Arquivo de etiquetas: Jordânia

A escalada que (quase) todos tentam evitar

Teerão desferiu o primeiro ataque assumido contra o território do Estado judaico. Telavive já decidiu que vai retaliar

O aparatoso ataque da República Islâmica do Irão contra o Estado de Israel, na noite de sábado, fez lembrar os dias da Guerra do Golfo de 1991, a primeira a ser transmitido em direto pela televisão. Fundada 10 anos antes, a emissora americana CNN apostou numa cobertura inédita dessa guerra.

Sábado passado, após ter sido noticiado que o Irão lançara um enxame de 330 drones e mísseis balísticos e de cruzeiro na direção de Israel, o mundo colou-se à televisão ‘à espera de os ver chegar’. “Assistimos a isso na Guerra do Golfo, quando os mísseis caíam em Bagdade. Agora estávamos à espera que chegassem. Quase que havia notícias sobre os países que atravessavam…”, ilustra, em conversa com o Expresso, José Palmeira, professor de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade do Minho.

A investida do Irão — que Teerão afirma ter sido “limitada”, visando apenas alvos militares e realizada em retaliação pelo ataque de 1 de abril contra o seu consulado em Damasco, atribuído a Israel — abriu porta a novo conflito. O gabinete de guerra israelita já decidiu retaliar, não havendo pistas sobre em que moldes. Teerão promete reagir de imediato. Estados Unidos e União Europeia tentam dissuadir Israel, para que a situação não se agrave ainda mais. Em paralelo, procuram isolar a República Islâmica, adotando novas sanções.

IRÃO 
Que motivação para atacar?

É percetível uma componente interna. “O Governo dos ayatollahs está muito desacreditado, há uma crise económica, a população vive mal e a polícia dos costumes tem tido atitudes radicais”, explica Palmeira. “Uma das formas de o regime se credibilizar e ter união interna é criar inimigos externos.” Em paralelo, há objetivos regionais. O gigante xiita do Médio Oriente quer ser uma potência hegemónica e “ser temido por todos os outros”. Isso justifica o apoio ao “eixo da resistência”, que passa por aliados regionais xiitas (como o libanês Hezbollah e os iemenitas hutis) e sunitas (como o palestiniano Hamas).

Teerão quis demonstrar poder. “O Irão mostra força quando vende drones à Federação Russa, os quais têm tido papel relevante na guerra na Ucrânia. Revela capacidade tecnológica e ganha dinheiro de que precisa, porque os vende a bom preço.” Até à guerra na Ucrânia, o Irão era o país mais sancionado do mundo.

O ataque foi de grande espetacularidade, mas não provocou grandes danos em Israel, que diz ter intercetado 99% dos projéteis. “O Irão não atacou com mais força porque temia uma retaliação. Quer ter capacidade nuclear, se é que já não tem. Sabe-se onde o urânio está a ser enriquecido e essas localizações seriam o primeiro alvo de Israel, tal como as fábricas de drones”, acrescenta o docente da Universidade do Minho. “O Irão não quis provocar ao ponto de Israel — se tivesse sofrido mortos e feridos — ter de responder obrigatoriamente para não ficar numa situação de fraqueza.”

ISRAEL 
E agora, Estados Unidos?

O ataque aconteceu numa altura em que a aliança histórica entre Israel e os Estados Unidos revelava desgaste por causa da operação militar na Faixa de Gaza. Mas cedo ficou claro que as forças americanas estacionadas no Médio Oriente estariam ao lado do Estado judaico. “Israel é a única democracia da zona, o que é, para os Estados Unidos e o Ocidente, um elemento relevante a preservar”, comenta Palmeira, “assim como a sobrevivência do Estado de Israel depende, em grande medida, do apoio ocidental e dos Estados Unidos.”

Por outro lado, um conflito entre Israel e o Irão arrisca-se a ter consequências económicas globais, como revela a reunião dos líderes do G7, no próprio dia, de onde saiu um alerta de uma “escalada regional incontrolável”. Mas, realça o académico, “uma coisa é o interesse de Israel, outra é o de Benjamin Netanyahu, acossado internamente”, por causa do 7 de outubro e dos reféns, “e externamente, porque a intervenção em Gaza provocou uma catástrofe humanitária”, diz. “Está a lutar pela sua sobrevivência política e acha que quanto mais duro for, mais isso o favorece.”

“O Irão não atacou Israel com mais força porque temia uma retaliação, pois quer ter capacidade nuclear”, diz o perito José Palmeira

JORDÂNIA 
Porquê ajudar Israel?

O reino hachemita está exposto à conflitualidade no Médio Oriente, desde logo pela grande quantidade de palestinianos que vive no país. Amã tem sido palco de manifestações contra a guerra em Gaza e, já no pós-7 de outubro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Ayman Safadi, afirmou que “o acordo de paz entre Israel e a Jordânia [de 1994] está na prateleira e a acumular poeira”.

Durante o ataque do Irão a Israel, o reino não hesitou. Caças da Força Aérea jordana abateram drones iranianos em apoio de Israel. Segundo o Presidente francês, Emmanuel Macron, França — que tem tropas na Jordânia — neutralizou projéteis iranianos a pedido de Amã. “A Jordânia tem tido uma atitude construtiva, que começa a mudar a partir do momento em que o Irão surge como ameaça e apoia o Hezbollah no Líbano e grupos jiadistas que estão na Síria e no Iraque. Isto também ameaça a Jordânia. Há receio de um Irão hegemónico, sobretudo a partir do momento em que tenha armas nucleares.”

Recentemente, o comandante do grupo Kataib Hezbollah, uma das maiores milícias pró-iranianas no Iraque, afirmou-se pronto para armar e treinar 12 mil jordanos para se juntarem à frente de resistência anti-Israel.

ARÁBIA SAUDITA 
Equidistante?

Ataques como o do Irão a Israel têm o potencial de deixar o Médio Oriente “à beira do abismo”, como disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. Isso é um grande revés nos planos de modernização da Arábia Saudita e de outras monarquias do Golfo que se aproximavam de Israel. “O Irão tende a ficar isolado, porque os vizinhos querem paz. Vivem em grande medida do turismo, da atração de figuras como Cristiano Ronaldo. Procuram estabilidade e querem ser vistos do exterior como países onde há qualidade de vida”, comenta Palmeira.

“Ao contrário de outros países, como o Irão, que têm capacidade militar, a Arábia Saudita quer ser forte no plano económico.” Vários países do Golfo “estão a fazer a transição de uma economia assente no petróleo para energias limpas e têm consciência de que esse é o futuro. Não lhes interessa crises económicas nem a desestabilização da zona. Daí um conjunto de países sunitas ter boas relações com Israel, o que isola o Irão, que consideram um perturbador regional.”

Após o ataque do Irão, o Ministério dos Negócios Estrangeiros saudita emitiu um comunicado lacónico, expressando preocupação perante a “escalada militar” e pedindo a “todas as partes que exerçam a máxima contenção”. Se é verdade que Riade desbravava um caminho de aproximação a Israel, a 10 de março de 2023 fez as pazes com o Irão, após sete anos de relações congeladas.

O contexto força Riade a jogar “um papel quase dúbio”, conclui Palmeira. “Interessa-lhe que a relação com o Irão seja pacificada, mas também, caso o Irão revele apetência para maior escalada, alargar o âmbito das suas alianças, incluindo com Israel. A Arábia Saudita procura não alienar a relação com o Irão e equilibrar a ascensão do Irão com alianças com outros países da região.”

(MAPA MIDDLE EAST POLICY COUNCIL)

RELACIONADO: As pistas deixadas por um ataque arriscado (mas contido) sobre a relação de forças no Médio Oriente

Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui e aqui

Quem ataca quem no Médio Oriente? A Palestina é o pretexto comum, mas os nove países envolvidos têm agenda própria

Em três meses, o conflito na Faixa de Gaza assumiu uma dimensão regional, com vários Estados a envolverem-se em trocas de fogo. A Palestina é o argumento útil, mas vários países atacam no interesse de agendas próprias

INFOGRAFIA DE JAIME FIGUEIREDO

A ofensiva de Israel na Faixa de Gaza destapou o vespeiro da conflitualidade no Médio Oriente. Desde o início da guerra, a 7 de outubro, nove Estados da região já dispararam contra vizinhos. Se países como o Líbano e a Síria têm uma grande exposição ao problema israelo-palestiniano, atores internos no Iraque e no Iémen parecem agir por controlo remoto.

O Irão saiu da sombra e passou a protagonista, bombardeando três países, um deles o Paquistão, uma potência nuclear. A Turquia confirmou que mantém o foco na questão curda. E até a discreta Jordânia alvejou um vizinho.

Israel ➨ Faixa de Gaza

O ataque terrorista do Hamas a Israel, a 7 de outubro, entrou para a memória coletiva do povo judeu como uma espécie de 11 de Setembro, pela sua surpresa, dimensão, impacto emocional e pela vulnerabilidade que evidenciou um país reconhecido pela eficácia dos seus serviços de informação.

Israel retaliou contra a Faixa de Gaza, o território palestiniano controlado pelo grupo islamita, inicialmente com bombardeamentos aéreos posteriormente combinados com uma ofensiva terrestre. No próprio dia do ataque, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse à nação que Israel não parará até “destruir as capacidades do Hamas”.

Faixa de Gaza ➨ Israel

Desencadeada a resposta militar de Israel, o disparo de foguetes desde Gaza não cessou. Na terça-feira passada, o Hamas disparou 25 rockets contra território israelita a partir do norte do território palestiniano, que tem sido o foco principal da intervenção militar.

Ainda que a maioria dos foguetes tenham sido intercetados pelo Iron Dome, o escudo defensivo de Israel, ou caído em descampados, o seu disparo revela capacidade desafiante do Hamas e é, para as comunidades israelitas próximas da fronteira, um reviver permanente do terror vivido a 7 de outubro.

Líbano ➨ Israel

Mal começou a guerra em Gaza, a fronteira norte de Israel tornou-se numa frente de conflito, com troca de fogo de parte a parte e vítimas mortais ocasionais dos dois lados. O sul do Líbano é um bastião do Hezbollah, uma milícia xiita (e também partido político, com deputados e ministros) cujo nascimento está intrinsecamente ligado à invasão israelita do sul do Líbano, em 1982, e subsequente ocupação, até ao ano 2000.

A luta contra a ocupação israelita da Palestina e também contra a presença militar dos Estados Unidos no Médio Oriente são prioridades para o Hezbollah. Os ataques ao longo da fronteira com Israel são, por isso, frequentes, mas com a guerra em Gaza tornaram-se diários e mais intensos.

Israel ➨ Líbano

Para Israel, a sua fronteira norte é um local de tensão permanente desde que se retirou do sul do Líbano. Desde 7 de outubro, as forças israelitas têm não só alvejado posições do Hezbollah como também já atacaram nos subúrbios de Beirute, para eliminar um alto responsável do Hamas.

Este estado de guerra forçou a transferência de milhares de habitantes do norte de Israel para locais mais seguros.

Na fronteira entre Israel e Líbano, que foi demarcada pela ONU (Linha Azul), existe, desde 1978, uma missão de capacetes azuis (UNIFIL), que não tem, porém, dissuadido a troca de fogo de parte a parte.

Israel ➨ Síria

Os ataques israelitas em território sírio não são inéditos e, desde 7 de outubro, já ocorreram por diversas vezes, visando, entre outros, o Aeroporto Internacional de Damasco.

Os alvos de Israel, para além de posições do exército sírio, são prioritariamente grupos armados apoiados pelo Irão e combatentes do Hezbollah libanês, que foram cruciais para a sobrevivência política do Presidente Bashar al-Assad, após os protestos da Primavera Árabe e a guerra civil que se lhe seguiu.

A Síria mantém com Israel uma disputa territorial em torno dos Montes Golã, que Israel ocupou na guerra de 1967, anexou através de uma lei de 1981, mas que os sírios continuam a reivindicar.

Iémen ➨ Israel

No Iémen quem manda são os hutis, um grupo que conquistou o poder pela força em 2014, mas que não é reconhecido como um interlocutor legítimo pela comunidade internacional.

Estes rebeldes iemenitas, que controlam a costa ocidental do país, declararam apoio aos palestinianos e mostraram-no ameaçando navios em trânsito pelo Mar Vermelho com origem ou a caminho de portos em Israel.

Em retaliação ao assédio dos hutis às embarcações que percorrem esta via marítima, por onde passa 12% do comércio mundial, forças dos Estados Unidos e, por uma vez, também do Reino Unido já bombardearam posições dos hutis dentro do Iémen.

Irão ➨ Iraque

A 3 de janeiro, um duplo atentado suicida reivindicado pelo Daesh, na cidade iraniana de Kerman, provocou 94 mortos. O Irão retaliou esta semana e um dos alvos foi Erbil, na região autónoma do Curdistão iraquiano (norte), onde Teerão disparou 11 mísseis balísticos contra o que diz ser um centro de espionagem da Mossad (serviços secretos de Israel).

O Iraque, cuja população é maioritariamente xiita, como o Irão, ainda alberga tropas norte-americanas que ali ficaram após ajudarem no combate ao Daesh. Não raras vezes, os militares dos EUA investem contra milícias locais ligadas ao Irão e são eles próprios um alvo das mesmas, como tem acontecido desde 7 de outubro.

Esta semana, o primeiro-ministro do Iraque defendeu a saída das tropas norte-americanas do país.

Irão ➨ Síria

Paralelamente ao ataque na região iraquiana de Erbil, os Guardas da Revolução Islâmica, uma unidade de elite das Forças Armadas iranianas, atacaram também dentro da Síria, com a qual o Irão não tem fronteira.

Quatro mísseis balísticos foram lançados desde a província de Khuzestan, a oeste do Irão, na direção de posições do Daesh em Idlib, numa resposta direta aos atentados em Kerman.

Nesta região do noroeste da Síria, persiste ainda um foco rebelde de contestação ao regime sírio, que é apoiado pelo Irão. Neste ataque, noticiou a agência iraniana IRNA, Teerão disparou “nove mísseis de vários tipos” contra “grupos terroristas em diferentes áreas dos territórios ocupados na Síria”.

Turquia ➨ Iraque

O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, tem sido dos líderes mais vocais contra o primeiro-ministro de Israel, ao ponto de já ter dito que Benjamin Netanyahu “não é diferente de Hitler”. Mas paralelamente ao seu apoio à Palestina, há uma questão maior no posicionamento da Turquia na região: o independentismo curdo.

Dentro de portas, os curdos são uma ameaça separatista que Ancara tenta combater também nos países da vizinhança onde vivem minorias curdas.

No sábado passado, caças turcos alvejaram posições no Curdistão iraquiano (norte), onde a Turquia tem várias bases militares. Na véspera, um ataque a uma dessas bases atribuído ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, na sigla inglesa) provocou nove mortos entre os militares turcos.

Turquia ➨ Síria

Os curdos foram o alvo de bombardeamentos turcos também na Síria, dentro do mesmo espírito que levou Ancara a atacar no Curdistão iraquiano.

Segundo o Ministério da Defesa da Turquia, foi alvejado um total de 29 localizações — incluindo “cavernas, bunkers, abrigos e instalações petrolíferas” — associadas ao PKK e às Unidades de Proteção Popular (YPG, na sigla inglesa). Esta organização armada da região do Curdistão sírio teve um papel central na coligação liderada pelos EUA que derrotou o Daesh na Síria.

Dos quatro países do Médio Oriente que têm populações curdas — Turquia, Síria, Iraque e Irão —, a Síria é a que tem a minoria mais pequena.

Irão ➨ Paquistão

No dia seguinte a ter atacado no Iraque e na Síria, o Irão bombardeou também o Paquistão. Os dois países partilham uma fronteira de 900 quilómetros e um inimigo comum: os separatistas do Balochistão, uma região rica em gás e minérios, atravessada pela fronteira entre ambos.

Na terça-feira, o Irão usou drones e mísseis para alvejar posições do Jaish al-Adl, um grupo sunita composto por baloches envolvido em ataques dentro do Irão, numa área remota e montanhosa dessa região separatista. Morreram duas crianças e três civis ficaram feridos.

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Hossein Amir-Abdollahian, esclareceu que os alvos dos bombardeamentos não foram paquistaneses, mas “terroristas iranianos presentes em solo paquistanês”. A 15 de dezembro, 11 polícias iranianos tinham sido mortos num ataque a uma esquadra, perto da fronteira com o Paquistão.

Paquistão ➨ Irão

Islamabade respondeu ao ataque do Irão mandando chamar o seu embaixador em Teerão e disparando mísseis contra a província iraniana de Sistão e Balochistão. O bombardeamento, que teve como alvo outro grupo separatista — a Frente de Libertação Baloche —, provocou nove mortos (nenhum tinha nacionalidade iraniana).

Os ataques entre estes dois países originaram posições de condenação de parte a parte e acusações de violação da soberania, mas a relação não congelou.

No mesmo dia em que o Irão atacou o Paquistão, os dois países realizaram um exercício naval com navios de guerra, no Estreito de Ormuz, no Golfo Pérsico. E no dia seguinte (véspera da retaliação do Paquistão), os dois ministros dos Negócios Estrangeiros deitaram água na fervura e conversaram ao telefone.

Esta sexta-feira, o Governo paquistanês anunciou que o seu país e o Irão concordaram em diminuir as tensões após a troca de violentos ataques esta semana.

“Os dois ministros dos Negócios Estrangeiros concordaram que a cooperação e a coordenação no combate ao terrorismo e outras áreas de interesse comum devem ser reforçadas”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão, no final de uma chamada telefónica entre os dois governantes.

Jordânia ➨ Síria

Não foram razões políticas que estiveram na origem de bombardeamentos atribuídos à Jordânia em território sírio, mas, ao estilo de uma guerra sem regras, entre os dez mortos que o ataque provocou havia crianças.

O alvo, na quinta-feira, foi a província de Sweida, no sudoeste da Síria, uma zona não muito distante da fronteira com a Jordânia. Terá sido um esforço para atingir o tráfico de drogas — nomeadamente da anfetamina Captagon, usada pelos terroristas do Daesh para facilitar a matança — e perturbar o seu fluxo para dentro do reino hachemita.

As autoridades de Amã não se pronunciaram sobre o caso, mas é conhecido que, no passado, o país já recorreu a ataques desta natureza para atingir grupos dedicados ao narcotráfico, bem organizados e armados.

No ano passado, o Governo do Reino Unido defendeu que o Captagon é uma “tábua de salvação financeira” para a máquina de guerra do regime sírio.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Um recurso escasso numa região conflituosa

Opções políticas e alterações climáticas contribuíram para reduzir os caudais de quatro rios históricos. Para as populações ribeirinhas sobra um mar de preocupações

Crianças brincam no rio Nilo em Assuão, no sul do Egito KHALED DESOUKI / AFP / GETTY IMAGES

Na Antiguidade Clássica, o historiador grego Heródoto rotulou o Egito como “um presente do rio Nilo”. Para oriente, o rio Jordão foi protagonista no advento do judaísmo e do cristianismo. Ainda mais para leste, entre os rios Tigre e Eufrates, floresceu a Mesopotâmia, considerada um dos berços da civilização ocidental. Hoje, a grandeza histórica destes quatro rios esvai-se nos seus caudais, cada vez menos abundantes. Por opções políticas ou pelo efeito das alterações climáticas, há cada vez menos água disponível para as populações ribeirinhas. E tudo acontece na região mais conflituosa do mundo.

NILO Uma nova praga maligna em formação

“O Egito — nação de mais de 100 milhões de almas — enfrenta uma ameaça existencial. Uma grande estrutura de proporções gigantescas foi construída ao longo da artéria que leva vida ao povo do Egito.” O alerta foi dado há um mês, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros egípcio. A construção a que Sameh Shoukry se refere é a Grande Barragem Renascentista Etíope (GERD, na sigla inglesa), que a Etiópia começou a erguer em 2011, quando o Egito estava envolvido nas convulsões populares da Primavera Árabe. Fica no Nilo Azul, principal afluente do Nilo, que nasce na Etiópia e converge com o Nilo Branco no Sudão. Para a Etiópia, o projeto reduz a pressão energética e gera eletricidade suficiente para exportar. Para o Egito, é fonte de inquietação. Com 6650 quilómetros de comprimento, o Nilo garante 90% das necessidades hídricas do país.

A 19 de julho, a Etiópia anunciou a conclusão do segundo enchimento da barragem, o que levou as autoridades do Cairo a insurgirem-se contra as ações unilaterais de Adis Abeba. O Nilo corre de sul para norte, pelo que só chega ao Egito a água que o Sudão e a Etiópia deixarem passar. “Sempre dissemos aos nossos irmãos da Etiópia e do Sudão que os respeitamos e nos preocupamos com o seu direito à vida, tal como com o nosso. Eles têm direito a produzir eletricidade, na condição de isso não afetar a quantidade de água que nos chega”, disse, no final de julho, o Presidente Abdel Fattah al-Sisi, homem forte do Egito.

“Os danos que a GERD pode infligir afetarão todos os aspetos da vida do povo egípcio, qual praga maligna”, alerta Shoukry, recuperando a analogia bíblica das “10 pragas” para traduzir o drama atual. “O enchimento unilateral da barragem, sem um acordo que inclua os cuidados necessários para proteger as comunidades a jusante e prevenir danos significativos, aumentará as tensões e poderá provocar crises e conflitos que desestabilizem ainda mais uma região já de si conturbada.” Das Nações Unidas vêm apelos para que Egito, Sudão e Etiópia se entendam à mesa das negociações, mediadas pela União Africana. “A disputa relativamente à GERD não vai evoluir para uma guerra aberta entre os três países (ou entre dois deles). É um cenário altamente improvável”, diz ao Expresso Ana Elisa Cascão, investigadora independente e coautora de “The Grand Ethiopian Renaissance Dam and the Nile Basin” (“A Grande Barragem Renascentista Etíope e a Bacia do Nilo”). “Uma guerra ‘hídrica’ não beneficiaria absolutamente ninguém, e os custos reputacionais seriam imensos para todos. Nos últimos anos, a GERD, como ‘carta política’, tem basicamente sido usada para efeitos de política interna nos três países. Externalizar problemas internos é uma arte que todos eles dominam, mas que tem limites.”

TIGRE E EUFRATES Caudais a diminuir como nunca antes

Nascem na Turquia, desaguam no sul do Iraque e atravessam também a Síria. Espraiam-se por muitos quilómetros — o Eufrates tem 2800 quilómetros, o Tigre 1900 — em países que ora cooperam ora estão em guerra, entre si ou com terceiros. Mais do que as guerras, é o megaprojeto do Sudeste da Anatólia que tem suscitado mais preocupações relativamente ao potencial de irrigação dos dois rios.

Projetada para desenvolver 10% do território turco, esta iniciativa multissectorial prevê a construção de 22 barragens ao longo dos dois rios, a maior das quais a barragem Ataturk (nome do fundador da Turquia moderna), no curso do Eufrates.

Para o Iraque, que recolhe dos dois rios 90% da água doce que consome, o impacto das variações dos caudais é enorme. “Este ano vimos uma redução na precipitação anual de 50% em relação ao ano passado”, alertava no ano passado Mahdi Rashid Al-Hamdani, ministro dos Recursos Hídricos iraquiano, num momento de stresse hídrico. “Solicitámos ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros que envie uma mensagem urgente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Turquia a perguntar qual é o motivo para a quebra do nosso fluxo.”

Bagdade e Ancara têm acordos em vigor sobre a partilha da água, mas há que cumpri-los. Alguma da água em falta no Iraque ficou retida na Turquia, no reservatório da barragem de Ilisu (uma das 22 projetadas), que começou a funcionar no rio Tigre.

Paralelamente às opções políticas nacionais, as alterações climáticas justificam muitas das fragilidades ambientais. Nas últimas semanas, uma seca acentuada na região de Erbil, capital do Curdistão iraquiano (norte), originou grave escassez de água, que levou as autoridades locais a detalhar apelos: “Racionem o consumo e o uso de água e coloquem válvulas nos tanques de água para reduzir o desperdício.” A cidade depende em grande parte da água do rio Zab, afluente do Tigre.

No ano passado, um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) apurou que os caudais do Tigre e do Eufrates estão a diminuir “a uma taxa sem precedentes”, com impacto direto na deslocação de populações. “Em julho de 2019, a OIM no Iraque identificou 21.314 pessoas deslocadas internamente de províncias do centro e do sul devido à falta de água, a fontes de água com alto teor de salinidade ou a surtos de doenças transmitidas pela água.”

Em 2018, os grandes protestos populares que se realizaram no sul do Iraque também tiveram origem na escassez de água potável e nas falhas de eletricidade. Aconteceu o mesmo no Irão, no mês passado, na província de Khuzestan, na fronteira com o Iraque. Segundo o serviço meteorológico iraniano, entre outubro de 2020 e junho deste ano, o país viveu os meses mais secos dos últimos 53 anos.

JORDÃO Usar a água para fazer política

Há menos de um mês em funções, o novo Governo de Israel elevou a questão da água à categoria de prioridade política. No início de julho, o primeiro-ministro Naftali Bennett encontrou-se em Amã com o rei da Jordânia, Abdullah II. O governante israelita comunicou ao monarca que Israel estava disposto a vender à Jordânia mais água do que aquela a que está obrigado pelo acordo de paz de 1994, que dividiu entre ambos o acesso às águas dos rios Jordão e Yarmuk.

A Jordânia enfrenta uma grave escassez de água, que é explicada em parte pela matemática: se em 1950 o reino tinha menos de meio milhão de habitantes, hoje tem 10 milhões, embora só tenha recursos hídricos para sustentar 2 milhões.

Com este gesto de boa vontade, a Jordânia viu o seu problema temporariamente menorizado. Já Israel reabilitou uma relação que se degradara de forma substancial nos últimos anos, condenando à morte o acordo Red-Dead de 2015, que iria ligar o Mar Vermelho (Red) ao Mar Morto (Dead) através de canalização, complementada por centrais de tratamento de água nas duas margens.

Este projeto visava salvar o Mar Morto, que está em acelerado estado de degradação, originando sumidouros com dezenas de metros de diâmetro, num território que mais parece ter sido alvo de bombardeamentos. É neste ecossistema que desagua o rio Jordão, ainda que em quantidades cada vez menores, em virtude dos desvios de água realizados ao longo do seu curso, partilhado por Israel, Síria, Jordânia e território palestiniano da Cisjordânia, ocupado por Israel.

Se na margem esquerda do Jordão a situação é de escassez, na direita é agravada pela ocupação israelita da Palestina, que garante a Israel controlo sobre toda a água entre o rio e o Mar Mediterrâneo. Ao Expresso, Marta Silva, estudiosa das relações entre Israel e a Palestina, identifica o momento-chave em que os palestinianos perderam o acesso aos recursos hídricos: “Em 1967, quando Israel conquistou os territórios palestinianos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental.” A especialista explica que “o objetivo era garantir a colonização da região do vale do Jordão, a mais rica a nível de recursos aquíferos, logo com mais terras aráveis e férteis” — o celeiro da Palestina. Hoje, diz a organização EWASH, no vale do Jordão, um colono israelita gasta 81 vezes mais água do que um residente palestiniano.

Artigo publicado no “Expresso”, a 6 de agosto de 2021. Pode ser consultado aqui

Seis jordanos mortos junto à fronteira com a Síria

A explosão de um carro armadilhado junto a um campo de refugiados sírios matou seis militares e lançou o alerta na Jordânia. O país integra a coligação de combate ao Daesh

Pelo menos seis soldados jordanos foram mortos e outros 14 ficaram feridos após a explosão de um carro armadilhado, na área de Rukban (nordeste), junto à fronteira com a Síria.

O ataque ocorreu cerca das 5h30 da manhã desta terça-feira, numa zona tampão entre a fronteira e um campo de refugiados sírios, onde vivem cerca de 70 mil pessoas.

A televisão pública jordana qualificou o atentado, que não foi reivindicado, de “ataque terrorista covarde”. A AFP adianta que terá visado uma torre de vigia junto à fronteira. Um comunicado do Exército jordano informou que vários outros veículos “hostis” foram destruídos.

Fronteiro à Síria, Iraque, Arábia Saudita, Israel e ao território palestiniano da Cisjordânia, o Reino Hashemita da Jordânia é fortemente vulnerável à conflitualidade que o rodeia.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), há na Jordânia mais de 620 mil refugiados sírios registados. Mas milhares de outros aguardam a oficialização da sua situação em acampamentos em zonas desérticas, como em Rukban.

Ao integrar a coligação militar internacional de combate ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), torna-se também um alvo dos extremistas.

Num dos episódios mais famosos do terror do Daesh, o piloto jordano Moaz al-Kasasbeh, que participara nos bombardeamentos a Raqqa e fora detido pelos jiadistas após o seu caça se despenhar, foi queimado vivo dentro de uma jaula de ferro.

O ataque desta terça-feira acontece duas semanas após cinco agentes dos serviços secretos jordanos terem sido mortos quando um homem armado irrompeu pelo gabinete dos serviços de informação em Ain el-Basha, perto do campo de refugiados palestinianos de Baqa’a.

A Jordânia abriga mais de dois milhões de refugiados palestinianos. Na sua maioria, gozam de total cidadania, caso único entre os países árabes que acolhem refugiados palestinianos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de junho de 2016. Pode ser consultado aqui

Aperta-se o cerco ao Estado Islâmico

A Jordânia reforçou o seu dispositivo militar junto à fronteira com o Iraque. Este, por sua vez, anunciou uma ofensiva militar terrestre contra o autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) “nas próximas semanas”

A Jordânia destacou “milhares” de tropas para a sua fronteira com o Iraque, garantem as televisões norte-americanas NBC e ABC, citando fontes próximas do Governo de Amã. As autoridades jordanas já afirmaram, porém, estar fora de questão uma ofensiva terrestre contra o autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) que controla partes do Iraque e da Síria.

Este reforço do dispositivo militar junto à fronteira é uma estratégia defensiva que visará, antes, suster qualquer tentativa de infiltração por parte de combatentes do Daesh em território jordano. Amã garante que não entrará em território iraquiano sem a aprovação de Bagdade.

A execução do piloto jordano Muath al-Kasasbeh, queimado vivo pelos jiadistas, conhecida na semana passada, constituiu um ponto de viragem no posicionamento da Jordânia no combate ao Daesh e ao Islão radical.

Membro da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, o reino hachemita intensificou, desde então, a sua participação nos bombardeamentos contra os extremistas. “Esta é a nossa guerra. Esta não é a guerra do Ocidente”, disse o ministro do Interior jordano, Hussein Majali. “Somos a ponta de lança desta guerra.”

Durante o passado fim de semana, os Emirados Árabes Unidos, um dos cinco países árabes que integram a coligação, que tinha suspendido a sua participação nos bombardeamentos em dezembro, enviaram uma esquadra de F-16 para a Jordânia e retomaram os ataques.

Contrariamente à Jordânia, o Iraque já anunciou estar a preparar uma ofensiva terrestre contra o Daesh, que será desencadeada “nas próximas semanas”. A operação foi já confirmada pelos Estados Unidos: “Haverá uma grande contraofensiva terrestre no Iraque”, afirmou John Allen, o coordenador norte-americano junto da coligação internacional, numa entrevista à agência jordana Petra.

A Jordânia destacou “milhares” de tropas para a sua fronteira com o Iraque, garantem as televisões norte-americanas NBC e ABC, citando fontes próximas do Governo de Amã. As autoridades jordanas já afirmaram, porém, estar fora de questão uma ofensiva terrestre contra o autoproclamado Estado Islâmico (Daesh) que controla partes do Iraque e da Síria.

Este reforço do dispositivo militar junto à fronteira é uma estratégia defensiva que visará, antes, suster qualquer tentativa de infiltração por parte de combatentes do Daesh em território jordano. Amã garante que não entrará em território iraquiano sem a aprovação de Bagdade.

A execução do piloto jordano Muath al-Kasasbeh, queimado vivo pelos jiadistas, conhecida na semana passada, constituiu um ponto de viragem no posicionamento da Jordânia no combate ao Daesh e ao Islão radical.

Membro da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, o reino hachemita intensificou, desde então, a sua participação nos bombardeamentos contra os extremistas. “Esta é a nossa guerra. Esta não é a guerra do Ocidente”, disse o ministro do Interior jordano, Hussein Majali. “Somos a ponta de lança desta guerra.”

Durante o passado fim de semana, os Emirados Árabes Unidos, um dos cinco países árabes que integram a coligação, que tinha suspendido a sua participação nos bombardeamentos em dezembro, enviaram uma esquadra de F-16 para a Jordânia e retomaram os ataques.

Contrariamente à Jordânia, o Iraque já anunciou estar a preparar uma ofensiva terrestre contra o Daesh, que será desencadeada “nas próximas semanas”. A operação foi já confirmada pelos Estados Unidos: “Haverá uma grande contraofensiva terrestre no Iraque”, afirmou John Allen, o coordenador norte-americano junto da coligação internacional, numa entrevista à agência jordana Petra.

“Nas próximas semanas, quando as forças iraquianas iniciarem a campanha terrestre para recuperar o Iraque, a coligação apoiará com fogo”, acrescentou John Allen. O general na reserva norte-americano realçou que a operação será liderada pelas autoridades iraquianas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de fevereiro de 2015. Pode ser consultado aqui