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Novo acordo nuclear à vista

Viena acolhe há 10 meses negociações sobre o nuclear iraniano. O negociador-mor garante: “Aproximamo-nos do fim”

A bandeira do Irão numa bomba FREE*SVG

Que é feito do acordo sobre o programa nuclear iraniano?

Há negociações em curso com vista à sua reativação e um novo compromisso pode estar a dias de ser anunciado. “As conversações sobre o [acordo] nuclear em Viena estão a chegar a um ponto sensível e importante”, alertou, quarta-feira, o ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amirabdollahian. “Questionamo-nos se o lado ocidental pode adotar uma abordagem realista para avançarmos para os restantes pontos das conversações.” Enrique Mora, o coordenador dos trabalhos em nome do chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, confirmou no Twitter a aproximação à meta. As conversações “estão num momento crucial. Aproximamo-nos do fim após 10 meses de negociações. O resultado é ainda incerto”.

O que se conhece do novo compromisso?

O objetivo é o mesmo de sempre — colocar o programa nuclear do Irão sob supervisão internacional —, mas as negociações estão a contemplar a associação de aspetos inéditos, como a libertação de ocidentais detidos no Irão. O levantamento das sanções é a principal contrapartida de Teerão, designadamente o descongelamento de sete mil milhões de dólares (€6200 milhões) em fundos que o Irão tem em bancos da Coreia do Sul, um dos maiores clientes do crude iraniano.

Que dizem os detratores de um entendimento?

“Podemos ver um acordo em breve”, mas será “mais curto e mais fraco do que o anterior” e permitirá que Teerão construa uma enorme quantidade “de centrifugadoras avançadas sem restrições” quando o acordo expirar, profetizou esta semana Naftali Bennett, primeiro-ministro de Israel. Este país sempre disse que não permitiria que o Irão tivesse armas nucleares.

Os EUA participam no diálogo em Viena?

Participam indiretamente. Há representantes norte-americanos na capital austríaca, mas as reuniões com os iranianos estão restritas à Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha. As negociações decorrem em quatro hotéis (Palais Coburg, Vienna Marriott, Ritz-Carlton e Hotel Imperial), onde estão hospedadas as sete delegações. O regresso dos EUA ao acordo, do qual saíram em 2018, por iniciativa de
Donald Trump, é um objetivo de Joe Biden.

A crise na Ucrânia está a afetar as negociações?

Pode ser surpreendente, mas não, apesar de o diálogo envolver a Rússia e países que já anunciaram sanções a Moscovo após a decisão de reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk. A perspetiva da guerra avolumou preocupações sobre disrupções no fornecimento energético, o que está a atirar o preço do barril do petróleo para perto dos 100 dólares (€88). A perspetiva de, por força de um novo acordo, o Irão retomar as exportações de crude seria uma boa notícia.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de fevereiro de 2022. Pode ser consultado aqui

Pode o diálogo salvar o acordo nuclear do Irão?

Seis países estão reunidos em Viena para tentar reativar o acordo sobre o programa nuclear iraniano. Os EUA, que se retiraram do entendimento, assistem à distância

1 Por que razão o acordo volta a ser discutido?

Assinado em 2015 por sete países, o acordo que colocou o programa nuclear do Irão sob supervisão internacional sofreu um duro golpe três anos depois. Donald Trump denunciou “um mau acordo”, retirou os Estados Unidos de forma unilateral e repôs sanções ao Irão, que afetaram duramente a exportação de petróleo.

A República Islâmica ripostou. Começou a violar limites assumidos no acordo, designadamente ao nível do enriquecimento de urânio, e dificultou o acesso total dos inspetores da ONU às suas instalações nucleares. Voltaram a soar alertas quanto a uma bomba nuclear em posse dos ayatollahs.

Esta semana, em Viena, foi retomado o diálogo para reativar o acordo.

2 Há pressa nestas conversações?

Muita, a atentar nas palavras de negociadores ocidentais. “Esta negociação é urgente”, defenderam, de forma inequívoca, representantes do Reino Unido, França e Alemanha, num comunicado. “Temos a certeza de que estamos a aproximar-nos do ponto em que a escalada do Irão ao nível do seu programa nuclear terá esvaziado completamente o JCPoA”, o acrónimo inglês do nome do acordo.

“Temos semanas, não meses, para concluir um acordo antes que os principais benefícios de não proliferação do JCPoA se percam.”

Mikhail Ulyanov, o negociador-chefe da Rússia, considerou esta jornada diplomática como “possivelmente a ronda final” das negociações.

3 Os EUA participam nestas negociações?

Apenas indiretamente. O diálogo que decorre no luxuoso hotel Palais Coburg — onde o acordo foi assinado há seis anos — está circunscrito ao Irão e ao grupo P4+1, ou seja, quatro membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Rússia, China, França e Reino Unido) e Alemanha.

A saída dos EUA, que pôs o acordo à beira do colapso, acentuou a desconfiança entre os dois países, que não têm relações formais, e levou Teerão a rejeitar conversas diretas com Washington, apesar de Joe Biden ser pró-acordo. “Pode ter havido algum progresso modesto”, admitiu esta semana, em Washington, Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, sobre o que se passa na Áustria.

4 Qual é a posição do novo Governo iraniano?

Se o acordo de 2015 foi negociado por uma equipa liderada por um Presidente reformista (Hassan Rohani), desde agosto que o Irão tem um Presidente conservador (Ebrahim Raisi). Na sua primeira conferência de imprensa após tomar posse, Raisi prometeu que não iria permitir que as negociações se arrastassem e reiterou que o programa de mísseis balísticos do Irão (que os EUA tentaram incluir no acordo de 2015) “não é negociável”.

“Incorporamos as sensibilidades do novo Governo iraniano”, garantiu o diplomata espanhol Enrique Mora, coordenador da União Europeia em Viena. “Estamos exatamente no ponto em que devíamos estar se quisermos obter um resultado final de sucesso.”

5 O que poderá levar o Irão a fazer cedências?

A grave situação económica. No início do ano, um relatório do Banco Mundial identificou um “triplo choque” que contribui para a destruição do país. “A economia iraniana entrou num terceiro ano consecutivo de recessão a seguir ao triplo choque provocado pelas sanções, pelo colapso do mercado petrolífero e pela covid-19”, lê-se no documento.

Em Viena, Teerão tem como principal exigência o levantamento total das sanções ocidentais. Mas também é verdade que para o novo Presidente o diálogo com o Ocidente não é uma prioridade. Numa mudança significativa em relação ao antecessor, Ebrahim Raisi tem no horizonte não EUA e União Europeia, mas antes China e Rússia.

(FOTO Bandeiras dos participantes nas negociações que conduziram à assinatura do JCPOA, a 14 de julho de 2015, em Viena EUROPEAN EXTERNAL ACTION SERVICE)

Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui