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Guatemala muda embaixada de Telavive para Jerusalém em maio

Será o segundo país a transferir a sua missão diplomática em Israel para Jerusalém. A mudança está marcada para 16 de maio, dois dias após os Estados Unidos fazerem o mesmo

No rasto dos Estados Unidos, a Guatemala mudará, ainda este ano, a sua embaixada em Israel de Telavive para Jerusalém. “Em maio deste ano, celebraremos o 70.º aniversário de Israel e, mediante instruções minhas, dois dias depois de os Estados Unidos transferirem a sua, a Guatemala está de volta e irá mudar permanentemente a sua embaixada para Jerusalém”, afirmou, no domingo, o Presidente guatemalteco.

Washington planeia fazer coincidir a mudança da sua representação diplomática com a data exata do aniversário de Israel — a leitura da Declaração de Independência remonta a 14 de maio de 1948.

Jimmy Morales, que fez o anúncio enquanto discursava em Washington D.C., na conferência anual do Comité de Assuntos Públicos Americano-Israelitas (AIPAC) — o poderoso lóbi judaico nos Estados Unidos —, disse que a mudança “prova fortemente o contínuo apoio e solidariedade da Guatemala para com o povo de Israel”. E também que “muitos outros países seguirão os passos” de Guatemala e EUA, palavras que lhe valeram várias ovações de pé.

A importância do cardamomo

A Guatemala torna-se, assim, o primeiro país a reagir, no mesmo sentido, ao polémico reconhecimento da Administração Trump de Jerusalém como capital de Israel — polémico porque também os palestinianos desejam aquela cidade santa para capital do seu futuro estado —, anunciado a 6 de dezembro de 2017. Então, Trump ordenou “o início dos preparativos para a mudança da embaixada americana de Telavive para Jerusalém”.

A televisão árabe Al-Jazeera insinua que na origem da posição da Guatemala estará a sua grande dependência financeira em relação aos Estados Unidos. Cerca de três quartos do orçamento guatemalteco são garantidos pelas remessas de centenas de milhar de imigrantes que vivem nos EUA, e “que atingiram 8000 milhões de dólares [6500 milhões de euros] no ano passado”.

Mas a verdade é que a Guatemala tem estado com Israel desde a primeira hora. Em 1947, nas Nações Unidas, votou a favor da partilha da Palestina, foi dos primeiros países a reconhecer o Estado judeu e, inclusive, chegou a ter a sua embaixada instalada em Jerusalém, em 1959 — de onde se retirou posteriormente.

Na década de 90, por decisão do então Presidente Ramiro J Leon Carpio, voltou a decidir colocar a embaixada em Jerusalém, sendo forçada a reverter a medida em face da ameaça, por parte de países árabes e islâmicos, de boicote à importação de cardamomo — a especiaria tão apreciada no café árabe e o produto que a Guatemala mais exportava.

Encontro Trump-Netanyahu

Em solo norte-americano, Jimmy Morales reuniu-se com o primeiro-ministro de Israel. No Twitter, escreveu que Benjamin Netanyahu agradeceu a decisão das autoridades guatemaltecas. “A aliança entre os povos de Israel e da Guatemala está mais sólida do que nunca.”

https://twitter.com/jimmymoralesgt/status/970428252052443136?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E970428252052443136%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fexpresso.pt%2Finternacional%2F2018-03-05-Guatemala-muda-embaixada-de-Telavive-para-Jerusalem-em-maio

O chefe do Governo israelita iniciou, no domingo, uma visita de cinco dias aos Estados Unidos que o levará, igualmente, a discursar na conferência da AIPAC, como tem sido tradição nos últimos anos. Da agenda consta também um encontro com Donald Trump, previsto para esta segunda-feira.

Segundo o diário israelita Haaretz, “entre os principais tópicos que serão discutidos este ano estão planos para contrariar o movimento Boicote, Sanções e Desinvestimento (BDS), a ameaça a Israel colocada pelo Irão e a assistência dos EUA ao Estado judeu em matéria de segurança”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de março de 2018. Pode ser consultado aqui

Presença cristã na Terra Santa ameaçada por política “discriminatória” de Israel

O município de Jerusalém quer taxar propriedades eclesiásticas, até agora isentas. Em protesto, líderes de várias igrejas cristãs fecharam o Santo Sepulcro, em protesto contra o que consideram ser “uma tentativa de enfraquecimento da presença cristã em Jerusalém”

Um dos locais mais sagrados para os cristãos de todo o mundo está de porta fechada a peregrinos, turistas e público em geral por tempo indeterminado. No domingo, em frente à pesada porta de madeira do Santo Sepulcro, na Cidade Velha de Jerusalém, os líderes das três maiores comunidades cristãs representadas no seu interior justificaram a medida com a necessidade de protestarem contra a política “discriminatória” de Israel, que atenta contra a presença cristã na Terra Santa.

No centro da polémica está uma decisão do município de Jerusalém que acaba com a isenção do pagamento do imposto municipal relativo a propriedades eclesiásticas. “Há uma dívida acumulada ao longo de anos. Fizemos o que faríamos com qualquer outro cidadão”, defendeu o presidente da Câmara, esclarecendo que a medida visa apenas propriedades comerciais detidas pelas igrejas (como hotéis) e não terrenos onde existam locais de culto. “Se não está satisfeita, a Igreja está convidada a recorrer ao tribunal. Estou surpreendido que não o tenham feito”, disse Nir Barkat, citado pelo jornal “The Jerusalem Post”.

As igrejas cristãs reclamam a existência de um acordo antigo que as isenta do pagamento de impostos municipais. Datado da era otomana, recordam, foi respeitado por britânicos (que detiveram o mandato da Palestina), jordanos (que ocuparam e anexaram Jerusalém Oriental após a guerra israelo-árabe de 1948) e sucessivos governos israelitas (após a ocupação na guerra de 1967).

“Estas ações violam acordos existentes e obrigações internacionais, que garantem direitos e privilégios às igrejas, no que parece ser uma tentativa de enfraquecimento da presença cristã em Jerusalém”, defenderam os líderes cristãos, à entrada do Santo Sepulcro, numa posição de unidade inédita, tendo em conta a rivalidade e, por vezes, conflitualidade entre monges de diferentes sensibilidades cristãs, no interior do templo.

Outra medida recente que indignou os responsáveis cristãos prende-se com um projeto de lei que viabiliza — com efeitos retroativos — a expropriação de terrenos vendidos por igrejas a privados. Previsto para ser debatido no domingo, na habitual reunião semanal do Governo de Telavive, essa discussão foi adiada uma semana para que seja possível “trabalhar com as Igrejas” e tentar resolver o conflito, disse a deputada proponente Rachel Azaria, do partido Kulanu (sionista).

E se fosse com sinagogas?

Em estilo provocatório, o diário israelita “Haaretz” questionava no domingo: “Uma questão relevante é o que Israel diria se uma medida deste género fosse tomada noutro país relativamente a propriedades de sinagogas”. Em declarações ao Expresso, Adeeb Jawad Joudeh Alhusseini, o muçulmano que, diariamente, guarda as chaves do Santo Sepulcro, recorda que não é a primeira vez que a igreja é encerrada numa ação de protesto. Isso já aconteceu a 27 de abril de 1990, “durante 48 horas, quando colonos [judeus] ocuparam o Hospício de S. João”, no bairro cristão.

O Santo Sepulcro é local de visita obrigatória para qualquer cristão em peregrinação à Terra Santa. No seu interior, situa-se o Calvário, onde Jesus Cristo foi crucificado, e também o Edículo, uma construção em madeira que envolve o túmulo onde foi sepultado.

Na igreja, estão representadas seis sensibilidades cristãs — ortodoxos gregos, ortodoxos arménios, católicos romanos (franciscanos), coptas, siríacos e etíopes. Situa-se na parte leste (árabe) de Jerusalém, conquistada por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e anexada em 1980, após aprovação do Parlamento de Israel.

(Foto: Entrada principal da Basílica do Santo Sepulcro, no bairro cristão da Cidade Velha de Jerusalém WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso Online, a 26 de fevereiro de 2018. Pode ser consultado aqui

Nova lei israelita dificulta divisão de Jerusalém

Dominado por partidos nacionalistas e religiosos, o Parlamento de Israel reviu a lei sobre Jerusalém. Mesmo que, no futuro, o Governo de Telavive e a Autoridade Palestiniana acordem a partilha da Cidade Santa, a transferência de território terá de ser aprovada por dois terços dos deputados israelitas

O sismo político desencadeado pelo reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, por parte dos Estados Unidos, provocou uma réplica, esta terça-feira, no Parlamento de Israel. Iam os trabalhos madrugada dentro quando o Knesset aprovou legislação que faz depender, no futuro, a cedência de território de Jerusalém de uma maioria parlamentar qualificada.

Aprovada por 64 votos a favor, 51 contra e uma abstenção, a Lei Jerusalém Unida exige o “sim” de dois terços para que o controlo sobre qualquer área de Jerusalém seja transferido para uma entidade estrangeira, política, governamental ou de outro tipo.

Sem o especificar, este diploma significa que, mesmo que a divisão de Jerusalém seja acordada, em negociações de paz, entre o Governo de Telavive e a Autoridade Palestiniana, a sua concretização ficará dependente da vontade de, no mínimo, 80 dos 120 deputados israelitas.

Jerusalém explode, tudo explode

A nova lei foi proposta por Shuli Moalem-Refaeli, deputada do partido Casa Judaica, uma formação política religiosa, ortodoxa e sionista, liderada pelo ultranacionalista ministro da educação Naftali Bennett. “O objetivo da lei é impedir concessões no âmbito de acordos diplomáticos”, admitiu Shuli Moalem-Refaeli, durante este processo parlamentar. “Jerusalém nunca estará sobre a mesa das negociações.”

Na bancada da oposição, o deputado Nahman Shai, da União Sionista (coligação de centro-esquerda que integra o Partido Trabalhista) criticou o novo diploma, alertando para o potencial de conflito do estatuto de Jerusalém. “Não precisamos de novas leis sobre Jerusalém, já vimos o que acontece no Monte do Templo”, disse, aludindo à violência desencadeada no verão passado quando da imposição de novos procedimentos de segurança no acesso à Esplanada das Mesquitas. “Quando Jerusalém explode, tudo explode.”

Foi na Guerra dos Seis Dias (1967) que Israel ocupou a parte oriental de Jerusalém (que os palestinianos desejam para capital do futuro Estado palestiniano e onde se situam os lugares sagrados das três religiões monoteístas).

Em 1980, através de uma lei votada no Knesset, esse território foi anexado e a Cidade Santa decretada como “capital una e indivisível de Israel”. Com a nova legislação, o Governo de Telavive mostra que a anexação da Cidade Santa é um processo sem retorno.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de janeiro de 2018. Pode ser consultado aqui

Jerusalém, o centro do mundo

CIDADE SANTA

Cristãos
“Cidade da Paixão”, ali se situa a Basílica do Santo Sepulcro, que abriga o túmulo de Cristo. Junto à Porta dos Leões, no bairro árabe, começa a Via Dolorosa (ou Via Sacra), o caminho percorrido por Jesus até ao local da crucificação, assinalado dentro da basílica.

Judeus
Foi em Yerushalayim que foram construídos o primeiro e o segundo templos, centros de culto do povo de Israel. O primeiro, erigido no local onde Abraão ofereceu o filho Isaac em sacrifício, foi destruído em 587 a.C. Do segundo, destruído em 70 d.C. pelos romanos, resta um vestígio, o Muro das Lamentações.

Muçulmanos
Al-Quds é a terceira cidade santa do Islão, a seguir a Meca e Medina, na Arábia Saudita. Foi num rochedo situado no interior da Cúpula do Rochedo, a simbólica mesquita de cúpula dourada, que o profeta Maomé iniciou a sua viagem para o céu (Al-Miraj).

TENSÃO E VIOLÊNCIA

— Eleito à justa para a chefia do Governo de Israel, em maio de 1996, o inexperiente Benjamin Netanyahu quis mostrar autoridade. Quatro meses depois, mandou abrir um túnel junto à Esplanada das Mesquitas. Seguiram-se os piores confrontos desde a primeira Intifada.

2 — Rodeado de guardacostas, o líder da oposição israelita, Ariel Sharon, visitou a Esplanada das Mesquitas, a 28 de setembro de 2000. Os palestinianos sentiram-se provocados e revoltaram-se: Intifada de Al-Aqsa. Em fevereiro seguinte, Sharon vencia as legislativas.

3 — Após a morte de dois polícias israelitas, a 14 de julho, Telavive colocou detetores de metais junto à porta que dá acesso à Esplanada das Mesquitas. Os muçulmanos interpretaram a medida como uma tentativa de controlo do local.

OCUPAÇÃO

1967
É o ano da Guerra dos Seis Dias, quando Israel conquistou a Península do Sinai e a Faixa de Gaza ao Egito, os Montes Golã à Síria e a Cisjordânia e Jerusalém Oriental à Jordânia. Foi pela Porta dos Leões, que entrou a famosa 55ª Brigada para conquistar o Monte do Templo.

ESTATUTO

“A cidade de Jerusalém deve ser estabelecida como um corpus separatum sob um regime internacional especial e deve ser administrada pelas Nações Unidas”
Plano de Partilha da Palestina aprovado pela Assembleia-Geral da ONU a 29 de novembro de 1947

“Jerusalém, una e unificada, é a capital de Israel”
Lei aprovada no Parlamento de Israel (Knesset) a 30 de julho de 1980

“O Conselho Nacional Palestiniano afirma total confiança na vitória no caminho para Jerusalém, a capital do nosso Estado palestiniano independente”
Declaração de Independência da Palestina a 15 de novembro de 1988

GLOSSÁRIO

Monte do Templo
Designação usada pelos judeus para o local onde foram construídos o Templo de Salomão (o primeiro) e o Templo de Herodes (o segundo). Hoje, erguem-se ali a Mesquita de Al-Aqsa e a Cúpula do Rochedo — daí ser também chamado Esplanada das Mesquitas. Fica situado na parte oriental (árabe) de Jerusalém — ocupada por Israel na guerra de 1967 e anexada em 1980 após votação no Parlamento (Knesset). A administração religiosa do local pertence a uma autoridade islâmica jordana (Waqf). Para os muçulmanos, o Nobre Santuário é um centro de peregrinação há 14 séculos.

Mesquita de Al-Aqsa
Foi a esta “mesquita distante” que Maomé terá chegado, instruído por Alá, após uma “viagem noturna” relatada no Corão (Al-’Isra).

Cúpula do Rochedo
Construída no século VII, os muçulmanos acreditam que foi de um rochedo no seu interior que Maomé partiu para junto de Alá.

(Foto: Vista aérea sobre o Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso, a 29 de julho de 2017

Os guardiães muçulmanos do túmulo de Jesus

O local que abriga o túmulo de Cristo é, desde há séculos, protegido por duas famílias muçulmanas. Os Joudeh guardam as chaves do Santo Sepulcro e os Nusseibeh estão encarregados de abrir e fechar a porta exterior do templo. Ao Expresso, Adeeb Joudeh explica todo o ritual

Em época pascal, o Santo Sepulcro torna-se o centro da cristandade. Localizado no bairro cristão de Jerusalém — cidade santa também para judeus e muçulmanos —, o templo abriga os locais onde, segundo a tradição cristã, Jesus Cristo foi crucificado e sepultado.

Diariamente, a alta e pesada porta de madeira que dá para o exterior, e por onde entram todos os anos milhões de peregrinos e turistas, abre-se pelas quatro da manhã — um pormenor, não fosse o fiel depositário das chaves daquela importante igreja cristã ser… um muçulmano.

“As chaves foram entregues à minha família no ano de 1187 quando o grande líder [muçulmano] Saladino libertou Jerusalém dos cruzados”, conta ao Expresso Adeeb Jawad Joudeh Alhusseini, 52 anos, que detém o pomposo título “Depositário das Chaves do Santo Sepulcro & Titular do Selo do Túmulo Sagrado”. É ele que, a cada madrugada, atravessa a pé as estreitas ruelas da parte velha de Jerusalém levando consigo duas velhas chaves de ferro fundido usadas para abrir a porta do Santo Sepulcro.

Adeeb Joudeh segura uma das chaves, no pátio junto à entrada do Santo Sepulcro ADEEB JOUDEH

Em sua posse, além das chaves, a família Joudeh tem mais de 165 decretos reais emitidos pelos sucessivos sultões que reinaram sobre Jerusalém. Os documentos comprovam a história da família e autenticam o seu papel no ritual de abertura daquele importante templo cristão.

“O Santo Sepulcro é a minha segunda casa”, diz Adeeb. “Sinto a história dos meus antepassados em cada canto deste santuário.”

As duas chaves necessárias para abrir o Santo Sepulcro, sobre um decreto real que atesta o papel da família Joudeh ADEEB JOUDEH

Os zeladores muçulmanos do Santo Sepulcro não se esgotam, porém, nos Joudeh. Uma outra família educada no Islão — os Nusseibeh — é “a porteira” da igreja. Adeeb explica como ambas são indispensáveis para abrir o templo. “Diariamente, eu, na qualidade de guardião das chaves, entrego-as a Wajeh Nusseibeh, o atual porteiro, que, por sua vez, sobe a uma escada para destrancar a fechadura de cima, depois desce e destranca a fechadura de baixo. No fim devolve-me as chaves.”

Na hora de fechar o Santo Sepulcro ao público, pelas 21h, basta bater a porta — após três batidas na aldrava espaçadas meia hora — pelo que apenas os Nusseibeh são chamados a participar.

“Os Joudeh e os Nusseibeh são das famílias mais antigas de Jerusalém”, explica Adeeb. “Têm uma excelente relação entre si, mas cada qual tem a sua própria tarefa.”

Rivais dentro da mesma fé

Durante as épocas festivas — como a Páscoa —, o Santo Sepulcro abre e fecha várias vezes ao dia, mediante solicitação das seis igrejas cristãs representadas no seu interior: ortodoxos gregos, ortodoxos arménios, católicos romanos (franciscanos), coptas, siríacos e etíopes. Monges de todas elas garantem que, diariamente, terminado o horário de visitas para fieis e turistas, a vida dentro do Santo Sepulcro nunca páre.

Rivais dentro da mesma fé, as várias igrejas disputam espaço — capelas, túneis e grutas — e tempo, definindo com rigidez os horários das celebrações de cada comunidade religiosa. Nos sítios mais importantes do Santo Sepulcro — o Calvário, onde Jesus Cristo foi crucificado, e o Edículo, a construção em madeira que envolve o túmulo onde foi sepultado —, as responsabilidades são partilhadas pelas igrejas maiores: ortodoxos gregos, arménios e católicos.

Dentro do Santo Sepulcro estão assinaladas as últimas quatro estações da Via Sacra, o trajeto percorrido por Jesus carregando a cruz. O Edículo, que protege o túmulo de Cristo, é a última WIKIMEDIA COMMONS

A coexistência entre as várias igrejas é regulada pelo “Status Quo” — uma coleção de tradições históricas, normas e leis que definem as relações, atividades e movimentações no interior do Santo Sepulcro. Mas nem sempre o convívio é pacífico… Os monges protegem ferozmente os seus direitos de acesso às várias partes do santuário e o simples direito a limpar determinada superfície, por exemplo, pode originar situações um litígio.

Por vezes, os monges chegam mesmo a vias de facto… A 9 de novembro de 2008, religiosos gregos e arménios envolveram-se em confrontos físicos quando os arménios — que se preparavam para realizar uma cerimónia própria — tentaram colocar um dos seus padres à entrada do Edículo. A rixa obrigou mesmo a polícia israelita a entrar no Santo Sepulcro para apartar as hostes.

Notícia no sítio do jornal britânico “The Telegraph” de 9 de novembro de 2008 sobre confrontos entre monges no interior do Santo Sepulcro, que obrigaram à intervenção da polícia israelita. Foram detidos dois religiosos de cada lado

“O que se passa dentro da igreja são assuntos internos nos quais não interferimos”, diz Adeeb. “O nosso trabalho é proteger as chaves e a igreja. Qualquer conflito entre os monges é uma questão interna com a qual eles próprios têm de lidar.”

Responsabilidade em tenra idade

Adeeb tinha oito anos quando o pai lhe entregou as chaves do Santo Sepulcro pela primeira vez. Aos 13 anos, aprendeu como se sela o túmulo sagrado. “Foi uma sensação muito boa. Transmitiu-me o sentido de responsabilidade e o orgulho da continuação da história dos meus antepassados”, diz Adeeb. “Ser-nos confiadas as chaves de uma das igrejas mais sagradas do mundo é uma grande honra para a família Joudeh AlHusseini em particular e para a comunidade muçulmana em geral.”

Neste cargo, Adeeb já conheceu quatro Papas — três católicos (João Paulo II que visitou a Terra Santa em 2000, Bento XVI em 2009 e o Papa Francisco em 2014) e um copta (Tawadros II de Alexandria, em 2015). “Todos eles elogiaram-nos por este trabalho honroso que vimos a desempenhar há mais de oito séculos. O Papa João Paulo II até nos deu presentes. E o Papa Tawadros partilhou um artigo na sua página do Facebook sobre o papel da nossa família na Igreja.”

Adeeb Joudeh cumprimenta o Papa Francisco, durante a visita do chefe da Igreja Católica à Terra Santa, em maio de 2014 ADEEB JOUDEH

Casado e pai de uma rapariga e de três rapazes, Adeeb tem no filho mais velho, Jawad, o seu sucessor na tarefa da abertura da porta do Santo Sepulcro e da segurança das chaves. “Elas estão protegidas num local muito seguro, não há preocupações.”

(Foto principal: Adeeb Joudeh junto à porta do Santo Sepulcro perante o interesse de uma equipa de filmagens ADEEB JOUDEH)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 13 de abril de 2017, e republicado no “Expresso Online”, a 16 de abril de 2017. Pode ser consultado aqui e aqui