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Benjamin Netanyahu vai depor em tribunal: de que é acusado? Em que penas incorre? Em que circunstância terá de deixar o poder em Israel?

O primeiro-ministro de Israel começa, esta terça-feira, a responder perante a justiça do seu país: Benjamin Netanyahu é acusado de corrupção e enfrenta penas que podem colocar um ponto final à sua longa, e única, carreira política. “Bibi” também é alvo de um mandado de detenção internacional emitido pelo Tribunal Penal Internacional, por crimes de guerra e contra a humanidade na Faixa de Gaza

O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu está a ser julgado há mais de quatro anos e meio, mas apenas esta terça-feira começa, finalmente, a prestar depoimento num tribunal de Jerusalém. É a primeira vez em 76 anos de história do Estado judeu que um primeiro-ministro em funções tem de se defender de acusações criminais.

Por que razão vai depor em tribunal?

Benjamin Netanyahu começou por ser implicado numa investigação policial desencadeada em dezembro de 2016. Quase três anos depois, a 21 de novembro de 2019, o procurador-geral Avichai Mandelblit largou uma bomba em público e anunciou que Netanyahu era acusado de fraude, abuso de confiança e aceitação de subornos.

À época, estava em funções o 34.º Governo, o quarto liderado por Netanyahu, que, além de primeiro-ministro, desempenhou funções de ministro da Defesa, da Aliyah e da Absorção, da Economia, da Saúde e das Comunicações nesse executivo. Em face das acusações, foi forçado a renunciar às várias pastas que detinha, conservando apenas a chefia do governo.

O julgamento de Netanyahu começou a 24 de maio de 2020, no Tribunal Distrital de Jerusalém. Os depoimentos das 333 testemunhas arroladas pela acusação começaram a 5 de abril de 2021 e terminaram em julho de 2024. Esta terça-feira, é a vez da defesa começar a apresentar argumentos.

De que é acusado Netanyahu?

O nome do primeiro-ministro surge implicado em três processos por crimes de corrupção.

No primeiro, o “Caso 1000”, Netanyahu e a mulher, Sara, são acusados de recebimento de presentes luxuosos, como champanhe e charutos, no valor de centenas de milhares de dólares, de Arnon Milchan, um produtor de filmes israelita em Hollywood, e do multimilionário australiano James Packer, em troca de favores políticos. Neste caso em concreto, Netanyahu é acusado de fraude e abuso de confiança.

No segundo, o “Caso 2000”, é acusado de negociar com Arnon “Noni” Mozes, editor do popular jornal diário “Yedioth Ahronoth”, uma cobertura mediática favorável. Em troca, o primeiro-ministro promoveria legislação que penalizaria um jornal concorrente, o “Israel Hayom”. Também neste caso, Netanyahu é acusado de fraude e abuso de confiança.

No terceiro, o “Caso 4000”, Netanyahu é acusado da autorização de decisões regulatórias que beneficiaram financeiramente Shaul Elovitch, acionista da gigante de telecomunicações Bezeq Telecom Israel, em troca de cobertura mediática positiva do casal Netanyahu no site de notícias Walla, propriedade de Elovitch. Neste caso, além de fraude e abuso de confiança, Netanyahu também é acusado de recebimento de suborno.

Netanyahu nega todas as acusações, considerando-as parte de uma ‘caça às bruxas’ com motivações políticas.

Porque demorou tanto tempo?

A acusação diz que a defesa tentou propositadamente prolongar o julgamento, pedindo adiamentos repetidamente e prolongando interrogatórios. Já a defesa culpa a acusação de ter chamado muitas testemunhas.

Entre os convocados estão antigos colaboradores próximos de Netanyahu que se voltaram contra ele, um antigo primeiro-ministro (Ehud Olmert), o atual líder da oposição (Yair Lapid) e antigos chefes de segurança e personalidades dos meios de comunicação social.

O documentário “The Bibi Files”, lançado este ano, permite um vislumbre sobre os meandros do caso, com base em vídeos de interrogatórios da polícia.

Além disso, as diligências da Justiça foram ainda afetadas pela pandemia de Covid-19 e pelo ataque mais mortífero da sua história, a 7 de Outubro de 2023, perpetrado pelo Hamas. Em retaliação, a ofensiva militar na Faixa de Gaza colocou Israel em estado de alerta permanente desde então. Pelo menos três testemunhas de acusação morreram, entretanto.

A guerra em Gaza não inviabiliza o julgamento?

Pode conferir-lhe um caráter mais dramático, mas não impede que se desenrole conforme o previsto. Ainda assim, os advogados do primeiro-ministro alegaram que a guerra tem impedido Netanyahu de se preparar adequadamente para prestar declarações e solicitaram o adiamento, mas o tribunal não acedeu ao pedido.

Esta segunda-feira, o tribunal rejeitou um pedido de adiamento do depoimento de Netanyahu feito por 12 membros do gabinete de segurança do Governo de Israel. “Os juízes estão a prejudicar a segurança de Israel”, reagiu o ministro das Finanças, o extremista Bezalel Smotrich, à recusa do tribunal.

A audiência a Netanyahu, que deverá prolongar-se por várias semanas, decorrerá numa sala subterrânea do Tribunal Distrital de Telavive, e não no tribunal de Jerusalém onde o processo decorreu até agora. Esta mudança de local foi recomendada pelos serviços de segurança internos de Israel (Shin Bet) e justificada com razões de segurança.

O tribunal determinou que em cada semana haverá três sessões com Netanyahu. Os seus advogados solicitaram a redução para duas, mas o tribunal recusou, considerando “não encontrar razão imperiosa alguma” para autorizar a redução de dias de comparência de Netanyahu.

O tribunal anuiu, porém, em adiar o início das sessões das 9h para as 10h. A defesa do primeiro-ministro argumentou que “ele trabalha quase todos os dias até altas horas da noite, seja devido a reuniões do governo, briefings de segurança ou à necessidade de comunicar com várias entidades no estrangeiro”. As sessões terminarão às 15h.

Em que tipo de penas incorre Netanyahu?

Se for condenado, enfrenta penas diferenciadas em função dos crimes praticados. “A pena máxima para o crime de suborno é de 10 anos de prisão. Mas na realidade, e tendo em conta que esta não é a forma mais grave de suborno, provavelmente ficar-se-ia apenas por alguns anos”, explica ao Expresso Amir Fuchs, do Instituto de Democracia de Israel.

“Além disso, existe a possibilidade de Netanyahu não ser condenado por suborno, mas sim por abuso de confiança. Esta é uma infração de um máximo de três anos. Nesse caso, existe a possibilidade de ele não ser efetivamente preso, mas isso significaria o fim da sua carreira.” Para o crime de fraude, a moldura penal é igualmente de até três anos de prisão.

Conhecida a sentença, quer Netanyahu, quer o Estado podem recorrer da decisão para o Supremo Tribunal, o que arrastará ainda mais a resolução do caso, previsivelmente durante anos.

Em que circunstância será obrigado a deixar o poder?

“Apenas se for condenado e a fase de recurso estiver concluída”, responde Amir Fuchs. “Tem de haver uma condenação final.” Ou seja, o julgamento não é inibidor que continue em funções como primeiro-ministro.

Netanyahu será ouvido por um coletivo composto por três juízes, presidido por Rivka Friedman-Feldman, de 62 anos. Em 2014, esta juíza condenou o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert a seis anos de prisão por recebimento de suborno e obstrução à justiça.

Netanyahu é o israelita que mais tempo serviu como primeiro-ministro.

O polémico plano de reforma judicial pode interferir no julgamento?

Por proposta do Governo, Israel tem em curso um controverso projeto de revisão do sistema judicial. Os defensores dizem que visa retirar poderes aos juízes, que não são eleitos, e devolvê-los ao Parlamento, eleito por sufrágio universal. Os críticos alegam que é um atalho para o autoritarismo e uma ferramenta ao dispor de Netanyahu para se desembaraçar dos seus problemas com a justiça.

No atual contexto, “a forma mais fácil é tentar demitir o procurador-geral e nomear um outro mais conveniente. O procurador-geral [atualmente a jurista Gali Baharav-Miara, com quem o primeiro-ministro tem uma relação conflituosa], é o procurador-chefe e pode encerrar o caso”, explica Amir Fuchs.

“Mas é claro que [destituir a procuradora-geral] originaria um veredito do tribunal de que despedi-la não é razoável. É por isso que um dos componentes do plano de revisão foi eliminar [no Parlamento] a lei da razoabilidade [que possibilita que o Supremo bloqueie decisões do Governo que considere irracionais]. Mas isso falhou [porque o Supremo anulou a deliberação do Parlamento].”

O projeto de revisão judicial originou protestos populares de centenas de milhares de pessoas em Israel. Os manifestantes temem o impacto na qualidade da democracia do país — pela alteração significativa no equilíbrio de poderes — e também a instrumentalização por parte de Netanyahu para benefício próprio.

“É claro que ele também pode tentar nomear juízes para o Supremo Tribunal que, no final, tratará do seu recurso. Mas isso é demasiado improvável”, acrescenta o investigador do Instituto de Democracia de Israel.

Há relação entre este julgamento e o processo no Tribunal Penal Internacional (TPI)?

Não. Um decorre na justiça do país, vai para cinco anos e o outro no âmbito do direito internacional, com origem na guerra em Gaza.

Foi a 21 de novembro passado que o TPI emitiu mandados de detenção contra o primeiro-ministro e o ministro da Defesa de Israel, considerando Netanyahu e Yoav Gallant co-autores de crimes de guerra e contra a humanidade e outros “atos desumanos” contra a população de Gaza.

Israel, que não é membro do TPI, pode alegar que não se sente obrigado a cumprir com as deliberações do tribunal internacional. Mas os dois governantes israelitas acusados ficam sujeitos ao que decidirem os 124 países signatários do Estatuto de Roma, no caso de os visitarem.

(FOTO Mural questiona as verdadeiras prioridades de Benjamin Netanyahu, numa rua de Telavive OREN ROZEN / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de dezembro de 2024. Pode ser consultado aqui

“Dois terços dos países do mundo” podem prender Netanyahu, mas “na prática é pouco provável” que tal aconteça

O primeiro-ministro de Israel é procurado pelo mais importante tribunal do mundo por crimes de guerra e contra a Humanidade. Viajar para o estrangeiro passou a ser um quebra-cabeças para Benjamin Netanyahu: há 124 países signatários do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, muitos dos quais com boas relações com Israel, mas também defensores do direito e da justiça internacional

Se o primeiro-ministro de Israel, o ex-ministro da Defesa israelita e o chefe do braço militar do Hamas — presumivelmente morto por Israel em julho — entrassem num dos 124 Estados-membros signatários do Tribunal Penal Internacional (TPI), os três poderiam ser presos pelas forças policiais dos respetivos países. No entanto, “na prática é pouco provável” que isso aconteça, afirmam ao Expresso professores de Direito Internacional.

Quinta-feira passada, o TPI emitiu mandados de detenção contra os israelitas Benjamin Netanyahu e Yoav Gallant, e o palestiniano Mohammed Deif por crimes contra a Humanidade e crimes de guerra. O Tribunal de Haia não tem capacidade de prender diretamente os suspeitos que procura: “É óbvio que não pode haver uma força policial internacional com autoridade para atravessar fronteiras e ir a países sem o seu consentimento”, começa por dizer William Schabas, especialista em Direito Penal Internacional e Direitos Humanos, em declarações ao Expresso.

Por outro lado, “o TPI tem no total 124 forças policiais — são as forças policiais dos seus Estados-membros”, acrescenta, referindo-se aos países que ratificaram o Estatuto de Roma, que fundou o Tribunal em 2002. É o caso de todos os países da União Europeia, mas não de nações proeminentes como os Estados Unidos, Israel, Rússia, China ou Índia, que não têm obrigação legal de cooperar com esta instância judicial.

Netanyahu acusa procurador

“A grande maioria dos Estados-membros do TPI, incluindo Portugalprenderá certamente os suspeitos se estes entrarem no seu territórioNa prática, é pouco provável que Netanyahu e Gallant se desloquem a Estados que ratificaram o Estatuto de Roma. Já dos cerca de 75 Estados que não o ratificaram, muitos não são o que se poderia chamar de ‘amigos de Israel’, e por isso também não é provável que Netanyahu se desloque a esses países”, afirma o professor da Universidade de Middlesex (Reino Unido) e da Universidade Leiden (Países Baixos).

Netanyahu não tardou a reagir com “repugnância” às “ações absurdas e falsas” do Tribunal de Haia, que classificou de “antissemita”, “tendencioso” e “discriminatório”. Segundo o primeiro-ministro israelita, o procurador-geral do TPI, Karim Khan, é “corrupto” e “está a tentar salvar-se de acusações de assédio sexual e por juízes tendenciosos”, atirou, referindo-se às notícias publicadas pela imprensa britânica e americana, que acusam Khan de alegado assédio sexual a uma jovem da equipa de acusação.

Quem cumpre e quem bate o pé ao TPI?

“Um total de 124 Estados — cerca de dois terços dos países do mundo — aderiram ao tratado do Tribunal Penal Internacional”, lembra Diane Marie Amann, professora de Direito Internacional na Faculdade de Direito da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos. “Este compromisso de cooperação tem sido interpretado significando que os Estados-membros devem executar as ordens do TPI. Essas ordens podem dizer respeito ao acesso a testemunhas ou a provas físicas, e podem também incluir mandados que visem a detenção de indivíduos”, acrescenta ao Expresso.

Só que a emissão dos mandados de captura contra Netanyahu não colheu unanimidade entre os 124 países e, na prática, há quem tenha argumentos para não o fazer. É o caso de Viktor Orbán, primeiro-ministro da HUNGRIApaís que aderiu ao TPI em 1999 e ratificou o Estatuto em 2001, quando, em Budapeste, estava no poder… Viktor Orbán. Agora, o chefe do Governo classificou os mandados do TPI de “escandalosamente descarados” e “cínicos”. Numa atitude desafiadora, revelou a intenção de convidar Netanyahu para visitar a Hungria.

“Isto é errado por si só”, disse na sexta-feira, em entrevista à rádio estatal húngara. “Portanto, não há outra escolha: temos de confrontar esta decisão e, por isso, ainda hoje convidarei o primeiro-ministro dos israelitas, o Sr. Netanyahu, para visitar a Hungria.”

Orbán já antes fizera saber que não cumpriria o mandado de detenção contra Vladimir Putin, emitido a 17 de março de 2013, por “responsabilidade individual” nos crimes de guerra de “deportação ilegal” e “transferência ilegal” de crianças das zonas ocupadas da Ucrânia para território russo.

Ao nível de Orbán, em defesa férrea dos governantes israelitas, está o Presidente da ARGENTINA, Javier Milei, que discordou da posição do TPI e descreveu os mandados como “um ato que distorce o espírito da justiça internacional”. Acrescentou: “Esta resolução ignora o direito legítimo de Israel de se defender contra ataques constantes de organizações terroristas como o Hamas e o Hezbollah”.

Na mesma linha, outro país latino-americano colocou-se ao lado de Israel: o PARAGUAI. “Esta decisão viola o direito legítimo de Israel de se defender. O Paraguai rejeita veementemente a exploração política do direito internacional e considera que esta decisão compromete a legitimidade do Tribunal, além de enfraquecer os esforços pela paz, segurança e estabilidade no Médio Oriente”, defendeu o Governo.

Aliado histórico de Israel, o Paraguai foi um dos países que seguiram os Estados Unidos no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, durante a Administração Trump, tendo decidido mudar a embaixada de Telavive para a cidade santa. Recentemente, o Presidente israelita, Isaac Herzog, convidou o homólogo paraguaio, Santiago Peña, para realizar uma visita de Estado a Israel, coincidente com a viagem do paraguaio para inaugurar a embaixada em Jerusalém.

Como se posicionam os europeus?

Todos os 27 membros da União Europeia (UE) são Estados signatários do TPI. Além da estrondosa reação da Hungria, as posições dos europeus oscilam entre países que acolhem a decisão do TPI e garantem que a vão cumprir e outros que denunciam o que dizem tratar-se de uma posição política, sem concretizar como vão atuar.

‘Cumprimos o mandado e vamos prender’

Nos PAÍSES BAIXOS, onde recentemente houve incidentes envolvendo grupos pró-Palestina e adeptos de um clube israelita, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Caspar Veldkamp, defendeu, diante do Parlamento, que o país irá atuar em conformidade com os mandados. “Os Países Baixos respeitam, obviamente, a independência do TPI. Somos obrigados a cooperar com o TPI e o fá-lo-emos.” Veldkamp tinha uma visita a Israel prevista para esta semana, que foi cancelada, após conversa telefónica com o homólogo israelita, Gideon Sa’ar, que lhe comunicou desilusão pela posição de Amesterdão.

Também a vizinha BÉLGICA defendeu que “os responsáveis ​pelos crimes cometidos em Israel e Gaza devem ser processados ​​ao mais alto nível, independentemente de quem os cometeu”, via Ministério dos Negócios Estrangeiros. Petra De Sutter, vice-primeira-ministra, subiu a fasquia e afirmou que “a Europa deve cumprir” os mandados, instando as nações europeias a imporem sanções económicas e a suspenderem os acordos comerciais com Israel. “Os crimes de guerra e os crimes contra a Humanidade não podem ficar impunes.”

PORTUGAL integra o grupo dos países que comunicaram a sua posição de forma clara. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, disse que o país está “vinculado” às decisões do TPI, enquanto seu Estado-membro, e garantiu que Portugal vai cumprir as suas “obrigações internacionais”, caso haja necessidade.

‘Cumprimos o mandado, mas a decisão é má’

Um conjunto de países tem posição híbrida, afirmando o seu compromisso com o TPI, mas criticando a equiparação entre Israel e o Hamas. É exemplo a ÁUSTRIA, onde o ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Schallenberg, considerou a deliberação “totalmente incompreensível” e os mandados contra os governantes israelitas “ridículos”. Viena diz-se, porém, forçada a efetuar detenções se Netanyahu e Gallant puserem pé no seu território. “O Direito Internacional não é negociável e aplica-se em todo o lado, em todos os momentos. Mas esta decisão é um mau serviço à credibilidade do Tribunal.”

Petr Fiala, primeiro-ministro da REPÚBLICA CHECA, disse que “a infeliz decisão do TPI mina a autoridade noutros casos, ao equiparar os representantes eleitos de um Estado democrático aos líderes de uma organização terrorista islâmica”. Concordando com as críticas de Fiala, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jan Lipavsky, disse que a Chéquia “defenderá sempre a adesão ao direito internacional”.

A posição da ITÁLIA pode encaixar-se nesta categoria, mas depende de quem fala. O ministro da Defesa, Guido Crosetto, defendeu que, embora Roma considere a decisão do TPI “errada” ao colocar “ao mesmo nível” os líderes de “uma organização terrorista criminosa” e os do país “que tenta erradicá-la”, a Itália é obrigada a prender Netanyahu e Gallant. “Ao aderir ao tribunal, devemos aplicar as suas decisões”, disse. “Todos os Estados que aderirem são obrigados — a única forma de não o aplicar será retirar-se do tratado.”

Já o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Antonio Tajani, reiterou apoio ao TPI, “lembrando sempre que o tribunal deve desempenhar um papel jurídico e não político”, disse. “Avaliaremos em conjunto com os nossos aliados o que fazer e como interpretar esta decisão.” Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro, instalou a confusão ao expressar total apoio a Netanyahu. “Ele é bem-vindo” a Itália. “Os criminosos de guerra são outros.”

‘Cumprimos o mandado, pela Palestina’

No decurso da guerra em Gaza, dois membros da UE reconheceram o Estado da Palestina. Um deles foi ESPANHA, que “cumprirá com os seus compromissos e obrigações”, disse o Governo de Pedro Sánchez.

“Estas acusações [do TPI] não podiam ser mais graves”, afirmou o primeiro-ministro da IRLANDA. Simon Harris considerou a situação no território palestiniano “uma afronta à Humanidade” e acrescentou: “Quem quer que esteja em condições de ajudar o TPI a realizar o seu trabalho vital deve agora fazê-lo com urgência”.

‘Estamos vinculados, mas vamos analisar’

Acusando a sensibilidade do caso, quer Berlim quer Paris expressaram hesitações. Annalena Baerbock, ministra dos Negócios Estrangeiros da ALEMANHA, disse que o seu país está “vinculado” ao TPI e respeita o direito internacional. Porém, se Netanyahu e Gallant serão ou não detidos no país é, por enquanto, uma questão “teórica” que a Alemanha irá “examinar”.

Já em Paris, um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Christophe Lemoine, afirmou que FRANÇA reagirá “em linha com o Estatuto do TPI”, mas recusou-se a dizer se o país tenciona prender os governantes israelitas. “É algo legalmente complexo, por isso não vou comentar hoje.”

A 21 de maio, quando o procurador-geral do TPI, Karim Khan, anunciou que ia solicitar mandados de detenção para os dois governantes israelitas e três dirigentes do Hamas, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês emitiu um comunicado: “A França apoia o TPI, a sua independência e a luta contra a impunidade em todas as situações.”

No REINO UNIDO, que Netanyahu visitou no ano passado, o discurso é de “respeito pela independência do TPI, que é a principal instituição internacional para investigar e processar os crimes mais graves de interesse internacional”. Um porta-voz do primeiro-ministro Keir Starmer disse que o país “cumprirá as suas obrigações legais” e, questionado se o Governo irá executar os mandados, acrescentou: “Não vamos entrar em suposições”.

Emily Thornberry, presidente (trabalhista) da comissão de Negócios Estrangeiros do Parlamento britânico, foi mais esclarecedora. “Se Netanyahu vier à Grã-Bretanha, a nossa obrigação ao abrigo da Convenção de Roma será prendê-lo conforme o mandado do TPI”, disse. “Não é bem uma questão de dever, somos obrigados a fazê-lo porque somos membros do TPI.”

Estados Unidos de portas escancaradas

Seja Joe Biden ou Donald Trump o inquilino da Casa Branca, Netanyahu será sempre bem-vindo em Washington. Israel tem uma aliança de décadas com os Estados Unidos o que lhe garante amigos nas fileiras dos dois grandes partidos norte-americanos. A 24 de julho passado, o primeiro-ministro israelita ultrapassou Winston Churchill e tornou-se o líder mundial a discursar mais vezes no Congresso dos Estados Unidos.

Os ESTADOS UNIDOS, que não são membros do TPI, arrasaram a deliberação da justiça internacional. “A emissão de mandados de detenção pelo TPI contra os líderes israelitas é ultrajante”, defendeu Biden. “Deixem-me ser claro mais uma vez: seja o que for que o TPI possa implicar, não há equivalência — nenhuma — entre Israel e o Hamas. Estaremos sempre ao lado de Israel contra as ameaças à sua segurança.”

Em maio passado, quando o procurador-geral do TPI solicitou os mandados, Washington opôs-se e afirmou que não tinha sido dada aos israelitas a possibilidade de investigarem, eles próprios, as acusações que lhe faziam. Agora, uma das reações mais inflamadas partiu de Lindsey Graham, senador há mais de 20 anos pelo Partido Republicano, que ameaçou os países aliados com sanções se executarem o mandado do TPI.

“A qualquer aliado, Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha, França, se tentarem ajudar o TPI, iremos sancionar-vos”, disse, à Fox News. “Se ajudarem o TPI como nação e forçarem o mandado de captura contra Bibi [Netanyahu] e Gallant, o ex-ministro da Defesa, vou impor-vos sanções como nação”, disse. “Terão de escolher entre o TPI desonesto ou a América.”

CANADÁ, precisamente um dos países ameaçados por Graham, foi inequívoco no apoio à decisão do TPI. “Sempre disse que é muito importante que todos cumpram o direito internacional”, disse o primeiro-ministro, Justin Trudeau. “Defendemos o direito internacional e cumpriremos todos os regulamentos e decisões dos tribunais internacionais.”

Uma das reações mais simbólicas em relação a esta questão foi a da ÁFRICA DO SUL, que é membro do TPI e está na origem de um processo contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça, o órgão jurisdicional da ONU. Pretória considerou a deliberação “um passo significativo na direção da justiça para os crimes contra a Humanidade e os crimes de guerra na Palestina”.

O Governo sul-africano declarou “o seu compromisso com o direito internacional” e apelou à comunidade internacional “que defenda o Estado de Direito e garanta a responsabilização por violações dos direitos humanos”. Esta posição tem, porém, uma fragilidade…

Em 2015, a África do Sul optou por não prender o então Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de crimes de guerra na região do Darfur e alvo de um mandado do TPI. Mais tarde, o Supremo Tribunal de Recurso da África do Sul decidiu que a não detenção de Bashir fora ilegal.

Entre os países árabes e muçulmanos que se pronunciaram, há unanimidade em relação à urgência em sentar Israel no banco dos réus. A JORDÂNIA, que tem um tratado de paz com Israel há 30 anos, defendeu que a decisão do TPI “deve ser respeitada e aplicada sem seletividade”. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Ayman Safadi, acrescentou que a decisão do tribunal é “uma mensagem para toda a comunidade internacional, que enfatiza a necessidade de travar os massacres contra o povo palestiniano”.

O vizinho IRAQUE valorizou “a postura corajosa e justa assumida pelo TPI”, disse o porta-voz do governo, Basim al-Awadi. “Esta decisão histórica afirma que, por mais opressão que persista e tente prevalecer, a justiça e a verdade irão enfrentá-la e impedir que domine o mundo.”

Do Magrebe, a ARGÉLIA descreveu o veredicto do TPI como “passo importante e avanço tangível para acabar com décadas de impunidade e a evasão de responsabilização e punição por parte da ocupação israelita”.

Durante os meses de guerra em Gaza, o Presidente da TURQUIA — que várias vezes abriu as portas ao Hamas — tem sido das vozes mais críticas de Israel, ao ponto de comparar Netanyahu a Hitler. Recep Tayyip Erdogan elogiou a “decisão corajosa” do TPI e disse que os mandados de detenção “renovam a confiança da humanidade no sistema internacional”.

“Emitir um mandado de detenção não é suficiente”, reagiu o Líder Supremo do IRÃO, o ayatollah Ali Khamenei. “Deveria ser emitida uma sentença de morte para Netanyahu.”

Texto escrito com Mara Tribuna.

(FOTO Edifício do Tribunal Penal Internacional, em Haia, Países Baixos PETER DEJONG / AP)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de novembro de 2024. Pode ser consultado aqui

Com Israel tomado pela guerra, o Supremo Tribunal retomou o braço de ferro com o Governo. Justiça ou política?

O principal órgão judicial de Israel foi insensível ao contexto de guerra que o país vive e tornou pública uma deliberação que ameaça reabrir feridas na sociedade. “Enquanto a guerra une a todos, esta decisão leva-nos de volta à divisão anterior a 7 de outubro”, diz ao Expresso um advogado israelita. Em causa está a alteração a uma lei-chave para a reforma judicial do Governo: o Parlamento aprovou-a e agora o Supremo anulou-a

As manifestações contra a reforma judicial colocaram Benjamin Netanyahu sob fogo: “O exterminador de Israel”, lê-se no cartaz MATAN GOLAN / GETTY IMAGES

Com uma guerra em curso que mobiliza quase toda a população, paralisa o país e é, nas palavras do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, “a segunda guerra da independência de Israel”, o Supremo Tribunal chamou a si o protagonismo e reforçou a sua autoridade em relação aos destinos do Estado judeu.

Era já noite, no primeiro dia do ano, quando o coletivo de 15 juízes tornou pública a decisão de anular uma alteração à chamada lei da razoabilidade, aprovada no Parlamento (Knesset) a 25 de julho do ano passado, que era um dos pilares da polémica reforma judicial gizada pelo Governo.

Ao longo de 2023, este assunto mobilizou quer os bastidores políticos quer as ruas do país durante largos meses, num braço-de-ferro entre quem achava que o sistema judicial precisava de ser mudado e quem considerava a agenda para a justiça do Governo — dominado por partidos extremistas e religiosos — uma ameaça à democracia.

A investigadora israelita Tamar Hermann, do Instituto de Democracia de Israel, não vê relação entre o momento escolhido pelo Supremo Tribunal e alguma vontade oculta de interferir nos planos de guerra do Governo. “De forma alguma”, disse ao Expresso. “O momento foi este porque o prazo, segundo a lei, estava a terminar. Legalmente, eles não podiam adiar a publicação do veredito.”

O advogado israelita Itay Mor também não perceciona qualquer intenção do Supremo em condicionar o rumo da guerra, mas vislumbra objetivos políticos. “O principal fator que levou a esta decisão prende-se com o facto de duas juízas, incluindo a presidente do Supremo Tribunal, se terem reformado”, disse ao Expresso.

Aos 70 anos, Esther Hayut e Anat Baron atingiram o limite de idade e aposentaram-se em meados de outubro passado. Nestes casos, a lei prevê que, nos três meses seguintes, os antigos juízes possam ainda participar das deliberações. “É legal, mas dadas as circunstâncias é muito invulgar”, explica Itay Mor.

“Esta foi basicamente uma declaração de aposentadoria. Quiseram deixar a sua marca. Houve sugestões para que adiassem a decisão ou pelo menos a sua publicitação. Se isso fosse aceite, estas juízas não participariam.”

“Este é um momento muito problemático para publicar algo deste género”, continua o advogado. “Enquanto a guerra une a todos, esta decisão leva a sociedade de volta à divisão anterior a 7 de outubro. A maioria das pessoas não concorda com isto.”

“A decisão dos juízes do Supremo Tribunal de publicar a decisão durante a guerra é o oposto do espírito de unidade necessário hoje em dia para o sucesso dos nossos soldados na frente”

Yariv Levin
ministro da Justiça de Israel e arquiteto do projeto de reforma judicial

A votação no Supremo foi renhida com oito juízes a defenderem a anulação do fim da cláusula da razoabilidade e sete a pronunciarem-se contra essa prerrogativa. Prevaleceu o argumento de que limitar a possibilidade do Supremo usar critérios de razoabilidade para abortar decisões do Governo mina o caráter democrático do Estado judeu. Esther Hayut e Anat Baron contribuíram para a posição dominante.

A professora Tamar Hermann concorda que a deliberação pode não ser coincidente com o sentimento maioritário da sociedade. “Houve pluralidade no Supremo, mas se perguntarmos às pessoas, a proporção poderá ser diferente. Pode muito bem acontecer que a maioria diga que é uma lei aceitável. O Supremo não é, de forma alguma, um bom reflexo da distribuição de opinião entre as pessoas”, diz.

“Há 64 lugares no Parlamento [num total de 120] ocupados por deputados de partidos de direita, que são a favor desta lei” e foram eleitos pelo povo.

A fundamentação do Supremo totalizou cerca de 250 mil palavras, com cada juiz a escrever um parecer. Para a jurisprudência de Israel, o documento é um marco, já que, pela primeira vez, este tribunal derrubou uma Lei Básica.

Dado Israel não ter uma Constituição escrita, semelhante à que existe em Portugal, por exemplo, um conjunto de Leis Básicas servem de base ao sistema judicial e à estrutura de governo.

Para Benjamin Netanyahu e a sua coligação governativa, esta deliberação foi um rombo no argumento repetido incessantemente de que a maioria parlamentar era soberana. O Supremo demonstrou que os poderes legislativo e executivo devem estar sujeitos a restrições e que maiorias políticas não podem servir para ameaçar direitos.

“O que aconteceu em Israel nunca aconteceu em nenhuma outra democracia na Terra. Há países onde o Supremo pode anular regras, mas nunca decide sobre as regras básicas de uma sociedade. Isso é sempre competência do Parlamento, que é o órgão eleito. E há outros países onde os juízes são eleitos e é possível dar-lhes mais poder. Não é o caso. O que aconteceu é muito extremo, incomum e único”, diz o jurista israelita.

“Isto é uma crise. Se o Parlamento não consegue legislar sobre o que acontece no sistema jurídico, então como funciona o sistema? O Supremo Tribunal não é eleito, então como pode estar acima de tudo?”

Em termos técnicos, a deliberação do Supremo pode voltar a ser desafiada no Parlamento. “O Knesset é o órgão legislativo. É a ele que compete produzir regras. Se o Supremo Tribunal decidir anular o que o Parlamento produz vai criar uma colisão que alguém vai ter de resolver”, diz o advogado.

Se regressar ao Parlamento, não é claro que tipo de maioria será necessária para contrariar a posição do Supremo. “Esse é o problema em Israel, não há indicação de quantos votos uma lei básica deve obter”, diz a professora. “Mas esta deliberação acrescentou algo muito mais substancial, que foi afirmar que o Supremo tem o direito de escrutinar minuciosamente as leis básicas. Isto foi algo bastante ambíguo durante muitos anos e agora o Supremo afirmou-o formalmente.”

Na prática, esta posição relativa às Leis Básicas — que foi aprovada por uma maioria clara de 13 juízes contra dois — significa que o Supremo reclama para si autoridade para anular leis fundamentais do Estado que contrariem a sua natureza judaica e democrática.

Contrariamente à decisão sobre a lei da razoabilidade, esta declaração sobre as Leis Básicas não pode ser apreciada pelo Parlamento. “Não é algo que o Knesset possa contestar, a menos que mude todo o sistema de regime em Israel”, refere a israelita.

“Aparentemente”, acrescenta Tamar Hermann, esta posição do Supremo poderá ser o fim da linha para a reforma judicial do Governo que “percebeu que a luta seria muito longa e dura e, durante uma guerra, as pessoas não aceitariam a continuação deste processo. Talvez o retomem dentro de alguns anos, mas agora não”.

E Itay Mor acrescenta: “Toda a liderança está agora concentrada na guerra. Neste momento, não acredito que alguém pense noutra coisa. Talvez daqui a seis meses, um ano, queiram fazer mudanças, e acredito que as farão. A curto prazo, não será tomada nenhuma decisão em relação a isto”.

Numa mensagem de Ano Novo, um porta-voz das Forças de Defesa de Israel preparou o povo para a probabilidade do conflito se estender todo o ano de 2024. Perante esse cenário, aterrorizado diariamente pela perspetiva do conflito extravasar fronteiras e abrir novas frentes em redor e ainda com um governo fragilizado pela incapacidade em prever o ataque de 7 de outubro e pela dificuldade em resgatar os reféns em posse do Hamas, uma crise constitucional seria mais um pesadelo no país.

“Essa é a maior crítica que se faz em Israel, neste momento, em relação ao sistema judicial. Se se tratasse de uma decisão do Governo, nunca seria tomada a meio da guerra”, conclui Itay Mor. “Mas o sistema judicial faz o que quer. No seu parecer, uma das juízas fez uma comparação entre a guerra e a lei da razoabilidade. Isso mostra o quão desligados eles estão da realidade.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Supremo Tribunal de Israel revoga alteração à lei que originou megamanifestações de protesto

Em causa está legislação que permite ao próprio Supremo supervisionar decisões do Governo e que tinha sido derrubada pelo Parlamento. Deliberação é uma pesada derrota para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu

O Supremo Tribunal de Israel é composto por 15 juízes MENAHEM KAHANA / AFP / GETTY IMAGES

Contestado, nas ruas de Israel, por não fazer do regresso dos reféns levados pelo Hamas uma prioridade, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu averbou, esta segunda-feira, uma pesada derrota política.

O Supremo Tribunal de Israel anulou legislação aprovada no Parlamento de Israel que limitava a supervisão judicial do Governo. Em causa está a lei da razoabilidade — anulada pelo Parlamento e agora recuperada pelo Supremo —, que possibilita que o Supremo bloqueie decisões do Governo que considere irracionais ou implausíveis.

A deliberação desta segunda-feira do Supremo Tribunal de Israel foi adotada por oito votos, que votam a favor da revogação da lei, enquanto sete votaram pela sua manutenção. A divisão dos 15 juízes que compõem o órgão judicial revela o caráter polémico quer da lei, quer da decisão do Supremo.

Em reação, o ministro da Justiça, Yariv Levin, o arquiteto da reforma judicial, acusou os juízes de “tomar nas suas mãos todas as autoridades que numa democracia estão divididas entre os três ramos do governo”. Acrescentou que a decisão “não nos deterá” e que o governo “continuará a agir com moderação e responsabilidade” durante a guerra.

A ampla e controversa reforma judicial que quer empreender o Governo de Netanyahu, o mais extremista da história de Israel, desencadeou manifestações de protesto de centenas de milhares de pessoas, no ano que agora terminou.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Problemas na justiça afastam Trump do combate político: “O público sabe quem sou”

Ex-Presidente, que lidera as sondagens, faltou ao primeiro debate entre candidatos às primárias republicanas

Foto de BRENDAN SMIALOWSKI / Getty Images. Ilustração fotográfica de LINDSEY BAILEY / AXIOS

Se em 234 anos, tantos quantos passaram desde a criação da presidência dos Estados Unidos, nunca um titular do órgão tinha sido acusado criminalmente pela Justiça do país, Donald Trump levou essa distinção ao exagero. Só este ano, o 45º chefe de Estado já foi indiciado em quatro processos criminais, abertos noutros tantos estados. Em dois deles, o início do julgamento já tem data.

Um dos casos é especialmente mais grave do que os restantes — a acusação de interferência eleitoral na Georgia, após as presidenciais de 2020, que Trump perdeu para Joe Biden por menos de 12 mil votos. Este mês, um grande júri desse estado do sueste implicou Trump e 18 aliados na constituição de uma “empresa criminosa” visando subverter a derrota do republicano naquele estado crucial para as contas finais.

DeSantis respondeu que os Estados Unidos “estão em declínio” e que tal “não é inevitável, é uma escolha”. E acrescentou: “Precisamos de mandar Joe Biden de volta para o seu porão e reverter o declínio americano.”

A acusação tem por base a Lei das Organizações Corruptas e Influenciadas por Extorsionistas (RICO, na sigla inglesa) da Georgia, que possibilita à Justiça o agrupamento daquilo que possam parecer crimes não relacionados, cometidos por pessoas diferentes, mas percecionados como tendo objetivo comum — neste caso, manter Donald Trump na Casa Branca a partir de 20 de janeiro de 2021, à revelia da vontade do eleitorado.

Rendições até ao meio-dia

Foi graças a uma lei deste género que, na década de 1980, Rudy Giuliani, à época procurador do Distrito Sul de Nova Iorque, combateu a máfia da cidade, de que mais tarde seria presidente da Câmara. Agora, o ex-advogado de Trump é um dos acusados ao abrigo da mesma lei. Quarta-feira, entregou-se às autoridades numa prisão de Atlanta, a capital da Georgia. Saiu em liberdade após pagar uma fiança de 150 mil dólares (€138 mil).

Se for condenado no caso de interferência eleitoral na Georgia, o ex-Presidente incorre numa pena de prisão de entre 5 e 20 anos

Os 19 implicados neste processo têm até ao meio-dia de hoje (17 horas em Portugal Continental) para se renderem, incluindo Trump, que aceitou entregar-se mediante o pagamento de uma fiança fixada em 200 mil dólares (€184 mil). O acordo proíbe-o explicitamente de usar as redes sociais para atingir ou abordar réus e testemunhas do caso. Se for condenado, o ex-Presidente incorre numa pena de prisão de entre 5 e 20 anos.

Os inúmeros e graves problemas com a Justiça afastaram Trump do combate político. Quarta-feira à noite, o Fiserv Forum, em Milwaukee (Wisconsin), acolheu o primeiro debate entre candidatos às primárias republicanas com vista às presidenciais de 5 de novembro de 2024. O ex-Presidente faltou e esbanjou confiança na hora de justificar a ausência. “O público sabe quem sou e que presidência bem-sucedida tive”, afirmou, domingo passado, na sua rede social Truth Social. “Portanto, não participarei nos debates.”

Favoritismo esmagador

No mesmo dia, uma sondagem da televisão CBS creditava-o com 62% das preferências de voto. Dos inquiridos, 77% consideravam as acusações na Justiça contra Trump motivadas por razões políticas e 99% dos que escolhiam ou consideravam votar em Trump defendiam que “as coisas estavam melhores” com ele na Casa Branca.

O seu adversário mais próximo, o governador da Florida, Ron DeSantis, ficava à distância de quase 50 pontos percentuais (16%). Os restantes sete candidatos analisados não atingiam a fasquia dos 10%. Mike Pence, o antigo vice-presidente de Trump, não ia além dos 5%.

Entrevista para ofuscar

Apesar da vantagem esmagadora nas sondagens, bem ao seu estilo, Trump não deu de barato todo o tempo de antena aos oito adversários que foram a debate. Cinco minutos antes de arrancar a discussão em Milwaukee, começou a ser transmitida na rede social X (antigo Twitter) uma entrevista de Trump concedida a Tucker Carlson, polémico apresentador despedido há tempos da Fox News.

A conversa de cerca de 45 minutos, pré-gravada no clube de golfe de Trump em Bedminster, Nova Jérsia, não fez manchetes, mas roubou audiência ao debate republicano, com mais de 80 milhões de visualizações nas duas horas que se seguiram à sua divulgação. Ao mesmo tempo que desviou atenções dos antagonistas, Trump fez uma provocação à Fox News, que transmitiu o debate em direto, e com quem Trump já teve melhores dias.

E se Trump for condenado…

Em Milwaukee, o assunto Trump apenas surgiu na segunda metade da discussão (que durou duas horas), porventura para dar tempo a que quem acorreu a ouvir o ex-Presidente na rede social voltasse a sintonizar a Fox. O moderador referiu-se a Trump como “o elefante que não está na sala” e perguntou aos oito candidatos se tencionam apoiá-lo na eventualidade de ele ganhar a nomeação republicana às eleições de 2024 e for também condenado na Justiça.

Quatro foram rápidos a levantar a mão — Doug Burgum (governador do Dacota do Norte), Tim Scott (senador pela Carolina do Sul), Nikki Haley (ex-governadora da Carolina do Sul e antiga embaixadora dos EUA na ONU) e Vivek Ramaswamy (empresário). Outros dois foram lentos a fazê-lo — Ron DeSantis e Mike Pence (também ex-governador do Indiana). Um demonstrou relutância (Chris Christie, antigo governador da Nova Jérsia) e apenas um assumiu que não o apoiaria (Asa Hutchinson, ex-governador do Arkansas).

Num debate em Milwaukee, oito republicanos disputaram o título de ‘melhor candidato alternativo’ a Trump

A pergunta não foi inocente, já que um dos critérios previamente estabelecidos pelo Comité Nacional Republicano para selecionar os participantes no debate foi a assinatura do “Compromisso Vencer Biden”, com o qual os candidatos prometeram apoiar o vencedor da nomeação republicana, fosse quem fosse, no duelo contra Biden, previsível vencedor incontestado da nomeação democrata. Duas outras exigências foram a obtenção de pelo menos 1% das intenções de voto em três sondagens nacionais e já terem angariado um mínimo de 40 mil doadores únicos para a sua campanha.

Durante duas horas, e perante uma audiência ao vivo de 4 mil pessoas (que reagia a cada resposta e não se inibia de vaiar quem criticasse Trump), os oito republicanos — com idades entre os 38 anos (Vivek Ramaswamy) e os 72 (Asa Hutchinson) — disputaram o título de ‘melhor candidato alternativo’ a Trump, o mais velho de todos (77 anos). Para alcançá-lo, o alvo preferencial foi Joe Biden, que tem mais quatro anos do que Trump.

O significado da canção

Consistente no segundo lugar das preferências de voto republicanas, DeSantis apontou ao atual Presidente quando confrontado sobre o porquê de o grande êxito musical do momento no país (‘Rich Men North of Richmond’, em português homens ricos a norte de Richmond) ser um tema country interpretado por um artista desconhecido (Oliver Anthony) que discorre sobre os problemas e as frustrações da classe trabalhadora e aponta o dedo aos poderosos de Washington.

OS CASOS QUE ATRAPALHAM TRUMP

O ex-Presidente enfrenta 91 acusações em quatro processos abertos em estados diferentes. Dois julgamentos já têm data

SUBORNO COMO DESPESA LEGAL
A campanha para as presidenciais de 2016, que Donald Trump venceu, estava nas últimas semanas quando saíram das suas contas 130 mil dólares para evitar um escândalo. A verba foi usada para comprar o silêncio de Stormy Daniels, atriz de filmes pornográficos com quem Trump se terá envolvido. A transação configura possível violação da lei estadual de Nova Iorque, não pelo pagamento em si, mas por ser registada como despesa legal. Trump enfrenta 34 acusações sobre falsificação de registos comerciais, num julgamento agendado para 25 de março de 2024. Sendo o crime estadual, só o governador de Nova Iorque poderá perdoar-lhe.

POSSE DE DOCUMENTOS SECRETOS
Na Florida, onde vive no luxuoso resort de Mar-a-Lago, Trump responde por 40 acusações de posse de documentos confidenciais, alguns classificados como “ultrassecretos”, que terá levado quando deixou a Casa Branca, em janeiro de 2021. Devolveu caixas de documentação, mas subsistiram suspeitas de que mantinha na propriedade registos importantes, o que lhe valeu uma acusação de obstrução aos esforços das autoridades para reavê-los. O início do julgamento está agendado para 20 de maio de 2024. Estando em causa crimes federais, se Trump for reeleito Presidente poderá absolver-se a si próprio.

REVERTER A DERROTA DE 2020
O 45º Presidente enfrenta quatro acusações de crimes federais relativas a uma ampla campanha destinada a reverter o resultado oficial da eleição presidencial de 2020, que Trump perdeu para Joe Biden. Em causa estão disseminação de informação falsa sobre fraude eleitoral ou pressão sobre autoridades estaduais republicanas para minar resultados vitoriosos de Biden. O último esforço culminou com a invasão ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, por uma multidão de apoiantes que tentou abortar a transferência de poder. O processo decorre em Washington. Se reeleito e condenado, Trump poderá perdoar-se.

INTERFERÊNCIA ELEITORAL
É o caso mais grave e pode valer ao ex-Presidente entre 5 e 20 anos de prisão. Trump enfrenta 13 acusações de tentativa de interferência eleitoral na Georgia, estado crucial para o desfecho das eleições de 2020. A 2 de janeiro de 2021, ao telefone, incitou o secretário de estado da Georgia (republicano) a “encontrar” 11.780 votos, necessários para ganhar a Biden. Várias recontagens confirmaram a vitória do democrata. Além de Trump, estão acusados 18 aliados, ao abrigo de legislação estadual usada para acusar máfias e gangues do crime. Os perdões são concedidos por um painel de cinco membros nomeado pelo governador.

Artigo publicado no “Expresso”, a 25 de agosto de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui