Os confrontos regressaram às ruas de Jerusalém, após o assassinato de um jovem palestiniano. Teme-se que tenha sido um ato de vingança pelo rapto e morte de três estudantes israelitas
A descoberta do cadáver de um palestiniano de 16 anos, numa floresta de Jerusalém, desencadeou confrontos entre residentes e forças de segurança israelitas, em Jerusalém Leste — a parte árabe da cidade, ocupada por Israel desde 1967. No bairro Shuafat, palestinianos arremessaram pedras contra a polícia israelita que respondeu disparando balas de borracha e gás lacrimogéneo.
O corpo de Muhammad Hussein Abu Khdeir foi encontrado esta quarta-feira de manhã. As autoridades israelitas têm em curso uma investigação no sentido de apurar se, na origem desta morte, estão motivações “nacionalistas ou criminais”. Entre os palestinianos não há dúvidas de que se tratou de um ato de vingança.
O corpo foi encontrado horas após o funeral de três jovens israelitas, que estavam desaparecidos desde o dia 12 e foram encontrados mortos, esta terça-feira, num descampado perto da cidade palestiniana de Hebron. Israel atribui o crime ao Hamas.
Ao diário “The Times of Israel”, o tio de Muhammad disse que várias pessoas viram o sobrinho a ser forçado a entrar num Hyundai cinzento, e que esses raptores eram judeus. Mahmud afirmou ainda que o jovem foi levado cerca das quarto da manhã (de quarta-feira) e que várias testemunhas tentaram perseguir o carro.
Husam Abed, morador na área de Shuafat, contou ao sítio “Jerusalem Online”: “No dia anterior (ao rapto de Muhammad Khdeir) tinha havido uma tentativa de rapto a um rapaz de 14 anos. Testemunhas atacaram o carro e o suspeito fugiu”.
Justiça pelas próprias mãos
Após ordenar uma investigação ao “assassinato abominável”, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, apelou a todas as partes para que “não façam justiça pelas próprias mãos”.
O Presidente palestiniano, por seu lado, instou o chefe do Governo de Telavive a “condenar o rapto e assassinato do jovem palestiniano”, disse Mahmud Abbas em comunicado. “Da mesma forma que nós condenamos o rapto dos três israelitas”, acrescentou.
Para tentar conter possíveis confrontos, as forças de segurança israelitas fecharam o acesso ao Monte do Templo — onde se situa a Esplanada das Mesquitas, o terceiro local mais sagrado para os muçulmanos, que iniciaram no domingo o mês sagrado do Ramadão.
O Monte do Templo é um local de grande sensibilidade para muçulmanos e judeus. Desse complexo faz parte também o Muro das Lamentações, o local mais importante para os judeus. Em setembro de 2000, uma visita à Esplanada das Mesquitas do então primeiro-ministro israelita, Ariel Sharon, foi interpretada como uma provocação pelos palestinianos, que logo ali iniciaram a segunda Intifada (revolta), que durou até 2005.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de julho de 2014. Pode ser consultado aqui
Seis igrejas cristãs disputam o espaço à volta da tumba de Jesus, no Santo Sepulcro. Como não se entendem, dois clãs muçulmanos guardam o templo
Todos os dias, pelas quatro horas da madrugada, Wajeeh Nuseibeh cumpre o mesmo ritual: atravessa a Cidade Velha de Jerusalém na direcção do bairro cristão e abre a pesada porta de madeira da Igreja do Santo Sepulcro — o mausoléu mais venerado pelos cristãos, que no próximo domingo celebram a ressurreição de Cristo. Ao pôr-do-sol, cumpre a tarefa inversa: após dar três pancadas num batente de ferro, a espaços de meia hora, fecha à chave o templo que encerra o local da crucificação e o túmulo de Jesus.
Seria uma tarefa igual a tantas outras não fosse Wajeeh Nuseibeh… um muçulmano. Há mais de 800 anos que os Nuseibeh são os guardiães do Santo Sepulcro e aqueles que deitam “água na fervura” quando as seis igrejas cristãs que disputam as capelas, os túneis e as grutas no seu interior — católicos, gregos ortodoxos, arménios ortodoxos, coptas, sírios ortodoxos e egípcios ortodoxos — se envolvem em conflitos.
Entrada do Santo Sepulcro, no bairro cristão da Cidade Velha de Jerusalém MARGARIDA MOTA
Desde 1852 que os direitos de propriedade no interior do Santo Sepulcro, que abriga as últimas cinco estações da Via Dolorosa e é visitada por peregrinos desde o século IV, estão regulados por um statu quo estabelecido pelo sultão otomano Abdul Majid. Os gregos ortodoxos, os católicos romanos e os arménios dividem responsabilidades nos sítios mais importantes do Santo Sepulcro — o Calvário, o sítio onde Cristo foi crucificado, e o Edículo, a construção em madeira que envolve o túmulo —, cabendo aos gregos a parte de leão.
Mas, por vezes, surgem tensões relativas ao direito de limpar determinada superfície ou de rezar numa qualquer área. No passado mês de Novembro, monges gregos e arménios chegaram a vias de facto quando os gregos tentaram colocar um dos seus padres à entrada do Edículo durante uma procissão dos arménios. A rixa foi sangrenta, obrigando a polícia israelita a entrar no Santo Sepulcro para apartar as hostes.
“Como todos os irmãos, eles têm problemas. Nós ajudamo-los a resolver as disputas. Somos neutrais. Somos as Nações Unidas. Ajudamos a preservar a paz neste lugar sagrado”, disse Nuseibeh, de 55 anos, ao diário norte-americano “San Francisco Chronicle”.
No interior da basílica do Santo Sepulcro, esta edícula, uma construção em madeira, envolve o túmulo de Jesus Cristo MARGARIDA MOTA
Uma vez por ano, as três maiores igrejas cristãs — gregos ortodoxos, católicos romanos e arménios — renovam publicamente o seu pedido aos Nuseibeh para serem os “zeladores e porteiros” do Santo Sepulcro. Mas a guarda do templo não se esgota neles. Uma outra família muçulmana — os Judeh — é responsável por guardar a chave da porta do templo durante a noite.
À semelhança das igrejas cristãs no interior do Santo Sepulcro, também os dois clãs muçulmanos não evitam a rivalidade na hora de esclarecer qual dos dois tem o papel mais importante. Os Judeh têm a chave e acham que os rivais não são ninguém sem ela; os Nuseibeh abrem a porta e consideram que os outros não passam de assistentes ao seu trabalho.
A guarda muçulmana do Santo Sepulcro é tão antiga quanto a conquista islâmica de Jerusalém, no século VII. Na época, os Nuseibeh foram encarregados de proteger os lugares cristãos da Cidade Santa. Em 1099, a família foi expulsa pelos Cruzados, recuperando o estatuto 88 anos depois, quando o lendário Saladino reconquistou Jerusalém para o Islão. Desde então, os dois clãs garantem a paz dentro do Santo Sepulcro.
DOZE MOMENTOS NA VIDA DE JESUS CRISTO
1 ANÚNCIO
“Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus”. No local onde, segundo o Evangelho de S. Lucas, o arcanjo Gabriel anunciou a maternidade a Maria, ergue-se hoje uma moderna igreja católica — a Basílica da Anunciação, concluída em 1969. Este projecto do arquitecto italiano Giovanni Muzio concretizou-se sobre as ruínas de cinco igrejas que existiram no local entre 356 e 1955. O templo situa-se na cidade israelita de Nazaré, nas colinas da região da Galileia, onde se estima que Jesus tenha passado os seus primeiros anos de vida. Nazaré tem 65 mil habitantes, a maioria dos quais são cidadãos israelitas de cultura árabe — um quinto da população de Israel é árabe. Para a comunidade católica local (cerca de 7000 pessoas), a Basílica da Anunciação é a sua igreja matriz.
2 NASCIMENTO
Imperava o romano César Augusto na região quando foi publicado um édito obrigando cada pessoa a recensear-se na sua cidade de origem. José da Galileia pôs-se ao caminho até Belém, a cidade de David, de onde era natural a sua família, com Maria, a esposa grávida. Segundo Marcos, “ao estarem eles ali, completaram-se os dias de ela dar à luz; e deu à luz o seu filho primogénito, e envolveu-o em panos e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles no alojamento”. A gruta onde Jesus terá nascido está situada no subterrâneo da Basílica da Natividade, na cidade palestiniana de Belém (Cisjordânia), uma igreja com origem no ano de 332. Desde 1852, a custódia do templo é partilhada por católicos (que celebram o Natal na noite de 24 de Dezembro) e ortodoxos gregos e arménios (que o vivem, respectivamente, a 6 e 18 de Janeiro). Na gruta, uma estrela de prata incrustada no chão de mármore assinala o local do nascimento. Sobre a estrela, 15 lâmpadas estão permanentemente acesas: seis são ateadas pelos gregos, cinco pelos arménios e quatro pelos católicos.
3 FUGA PARA O EGIPTO
Num sonho, um anjo alerta José para a sentença de morte emitida por Herodes contra os primogénitos. “Levanta-te, toma o menino e a sua mãe, e foge para o Egipto, e fica lá até que eu te diga; porque Herodes procurará o menino para o matar”, relata S. Mateus. Crê-se que um dos locais onde a Sagrada Família pernoitou foi Gaza, onde outrora morrera o mítico Sansão. Do Egipto, os três só regressariam a Nazaré após a morte de Herodes.
4 BAPTISMO
Aos 27 anos Jesus foi baptizado por João Baptista, em “Betânia, do outro lado do Jordão”. Pensa-se que o ritual aconteceu no actual território jordano, onde escavações iniciadas em 1996 revelaram mais de 20 igrejas, grutas e tanques romanos e bizantinos. Na margem israelita do Jordão, Yardenit — onde se realizam baptismos colectivos — disputa a autenticidade do local.
5 JEJUM NO DESERTO
Após o baptismo, Jesus retirou-se para o deserto para jejuar e rezar durante “40 dias e 40 noites” — tendo sido, por três vezes, tentado por Satanás. A tradição diz que o episódio aconteceu no Monte Quarntal, a noroeste da cidade palestiniana de Jericó. Em 1895, os gregos-ortodoxos construíram o Mosteiro da Tentação, envolvendo o local onde, acreditam, Jesus esteve sentado durante o jejum.
6 PRIMEIRO MILAGRE
Nos mapas, surge como Kafr Kanna, mas esta cidade árabe do Norte de Israel é mais conhecida pelo nome com que é referida na Bíblia — “Canã da Galileia”. Foi aqui que, julga-se, Jesus fez o seu primeiro milagre, durante um casamento, onde comparecera acompanhado pela mãe e por discípulos. Ao ver que o vinho acabara, Jesus ordenou aos criados que enchessem “jarras com água”. Quando o líquido foi servido aos convidados, nos copos caiu vinho. Em 1883, em Kafr Kanna, foi consagrada a Igreja do Milagre, construída pelos franciscanos. No seu interior, estão expostas jarras supostamente usadas no banquete bíblico. E nas bancas de recordações da cidade, não faltam, à venda, garrafas de “vinho do casamento”.
7 MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES E DOS PEIXES
A Bíblia diz apenas que aconteceu num “lugar isolado”, mas é em Tabgha, junto ao Mar da Galileia, que mais se celebra o milagre da multiplicação. Certo dia, quando Jesus seguia de barco, com os discípulos, foi seguido por uma multidão que o queria escutar. Sem comida suficiente, Jesus pegou nos cinco pães e dois peixes que iam no barco e reproduziu-os em abundância. A pedra onde a refeição terá sido servida jaz, hoje, debaixo do altar da Igreja da Multiplicação, reconstruída em 1982, em Tabgha, como uma réplica da igreja original. Junto à pedra, um mosaico datado do século V mostra dois peixes e um cesto de pães.
8 ENTRADA EM JERUSALÉM
Montado num burro e acolhido por uma multidão que agitava folhas de palmeira, Jesus entra triunfalmente em Jerusalém para cumprir a derradeira fase da sua vida. O Domingo de Ramos mais não é do que a celebração desse dia. Crê-se que Jesus entrou pela Porta Dourada, a única das oito portas da Cidade Velha de Jerusalém que, actualmente, está encerrada. Segundo a tradição judaica, é por essa porta que o Messias entrará na Cidade Santa. Para o impedir, em 1541, o Sultão Suleiman I mandou selá-la. Paralelamente, os muçulmanos começaram a enterrar os seus mortos do lado de fora do portão convencidos de que o Antigo Testamento proíbe o Messias de contactar com mortos. Com um cemitério à entrada da Porta Dourada, a profecia não se cumprirá, pensam.
9 ÚLTIMA CEIA
Os evangelhos dão poucas pistas, mas pensa-se que o momento celebrizado pela pintura de Leonardo Da Vinci tenha ocorrido no Monte Sião. A tradição cristã aponta o Cenáculo como o local onde Jesus partilhou a sua última refeição com os 12 apóstolos. Estima-se, porém, que essa sala tenha sido construída no período das Cruzadas, o que contraria essa autenticidade.
10 VIA DOLOROSA
Para muitos cristãos em visita à Cidade Velha de Jerusalém, a expressão máxima da sua fé é percorrer a Via Dolorosa — o caminho que Jesus fez desde a condenação de Pilatos até à crucificação. Composta por 14 estações, espalhadas ao longo de 500 metros, a Via Sacra inicia-se no bairro muçulmano, estando a primeira estação localizada no interior de uma madrassa (escola islâmica). Por isso, muitos peregrinos optam por começar na segunda estação, junto ao Mosteiro da Flagelação, de onde todas as sextas-feiras, às 15 horas (quando morreu Jesus), os franciscanos encabeçam uma procissão. Porém, durante a caminhada, a meditação chega a ser impossível. A Via Dolorosa atravessa o bairro árabe e algumas estações estão paredes-meias com lojas e bancas ambulantes do suq Khan al-Zeit. O percurso acaba dentro do Santo Sepulcro.
12 ASCENSÃO
No alto do Monte das Oliveiras, em frente a Jerusalém, ergue-se a Capela da Ascensão, venerada por muçulmanos e cristãos. No interior deste pequeno templo, convivem um mihrab, que aponta a direcção de Meca, e uma pegada numa pedra, que a tradição identifica como aquela deixada por Jesus no momento em que subiu aos céus. Assim termina o evangelho de S. Lucas: “Depois, levou-os até junto de Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. Enquanto os abençoava, separou-se deles e elevava-se ao Céu. E eles, depois de se terem prostrado diante dele, voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo a bendizer a Deus”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 10 de abril de 2009
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.