribui ao regime, são envenenamentos deliberados com químicos em escolas femininas, que já contaminaram mais de 1200 estudantes. Teerão assegura que a sua investigação não detetou quaisquer envenenamentos e acusou “inimigos” estrangeiros e dissidentes de fomentarem o medo.

O alvo escolhido é fácil de justificar: foram as mulheres quem teve um papel de liderança nos protestos após a morte de Mahsa Amini, que se tornou um símbolo dentro e fora de portas.

Na semana passada, a equipa brasileira de futebol feminino, que vai disputar o Mundial da FIFA, chegou à Austrália a bordo de um charter pintado com imagens de Mahsa Amini e do futebolista Amir Nasr Azadani, condenado a 26 anos de prisão por um tribunal revolucionário, acusado do assassínio de três elementos das forças de segurança, durante os protestos.

https://twitter.com/AJE_Sport/status/1676289793364221952

“A revolta no Irão durou sete a oito meses. Foram mortos cerca de 750 manifestantes, incluindo 70 crianças, algumas com apenas nove anos, e 61 mulheres. Nos dias seguintes, o regime usou espingardas de chumbo para alvejar os rostos das mulheres, cegando-as ou procurando desfigurá-las. Depois foram os ataques químicos em escolas femininas por todo o Irão”, enumera Ali Safavi. “Tudo isto foram tentativas do regime para intimidar a população.”

Protestos continuam noutro formato

O opositor salienta a resiliência dos iranianos e garante que as ações de protesto não foram completamente silenciadas. “Os protestos continuaram, embora a forma tenha mudado. O regime fez de tudo para evitar a enxurrada de grandes aglomerações dos meses anteriores, mas não conseguiu reprimir por completo os protestos. Quando têm oportunidade, marcham em menor número. À noite, cantam das suas casas e telhados. Alguns jovens tornaram-se mais desafiadores e usam cocktails Molotov ou outros meios para atacar bases dos Guardas da Revolução e dos Basiji [grupo paramilitar]. Há muitos vídeos a sair do país que o mostram. E o regime é muito combativo.”

Segundo a organização Iran Human Rights, com sede na Noruega, no primeiro semestre deste ano, o Irão enforcou 354 pessoas. Esta segunda-feira, o rapper Toomaj Salehi foi condenado a seis anos e três meses de prisão. Detido em outubro passado por apoiar os protestos antigovernamentais, enfrentava acusações que podiam valer-lhe a pena de morte.

“Os problemas económicos, políticos e sociais no Irão, a falta de liberdade, a pressão sobre as mulheres, a inflação descontrolada, o desemprego crescente, a escassez de alimentos, a falta de água, a destruição do ambiente, a imensa corrupção governamental… enquanto estas questões não forem resolvidas, haverá protestos”, vaticina o iraniano, recordando que o Irão tem as quartas maiores reservas de petróleo do mundo e as segundas maiores de gás.

“Ninguém deve ficar surpreendido se acordar amanhã e testemunhar a erupção de outro levantamento por todo o país. Desde 2016, o Irão foi palco de seis grandes protestos — em 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2022. Se não fosse a covid-19, também teria havido protestos em 2021”, conclui Ali Safavi. “O Irão é uma sociedade explosiva. As pessoas não têm ilusões de que este regime consiga resolver os problemas que têm atormentado o país nos últimos 40 anos.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de julho de 2023. Pode ser consultado aqui

Acordo de conveniência entre sauditas e iranianos

A normalização da relação diplomática entre Riade e Teerão é uma derrota para os Estados Unidos e Israel

Não haverá muitas rivalidades no mundo tão amplas e antigas como a que opõe Arábia Saudita e Irão. Frente a frente estão um reino árabe que professa uma matriz sunita fundamentalista do islão e uma república islâmica, assente numa interpretação xiita radical, herdeira da civilização persa. A força destas identidades contamina países vizinhos, origina guerras por procuração e torna a estabilidade no Médio Oriente uma quimera.

Ora, dois territórios declaradamente inimigos há quase 1400 anos — quando se deu o cisma entre sunitas e xiitas — não se tornam amigos da noite para o dia. Anunciada a normalização da relação diplomática entre Riade e Teerão, dia 10, sobram interrogações acerca do que a motivou.

“Arábia Saudita e Irão estão a sair da esfera de influência ocidental e, no que toca à Arábia Saudita, da esfera dos Estados Unidos”, diz ao Expresso o investigador Tiago André Lopes, do Instituto do Oriente. “E estão a posicionar-se, por dependência energética, mais próximos da China”, mediadora deste diálogo.

Estes países tinham as relações congeladas desde 2016, na sequência da decapitação de um clérigo xiita saudita, crítico do regime de Riade. No Irão houve protestos, invasão da embaixada saudita e promessas de “vingança divina” por parte do líder supremo, ayatollah Ali Khamenei. Há algum tempo, contudo, que ambos queriam voltar a página das hostilidades, sufocados por problemas económicos e despesas extra decorrentes da guerra no Iémen — onde Teerão apoia os houthis (grupo xiita que tomou o poder pela força) e Riade lançou uma ofensiva com o intuito de os depor.

Dois anos a negociar

“As negociações começaram há dois anos, com mediação do Iraque. Enquanto isso, Omã acolheu conversações entre os houthis e uma delegação saudita. O diálogo começou porque as partes precisavam de chegar a acordo. O aumento da tensão não correspondia aos seus interesses”, diz ao Expresso Javad Heirannia, do Centro do Médio Oriente, de Teerão.

O acordo está muito longe de ser uma parceria estratégica ou tratado de amizade e cooperação. Tem um período de carência de dois meses e prevê apenas a reativação dos canais diplomáticos. “As grandes questões de fundo, as diferenças ideológicas, não vão ficar resolvidas. O que se resolve é a abertura das embaixadas”, explica Tiago André Lopes.

“Não interessa à Arábia Saudita nem ao Irão terem demasiadas frentes abertas. Interessa-lhes fechar esta frente, porque o que os separa continuará a separá-los”, continua o professor da Universidade Portucalense, para quem é claro que ambos buscam “um consenso no que toca aos teatros que estão abertos por causa desta confrontação: Iémen e Líbano”.

Irresolúvel do ponto de vista militar, a guerra no Iémen está num impasse há anos. Em abril de 2022, as partes comprometeram-se com um cessar-fogo, que expirou em outubro. Desde então, mesmo sem renovação formal, a trégua não colapsou, indiciando a vontade de pôr ponto final ao conflito.

Já o Líbano, sem viver em clima de guerra aberta, parece muitas vezes à beira desse precipício, com um sistema político retalhado por 18 grupos confessionais — entre os quais os xiitas do poderoso Hezbollah, apoiado pelo Irão —, uma economia falida e uma sociedade fragilizada pela corrupção. “As diferenças entre Irão e Arábia Saudita criaram um impasse político no Líbano, que não produziu resultados para os dois países e respetivas forças aliadas”, comenta Heirannia.

ARÁBIA SAUDITA E IRÃO BUSCAM CONSENSONOS TEATROS ABERTOS PELO CONFRONTO ENTRE AMBOS: IÉMEN E LÍBANO

O potencial estabilizador desta aproximação consagra a mediadora China. Para lá dessa demonstração de poder, duas circunstâncias precipitaram a convergência entre os dois gigantes geopolíticos do Médio Oriente: o programa nuclear iraniano e o aperto económico saudita.

Recentemente, a Agência Internacional de Energia Atómica revelou que inspetores encontraram, na central iraniana de Fordow, “partículas” de urânio enriquecido a 83,7%, muito próximo dos 90% necessários para a produção da bomba atómica. De nada serviu mais de um ano de negociações em Viena com vista à reativação do acordo internacional sobre o programa nuclear do Irão (JCPOA), de 2015, ferido com gravidade pela retirada dos EUA ordenada por Donald Trump. E as sanções com que Washington tentou vergar Teerão não impediram o desenvolvimento do acordo.

Estados Unidos são descartáveis

Separada do Irão pelo Golfo Pérsico, a Arábia Saudita percebeu que a melhor garantia de segurança perante o vizinho nuclear é minimizar os riscos de conflito. Por outro lado, Riade luta com dificuldade para concretizar o plano de reformas “Visão 2030”, que visa diversificar a economia do país e dotá-la de novas fontes de receitas. “A Arábia Saudita está a braços com uma grave crise económica, continua muito dependente de recursos petrolíferos e com muita dificuldade em adaptar-se às economias sustentáveis. Tirando o turismo religioso, não tem alternativas. Não pode continuar a ter orçamentos de defesa e a apoiar uma série de movimentos” fora do país, refere Tiago André Lopes.

Acresce a dimensão de segurança e ausências do amigo americano. “Mesmo durante a era Trump, a Arábia Saudita não conseguiu convencer Washington a lançar um ataque contra o Irão a seguir ao atentado dos houthis contra duas refinarias da Aramco”, diz Heirannia. Essa investida, em setembro de 2019, reduziu para metade a produção da empresa estatal saudita e provocou uma subida global dos preços do petróleo.

Por outro lado, continua o iraniano, “a pressão de Riade sobre Washington para incluir a política regional do Irão nas negociações com vista à reativação do JCPOA deu em nada. Os sauditas concluíram que, para evitarem mais gastos, deveriam resolver as diferenças com o Irão.” Acrescenta o português: “A Arábia Saudita percebeu que, no jogo das superpotências, os Estados Unidos são, hoje, descartáveis.”

A necessidade de fechar frentes de conflito é partilhada pelo Irão, castigado há anos por sanções que penalizam a exportação de petróleo e a braços com protestos antirregime que só conseguiu conter após começar a enforcar manifestantes. Para os EUA, a atuação de Teerão foi fácil de encaixar, já que os dois países não têm relações diplomáticas desde a Revolução Islâmica de 1979. Já o ímpeto saudita surpreendeu em toda a linha. “A Administração Biden está a colher os erros da Administração Obama”, e da sua estratégia relativa à primavera árabe, diz Tiago André Lopes. “Nos últimos dois anos, assistimos [na Tunísia] ao colapso do pouco que a primavera árabe trouxe.”

Doze anos depois, está à vista que “o grande vencedor da primavera árabe é a Rússia. Conseguiu entrar de novo no Médio Oriente, foi o único Estado que fez apostas — na Síria — e, grosso modo, venceu-as”, prossegue, frisando que “quem a Rússia apoiou não caiu”. Simbolicamente, Bashar al-Assad visitou Vladimir Putin, no Kremlin, quarta-feira, 12º aniversário do início da guerra na Síria.

O derrotado na aproximação entre sauditas e iranianos, além dos EUA, é Israel, para quem o Irão é uma ameaça existencial e a Arábia Saudita era um possível futuro signatário dos Acordos de Abraão. Este compromisso, com o qual o Estado judeu vinha abrindo brechas no seu isolamento regional, em nada se diferenciava de uma coligação anti-Irão. Resta saber que réplicas se farão sentir após o abalo que foi o acordo Riade-Teerão.

(IMAGEM Mapa do Médio Oriente, publicado em 1950 BIBLIOTECA DO CONGRESSO DOS EUA / PICRYL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 17 de março de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Ainda há protestos nas ruas do Irão?

O enforcamento de quatro manifestantes espalhou o medo. Há pelo menos mais 20 no corredor da morte

Milhares de pessoas dirigem-se ao cemitério onde está enterrada Mahsa Amini, em Saqez, no Curdistão, em outubro de 2022 UGC / AFP / GETTY IMAGES

1 Continua a haver manifestações?

Não, pelo menos com a dimensão de há semanas. As razões para protestar não esmoreceram e o ressentimento pode até ter aumentado perante a repressão do regime à maior vaga de contestação desde a Revolução Islâmica. Mas o enforcamento de manifestantes e a exibição dos cadáveres em guindastes na praça pública incutiram medo. Para a teocracia, é prova de que a violência é uma arma eficaz para silenciar a dissidência.

2 Quantas pessoas já foram executadas?

Há notícia de quatro enforcamentos, um dos quais de um karateca com títulos de campeão nacional. Há mais 20 no corredor da morte e pelo menos 42 enfrentam acusações puníveis com a pena capital.

3 Que outros meios usa o regime para reprimir?

Penas de prisão pesadas, por exemplo. Segundo a Agência Noticiosa de Ativistas de Direitos Humanos (HRANA), durante os protestos foram detidas quase 20 mil pessoas, entre as quais 164 menores. Entre os detidos há figuras públicas, como o futebolista Amir Nasr-Azadani, que esta semana viu a sua condenação à morte ser substituída por 26 anos de prisão. Taraneh Alidoosti, atriz, foi libertada sob fiança.

4 A repressão visa estrangeiros?

Sim. Um trabalhador humanitário belga foi condenado a 40 anos de prisão e 74 chicotadas e um ex-vice-ministro da Defesa iraniano-britânico à morte, acusados de espionagem. Outros casos, porém, são um embaraço para os ayatollahs: uma sobrinha do Líder Supremo foi presa após apelar à comunidade internacional que expulse os representantes do Irão e uma filha do ex-Presidente Akbar Hashemi Rafsanjani foi condenada a cinco anos de prisão por incitar aos protestos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de janeiro de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui