Arquivo de etiquetas: Israel

A luta anti-terrorista de Israel é mais humanitária do que a dos EUA

Durante 25 anos, Emanuel Gross foi juiz militar em Israel. Em entrevista ao Expresso, este professor da Faculdade de Direito da Universidade de Haifa, que veio a Portugal falar de “Democracia e Terrorismo”, admite que os militares israelitas cometem erros, mas procuram tirar lições

IMAGEM THE MESSIANIC PROPHECY BIBLE PROJECT

Defende que Israel combate o terrorismo desde o primeiro dia da sua existência, em 1948. Admite que, desde então, as Forças de Defesa de Israel possam ter cometido erros ou dado maus exemplos em matéria de luta contra o terrorismo?

Não tenho dúvidas de que cometemos alguns erros ao longo dos anos. Explicamos isso com o volume de actividade militar que tivemos de executar. Não há nenhum exército no mundo capaz de abordar uma missão deste género sem cometer erros. Temos de fazer um auto-exame, não só no sentido de admitir esses erros como também na forma como nos passamos a comportar depois de termos percebido os erros. E nesse aspecto, Israel não só admitiu os erros como tirou as devidas lições e tentou corrigi-los.

De que forma?

O Supremo Tribunal de Justiça de Israel supervisiona a legalidade das missões militares, declarando algumas ilegais e ordenando aos comandantes que corrijam outras. Por exemplo, quando desenvolvíamos actividades anti-terroristas na Faixa de Gaza, o Supremo percebeu que os militares não estavam a dar importância aos civis mortos ou feridos: não havia planos de evacuação ou de assistência. Então, ordenou aos comandantes que parassem a operação e a repensassem. Em relação ao muro, por exemplo, o Supremo recebeu várias petições de palestinianos e ordenou ao governo e aos militares que redesenhassem o traçado. Muitas vezes, o Supremo considera que, apesar de Israel ter o direito de desenvolver determinado tipo de operações, deve fazê-lo no respeito do princípio da proporcionalidade.

Qual foi a situação mais complicada que enfrentou durante os 25 anos que serviu como juiz militar?

À parte essas funções, a um tribunal marcial, que lida com ofensas cometidos por soldados, e também fui designado para julgar terroristas, sobretudo palestinianos, acusados de envolvimento em violações à segurança. Julguei muitos suspeitos desse tipo de ofensas. Também fui designado para supervisionar casos de “detenções administrativas” de palestinianos. Tentei dar o meu melhor, sabendo que este tipo de detenções não são normais. Mas por vezes, uma democracia como Israel, para se defender, não tem outra hipótese senão desviar-se dos procedimentos normais para deter pessoas e garantir que elas não atentem contra a segurança. Nessas situações, espera-se que um juiz encontre provas e conclua que há uma base legítima para acusar um determinado suspeito. Essa detenção não visa levar o suspeito a um tribunal militar, é antes de mais uma medida preventiva para que não fique em liberdade e constitua uma ameaça à segurança de Israel.

Quais são os limites legais e morais da luta contra o terrorismo?

Há limites muito claros que nunca deveríamos ultrapassar. De tempos a tempos, redefinimos esses limites de acordo com as decisões do Supremo. Por exemplo, durante muitos anos não sabíamos que meios usar nos interrogatórios a suspeitos de actividades terroristas. Os mesmos meios que a polícia usava nos interrogatórios a criminosos? Ou o terrorismo era diferente? Hesitamos durante muitos anos e houve acusações contra a nossa polícia de segurança (Shabak), que usava os chamados ‘meios moderados de pressão física’, tentando explicar que, por vezes, era necessário desviar do que era permitido para ser eficaz e extrair informação dos suspeitos.

Ainda é assim?

Em 1999, o Supremo legislou sobre este assunto e estabeleceu limites, dizendo que a polícia secreta não está acima da lei e, por isso, está sob as mesmas restrições legais que a polícia regular. Outro limite: Não à tortura! Mesmo naquelas situações em que precisamos de combater os militantes mais duros, como nos campos de refugiados de Gaza ou de Jenin, por exemplo, há leis a regular essas actividades – a lei israelita e a lei internacional – que impõem restrições e não permitem a agressão a civis. Se, por erro, o exército não observa esses limites, em Israel, muito rapidamente alguém apresentará uma petição ao Supremo e o tribunal lembrará os limites.

Quem pode apelar ao Supremo?

Qualquer pessoa que se preocupe com a legalidade das acções dos nossos funcionários e que suspeite que o governo, qualquer agência ou os comandantes militares desenvolvem actividades contrárias à lei. Organizações libertárias, organizações humanitárias e os próprios palestinianos podem apresentar petições. A única coisa que lhes é exigida é que sejam representados por um advogado registado em Israel.

Qual o procedimento que deve ser seguido naqueles casos em que Israel decide que determinada pessoa é um grande perigo para Israel e deve ser eliminado? Tomemos como exemplo o caso do xeque Ahmed Yassin (líder espiritual do Hamas, assassinado por Israel em 2004)…

Em primeiro lugar, uma decisão desse tipo, que implica alvejar uma pessoa, deve ser sempre o último recurso. A principal razão para uma decisão destas é tentar impedir uma pessoa de atentar contra a segurança de Israel. Se isso puder ser concretizado de uma forma menos penosa, é o que deve ser feito. Mas uma decisão desse tipo é tomada a alto nível, em consenso entre o governo e os militares. É um assunto político, devido às possíveis implicações na cena internacional. Apenas quando percebemos que não resta alternativa para deter essas pessoas, só então o governo toma esse tipo de decisão e o exército concretiza-a.

 

Algum tribunal é solicitado para sancionar a decisão?

Trata-se de informação classificada, deve permanecer secreta até ser executada. Como tal, ninguém pode apresentar uma petição para que o Supremo intervenha. A priori, o governo nunca admitiria que estava a planear uma operação desse género. A posteriori, é possível questionar a legalidade da acção, mas normalmente o tribunal não interfere porque, nesse caso em particular, Yassin já estava morto. O que o tribunal faz é apresentar limites à política de assassinatos.

Admite que, em algumas circunstâncias, os direitos humanos podem ser sacrificados por razões de segurança?

Isso é normal nas situações de emergência, como aquela que vivemos presentemente em Israel, em que uma democracia tem de se orientar sob ameaças terroristas. Nos períodos de emergência, o governo e os militares deveriam ter mais poderes legais para lidarem, de uma forma mais eficaz, com esse tipo de ameaça. Nessas alturas, o pêndulo deve ser lançado desde o patamar dos direitos humanos para o da segurança. Isto não quer dizer que, mesmo nessas alturas, sacrifiquemos completamente os direitos humanos. Mesmo nestas alturas, há que ter cuidado e termos sensibilidade suficiente sobre o que estamos a fazer. E se for mesmo necessário, deve ser o último recurso, conscientes de que não resta alternativa para conseguir a segurança.

Pode exemplificar?

Há países que, em situações de emergência, encerram os tribunais. Dizem que quando os canhões rolam, deve imperar o silêncio. Em Israel, nunca adoptamos essa atitude extrema, defendemos que os tribunais devem funcionar sempre. Muitas vezes, os comandantes militares não são peritos em direitos humanos, mas antes em como obter o máximo de segurança. Não percebem que quando estão a planear as operações podem estar a pôr em causa liberdades civis. Por isso, os tribunais têm de estar em alerta e responder a esses planos desproporcionais. Em Israel, o tribunal intervém muitas vezes para estabelecer limites. Temos de sacrificar algumas das nossas liberdades civis, mas isso não quer dizer que tenhamos de sacrificar toda a liberdade. Há que encontrar um equilíbrio entre as necessidades de segurança e a das liberdades civis.

Mesmo em situações de emergência?

Em situações de emergência, há uma tendência natural, mesmo por parte dos civis, para renunciar a certos direitos: ‘Estamos em guerra. Porque nos devemos preocupar agora com os nossos direitos civis? Deixemos o exército fazer o seu trabalho’, pensam. Nos aeroportos, temos o direito de não querer que nos revistem as malas ou a carteira, mas de que outra forma Israel pode defender-se dos terroristas que, sabemos, usam os aviões para colocar bombas? A única forma de o fazer é permitir aos funcionários que ofendam alguns dos nossos direitos porque não há alternativa sem que haja invasão da privacidade. Mas sacrificar direitos da nossa esfera privada não significa ofender a dignidade da pessoa, mesmo tratando-se de um terrorista: não se deve despi-lo em público, por exemplo. Não podemos perder nunca a noção de humanidade.

O senhor é um crítico do US Patriot Act (legislação anti-terrirista aprovada nos EUA após o 11 de Setembro)…

É verdade. É típico daquilo que os norte-americanos fazem nos pós-guerras… A reacção dos Estados Unidos ao 11 de Setembro foi histérica. O ‘Patriot Act’ é muito extremo, não há qualquer equilíbrio. A prioridade é dada à segurança descartando quase por completo as liberdades civis. Hoje, não é preciso que um tribunal decrete uma escuta telefónica, a vigia ao tráfego de emails ou um mandado de captura. Ao afastarmos os tribunais como supervisores, perdemos a sensibilidade de como equilibrar as necessidades de segurança e as liberdades civis. Veja-se o que acontece em Guantanamo, onde vigora um desrespeito quase completo mesmo dos direitos dos terroristas: recusa-se a aplicação das convenções internacionais e impede-se que essas pessoas tenham os padrões mínimos de direitos humanos. Não gosto da atitude da Administração Bush, porque põe muito peso nas necessidades de segurança em detrimento do lado humanitário desta luta. Em Israel, não estamos livres de cometer erros, mas pelo menos admitimo-lo e estamos na disposição de corrigir. Israel e EUA conduzem a mesma guerra contra o terrorismo, mas, na minha opinião, Israel fá-lo de uma forma mais avançada e humanitária.

Ironicamente, Guantanamo é promovida por uma das democracias mais fortes no Mundo. Qual é a sua utilidade na luta contra o terrorismo?

Sinceramente, nem sei quem está em Guantanamo. Os Estados Unidos inventaram aquilo a que chamaram de “rendição”, uma definição legal para uma prática grave e hedionda. Em vez de interrogarem o suspeito nos Estados Unidos, enviam-no para um país, onde, sabem, se usa a tortura, em instalações secretas, que eles não admitem existir. Os americanos participam na tortura, talvez não activamente, mas beneficiam dos frutos da tortura. Isto está em completa contradição com a lei internacional e com qualquer compromisso internacional. No início, havia cerca de 700 detidos e agora são menos de 300. A maioria deles foi libertada sem qualquer acusação. Apenas um ou dois foram acusados depois de estarem mais de seis anos sem serem acusados, o que é inédito e inacreditável. Isto é uma grave violação da lei e dos padrões humanitários. Não se pode deter uma pessoa tanto tempo, sem comunicar-lhe minimamente as razões por que está naquela situação, nem privá-la do direito ao “habeas corpus”. Em Israel, isto é impensável. Não me lembro de um caso de alguém ter sido privado de aceder aos tribunais ou de prisões secretas. Isso não existe. Em Israel, é impossível pensar que por estarmos a lidar com terrorismo estamos autorizados a fazer desaparecer pessoas ou a privá-los da possibilidade de questionarem a legalidade da sua detenção, como permite o ‘Patriot Act’.

Em Israel, o 11 de Setembro mudou alguma coisa em matéria de combate ao terrorismo?

Israel não precisou de esperar pelo 11 de Setembro, dada a sua experiência anterior. Já prevíamos que algo de semelhante pudesse acontecer. Seria apenas uma questão de tempo. Percebemos que o terrorismo não é um fenómeno restrito a uma região. Não precisamos do 11 de Setembro para aprender a lição.

 

Os terroristas não respeitam a lei do Estado. Mas como é que Israel pode exigir que os terroristas palestinianos respeitem as leis do Estado se eles não têm Estado? Para Israel, é urgente um Estado palestiniano independente?

Seria muito mais plausível e eficaz lidar com um Estado. É muito mais difícil negociar com organizações não-governamentais. Olhemos para Gaza, onde o Hamas tomou o poder pela força. Desde o primeiro dia que a sua agenda é destruir Israel. Ao abrigo das leis israelitas, o Hamas não é uma facção política mas antes uma organização terrorista. Em Janeiro de 2006, quando das eleições para a Autoridade Palestiniana, pensava-se que Israel iria proibir a participação do Hamas. Nessa altura, eu representei uma petição interposta por um filho do antigo ministro Rehavam Zeevi (assassinado pelo Hamas em 2001) solicitando ao governo que não deixasse o Hamas participar nas eleições. Infelizmente, o Supremo não quis intervir, dizendo tratar-se de um assunto político. Depois tive conhecimento que os americanos estavam a pressionar Israel para mostrar ao mundo que os palestinianos poderiam ser uma sociedade democrática e realizar eleições livres. Olhando para trás, acho que Israel cometeu um erro grave.

Que lição aprendeu Israel com esse episódio?

Nunca permitir a uma organização terrorista que use instrumentos democráticos para se promover. Israel forneceu ao Hamas a legitimidade de ser eleito livremente. Mas depois das eleições, o Hamas permaneceu a mesma organização terrorista. E mesmo agora, para além de não reconhecer Israel, não está na disposição de negociar com Israel. Não há forma possível de lidar com organizações terroristas. Neste caso, Israel negoceia com os egípcios que estão em contacto com o Hamas. A partir do momento em que um dos interlocutores é uma organização não-governamental, que não está na disposição de nos reconhecer o direito a sobreviver, é muito duro conduzir negociações à séria.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de julho de 2008. Pode ser consultado aqui

Optimismo nas vésperas de Annapolis

A preparação da conferência de Annapolis, com que os EUA querem promover a paz entre israelitas e palestinianos, passou por Lisboa. Foi o tema forte do Euromed, o fórum que reúne os 27 da UE e 12 países do Sul do Mediterrâneo

Já passava largamente da hora de almoço de terça-feira, mas Luís Amado e Javier Solana ainda tinham a cabeça na refeição da véspera. “No jantar de ontem, tivemos um debate muito construtivo e aberto sobre o processo de paz do Médio Oriente”, afirmou o ministro português dos Negócios Estrangeiros e presidente do conselho de ministros da UE, na conferência de imprensa que encerrou a Conferência Euromediterrânica (EuroMed) em Lisboa.

“Construtivo e com bom clima”, corroborou o Alto Comissário para as Relações Externas, Javier Solana. “A relação entre as duas margens do Mediterrâneo está mais madura”, acrescentou o espanhol. O jantar de trabalho de boa memória para Amado e Solana — intitulado “Processo de Paz no Médio Oriente” — sentou à mesma mesa, na segunda-feira, os chefes da diplomacia dos 27 membros da UE e de 12 outros países ribeirinhos do Mediterrâneo.

No centro da conversa esteve a conferência de Annapolis (Maryland), prevista para 27 de Novembro, com que a Administração Bush quer relançar o diálogo entre israelitas e palestinianos. “A grande diferença em relação a experiências do passado é que existe hoje um plano bilateral de negociações entre Israel e a Autoridade Palestiniana”, disse Amado.

Num “briefing” que antecedeu a conferência de imprensa final, a chefe da diplomacia de Israel, Tzipi Livni, admitiu ter feito “um esforço suplementar para vir a Lisboa discutir o futuro da região com parceiros com quem Israel não tem relações diplomáticas”. Porém, alertou a governante israelita, “Annapolis é parte do processo. O mais importante é o dia seguinte a Annapolis”.

Artigo publicado no Expresso Online, a 6 de novembro de 2007. Pode ser consultado aqui

Cidadãos de segunda dentro do seu próprio país

Os árabes israelitas têm, pela primeira vez, um ministro no Governo. Mas as queixas de discriminação não desapareceram ainda

Raleb Majadele acaba de fazer história em Israel. Cidadão israelita, árabe e muçulmano, foi esta semana nomeado ministro. Aparentemente, um governante árabe deveria ser motivo de regozijo para 20% da população israelita (1,2 milhões pessoas), tão árabes quanto Majadele. Não é assim que acontece.

“Esta nomeação é pura cosmética. Em nada vai contribuir para a promoção do estatuto da população árabe em Israel”, afirmou ao Expresso Ibrahim Sarsur, líder da Lista Árabe Unida, o partido árabe com mais deputados no Parlamento — quatro.

Sarsur votou contra a nomeação de Majadele. A trica política é simples de contar. O novo ministro era deputado pelo Partido Trabalhista que, em Maio, terá eleições primárias. Ao promovê-lo, Amir Peretz, líder partidário e ministro da Defesa, lança um trunfo no sentido da sua recondução, surgindo empenhado na cooperação com os árabes.

Parte integrante do Estado de Israel, a minoria árabe israelita — 75% muçulmanos, 15% cristãos e 10% drusos — vem denunciando situações de discriminação que os transforma em cidadãos de segunda. “É suposto sermos iguais perante a lei, mas desde a criação de Israel (1948) que as políticas adoptadas nos fazem sentir ignorados e completamente abandonados”, continua Sarsur.

À cabeça das queixas, o deputado refere a falta de paridade de direitos entre a minoria árabe e a maioria judia. “Não se trata apenas de um sentimento mas de uma realidade no terreno”, diz. “Sentimo-lo nas cidades e aldeias, nas escolas, nos serviços de saúde, na construção e na industrialização. Mais de 50 cidades árabes dentro de Israel não são reconhecidas pelo Governo, o que significa a ausência de qualquer tipo de serviços”.

Em 1998, um relatório das Nações Unidas denunciou a existência de 17 leis discriminatórias em relação aos cidadãos árabes. Ibrahim Sarsur exemplifica citando a política de expropriações, que priva os árabes israelitas do acesso à terra. Mostra-se também preocupado com a existência física da comunidade e teme pela sobrevivência da sua identidade, em perigo pela crescente “sionização dos programas escolares”.

Acresce que entre judeus e árabes israelitas há uma profunda desigualdade económica: 50% dos árabes vivem abaixo do limiar de pobreza e a taxa de desemprego é incomparavelmente mais alta.

Nos meandros académicos, há quem procure justificar as políticas discriminatórias com a chamada ameaça demográfica — o receio de que, a prazo, o número de árabes muçulmanos supere o de judeus. Isto faz de Israel um país com regime de “apartheid”?

“Israel executa políticas muito semelhantes às adoptadas pelo antigo regime da África do Sul. Se os sul-africanos brancos chegaram à conclusão de que esta forma de vida devia ser eliminada do mundo moderno, os israelitas deveriam levá-lo em consideração”, conclui Sarsur.

Artigo publicado no Expresso, a 3 de fevereiro de 2007

Os novos ‘muros da vergonha’

Crescem em todo o mundo para impedir a circulação humana. Travam terroristas, ilegais e dividem populações

Há quem diga que, com os seus 6352 quilómetros de comprimento, a Grande Muralha da China é a única construção humana visível a partir da Lua. Nunca um astronauta o confirmou, mas tal não belisca o estatuto daquela fortaleza histórica, construída ao longo de 14 séculos. Em 1987, a UNESCO consagrou-a património da Humanidade — algo impensável em relação aos muros que hoje crescem um pouco por todo o mundo. À sombra de argumentos antiterroristas ou anti-imigração ilegal, ou em nome de reivindicações políticas, erguem-se autênticos ‘muros da vergonha’.

Esta semana, numa conferência realizada na Fundação Calouste Gulbenkian, intitulada ‘A União Europeia e a Imigração’, o vice-presidente da Comissão Europeia, Franco Frattini, afirmou: “Não imagino uma Europa fortaleza”, defendendo que a “Europa tem de estar mais próxima de África”. Ora, é impossível ignorar que, em matéria de imigração, a relação Europa-África tem esbarrado contra muros, nomeadamente em Ceuta e Melilla. Mas como comentou ao “Expresso” o ex-comissário europeu António Vitorino: “A imigração ilegal não se combate com nenhum tipo de muro. Isso não significa que não tenha que haver mecanismos de controlo das fronteiras. Os espaços têm um limite à capacidade de integração de pessoas que vêm de fora”. Os muros são “uma parte de uma política mais geral de controlo dos fluxos migratórios. Por si só, não pode resolver tudo”, acrescentou.

Mas 17 anos após a queda do Muro de Berlim (ícone da Guerra Fria que dividiu fisicamente a Europa e ideologicamente o mundo), o Velho Continente continua a enfrentar a necessidade de derrubar tais obstáculos. Na Irlanda do Norte, sobretudo em Belfast e em Derry, cerca de 40 barreiras separam protestantes e católicos. Ironicamente chamam-se Linhas de Paz.

MÉXICO-EUA: GRANDE MURALHA ÀS PORTAS DO ‘EL DORADO’

A cidade mexicana Tijuana e a norte-americana San Diego estão separadas por uma vedação metálica, onde, do lado do México, pregadas cruzes (umas identificadas, outras anónimas) que homenageiam migrantes que morreram ao tentar atravessar a fronteira TOMAS CASTELAZO / WIKIMEDIA COMMONS

Ainda que muitas muralhas se estendam mar adentro, como é o caso do Muro da Tortilla — o maior dos vários pedaços de vedação espalhados ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México —, nem sempre conseguem conter a criatividade humana. Do histórico deste muro, erguido para travar a imigração ilegal entre Tijuana e San Diego, consta o feito de um acrobata que, certo dia, com o passaporte na mão, se meteu dentro de um daqueles canhões usados pelos homens-bomba no circo e, tal qual um duplo no cinema, voou para o lado de lá do muro.

A proeza não fez escola, mas ainda hoje cavar túneis é uma técnica popular para quem arrisca entrar clandestinamente nos EUA: já foram descobertos túneis pavimentados, com trilhos férreos e até com electricidade. Mas não são os túneis a maior preocupação da Casa Branca. A 26 de Outubro passado, o Presidente George W. Bush assinou o Decreto Vedação Segura (Secure Fence Act), que prevê a construção de novos 1125 quilómetros de vedação.

Os obstáculos criados pelo muro, equipado com um sofisticado sistema de vigilância, têm levado cada vez mais candidatos a imigrantes a contornar dificuldades atravessando zonas inóspitas, tais como o Deserto Sonoran e a Montanha Baboquivari, no Arizona. Em alguns casos, percorrem 80 quilómetros antes de encontrar a primeira estrada. Mas há quem nunca a alcance.

Também Melilla se tornou um território mais blindado após o drama humano do Verão de 2005. Na sequência de sucessivas avalanchas de subsarianos que tentaram saltar a dupla cerca metálica de 11 quilómetros que percorre a fronteira entre aquele enclave espanhol e Marrocos, as autoridades de Madrid introduziram alterações físicas e tecnológicas para tornar a vedação mais eficaz e… mais humana. Ordenaram então a construção de uma terceira vedação, tridimensional, que, além de retardar o tempo que o clandestino demora a superar os obstáculos, impede que se lesione.

ISRAEL-CISJORDÂNIA: TÃO POLÉMICO QUANTO O CONFLITO

Os receios terroristas em relação ao vizinho do lado são os alicerces de alguns muros. Israel, Índia, Marrocos e Arábia Saudita ergueram barreiras em nome da segurança interna

Grafiti do misterioso artista britânico Banksy no chamado “muro da Cisjordânia”. Intitulado “Balloon Debate”, foi desenhado num troço da vedação em Ramallah MARGARIDA MOTA

Nenhum outro muro provocou tanta polémica como o que Israel está a construir, desde 2003, junto ao território palestiniano da Cisjordânia. Para Israel, esta “vedação anti-terrorista” visa a protecção dos seus cidadãos ante a infiltração de bombistas suicidas; para os palestinianos, trata-se de um ‘muro’ que dificulta a vida na Palestina ao expropriar milhares de hectares agrícolas fundamentais à subsistência de muitas famílias palestinianas.

Projectado com 720 quilómetros, o muro faz várias incursões em território palestiniano, violando a fronteira anterior à guerra de 1967. Há dois anos, o Tribunal Internacional de Justiça considerou-o ilegal. Mas para Israel construir a cerca em cima da Linha Verde seria descurar as reais necessidades de segurança dos israelitas em prol de uma mera declaração política.

Também na Índia, a ameaça terrorista levou à construção de muros nos dois lados da fronteira. A oeste, junto ao Paquistão, uma vedação de 550 quilómetros, em arame, electrificada e equipada com sensores de movimento estende-se ao longo da Linha de Controlo, na disputada região de Cachemira.

A leste, junto ao Bangladesh, está em curso a construção de uma outra cerca, com 3286 quilómetros de comprimento e três metros de altura. Visa não só impedir a infiltração de terroristas como também de contrabandistas e de imigrantes ilegais.

Tanto num lado como no outro, a afectação de terras férteis, que as autoridades indianas justificam com a necessidade de criar uma ‘terra de ninguém’ junto às vedações, gerou protestos por parte dos agricultores locais, subitamente privados do principal meio de subsistência.

Neste caso, contra números não há argumentos. Segundo as autoridades indianas, esta política reduziu em 80% a entrada de terroristas. Igualmente, em Israel, a redução drástica do número de atentados parece dar razão aos defensores do muro.

Distante das atenções da comunidade internacional está o muro do Sara Ocidental — tão distante quanto o próprio conflito o está das agendas dos políticos. Construído nos anos 80, consiste em 2720 quilómetros de barreiras de pedras e areia com três metros de altura, artilhadas com bunkers, cercas e minas.

Na ausência de qualquer tipo de diálogo entre Marrocos e a Frente Polisário — que reclama a independência do Sara Ocidental —, as autoridades marroquinas apostam nesta muralha defensiva para conter as incursões dos guerrilheiros sarauis.

Preocupações terroristas, bem como a prevenção de movimentações não-autorizadas de pessoas e bens através da fronteira, estiveram na base da construção de uma vedação entre a Arábia Saudita e o Iémen. Já este ano, Riade apresentou um projecto multimilionário de construção de uma barreira de segurança ao longo dos 900 quilómetros de fronteira com o Iraque.

COREIAS: A ÚLTIMA FRONTEIRA

Conflitos latentes ou mal resolvidos transformaram algumas fronteiras em locais de grande tensão. Na península coreana e na ilha de Chipre há dois exemplos que perduram

“Zona tampão” administrada pelas Nações unidas, em Nicósia, e proibida a “veículos militares e pessoais” MARGARIDA MOTA

O ex-Presidente americano Bill Clinton afirmou tratar-se do “lugar mais assustador à face da Terra”. A apreciação pode ser subjectiva, mas a fronteira entre as duas Coreias é seguramente o sítio mais patrulhado do mundo. Cerca de dois milhões de militares concentram-se nos dois lados da vedação de 248 quilómetros, repleta de sensores, torres de vigia, arame farpado, minas, artilharia automática, armadilhas para tanques e armamento pesado. A cerca divide, desde 1953, a península coreana pela metade e é tida como a última fronteira da Guerra Fria.

Igualmente, em Chipre subsiste uma demarcação em arame com mais de 30 anos. Com quase 180 quilómetros, a chamada Linha Verde separa, desde 1974, as partes turca e grega da ilha. Até 2003, era uma fronteira inultrapassável. Hoje, há cinco pontos de passagem.

(Imagem de abertura: PIXY)

Artigo publicado no Expresso, a 25 de novembro de 2006

Nasceu na Palestina e deu a vida por Israel

Ariel Sharon, de cabeça enfaixada, em 1973, durante a Guerra do Yom Kippur, ao lado de Moshe Dayan, o mítico comandante israelita inconfundível com o seu tapa-olho THE ISRAEL DEFENSE FORCES ARCHIVE / WIKIMEDIA COMMONS

Aos 77 anos, Ariel Sharon sai de cena no auge da sua popularidade. Era ele que os israelitas pareciam dispostos a reconduzir no cargo de primeiro-ministro, nas eleições de 28 de Março, sancionando uma relação de confiança iniciada há cinco anos quando Sharon elegeu a segurança de Israel como missão.

Em nome desse desígnio, mandou erguer um “muro” à volta da Cisjordânia para conter os ataques suicidas — evidenciando assim uma faceta de “falcão”, hostil ao diálogo com os palestinianos.

Mas o poder provocaria em Sharon uma metamorfose política. Ele reconhece que a ocupação dos territórios palestinianos não podia durar eternamente e elabora um Plano de retirada unilateral da Faixa de Gaza — expondo uma faceta inédita de “pomba”, favorável a um entendimento com os palestinianos.

A três meses das eleições, era este Sharon bicéfalo que conquistava os israelitas — um líder aberto ao diálogo, mas irredutível em matéria de segurança.

Palestina natal

Ariel Sharon — aliás, Ariel Scheinermann, nascido a 27 de Fevereiro de 1928, em Kfar Malal, na Palestina sob mandato britânico — desenvolveu uma carreira militar notável. Fez a Guerra da Independência (1948) à frente de um batalhão de infantaria e na crise do Suez (1956) comandou a 202.ª brigada pára-quedista.

Durante a Guerra dos Seis Dias (1067), liderou a divisão mais poderosa na frente do Sinai, e na campanha do Yom Kippur (1973), desobedeceu a ordens superiores levando a sua divisão a atravessar o Canal do Suez para isolar um batalhão egípcio.

A folha de serviço em todas as guerras israelo-árabes tornou Sharon um herói em Israel. Mas foi também no campo de batalha que ele escreveria uma das páginas mais negras da sua história. Em 1982, durante a invasão do Líbano, cerca de 800 palestinianos foram chacinados nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, às mãos das milícia falangistas. Sharon seria demitido da pasta da Defesa após uma comissão governamental o ter considerado indirectamente responsável pelo massacre.

Para qualquer político, seria o fim da carreira. Não para Ariel Sharon, que continuaria a ser um activo nos sucessivos Governos. Entre 1990 e 1992, por exemplo, como ministro da Habitação, impulsionou como nunca a construção de colonatos.

Em Setembro de 1999, é eleito para a liderança do Likud. Rodeado por 1500 polícias, desloca-se, a 28 de Setembro de 2000, ao Monte do Templo — Esplanada das Mesquitas para os muçulmanos —, onde reafirma a soberania israelita sobre o lugar mais sagrado do Judaismo. A visita demora apenas 34 minutos, mas foi sentida pelos palestinianos como uma provocação. Seria o início da Intifada Al-Aqsa.

Para enfrentar a revolta nas ruas palestinianas, os israelitas convocam o “bulldozer” — a alcunha que resulta da combinação entre o seu porte robusto e a sua atitude determinada — elegendo-o, em 2001, primeiro-ministro.

Sharon fez todas as guerras israelo-árabes e tornou-se um herói

Na cadeira do poder, Sharon ajusta contas com o seu arqui-inimigo dos últimos 20 anos: isola Yasser Arafat na Muqata de Ramallah, asfixiando-o politicamente. De lá, o líder palestiniano só sairia para morrer numa clínica de Paris, no final de 2004.

Experiente na arte da guerra, Sharon iniciou na quarta-feira, o combate mais desigual de toda a vida. Não eram quatro da tarde quando abandonou o gabinete rumo ao seu rancho no Negev. Lá tencionava repousar até à hora de uma operação ao coração agendada para o dia seguinte. Oito horas depois, dava entrada nas urgências do hospital Hadassah com uma hemorragia cerebral. À mesma hora, iniciavam-se consultas para escolher o seu sucessor no Governo. Ariel Sharon morria politicamente.

CRONOLOGIA

1942 — Com 14 anos, Ariel Sharon adere à Haganah, uma organização militar clandestina.

1948 — Na Guerra da Independência, fica gravemente ferido durante a batalha de Latrun.

1967 — Chefia uma poderosa divisão blindada no Sinai, durante a Guerra dos Seis Dias.

1973 — Na Guerra do Yom Kippur, desobedece aos superiores e leva a sua divisão a atravessar o Canal do Suez para cercar o Exército egípcio. A manobra inverte o curso da guerra.

1977 — É nomeado ministro da Agricultura. O projecto de colonização dos territórios ocupados cai-lhe nas mãos. “Os colonatos judeus não são um obstáculo à paz, mas uma barreira à guerra.”

1982 — Ministro da Defesa, dirige a invasão do Líbano, que visa exterminar a guerrilha palestiniana liderada por Yasser Arafat. É indirectamente responsabilizado pela chacina de 800 palestinianos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila. “Ainda tenho vontade de me voluntariar para fazer o trabalho sujo por Israel. Matar os árabes necessários, deportá-los, expulsá-los e queimá-los. Pôr o mundo a odiar-nos, puxar o tapete à diáspora judaica para que venha até nós a chorar. Mesmo que seja necessário explodir uma ou duas sinagogas.”

1998 — É nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros. “Cada israelita deve avançar, correr, apoderar-se das terras, expandir o território. Tudo o que for conquistado ficará nas nossas mãos. O que não for, ficará nas mãos deles.”

28 Setembro 2000 — Como líder do Likud, visita a Esplanada das Mesquitas, terceiro lugar santo do Islão, e afirma a soberania israelita sobre o local. Os palestinianos desencadeiam a intifada Al-Aqsa.

6 Fevereiro 2001 — É eleito primeiro-ministro. “Se quisermos uma paz verdadeira e duradoura, temos de fazer concessões dolorosas.”

18 Dezembro 2003 — Apresenta o Plano de Retirada Unilateral da Faixa de Gaza, concluída a 12 Setembro de 2005.

21 Novembro 2005 — Abandona o Likud e funda o Kadima. “Não me arrependo de nada. Mesmo que tivesse antecipado o grau de oposição ao meu plano, tê-lo-ia mantido.”

O QUE ESTÁ EM JOGO*

O desaparecimento de Ariel Sharon marca o fim de uma era?
Seguramente. Ariel Sharon era o político israelita mais popular do momento e aquele em quem os israelitas pareciam mais confiar. Era também, a par com Shimon Peres, o último representante da geração dos pais fundadores do Estado de Israel. Sharon liderava as sondagens às eleições legislativas de 28 de Março. A sua ausência será duramente sentida e alguns analistas utilizam mesmo o termo “catástrofe” para descrever a situação que se vive em Israel.

Quem sucede a Sharon no Governo?
Mal Sharon foi internado, na quarta-feira, o vice-primeiro-ministro Ehud Olmert, de 60 anos, foi nomeado chefe de Governo interino, por um período de 100 dias. Na quinta-feira, Olmert afirmou que pretende continuar com a linha de actuação de Ariel Sharon. Antigo presidente da Câmara de Jerusalém, Olmert tem sido uma espécie de “braço-direito” de Sharon.

O Kadima sobreviverá sem Sharon?
Até agora predominava a noção de que Kadima era Sharon e Sharon era Kadima. Por força das circunstâncias, Ehud Olmert surge como um possível sucessor de Sharon à frente do partido recém-criado pelo líder israelita e que arrastou vários dirigentes do Likud. Mas dois outros nomes perfilam-se para lhe disputar a liderança: a “pomba” Tzipi Livni, ministra da Justiça de 47 anos, e o “falcão” Shaul Mofaz, ministro da Defesa de 57 anos — ambos ex-membros do Likud. O histórico ex-trabalhista Shimon Peres, de 82 anos, é também um nome falado, mas, por ter perdido todas as eleições a que se candidatou em Israel, não parece ser uma hipótese credível. O Kadima adiou a realização das suas primárias.

As eleições israelitas serão adiadas?
Não. O procurador-geral de Israel já confirmou que as eleições legislativas terão lugar na data agendada: 28 de Março.

Que consequências para a disputa eleitoral?
Uma sondagem divulgada após o internamento de Ariel Sharon continua a dar o favoritismo ao Kadima — com 40 deputados eleitos num total de 120. A próxima sondagem mostrará se este resultado resulta apenas da onda emocional à volta da doença de Sharon, ou se o Kadima veio para ficar. Porém, a ausência da personalidade forte de Sharon pode motivar algumas mexidas no reordenamento do xadrez político e fazer Israel regressar à tradicional bipolaridade política — entre o Partido Likud (direita), que com Benjamin Netanyahu ao leme recupera da hemorragia política causada pela saída de Sharon e muitos outros dirigentes, e o Partido Trabalhista, animado pela nova liderança do sindicalista Amir Peretz. À parte os imponderáveis, é certo que uma nova geração de jovens líderes acaba de chegar à linha da frente da política israelita.

Como encaram os palestinianos a ausência de Sharon?
A reacção palestiniana à doença do primeiro-ministro israelita não foi unânime. Para o porta-voz do movimento islâmico Hamas, Mushir al-Masri, “se Sharon morrer, não há dúvida de que esse novo desenvolvimento mudará o mapa político mundial, e para melhor, porque um ditador e um assassino estará de partida”. Já o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas (Abu Mazen), referiu-se ao estado de saúde de Sharon “com grande preocupação”, antevendo consequências directas na campanha eleitoral em curso nos territórios palestinianos, com vista às legislativas do próximo dia 25. A braços com uma situação de caos e anarquia na Faixa de Gaza e dúvidas em relação ao direito de voto dos palestinianos residentes em Jerusalém Oriental — que Israel não quer permitir —, a realização das legislativas palestinianas é ainda uma incerteza.

Que efeitos para o diálogo israelo-palestiniano?
O futuro das relações entre israelitas e palestinianos depende muito da direcção que Israel tomar após as eleições que se avizinham. Ariel Sharon, cuja prioridade era a segurança, tencionava recuar de parte da Cisjordânia. Seguramente, não de todo o território, mas pelo menos de 40% da Cisjordânia. Ao mesmo tempo, parecia convencido de que o traçado da fronteira de Israel deveria avançar entre dez e 12 quilómetros na direcção da Cisjordânia. À semelhança do processo que concluiu na retirada israelita da Faixa de Gaza, Sharon queria fazê-lo unilateralmente, à revelia das autoridades palestinianas. Só as eleições de 28 de Março ditarão com que tipo de interlocutor poderão os palestinianos contar: Ehud Olmert e a linha moderada mas realista de Ariel Sharon? Benjamin Netanyahu e a rejeição do diálogo? Ou a abertura negocial de Amir Peretz?

* Texto escrito em colaboração com Victor Cygielman, em Telavive

Artigos publicados no Expresso, a 7 de janeiro de 2006