Arquivo de etiquetas: Joe Biden

A quem já telefonou Joe Biden… e a quem não

Nas primeiras conversas com líderes estrangeiros, o novo Presidente dos Estados Unidos privilegiou os dois países vizinhos, três aliados europeus e alguns pesos-pesados da geopolítica mundial

Nos últimos 30 anos, os Presidentes dos Estados Unidos da América recém-chegados à Casa Branca usaram os seus primeiros telefonemas internacionais para promover a boa vizinhança. Donald Trump ligou para o Canadá e para o México, no dia seguinte a tomar posse. O antecessor, Barack Obama, privilegiou o Canadá e, antes dele, George W. Bush o México. Só Bill Clinton colocou a geopolítica à frente de tudo e ligou, prioritariamente, para Rússia e Israel.

Joe Biden, que tomou posse faz amanhã um mês, tinha telefonado, até ontem, a 11 líderes estrangeiros. “Parece preocupado em restabelecer as grandes linhas que dominaram a política externa dos EUA nas últimas décadas, e que Trump rompeu abruptamente”, comenta ao Expresso o americanófilo José Gomes André. “Nomeadamente, reconstruir conexões com aliados permanentes (como os grandes países europeus) e construir um arco diplomático alicerçado em democracias sólidas e confiáveis para enfrentar os grandes desafios geopolíticos.”

22-01 CANADÁ 
Desilusão a norte

A conversa com o primeiro-ministro Justin Trudeau durou cerca de 30 minutos, o suficiente para acordarem áreas de cooperação e identificarem obstáculos no caminho. Trudeau expressou a sua “desilusão” em relação à decisão de Biden de cancelar a construção do polémico oleoduto Keystone XL, que levaria petróleo de Alberta até ao Texas ao ritmo de 830 mil barris por dia. Biden fê-lo no seu primeiro dia em funções, ao mesmo tempo que decretava o regresso dos EUA ao Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas.

22-01 MÉXICO 
Provocação a sul

Andrés Manuel López Obrador foi, juntamente com o homólogo brasileiro Jair Bolsonaro, dos mais resistentes a felicitarem Joe Biden pela vitória eleitoral. O norte-americano desvalorizou e colocou o México entre os contactos prioritários. Biden prometeu cooperação, nomeadamente ao nível dos fluxos migratórios irregulares, e ignorou as controvérsias recentes. Em janeiro, López Obrador ofereceu asilo político a Julian Assange, numa atitude provocatória para com os EUA, que lutam na justiça pela extradição do fundador da WikiLeaks, detido no Reino Unido.

23-01 REINO UNIDO 
Uma relação especial

Ao contrário do seu antecessor, Biden nunca foi adepto da saída do Reino Unido da União Europeia (‘Brexit’), mas a opção britânica por esse desígnio não parece beliscar a relação privilegiada entre os dois lados do Atlântico. A seguir aos vizinhos, o novo Presidente telefonou ao primeiro-ministro Boris Johnson, com quem conta para revitalizar os laços transatlânticos. Segundo informações da Casa Branca, os dois discutiram a coordenação de prioridades em matéria de política externa, nomeadamente a Rússia, a China e o Irão.

24-01 FRANÇA 
Alinhar estratégias

Na retórica de Washington, França é “o mais antigo aliado” dos EUA, sentimento que Biden enfatizou na sua conversa com o homólogo Emmanuel Macron. Segundo o palácio do Eliseu, os governantes constataram “uma grande convergência de pontos de vista” e “vontade de atuar em conjunto no sentido da paz e estabilidade no Médio Oriente, em particular no dossiê iraniano e na situação no Líbano”. Já o comunicado da Casa Branca realçou a necessidade de alinhar estratégias na região africana do Sahel, onde a França lidera uma operação internacional de combate ao extremismo islâmico.

25-01 ALEMANHA 
Procurar consenso

Um dos símbolos da tensão transatlântica sentida na era Trump foi a decisão de os EUA fazerem regressar 9 mil soldados estacionados em solo alemão. Biden congelou a medida, e Berlim suspirou de alívio. “Há uma oportunidade muito mais ampla para um consenso político com o Presidente Biden”, reagiu a chancelerina Angela Merkel, após conversar com aquele. Segundo a Casa Branca, ambos afirmaram a necessidade de acertar agulhas relativamente a cenários como o Afeganistão, a Ucrânia e os Balcãs. Ficou claro também o desejo de Biden de revitalizar a relação com a União Europeia, que Trump desprezou, acusando os europeus de “fazerem batota” à custa da economia dos EUA.

26-01 RÚSSIA 
Um rol de queixas

No mesmo dia em que conversou com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, para reafirmar o seu compromisso com o multilateralismo, designadamente ao nível da segurança, Joe Biden falou com o líder do país contra o qual a Aliança Atlântica foi criada. No relato da Casa Branca, Biden “não se conteve” ao telefone com Vladimir Putin: reafirmou o apoio à soberania da Ucrânia, abordou o ataque cibernético SolarWinds, as denúncias de recompensas russas a ataques aos militares dos EUA no Afeganistão, a interferência nas eleições de 2020 e o envenenamento de Alexei Navalny. A conversa não terá indisposto totalmente o Presidente russo, já que poucos dias depois EUA e Rússia prolongaram o Tratado New START (relativo à redução dos arsenais nucleares) mais cinco anos.

27-01 JAPÃO 
Hoje e sempre, a segurança

EUA e Japão têm uma relação marcada pelo desfecho da II Guerra Mundial e, na conversa que manteve com o primeiro-ministro, Yoshihide Suga, Biden reafirmou o compromisso inabalável de Washington com a defesa do aliado nipónico, incluindo as ilhas Senkaku, reivindicadas pela China. Biden e Suga “passearam-se” pela região do Pacífico e enfatizaram a necessidade de desnuclearização total da Península da Coreia.

03-02 COREIA DO SUL 
A pensar no Norte

Washington e Seul têm uma relação que dura há mais de sete décadas, tantas quantas a Coreia do Sul existe enquanto país. Para Washington, aquela nação é “o pilar de segurança e de prosperidade” na região do Pacífico. Foi este o ponto de partida da conversa entre Biden e o homólogo Moon Jae-in, numa conversa que teve como assunto incontornável a Coreia do Norte. A Coreia do Sul acompanhou Donald Trump na sua histórica aproximação a Kim Jong-un, mas esse é um legado que a nova Administração norte-americana recebeu com cautelas e que quererá abordar com calma.

03-02 AUSTRÁLIA 
Uma questão de ambição

Nos seus telefonemas aos líderes mundiais, como se constata nos comunicados da Casa Branca, Biden insistiu na cooperação com vista ao combate às alterações climáticas. O Presidente considera serem uma “ameaça existencial ao planeta” e já agendou uma cimeira sobre o clima para 22 de abril. Quando conversou com o primeiro-ministro Scott Morrison, houve na Austrália quem achasse que Biden iria pressioná-lo no sentido de maior compromisso com o desafio ambiental — a Austrália ainda não se comprometeu com a meta da neutralidade carbónica até 2050. Morrison disse que essa pressão não existiu e resumiu: “No que respeita às relações entre a Austrália e os EUA, não há nada para consertar, apenas coisas para construir.”

08-02 ÍNDIA 
Com a China no pensamento

As viagens internacionais estão fortemente condicionadas pela pandemia de covid-19, mas assim que se tornarem seguras, Joe e Jill Biden já têm convite em mãos para visitarem a Índia. Foi endereçado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, durante o telefonema com o Presidente dos EUA, que abordou os desafios da região e a necessidade de fortalecimento da segurança através do Quad. Abreviatura de Diálogo Quadrilateral de Segurança, trata-se de um fórum frequentado por quatro países (Índia, EUA, Japão e Austrália), que, de forma informal, trabalha para contrariar a influência política, comercial e militar da China na região.

10-02 CHINA 
O concorrente mais sério

A proximidade ao Ano Novo Chinês deu um toque festivo à conversa de Biden com o homólogo Xi Jinping, que não iludiu as inúmeras preocupações norte-americanas relativas ao modus operandi chinês: práticas económicas coercivas, repressão em Hong Kong, violações dos direitos humanos em Xinjiang e ações assertivas na região do Pacífico. As palavras de Biden não terão apanhado Xi de surpresa. Cerca de uma semana antes, no seu primeiro discurso sobre política externa, o americano defendeu: “A liderança americana deve enfrentar este novo momento de avanço do autoritarismo, incluindo as ambições crescentes da China de rivalizar com os Estados Unidos.” E acrescentou. “Enfrentaremos diretamente os desafios colocados à nossa prosperidade, segurança e valores democráticos pelo nosso concorrente mais sério, a China.”

ISRAEL NERVOSO, IRÃO IMPACIENTE

A ausência de Israel do grupo de países prioritários a receber telefonema do novo Presidente dos EUA causou inquietação no mais sólido aliado dos norte-americanos no Médio Oriente.

“É possível que o silêncio de Washington tenha como objetivo enviar uma mensagem muito clara a Israel: o mergulho de cabeça de Benjamin Netanyahu [primeiro-ministro israelita] na política partidária dos EUA e os seus ditames para a nova Administração têm um preço na Casa Branca”, diz ao Expresso Ari Heistein, investigador no Instituto para os Estudos de Segurança Nacional, de Israel.

O israelita defende que a situação “deixa Netanyahu nervoso” devido à proximidade das legislativas de 23 de março (e à possibilidade de não poder afirmar-se na campanha como “o grande estadista de Israel”, dada a frieza do aliado americano), e também devido à questão iraniana.

“A diplomacia nuclear dos EUA com o Irão começará em breve e Israel espera muito ter um canal de comunicação aberto com Washington ao mais alto nível, de modo a garantir que os seus interesses e preocupações em relação ao programa nuclear do Irão sejam levados em conta pelos EUA.”

Em Teerão, este silêncio é interpretado “como sinal de que os EUA querem negociar. Não por uma questão de vontade, mas porque têm de o fazer”, comenta ao Expresso a iraniana Ghoncheh Tazmini, investigadora na London School of Economics.

“O Irão reduziu gradualmente o seu compromisso com o defunto acordo [sobre o seu programa nuclear] e há rumores de que está a ficar impaciente e pode considerar acelerar o programa nuclear se não houver avanços do lado dos EUA.” Com Netanyahu por perto, a margem de manobra de Joe Biden será menor.

(FOTO Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, ao telefone, na Sala Oval da Casa Branca ADAM SCHULTZ / FLICKR / CASA BRANCA)

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de fevereiro de 2021. Pode ser consultado aqui

As 10 palavras que Joe Biden mais repetiu no discurso de tomada de posse

Num discurso que durou quase 22 minutos, o novo Presidente dos Estados Unidos da América falou ao coração dos norte-americanos repetindo, em particular, dez palavras. Com elas, procurou olhar para o passado dos Estados Unidos e projetar o futuro do país, do qual é agora o principal timoneiro

AMÉRICA

“Este é o dia da América.” Assim iniciou Joe Biden o seu discurso. Repetiria a palavra “América” mais 20 vezes, ora para se referir ao passado histórico dos Estados Unidos ora para galvanizar os norte-americanos em relação aos desafios futuros.

Perto do final, o Presidente invocou uma canção que lhe diz muito, segundo o próprio. “American Anthem”, composta no final dos anos 1990, fala do “sonho de uma nação onde a liberdade durará” e de como a dignidade é “aquilo que fortalece a alma de uma nação que nunca morre”.

Biden leu um excerto, como que se tivesse sido escrito em nome próprio: “O trabalho e as orações de séculos trouxeram-nos até este dia. / Qual será o nosso legado? Que dirão os nossos filhos? / Que o meu coração saiba, quando os meus dias acabarem / América, América, que dei o meu melhor por ti.”

NAÇÃO

Biden repetiu esta palavra 15 vezes. Falou da “nação” como sentimento de pertença comum a todos os americanos e apelou à união de todos para que sejam curadas as feridas expostas pelo ataque ao Capitólio e, no imediato, seja vencida a batalha contra a covid-19.

“Meus compatriotas, no trabalho que temos pela frente, vamos precisar uns dos outros. Precisamos de todas as nossas forças para perseverarmos através deste inverno sombrio. Estamos a entrar no que pode ser o período mais difícil e mortal do vírus. Devemos deixar a política de lado e finalmente enfrentar esta pandemia como uma nação. Uma nação.”

POVO

“O povo, a vontade do povo, foi escutada e a vontade do povo foi atendida”, disse Biden, acrescentando que ali se celebrava não a vitória de um candidato, mas da democracia.

Numa homenagem ao “povo” — palavra que proferiu 11 vezes —, o Presidente liderou uma oração em silêncio. “No meu primeiro ato enquanto Presidente, gostaria de pedir-vos que se juntem a mim num momento de oração silenciosa para recordar todos aqueles que perdemos neste último ano para a pandemia. Esses 400 mil americanos. Mães, pais, maridos, esposas, filhos, filhas, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. Vamos honrá-los tornando-nos o povo e a nação que sabemos que podemos e devemos ser.”

DEMOCRACIA

Ao longo de todo o discurso, Biden partilhou a ideia de que a democracia norte-americana sobreviveu a ameaças. “Voltamos a aprender que a democracia é preciosa. A democracia é frágil. Neste momento, meus amigos, a democracia prevaleceu”, disse o Presidente. “Este é o dia da democracia.”

Biden socorreu-se igualmente do conceito de “democracia”, que repetiu 11 vezes, para dirigir-se diretamente aos 74 milhões de norte-americanos que não votaram nele.

“Para todos aqueles que não nos apoiaram, deixem-me dizer o seguinte: ouçam-me à medida que avançamos. Avaliem-me a mim e ao meu coração. Se ainda discordarem, seja. Isso é democracia. Essa é a América. O direito de discordar, pacificamente, a barreira de proteção da nossa república, é talvez a maior força desta nação.”

HOJE

Sem nunca se referir expressamente ao seu antecessor, Joe Biden proferiu várias vezes a palavra “hoje” — nove no total — para assinalar um voltar de página na governação do país.

“Hoje, neste momento, neste lugar, vamos começar do zero, todos nós. Vamos começar a ouvir uns aos outros novamente. Escutar-nos uns aos outros, olharmos uns aos outros, mostrar respeito uns pelos outros. A política não necessita de ser um fogo furioso, que destrói tudo à sua passagem. Cada desacordo não precisa de ser razão para uma guerra total. E devemos rejeitar a cultura na qual os próprios fatos são manipulados e até fabricados.”

Biden reafirmou a importância do dia de “hoje” para realçar a tomada de posse da primeira mulher no cargo de vice-presidente, Kamala Harris. “Não me digam que as coisas não podem mudar.”

UNIDADE

Paralelamente aos elogios ao “povo” e à “democracia” norte-americanos, Joe Biden desdobrou-se em apelos à “unidade” entre todos. “Este é o nosso momento histórico de crise e desafio. E a unidade é o caminho a seguir”, disse o 46º Presidente. “Pois sem unidade não haverá paz — apenas amargura e fúria. Não haverá progresso — apenas uma indignação esgotante. Não haverá nação — apenas um estado de caos.”

Biden referiu a presença na cerimónia de antigos presidentes do Partido Democrata (Bill Clinton e Barack Obama,) e do Partido Republicano (George W. Bush). O democrata Jimmy Carter esteve ausente por razões de saúde mas Biden sublinhou que tinha falado com ele pelo telefone na véspera. O republicano Donald Trump saiu da Casa Branca sem reconhecer a vitória de Biden e não quis assistir à cerimónia. Não sucedia há 152 anos.

“Superar os desafios, restaurar a alma e garantir o futuro da América exige muito mais do que palavras. Requer o mais elusivo de todas as coisas numa democracia: Unidade. Unidade.” Citou esta palavra oito vezes.

HISTÓRIA

Biden falou oito vezes de “história” para invocar o passado e projetar o futuro. “História, fé e razão mostram o caminho, o caminho da unidade.”

E acrescentou: “Eu sei que falar de unidade pode soar para alguns como uma fantasia tola, hoje em dia. Eu sei que as forças que nos dividem são profundas e reais, mas também sei que não são novas. A nossa história tem sido feita de uma luta constante entre o ideal americano de que todos somos criados de forma igual e a dura e feia realidade de que o racismo, o nativismo, o medo e a demonização há muito nos separaram. A batalha é perene e a vitória nunca está garantida.”

DESAFIO

“Poucas pessoas na história da nossa nação enfrentaram mais desafios ou depararam-se com tempos mais desafiadores ou difíceis do que o tempo que agora vivemos. Um vírus que acontece uma vez por século assola silenciosamente o país. Ceifou tantas vidas num ano como as vidas que foram perdidas em toda a Segunda Guerra Mundial. Perderam-se milhões de empregos. Centenas de milhares de empresas fecharam. Somos movidos por um grito por justiça racial, que dura há quase 400 anos. O sonho da justiça para todos não mais será adiado.”

Biden falou sete vezes de “desafio”, particularizando a crise ambiental, o extremismo político, a supremacia branca e o terrorismo interno.

“Amigos, este é um tempo que nos põe à prova. Enfrentamos um ataque à nossa democracia e à verdade, um vírus rompante, desigualdade lancinante, racismo sistémico, uma crise climática, o papel da América no mundo. Qualquer um destes é suficiente para nos desafiar de formas profundas.”

GUERRA

Por sete vezes o novo Presidente proferiu a palavra “guerra”, para enumerar conflitos passados e enfatizar como perante a luta, o sacrifício e os desaires, os norte-americanos sempre prevaleceram — a guerra civil (1861-1865), a Grande Depressão (1929-1939), a II Guerra Mundial (1939-1945) e o 11 de Setembro (2001).

Recordou que o Capitólio, onde decorria aquela cerimónia, foi concluída durante a guerra civil e admitiu que em 2021, os Estados Unidos vivem outro tipo de guerra. “Temos de pôr fim a esta guerra incivil que põe vermelho [republicanos] contra azul [democratas], rural contra urbano, conservador contra liberal.”

GRANDE

Foi um dos adjetivos preferidos de Donald Trump e uma presença constante no seu limitado discurso. Joe Biden repetiu-o seis vezes para exaltar a “grande nação” americana, para dizer que “podemos fazer grandes coisas” e para incentivar a que todos contribuam para escrever “o próximo grande capítulo da história dos Estados Unidos da América”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de janeiro de 2021. Pode ser consultado aqui

Cinco países que (ainda) não saudaram Joe Biden

Uma constante do mandato de Donald Trump foi a afinidade criada com líderes autoritários. Solidários, cinco países ainda não aceitaram a sua derrota

CHINA
Quatro anos de guerra comercial com os Estados Unidos e uma agressividade verbal feia a propósito da pandemia do novo coronavírus — “o vírus da China”, repetiu Donald Trump — não levaram Pequim a querer voltar rapidamente a página do Presidente republicano e a reconhecer a vitória do adversário democrata. “Nós soubemos que [Joe] Biden anunciou a sua vitória. No nosso entendimento, o resultado das eleições presidenciais será determinado de acordo com a legislação americana e os procedimentos estabelecidos”, disse Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. Durante a campanha eleitoral, Joe Biden mostrou-se defensor de uma atitude dura dos EUA em relação à China, dizendo que obrigará Pequim “a funcionar de acordo com as regras internacionais”.

RÚSSIA
Em 2016, o Presidente Vladimir Putin demorou apenas horas a cumprimentar o vitorioso Donald Trump. Agora, tem-se mantido em silêncio. Segundo Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, Moscovo irá aguardar pela divulgação do resultado oficial para fazer um comentário. Se a Rússia fora, até Trump, ‘o inimigo de sempre’ dos EUA, o 45º Presidente nunca procurou disfarçar os seus elogios a Putin, avolumando com essa postura as suspeitas de que teria beneficiado de interferência russa nas eleições de 2016. Durante a campanha, comentando essa possibilidade, Joe Biden considerou qualquer interferência estrangeira “um ato adversário”. Em entrevista ao programa “60 Minutes”, elegeu a Rússia como “a principal ameaça” à segurança nacional dos EUA.

BRASIL
Um dos silêncios que mais indiciam dificuldade em aceitar o resultado é o do Presidente Jair Bolsonaro. Confesso admirador de Donald Trump, o brasileiro dividiu o país ao copiar do norte-americano as referências misóginas, racistas e homofóbicas e ao desvalorizar a pandemia de covid-19. Esta semana, o vice-presidente Hamilton Mourão tentou justificar a posição: “Eu julgo que o Presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele”, disse. “É óbvio que na hora certa ele vai transmitir os cumprimentos a quem for eleito.”

MÉXICO
A forma como Trump abordou a questão do muro do México — um país de “traficantes, criminosos, violadores”, disse — enxovalhou o vizinho. Causa pois estranheza que Andrés Manuel López Obrador se junte ao núcleo de Presidentes que resistem a vitoriar Biden. “Temos muito boa relação com Trump, de respeito, e não temos problemas com o candidato democrata Biden. Esperemos que as autoridades resolvam. Não vamos ser imprudentes”, disse. Com mais de 3 mil quilómetros de fronteira comum, uma explicação possível para a cautela de Obrador prende-se com possíveis ‘estragos’ na relação que Trump possa fazer até 20 de janeiro.

COREIA DO NORTE
Em 2008, quando Barack Obama foi eleito, a imprensa oficial norte-coreana demorou dois dias a dar a notícia. Quando Trump venceu, em 2016, a notícia de uma “nova administração” surgiu passados dois dias, sem se referir o nome do Presidente. A reação de Pyongyang costuma ser tardia e prudente. É possível que, desta vez, esteja à espera de perceber qual será a nova política em relação à Coreia. Com Trump, Kim Jong-un não se deu mal.

(FOTO RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui