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Um novo Golfo, mais jovem e agitado

Outrora estável, conservadora e adepta da continuidade, a região vive hoje uma mudança acelerada

O Kuwait tornou-se, esta semana, o mais recente reino nas margens do Golfo Pérsico a instalar no poder uma nova liderança. Quinta-feira, um novo príncipe herdeiro prestou juramento diante do Parlamento, sensivelmente uma semana depois de Nawaf Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah ter sido designado emir. Meios-irmãos entre si, são ambos octogenários, o que destoa de uma tendência crescente na região: a ascensão a cargos de poder de personalidades mais jovens.

“No caso do Kuwait, houve claramente uma aposta na estabilidade, no que toca à sucessão do xeque Al-Sabah [falecido a 29 de setembro], com o poder a permanecer nas mãos da velha guarda”, diz ao Expresso Manuel Castro e Almeida, doutorado em Relações Internacio­nais pela London School of Economics and Political Science, do Reino Unido.

O académico explica que, da mesma forma, “o novo sultão de Omã é da velha geração, embora nos primeiros meses de reinado tenha dado indicações positivas em matéria de reformas urgentes nas áreas da diversificação económica e da governação”. À semelhança do Kuwait, Omã tem novo chefe de Estado desde 10 de janeiro. Haitham bin Tariq Al Said, de 64 anos, sucedeu ao primo, o sultão Qabus, que morreu aos 80 anos a escassos meses de completar 50 anos no trono.

Estes monarcas chegam ao poder numa altura em que a dinâmica regional é muito marcada pela atuação individual de dois príncipes herdeiros, líderes de facto da Arábia Saudita — Mohammed bin Salman (M.B.S.), de 35 anos — e dos Emirados Árabes Unidos — Mohammed bin Zayed al Nahyan (M.B.Z.), de 59.

M.B.S. versus M.B.Z.

“É difícil dizer qual é o mais poderoso, mas a influência low profile dos Emirados, o seu soft power, é enorme e vai muito além da região. Os Emirados têm sido líderes da modernização no mundo árabe, como reconhecem em sondagens os jovens árabes por toda a região. M.B.S. quer posicionar a Arábia Saudita da mesma forma”, diz Manuel Castro e Almeida, diretor de pesquisa do Group ARK, empresa especializada na aplicação de projetos no Médio Oriente na área da prevenção do extremismo violento. Criou, por exemplo, os ‘Capacetes Brancos’ na Síria.

Num artigo publicado a 2 de junho de 2019, o influente “The New York Times” titulava: “O governante árabe mais poderoso não é M.B.S.. É M.B.Z.”. O analista português diz que “há uma relação de grande proximidade entre ambos” e que “M.B.Z. teve um papel como mentor de M.B.S.”.

Reformas substanciais

Pela sua dimensão territorial, pela liderança do mundo islâmico que reclama na qualidade de guardiã dos principais lugares santos do Islão (Meca e Medina), bem como pela rivalidade histórica com o vizinho persa (Irão), tudo o que acontece na Arábia Saudita tem impacto na região e na forma como, do estrangeiro, se olha para ela.

Neste capítulo, a governação de M.B.S. tem capitalizado. Entre as reformas mais sonantes promovidas pelo príncipe saudita estão a diminuição de poderes da polícia religiosa, a autorização para as mulheres conduzirem, o enfraquecimento do sistema de tutela masculino (que submete as sauditas à autoridade de um homem da família) e a abertura do país aos turistas.

“Tanto M.B.S. como M.B.Z. são reformadores”, diz Castro e Almeida. “Ambos apostam forte no conceito de boa governação e modernização dos seus países. Mas é preciso colocar esse carácter reformador no contexto local, nomeadamente em termos dos sistemas políticos, do contrato social vigente desde que estes países existem, da volatilidade da região na última década e do conservadorismo de segmentos substanciais das populações.”

No coração da região, há uma crise que dura há mais de três anos e que não dá mostras de sanar: o bloqueio ao Qatar — que é governado por um emir de 40 anos, Tamim bin Hamad Al Thani —, imposto por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrain (e também Egito). “É uma crise que acrescenta fragilidade e instabilidade não só ao Golfo como ao Médio Oriente como um todo.”

Emirados têm sido os líderes da modernização no mundo árabe. Arábia Saudita quer colocar-se de igual forma

“Mas o bloqueio é mais sintoma do que causa”, continua o analista. “Existem profundas diferenças estratégicas e ideo­lógicas dentro do Conselho de Cooperação do Golfo”, a organização regional composta pelas seis monarquias árabes, todas com a fonte de receita dominante no petróleo e no gás e todas tementes em relação ao vizinho da frente, o Irão.

“O apoio do Qatar aos grupos islamitas da região e a sua aliança com a Turquia fazem dele, para os líderes sauditas e dos Emirados, na melhor das hipóteses um vizinho incómodo e na pior uma ameaça”, prossegue Castro e Almeida.

O amigo israelita

Há menos de um mês, Emirados e Bahrain frustraram grande parte do mundo árabe ao assinarem um tratado de normalização diplomática com Israel (Acordos de Abraão). “Acredito que mais países sigam esse caminho, embora no caso da Arábia Saudita esse passo seja mais complexo. Riade liderou, no passado, a Iniciativa de Paz Árabe, que visava solucionar o conflito israelo-palestiniano. Dada a linha dura do atual Governo israelita em relação aos palestinianos, é complicado para a liderança saudita oficializar esse passo.”

A tudo isto acresce a intervenção militar da Arábia Saudita e dos Emirados no Iémen, que dura desde 2015, e a queda acentuada dos preços do petróleo e do gás, consequência do impacto económico global da pandemia. Conclui Manuel Castro e Almeida: “Para uma região que, nas últimas décadas, se definia mais pela estabilidade, continuidade e conservadorismo, é muita mudança em pouco tempo.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 10 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui e aqui

“Refugiados não querem ir para o Golfo”

Chegado a Lisboa há cerca de meio ano, o embaixador kuwaitiano recorda que o seu país foi pioneiro na ajuda aos refugiados

O êxodo de milhões de pessoas para fugir aos conflitos no Médio Oriente colocou sob fogo os países árabes ribeirinhos do Golfo Pérsico. Por que razão as ricas petromonarquias não se mostravam disponíveis para acolher refugiados? “É para a Europa que os refugiados querem ir, e não para a região do Golfo”, justifica o embaixador do Kuwait em Portugal, Fahad Salim al-Sabah, em entrevista ao “Expresso”. “Ninguém pediu para ir para o Kuwait. Os refugiados querem ir para a Europa e para a América.”

O diplomata, membro da família real que governa o território desde o século XVIII, garante que o Kuwait está de portas abertas para receber refugiados sírios. “Há uma grande comunidade de sírios [cerca de 120 mil] que vive no país há dezenas de anos. Se tiverem familiares em situações difíceis na Síria, estes podem vir diretamente para o Kuwait. A Síria é um país em agonia e nós estamos atentos a isso.”

A guerra na Síria dura há mais de cinco anos e há quatro que o Kuwait se empenha na realização de conferências internacionais de doadores. A 30 de janeiro de 2013, quando ainda ninguém tinha ouvido falar do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) nem a crise dos refugiados assumira as proporções atuais, o Kuwait acolheu a primeira cimeira do género. “O emir Sabah Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah [no trono desde 2006] previu o que acabou por acontecer. Ele é o decano mundial dos ministros dos Negócios Estrangeiros, exerceu o cargo durante 40 anos [1963-2003]. Tem uma visão estratégica de longo prazo.”

No conjunto das quatro conferências de doadores já organizadas desde 2013 — as três primeiras na Cidade do Kuwait —, já foram angariados quase 18 mil milhões de dólares (16 mil milhões de euros). Para esse bolo, o Kuwait contribuiu com 1600 milhões de dólares (1400 milhões de euros). “O emir é um humanista. Percebeu desde o início desta crise que o problema era sério, quando outros pensavam que era temporário e que terminaria em meses. Ele conhecia as consequências e previu o efeito bola de neve.”

Portugal sem embaixada

Chegado a Lisboa há meio ano, Fahad Salim al-Sabah é apenas o segundo diplomata kuwaitiano desde 2010, ano em que foi aberta a embaixada. Inversamente, Portugal não tem embaixada no Kuwait — é o diplomata nos Emirados Árabes Unidos quem representa Portugal. “Estou ansioso por ver um embaixador português no Kuwait de forma a que possa transmitir informações aos empreendedores e às empresas portuguesas sobre o meu país.”

As trocas comerciais entre os dois países são modestas. Dados da AICEP referentes a 2015 revelam que o Kuwait está em 76.º lugar na lista de clientes de Portugal (compra sobretudo produtos agroalimentares, eletrodomésticos, calçado, madeira e papel) e em 95.º na de fornecedores. O embaixador já começou a visitar o país e confessou-se impressionado com o Centro de Incubação de Empresas de V. N. de Gaia (INOVAGAIA). Quer ir também para sul, apreciar o sector do turismo.

“Estou ansioso por ver um embaixador português no Kuwait. Seria uma ajuda às empresas portuguesas”

Com quatro milhões de habitantes (dois terços são imigrantes), o Kuwait é o 10.º produtor mundial de petróleo e o 4.º maior exportador. A baixa do preço do crude no mercado internacional não apanhou o país desprevenido. “Conseguimos estabilizar a situação porque diversificámos os nossos investimentos internacionais nos anos 70. Investimos em todo o mundo, em todos os mercados.” Portugal está na agenda.

(Foto: Placa no muro da Embaixada do Estado do Kuwait, em Lisboa MARGARIDA MOTA)

Artigo publicado no Expresso, a 9 de abril de 2016

“É inaceitável a violência na Líbia”

O Kuwait é a mais recente missão diplomática em Lisboa. Na quinta-feira, Sulaiman Ibrahim Al-Murjan apresentou as credenciais de embaixador a Cavaco Silva. Ao “Expresso”, comentou a turbulência política no Médio Oriente

Como está o Kuwait a seguir os protestos no mundo árabe?
Claro que estamos preocupados. Mas há alguma razoabilidade neste movimento. Infelizmente, houve Presidentes que deveriam ter percebido as exigências do seu povo desde o início.

Os protestos não o surpreendem…
Não. Surpreende-me talvez a sua dimensão. Mas como é possível um Presidente conservar o poder durante décadas? Repúblicas não são reinos! É inaceitável a forma violenta como a Líbia está a lidar com os protestos. Esperemos que os líderes árabes estudem e compreendam o que se passa. E que tudo decorra de forma pacífica. Não tenho dúvidas que no Egito os militares vão entregar o poder aos civis.

Teme o contágio a outras repúblicas?
Sim. Nas monarquias, o povo exige reformas, não contesta os regimes. Vemos isso em Marrocos, na Jordânia e no Bahrain. A influência do que se passou na Tunísia e no Egito na população árabe e, sobretudo, os media, tudo contribui para a mudança. Antes, os regimes tratavam os povos como queriam porque ninguém sabia. Agora, é impossível, graças a esta revolução da comunicação, que é muito positiva.

E como é a situação no Kuwait?
Já passámos por isto em 1961, quando acedemos à independência e adotámos uma Constituição democrática. Temos um Parlamento que ‘mostra os dentes’ e que questiona o primeiro-ministro, que pertence à família real. O Parlamento tem 50 lugares — quatro mulheres — e é eleito por sufrágio universal. No Governo, há uma ministra, na pasta da Educação.

Há manifestações no Kuwait?
Agora não. No início do mês, houve protestos a pedir a substituição do ministro do Interior — e conseguiram. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, falou, esta semana, no Parlamento kuwaitiano e disse que a região vive “uma oportunidade preciosa”… Tem razão. O Médio Oriente está sob pressão. O que se está a passar nas ruas árabes não é uma interferência do Ocidente, tem origem no povo. Ninguém esperava uma coisa desta dimensão e com este sucesso. Mas não é negativo. Está a trazer grandes mudanças à região. É um tsunami no mundo árabe.

Teme a emergência de regimes extremistas islâmicos após estas revoluções?
Fala-se muito da Irmandade Muçulmana no Egito. São os mais bem organizados, mas são uma minoria. Além disso, a Irmandade é um movimento político. Está representada no Parlamento do Kuwait — não ultrapassa os 10-15%. Se reprimirmos a sociedade, vão surgir movimentos radicais. No Kuwait, há grupos islamitas, mas nunca usaram a violência, apesar de acolhermos bases militares dos EUA. E porquê? Somos uma democracia. Os Irmãos estão no Parlamento, falam nos media. Se lhes dermos oportunidade de se expressarem não há razões para preocupação, mas se os esmagarmos isso pode abrir as portas a atos terroristas.

Artigo publicado no Expresso, a 26 de fevereiro de 2011

Super-heróis por Alá

99 personagens de 99 países contam ao mundo as 99 virtudes do Islão

Será um pássaro? Será um avião? É Mumita, a Destruidora! Tal como na ‘vida real’ o Super-Homem é o tímido Clark Kent, na saga ‘Os 99’ Mumita é a heroína em que se transforma a portuguesa Catarina Barbosa. Esta maria-rapaz de 17 anos nunca vira as costas a uma boa luta e ‘vive’ na primeira banda desenhada baseada nos arquétipos islâmicos.

“Mumita é uma personagem muito importante. Recorro a ela para quebrar estereótipos”, diz o criador dos desenhos, Naif al-Mutawa, em entrevista ao “Expresso”. “Quando pensamos nos 99 atributos de Alá, há sempre uma componente ‘jing jang’: há o Bondoso, mas também o Vingador… Queremos que os rapazes sejam os matulões que se envolvem nas lutas e que as raparigas fiquem em casa e sejam bondosas e delicadas… Eu quero misturar. Quero ter raparigas que também partam ossos”, acrescentou.

Nas bancas desde Maio de 2006, no Médio Oriente, Norte de África, EUA, Indonésia, Malásia, entre outros, a saga conta as aventuras de 99 super-heróis, originários de 99 países e dotados dos 99 atributos de Deus. “Nunca referimos a religião. As personagens não rezam, não recitam o Alcorão, não mencionam o Profeta ou Deus. São muçulmanas porque as histórias se baseiam nos arquétipos islâmicos”, explica Naif.

99 é um número que não deixa os muçulmanos indiferentes. No Alcorão, o profeta Maomé dirige-se a Alá através de 99 epítetos: o Clemente, o Misericordioso, o Poderoso… “Às vezes, perguntam-me como é possível recorrer aos meios de Deus e fazer uma banda desenhada? Deus é a forma absoluta destas características, mas nas minhas histórias nenhuma delas é absoluta, precisam umas das outras para resolverem problemas. São muito humanas e não à semelhança de Deus”, esclarece Naif.

O autor diz que sabe o que faz, mas abordar a religião em banda desenhada é uma tarefa sensível. “Por vezes, aparecem comentários na Internet sobre se o meu trabalho é ou não islâmico”, diz. Houve quem o acusasse de propagandear o Cristianismo ao fazer deslocar os heróis em equipas de três (numa pretensa analogia à Santíssima Trindade). Naif responde que se formasse duplas (homem-mulher) seria muito mais ofensivo… Por sua iniciativa, a indumentária de algumas personagens já foi adaptada ao Islão: “Nos primeiros números, as roupas da Mumita eram demasiado justas. Não gostei”.

Naif al-Mutawa na capa da edição de setembro de 2011 da revista “Forbes” (edição para o Médio Oriente) FORBES

Nascido em 1971, no Kuwait, e doutorado em Psicologia Clínica, Naif al-Mutawa — com experiência no apoio a vítimas de tortura do regime de Saddam Hussein — conhece os efeitos terapêuticos que projectos como ‘Os 99’ podem ter em quotidianos duros, onde os verdadeiros heróis são Osama bin Laden ou os bombistas suicidas… Há tempos, distribuiu dezenas de milhares de revistas em campos de refugiados na Palestina, Líbano e Iraque. “Durante minutos, os livros desviaram a atenção dos refugiados da situação em que vivem”, diz.

Ao criar ‘Os 99’, Naif al-Mutawa teve dois objectivos. Um primeiro, dirigido à Ummah, a comunidade dos crentes muçulmanos: “Quis tocar num ponto sensível e transmitir a ideia de que não há um único Islão. O Islão é tão multicultural e variado quanto as pessoas à face da Terra. Há diferentes formas de o praticar, em diferentes países. Na minha opinião, é a abordagem única que causa problemas, porque passamos a ser responsabilizados pelas acções de qualquer pessoa”, diz.

O autor quis igualmente mandar uma mensagem para fora do mundo árabo-islâmico: “Nos EUA, há um livro famoso, que faz parte do currículo escolar, chamado ‘The Catcher in the Rye’, de J.D. Salinger. Duas pessoas cometeram crimes em nome dele. Mark David Chapman, que matou John Lennon em 1980, disse à polícia que retirou ideias do livro para cometer o crime. John Hinckley, que um ano depois tentou matar Ronald Reagan, referiu-se ao livro no interrogatório. A culpa é de J.D. Salinger que escreveu o livro? Ou destes lunáticos que leram coisas que os outros milhões de leitores não leram?”

Para o autor de ‘Os 99’, o mesmo raciocínio aplica-se ao Livro Sagrado dos muçulmanos: “Se há pessoas que retiram do Alcorão mensagens horríveis é porque têm mentes horríveis”.

⬅ RUGHAL, O MAU DA FITA
Quer apoderar-se das 99 pedras preciosas que estão na origem dos 99 poderes para dominar todo o mundo

SOORA, A ORGANIZADORA
(em cima, à esquerda)

Na ‘vida real’ é a ganesa Jamila Adams. Reconhece padrões de comportamento e gera ordem a partir do caos

 

JABBAR, O PODEROSO (em cima, ao centro)
Chama-se Nawaf al-Bilali e é saudita. Por ter fragmentos de uma das 99 pedras no corpo, é muito forte e duro

 

DARR, O QUE ATORMENTA
(em cima, à direita)

Tetraplégico, o norte-americano John Wheeler consegue provocar ou impedir a dor através da manipulação nervosa

WIDAD, A QUE AMA
Natural das Filipinas, Hope Mendoza espalha amor à volta das pessoas e tenta que elas se sintam vazias de ódio

 

 

 

Artigo publicado no Expresso, a 28 de junho de 2008

Uma árabe na alta-roda

Rima al-Sabah, mulher do embaixador do Kuwait nos EUA, é uma das figuras mais populares nas festas do “jet set” de Washington

Em janeiro de 2015, Rima al-Sabah foi nomeada embaixadora da Boa Vontade do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

É árabe a estrela mais cintilante da alta-roda da diplomacia sediada em Washington. Rima al-Sabah, a elegante esposa do embaixador do Kuwait nos Estados Unidos, Salem Abdullah al-Jaber al-Sabah, goza de uma popularidade galopante e é cabeça-de-cartaz nas festas mais badaladas da capital dos EUA.

Para quem tem das kuwaitianas uma imagem no mínimo tão conservadora quanto a rigidez do próprio Kuwait, a embaixatriz é a negação em pessoa. “Rima al-Sabah gosta de irromper numa casa com a sua aparência de modelo parisiense, o cabelo comprido ruivo a cair-lhe, solto, abaixo dos ombros, o seu metro e setenta e cinco, o corpo delgado envolto num traje de marca e uns escandalosamente sexys sapatos de tacão, quanto mais alto melhor, dizia há tempos o Washington Post.

Paralelamente ao porte indiscreto, Rima não abdica do cigarro, dos vestidos de alta-costura e de vistosas peças de joalharia. Na edição 2003 da lista das personalidades mais distintas da capital norte-americana feita pela Washington Life Magazine, Rima e Salem só foram ultrapassados pelos Bush, pelos Cheney e pelos Allbritton (financeiros).

São sociáveis, inteligentes, interessantes e muito, muito atractivos, justificou Nancy Bagley, a directora da revista, que funciona como uma espécie de roteiro da vida mundana de Washington.

Mas, a par da beleza e dos hábitos sofisticados, a embaixatriz do Kuwait é uma mulher reconhecidamente inteligente. E o facto de os Al-Sabah terem chegado a Washington dias antes dos atentados ao World Trade Center e ao Pentágono determinaria quer a agenda diplomática de Salem quer o empenho de Rima na arte de bem receber. Isto é um trabalho de equipa, afirma ela.

Por isso, cada recepção que a embaixatriz organiza assume contornos de verdadeira cerimónia de Estado. Ela preocupa-se muito com a aproximação entre as culturas islâmica e ocidental. As listas de convidados, os menus, a decoração… Ela pensa ao máximo em todos os pormenores, diz Debbie Dingell.

Rima e o marido são os terceiros da lista dos mais distintos

Fluente em inglês, francês e árabe, Rima, de 40 anos, mostra igual à-vontade quando fala de moda, política ou das últimas novidades de jogos de computador que os três filhos adoram.

Filha de dois licenciados pela Sorbonne (Paris), nasceu e cresceu no Líbano e foi educada na religião católica. A conversão ao islamismo ocorreu aquando do casamento com Salem, cinco anos mais velho, que conheceu na Universidade Americana de Beirute, onde se licenciou em Jornalismo: Quando eu era apenas uma caloira, o meu marido era um veterano, e nós tornámo-nos os namorados do campus, recorda.

Percursos como o de Rima al-Sabah não estão ao alcance da esmagadora maioria das kuwaitianas, privadas do direito de votar ou de abrir uma conta bancária, por exemplo.

Reconhecendo o carácter delicado do assunto, a embaixatriz aborda-o com grande diplomacia: Nós, mulheres do Kuwait, temos uma grande quantidade de direitos e bastante poder, apesar de não termos o direito de votar. Mas vamos consegui-lo. E só uma questão de tempo”.

Artigo publicado na revista Única do Expresso, a 25 de abril de 2003