Três meses após o referendo à independência do Curdistão, apoiado por uma esmagadora maioria, Bagdade lança uma operação militar para recuperar Kirkuk, cidade conquistada pelos curdos aos jiadistas do Daesh. Rica em petróleo, Kirkuk é um pilar fundamental de um eventual Curdistão independente
O exército iraquiano tem em curso uma grande ofensiva militar visando a reconquista, aos peshmergas (curdos iraquianos), da cidade de Kirkuk — região rica em petróleo e um dos pilares económicos de um futuro Curdistão independente.
A operação desenvolve-se em várias frentes e as forças federais contam com o apoio das Forças de Mobilização Popular Iraquianas (também conhecidas como Hashd al-Shaabi), maioritariamente xiitas.
“O Presidente [curdo Massoud] Barzani ordenou a todas as unidades peshmergas que não iniciem a guerra, mas se alguma milícia avançar e começar a disparar, então os peshmergas têm luz verde para usar todo o poder para resistir”, anunciou, no Twitter, Hemin Hawrami, assistente do Presidente curdo.
President Barzani ordered all Peshmerge units not to initiate any war, but if any advancing militia starts shooting, then Peshmerge are given green light to use every power to stand against them
Segundo a Al-Jazeera, esta segunda-feira, os militares iraquianos controlavam já o aeroporto internacional da cidade, um campo petrolífero, uma base militar (K1) e a localidade de Taza Khormatu, a sudeste de Kirkuk.
O jornal digital Kudaw acrescenta que o grupo Hashd al-Shaabi cortou a eletricidade para tentar tomar o controlo das posições dos peshmergas. E, na sua conta no Twitter, divulgou um vídeo onde se vê soldados iraquianos a arriarem a bandeira do Curdistão e a içarem a iraquiana, momentos após entrarem em Kirkuk.
Em Kirkuk, vivem cerca de um milhão de pessoas, maioritariamente curdas, mas também árabes, turcomenas e cristãs. Segundo o jornal curdo Kudaw, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, nomeou, esta segunda-feira, um árabe (Rakan al-Jbourri) como novo governador de Kirkuk.
Bloqueio ao Curdistão
Esta operação militar arranca três semanas após um referendo à independência do Curdistão, aprovado por 92,73% dos votos expressos, ao qual as autoridades de Bagdade responderam decretando um bloqueio àquela região autónoma do norte do Iraque.
“É meu dever constitucional trabalhar em benefício dos cidadãos e da proteção da nossa unidade nacional que ficou ameaçada de fragmentação em resultado do referendo organizado pela região curda”, afirmou, esta segunda-feira, o primeiro-ministro Haider al-Abadi. “O referendo realizou-se numa altura em que o país está a combater o terrorismo do Daesh. Tentamos incitar [os curdos] a não violarem a Constituição e a concentrarem-se na luta contra o Daeh, mas eles não ouviram… Sobrepõem os seus interesses pessoais aos interesses do Iraque.”
Os curdos, o maior povo sem Estado do mundo, sonham com a independência há séculos. As suas forças armadas — profissionais, disciplinadas, bem equipadas e com mulheres destemidas na linha da frente — foram fundamentais para a derrota do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) no Iraque.
Em língua curda, “peshmerga” significa “aquele que enfrenta a morte”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 16 de outubro de 2017. Pode ser consultado aqui
O sonho tem séculos e os curdos não o esquecem. Esta segunda-feira realiza-se um referendo simbólico à independência daquele que é o maior povo sem Estado
Mapa do Curdistão iraquiano pintado com a bandeira curda WIKIMEDIA COMMONS
A independência do Curdistão é um tema recorrente na política internacional. Os curdos são o maior povo sem Estado em todo o mundo — 45 milhões, estima a Fundação-Instituto Curdo de Paris —, mas nunca viram concretizado o sonho de se governarem a si próprios. Recentemente, essa ambição voltou a ganhar palco após o protagonismo dos peshmergas (forças curdas iraquianas) no combate ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh). Profissionais, disciplinados, bem equipados e com mulheres destemidas na linha da frente — na língua curda, “peshmergas” significa “aqueles que enfrentam a morte” —, destoaram das desorganizadas e, por vezes, medrosas tropas iraquianas contribuindo para o prestígio da nação curda.
Na próxima segunda-feira, o Governo Regional do Curdistão — que administra quatro províncias do norte do Iraque (Dohuk, Erbil, Sulaimaniyah e Halabja) — organiza um referendo visando “alcançar um objetivo sagrado, que é a independência”, prometeu o presidente curdo, Massoud Barzani, na quarta-feira, num comício em Sulaimaniyah, diante de 20 mil pessoas. A consulta decorrerá também nas zonas disputadas pelos curdos e por Bagdade, que chegaram a estar nas mãos do Daesh e agora são controladas pelos peshmergas (como Sinjar ou Kirkuk, esta rica em petróleo). O referendo não é vinculativo, mas conferirá legitimidade às autoridades curdas para exigirem a separação do resto do país.
“Os curdos são a quarta maior nacionalidade no Médio Oriente e uma das nações mais antigas do mundo. Distinguem-se de outras nacionalidades da região em todos os aspetos [desde logo, não são árabes, apesar de Saladino, o grande herói dos árabes, ser curdo, e têm língua própria]. Durante muito tempo, os curdos foram ofuscados pela sombra dos nacionalismos turco, persa e árabe. As potências internacionais devem aos curdos o fim dessas injustiças históricas que os marginalizaram”, diz ao Expresso Bashdar Ismaeel, analista político curdo a viver em Londres.
Em causa está um território onde vivem mais de cinco milhões de pessoas, maioritariamente curdos, mas também assírios, árabes, arménios, turcomentos, caldeus, iazidis… O Curdistão tem um Parlamento próprio, em Erbil (capital), e forças militares (peshmergas). O orçamento do Governo Regional é alocado pelo Governo federal iraquiano.
A autonomia foi conquistada em condições dramáticas após a Guerra do Golfo (1991), quando os Estados Unidos decretaram uma zona de exclusão aérea sobre o Curdistão para proteger os curdos dos bombardeamentos de Saddam Hussein. Hoje, o contexto é muito diferente. “Os curdos têm uma forte posição estratégica, são atores-chave em muitos conflitos no Médio Oriente e têm reservas de petróleo consideráveis que podem suportar um Estado.”
Efeito dominó nos países vizinhos
Um Curdistão independente amputaria o Iraque de parte importante do seu território e faria disparar os alarmes de um efeito dominó nos países vizinhos que têm minorias curdas, designadamente na Turquia, na Síria e no Irão. Os maiores receios sentem-se na Turquia, onde mais de 20% da população é curda e onde o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, separatista) é considerado uma “organização terrorista”.
“A Turquia pode tomar medidas contra o Governo Regional do Curdistão mas é pouco provável que use a força militar. A Turquia tem fortes laços geopolíticos e económicos com os curdos, especialmente devido ao oleoduto [Kirkuk-Ceyhan]. Quaisquer medidas destinadas a punir os curdos teriam um efeito de ricochete”, defende Bashdar Ismaeel, também colunista de publicações como Kurdistan 24 e Ekurd Daily.
MAPA WIKIMEDIA COMMONS (2008)
“O Curdistão tem ligações fortes a muitos países. Acabou de assinar um grande acordo [de exploração] de gás com a Rosneft, da Rússia. A Turquia devia saber que [a construção de] um oleoduto lucrativo seria um aval efetivo a uma eventual independência curda.”
Esta semana, num comício, o presidente curdo afastou o cenário de uma cisão violenta. “Estamos preparados para iniciar conversações sérias, muito amigáveis e honestas com Bagdade, com a comunidade internacional ou com o apoio da comunidade internacional. Se for necessário tempo, um ano ou dois, no máximo, resolveremos todos os problemas nesse tempo. E depois diremos ‘adeus’ de forma amigável”, disse. Esta sexta-feira, em entrevista ao britânico “The Guardian”, Massoud Barzani foi mais azedo, acusando o Iraque de ser “um Estado teocrático e sectário” e dizendo que o Parlamento iraquiano — que no dia 12 rejeitou o referendo curdo — “não é federal. É chauvinista e sectário. A confiança em Bagdade está abaixo de zero”.
“Os curdos têm repetido que querem um entendimento com Bagdade com base na diplomacia e no diálogo”, comenta Bashdar Ismaeel. “Eles já controlam o seu território. Se for usada a força, isso será orquestrado contra os curdos e não iniciado pelos curdos.”
Esta semana, em Nova Iorque, após discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas, o Presidente francês, Emmanuel Macron, disse que a França não se opõe ao referendo, mas… em vez de exigirem a independência, os curdos deveriam “pedir respeito e representatividade no Governo e na Constituição do Iraque para todas as minorias, em particular os curdos”.
Escaldados com a História, os curdos não estarão muito recetivos a conselhos ocidentais. Após a I Guerra Mundial, o Tratado de Sèvres (1920), entre Aliados e o derrotado Império Otomano, contemplou a criação de um Curdistão em território turco, deixando de fora os curdos do Irão, do Iraque (controlado pelos britânicos) e da Síria (tutelada pela França). Depois, o assunto foi silenciado.
“O Iraque ou os países ocidentais podem fazer pouco para impedir o Estado [curdo]”, conclui Bashdar Ismaeel. “Além do mais, é-lhes difícil justificar por que razão muitas nacionalidades puderam exercer o seu direito histórico [à autodeterminação] há mais de um século, mas não os curdos. Argumentam com o momento ou então com a possível desestabilização do Médio Oriente. Mas, como a liderança curda tem questionado de forma repetida, haverá alguma vez um bom momento para os curdos? E quando é que o Médio Oriente foi verdadeiramente estável?”, questiona. “Em todo o caso, a liderança curda não está a pedir apoio aos países ocidentais, apenas que não interfiram.”
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 22 de setembro de 2017. Pode ser consultado aqui
O primeiro-ministro do Iraque anunciou, no domingo, a reconquista da cidade de Mossul aos jiadistas do Daesh. Acabado de regressar daquela cidade, um médico do Porto, experiente em zonas de conflito, explica por que considera esta uma das suas missões “mais difíceis”. E revela como os iraquianos reagiram às mensagens de esperança que levou consigo desde Portugal
Sempre que parte para uma missão humanitária, o médico Gustavo Carona leva preso à mochila um cachecol do Futebol Clube do Porto. “É uma peça simbólica. Nele vai o meu mundo, os meus amigos, a minha família. É a minha forma de matar saudades”, confessa.
Em finais de maio, para a sua sétima missão — na cidade iraquiana de Mossul, ocupada pelos jiadistas desde junho de 2014 —, levou na mala algo tão ou mais especial ainda: exemplares de um livro da sua autoria que começou a ganhar forma apenas um mês antes de partir. A pensar em todos aqueles que se dizem inquietos com as guerras no mundo e não saber o que fazer para as contrariar, Gustavo escreveu no Facebook um “post” provocador…
“Dentro de um mês irei para o Iraque, Mossul, trabalhar com os Médicos Sem Fronteiras”, escreveu a 25 de abril. “Tentarei fazer o que sei, salvar vidas num dos locais mais necessitados dos dias de hoje. Mas para além disso gostava de levar comigo mensagens de quem acreditar que não podemos ficar indiferentes a alguns acontecimentos trágicos da atualidade, como tem sido esta guerra por Mossul.”
Criou um endereço de e-mail e esperou que a dinâmica das partilhas na internet fizesse o resto. “Não mencionem o meu nome. Isto não é sobre mim. É de cada um de vocês para todas as pessoas que sejam dignas do vosso grito de esperança.” Sem saber que eco as suas palavras iriam ter, tinha para si uma única certeza: seria o mensageiro de quem se desse a esse trabalho. Custasse o que custasse, as mensagens enviadas de Portugal chegariam a mãos iraquianas.
Aos 36 anos, o médico Gustavo Carona cumpriu em Mossul a sua sétima missão humanitária, a sexta ao serviço dos Médicos Sem Fronteiras GUSTAVO CARONA
De partilha em partilha, os posts de Gustavo “mexeram” com centenas de amigos, conhecidos e pessoas de quem ele nunca ouvira falar, e puseram famílias e turmas de estudantes a escrever.
Escreveu Paula Assunção: “Povo de Mossul, O mundo das pessoas bem formadas não está indiferente ao vosso sofrimento. Podem retirar-vos muita coisa mas nada, nem ninguém, vos pode retirar a dignidade, a inocência, a esperança, os vossos sonhos. Que nunca deixem de acreditar no dia de amanhã… e nas pessoas. Acreditem que somos muitos mais do que os monstros covardes que vos atormentam e acreditem na vossa/nossa força. Eu acredito.”
“1001 Cartas para Mosul” está à venda nas livrarias e na internet. As receitas do livro revertem, na totalidade, para os Médicos Sem Fronteiras e para a Plataforma de Apoio aos Refugiados MOSUL EYE
Ao email, foram chegando mensagens, ilustrações e a disponibilidade de falantes de língua árabe para traduzir as mensagens. No livro “1001 Cartas para Mossul”, estão publicadas 246 mensagens, umas em português, outras inglês, todas em árabe.
“O máximo que consegui levar foi 28 exemplares. Mas já enviei muitos mais por email, em formato digital. Entreguei a muitos dos meus companheiros de trabalho iraquianos que são de Mossul e que, por sua vez, fizeram chegar a várias associações, ativistas e até órgãos de informação iraquianos, que receberam o projeto com entusiasmo e grande emoção. Fui convidado a apresentar o livro em Mossul, mas infelizmente não pude ir. É maravilhoso, aquele povo sentiu um apoio simbólico, mas muito forte e genuíno, em nome de Portugal. Passaram reportagens na televisão iraquiana que me comoveram…”
A dedicação à causa humanitária já levou Gustavo Carona a trabalhar em hospitais da República Democrática do Congo (RDC), do Afeganistão, Paquistão e Síria. Um mês passado em Mossul foi suficiente para considerar a experiência iraquiana como “uma das mais difíceis” que já teve em oito anos de Medicina Humanitária. “Já vi muita guerra e testemunhei muitas histórias tristes. Ainda assim, no Iraque, tive de segurar as lágrimas em vários momentos do meu trabalho. A tristeza das histórias sufocavam emocionalmente e deixavam, mesmo pessoas muito experientes, absolutamente desarmadas.”
Contrariamente à RDC ou ao Afeganistão, por exemplo, que vivem uma conflitualidade crónica e duradoura, à qual, de certa forma, as populações já moldaram o seu quotidiano, o Iraque era, até à intervenção norte-americana de 2003, um país estável e desenvolvido — ainda que sem liberdade, governado pelo “pulso de ferro” de Saddam Hussein. No contexto da guerra, Mossul — a maior cidade do norte do Iraque, a 400 quilómetros de Bagdade — sofreu duplamente: devido à guerra civil e ao facto de se ter tornado, a par da síria Raqqa, uma das capitais do Daesh. Foi do púlpito de uma mesquita de Mossul, a Grande Mesquita Al-Nuri, que, a 29 de junho de 2014, Abu Bakr al-Baghdadi anunciou ao mundo o “Estado Islâmico”.
Em Mossul, o Daesh teve a maior concentração de população — dois milhões de pessoas — à sua mercê. E exerceu esse controlo com grande brutalidade durante três anos. “A cidade está completamente destruída. Quase toda a gente viu familiares morrer”, diz o médico. “De uma forma ou de outra, todas as famílias foram desmembradas.”
Hospital dos Médicos Sem Fronteiras onde o médico português trabalhou, a cerca de 30 quilómetros para sul de Mossul, a oeste do rio Tigre MÉDICOS SEM FRONTEIRAS
Em Mossul, Gustavo trabalhou num hospital “feito de raiz, essencialmente com tendas”, numa zona controlada pelo exército iraquiano. Especialista em Anestesia e Cuidados Intensivos, assistiu feridos de guerra e gente esfomeada, desnutrida, desidratada — as temperaturas nesta época do ano chegam a rondar os 50ºC — e com ferimentos variados.
“Quando o conflito se intensificava, os doentes chegavam-nos ‘em massa’, na sua maioria civis. Ver as portas do hospital abrirem-se com dezenas de feridos, ensanguentados e aos gritos dá um nó na garganta”, recorda. “Queimados, vítimas de explosões e da queda de edifícios, que colapsam em cima de famílias inteiras, pessoas cravadas por estilhaços dos pés à cabeça… E nós só víamos ‘os que tinham sorte’…” Os que tinham a sorte de sobreviver…
Licenciado pela Faculdade de Medicina do Porto e a exercer, desde 2014, no Serviço de Medicina Intensiva do Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, Gustavo Carona realizou a sua primeira missão em 2009, em Moçambique, com os Médicos do Mundo. A foto é de Mossul GUSTAVO CARONA
No domingo, o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, deslocou-se a Mossul para saudar a “cidade libertada” e “os heroicos combatentes e o povo iraquiano pela grande vitória”. A operação de reconquista da cidade ao Daesh foi lançada a 17 de outubro de 2016 e nela participaram uma variedade de forças ilustrativas da grande complexidade étnico-religiosa que é o Iraque: exército iraquiano, combatentes curdos (peshmergas), tribos árabes sunitas, milícias xiitas, todos apoiados pela coligação militar liderada pelos Estados Unidos.
Para a população de Mossul, sobretudo para quem não fugiu, os meses pareceram anos, em que viveram encurralados na sua própria cidade, reféns dos jiadistas e, muitos deles, também vítimas das rivalidades internas iraquianas. “As pessoas de Mossul têm uma grande perceção de maldade”, conclui Gustavo Carona. “Por parte do Daesh, mas também de forças iraquianas e de outros grupos armados. Aquelas pessoas testemunharam atrocidades indescritíveis.”
(Foto principal: Numa mão, estes iraquianos seguram o livro com mensagens de esperança enviadas de Portugal. Na outra, cartazes de agradecimento MOSUL EYE)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 10 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui
O cerco ao Daesh aperta-se na Síria e no Iraque. Em Raqqa, forças sírias lideradas pelos curdos surpreenderam os jiadistas e furaram a muralha da Cidade Velha. Na cidade iraquiana de Mossul, já se prepara a vitória
As forças sírias estão mais perto do que nunca de reconquistar a cidade de Raqqa — considerada a capital do autodenominado Estado Islâmico (Daesh).
O Comando Central dos Estados Unidos confirmou esta terça-feira que “as Forças Democráticas Sírias [FDS] romperam a Cidade Velha de Raqqa”, lê-se num comunicado. “Forças da coligação [internacional] apoiaram o avanço das FDS sobre a parte mais fortificada de Raqqa, abrindo duas pequenas passagens na muralha de Rafiqah que circunda a Cidade Velha.”
Segundo o CENTCOM, cuja sede no Médio Oriente é a base aérea de Al-Udeid, no Qatar, “combatentes do Daesh usavam a histórica muralha”, que tem cerca de 2,5 quilómetros de comprimento, “como posição de combate e colocaram minas e explosivos improvisados em várias quebras da muralha”.
Citado pela Al-Jazeera, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos confirmou que as forças sírias atacaram Raqqa, pela primeira vez, pelo sul, depois de atravessarem o rio Eufrates. A manobra, efetuada no domingo, liderada pelos curdos, permitiu-lhes entrar na cidade por uma parte nova e surpreender os jiadistas.
“Os confrontos são extremamente violentos”, afirmou Rami Abdulrahman, diretor do Observatório, sedeado em Londres, em contacto permanente com fontes no terreno.
Os avanços das tropas sírias sobre Raqqa — que está nas mãos do Daesh desde julho de 2014 — são de grande simbolismo para a luta global contra o Daesh, sobretudo na Síria e no Iraque. Neste, Mossul — o principal bastião do Daesh no país — está praticamente reconquistado aos jiadistas.
A 29 de junho, o primeiro-ministro iraquiano, Haider Al-Abadi, escreveu no Twitter: “Estamos a assistir ao fim do falso Estado do Daesh, a libertação de Mossul prova-o. Não vamos ceder, as nossas bravas forças trarão a vitória”.
We will continue to fight Daesh until every last one of them is killed or brought to justice
— Haider Al-Abadi حيدر العبادي (@HaiderAlAbadi) June 29, 2017
Segundo a agência Reuters, na segunda-feira, o Daesh combatia para manter as últimas e poucas ruas ainda sob controlo jiadista na Cidade Velha de Mossul. “Em combates ferozes, unidades do exército iraquiano encurralaram os revoltosos num retângulo de 300 por 500 metros ao lado do rio Tigre.”
A 29 de junho passado — precisamente três anos após Abu Bakr al-Baghdadi ter anunciado o advento do Estado Islâmico, no púlpito da Grande Mesquita Al-Nuri, em Mossul —, as tropas iraquianas anunciaram a reconquista daquele local simbólico. Dias antes, os jiadistas reduziram-no a escombros, numa manobra entendida como uma atitude desesperada que prenuncia o fim do Daesh na mais importante cidade do norte do Iraque.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de julho de 2017. Pode ser consultado aqui
Um dia após as forças iraquianas declararem vitória sobre o Daesh e recuperarem a cidade de Fallujah, pelo menos 12 pessoas foram mortas num ataque suicida contra uma mesquita
Pelo menos 12 pessoas morreram e 32 ficaram feridas num ataque suicida contra uma mesquita em Abu Ghraib, a meio caminho entre Bagdade e Fallujah. As vítimas tinham participado na oração da meia-noite de segunda-feira, que se seguiu ao “iftar”, a refeição após o pôr do sol com a qual os muçulmanos quebram o jejum do Ramadão.
Responsáveis iraquianos confirmaram esta terça-feira que o atentado foi levado a cabo por um homem que trazia vestido um colete armadilhado. O ataque não foi reivindicado.
A mesquita visada situa-se numa área predominantemente sunita. Bagdade e Fallujah distam 65 quilómetros e localizam-se no chamado triângulo sunita onde, após a deposição de Saddam Hussein, se organizou a resistência sunita contra o novo poder xiita e, mais recentemente, se infiltrou o autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), criando bases para atacar Bagdade e arredores.
Este foi o primeiro ataque após as forças iraquianas declararem vitória, no domingo, sobre o autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) em Fallujah, após cinco semanas de combates. A ofensiva foi apoiada por bombardeamentos aéreos da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos.
Segundo o sítio de análise geopolítica Stratfor, pelo menos 1800 combatentes do Daesh foram mortos durante a reconquista de Fallujah, que estava sob controlo jiadista desde janeiro de 2014.
Para o primeiro-ministro iraquiano, Haider Al-Abadi, a recuperação daquela cidade abre caminho à retomada de Mossul, no Curdistão iraquiano, o último grande reduto do Daesh em território iraquiano. “Vamos derrotar o Daesh em todo o Iraque com as nossas bravas forças armadas”, escreveu no Twitter.
Após a declaração da “libertação total” de Fallujah, as forças iraquianas continuam a perseguir extremistas em fuga, procurando prevenir futuros ataques. Um responsável do exército citado pela Reuters estima que cerca de 150 extremistas estejam escondidos ao longo da margem sul do rio Eufrates. “Têm duas opções: ou rendem-se ou serão mortos. Queremos impedir que recuperem o fôlego e ataquem as nossas forças com carros armadilhados”, afirmou o coronel Ahmed al-Saidi àquela agência noticiosa.
Desde Fallujah, a repórter da Associated Press, Susannah George, escreve que “dezenas de casas foram saqueadas e queimadas durante a libertação de Fallujah”. Enquanto o Governo iraquiano acusa militantes do Daesh em fuga, alguns responsáveis responsabilizam “milícias xiitas que participaram na operação ao lado da polícia federal”.
Os combates forçaram mais de 85.000 residentes a fugir para acampamentos sobrelotados, geridos pelo Governo, no meio do deserto.
As Nações Unidas confirmaram a existência de incidentes sectários durante a campanha de Fallujah, com base em relatos de abusos contra civis em fuga, realizados por membros de grupos xiitas que estiveram ao lado das forças nacionais na ofensiva contra o Daesh.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de junho de 2016. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.