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A maior prisão mundial para jornalistas continua a regredir ao nível do acesso à informação

Numa semana especial para o jornalismo, a organização Repórteres Sem Fronteiras tomou o pulso à liberdade de imprensa na China e concluiu que “sob a liderança do Presidente Xi Jinping, o Partido Comunista Chinês aumentou drasticamente o seu controlo sobre jornalistas”. Para este retrato negro contribui, entre outros, 127 jornalistas presos e uma ampla estratégia de controlo do acesso à informação a que nenhum chinês escapa

© 2019 Brian Stauffer for Human Rights Watch

Nas últimas semanas, duas mulheres têm sido rostos dos limites ao exercício de direitos e liberdades na República Popular da China. Uma delas é Peng Shuai, tenista de 35 anos que representou o país em três edições dos Jogos Olímpicos e que acusou um ex-vice-primeiro-ministro chinês de a ter forçado a relações sexuais. Após a denúncia, a atleta desapareceu das redes sociais e da vida pública. O Comité Olímpico Internacional conseguiu contactá-la, mas há suspeitas de que possa estar refém das autoridades de Pequim, proibida de sair do país e forçada a negar a história que denunciou.

Outra chinesa em rota de colisão com as autoridades chinesas é Zhang Zhan, jornalista de 38 anos que, no início da pandemia de covid-19, expôs a situação na cidade de Wuhan, onde primeiro foi identificado o vírus SARS-CoV-2, publicando nas redes sociais mais de 100 vídeos filmados com o telemóvel. A 28 de dezembro passado, foi condenada a quatro anos de prisão.

“Em maio de 2020, Zhang Zhan foi levada pela polícia do seu hotel em Wuhan. A sua reportagem sobre o surto de covid-19 no epicentro da pandemia foi interrompida de forma abrupta. Na prisão, tem feito greves de fome para reclamar os seus direitos constitucionais enquanto cidadã chinesa, poder expressar-se livremente e protestar contra a sua detenção arbitrária. O seu advogado pôde visitá-la algumas vezes e disse que, desde o primeiro dia, ela não fez uma única refeição normal.”

Este relato foi feito por Jane Wang, coordenadora da campanha #FreeZhangZhan, durante um webinar organizado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que este ano atribuiu um prémio à jornalista chinesa. “No final de julho”, continuou Wang, “Zhang Zhan foi internada num hospital penitenciário, amarrada a uma cama e alimentada à força durante 11 dias. No início de agosto, a sua família foi informada de que ela pesava menos de 40 quilos e tinha sintomas de má nutrição grave. No final de outubro, não conseguia andar ou sequer levantar a cabeça.”

webinar dos RSF, a que o Expresso assistiu terça-feira, visou a apresentação do novo relatório da organização sobre o estado do jornalismo na China. Nas palavras de Christophe Deloire, secretário-geral dos RSF, o documento expõe “como o regime tenta construir uma sociedade-modelo sem jornalismo” e “uma sociedade onde o Estado diz aos cidadãos o que se pressupõe que possam pensar e na qual partilhar informação factual é crime”.

O relatório constata ainda que “sob a liderança do Presidente Xi Jinping, o Partido Comunista Chinês aumentou drasticamente o seu controlo sobre jornalistas”, não só na China continental como em Hong Kong e Macau.

127

jornalistas estão, atualmente, presos na China. Trata-se de uma parte considerável dos 293 repórteres que, segundo o Comité para a Proteção de Jornalistas, estão detidos em todo o mundo

Um caso referido no relatório é o de Cheng Lei, jornalista australiana nascida na China que trabalhava como pivô na China Global Television Network (CGTN). Em novembro de 2019, foi oradora na WebSummit, em Lisboa; meio ano depois era detida na China, acusada de “fornecer segredos de Estado a um país estrangeiro”. Desde então, continua sem data de julgamento marcada.

“Para silenciar os jornalistas, o regime chinês acusa-os de ‘espionagem’, ‘subversão’ ou ‘fomento de altercações e provocação de problemas’, três ‘crimes de bolso’, termo usado por especialistas em direito chinês para qualificar ofensas que são definidas de forma tão ampla que podem ser aplicadas a quase todas as atividades”, lê-se no relatório dos RSF. As duas primeiras acusações podem valer prisão perpétua.

Convite traiçoeiro para um chá

Com 82 páginas, o relatório dos RSF tem como título “O grande salto atrás do jornalismo na China”, num jogo de palavras alusivo ao “Grande Salto em Frente”, a campanha económica e social com que Mao Tsé-Tung pretendeu modernizar a China, entre 1958 e 1962.

Entre os vários obstáculos à liberdade de informação na China, o documento destaca:

  • Bloqueio de sites na Internet
  • Vigilância de grupos de conversação online, como a app WeChat, que se tornou uma espécie de cavalo de Tróia da polícia
  • ‘Exército’ de trolls ao serviço do regime
  • Colocação de jornalistas em regime de “Vigilância Residencial num Local Designado”, durante meses
  • Convite para “um chá” com responsáveis pela censura e propaganda, como forma de intimidação
  • Diretrizes diárias do Partido Comunista Chinês sobre assuntos sensíveis, como Tibete, Xinjiang, Hong Kong, Taiwan, corrupção e dissidência
  • Aumento de assuntos tabu sobre os quais é proibido reportar, como Tiananmen e, mais recentemente, o movimento #Me Too e a covid-19
  • Confissões forçadas na televisão, por parte de jornalistas detidos pelo regime
  • Lei da Segurança Nacional (no caso de Hong Kong)
  • app Study Xi

Adotada para “fortalecer o país”, a aplicação Study Xi — uma encomenda do Partido Comunista Chinês à gigante do comércio digital Alibaba — é uma ferramenta educativa destinada a difundir o pensamento do Presidente Xi Jinping. Desde outubro de 2019, os jornalistas chineses têm sido forçados a fazer o download dessa app para renovar a carteira profissional.

A aplicação permite que o regime avalie o conhecimento e a lealdade dos jornalistas à doutrina oficial, mas mais do que isso… também permite que as autoridades espiem o conteúdo dos smartphones dos jornalistas, pondo em perigo profissionais e fontes.

“Sabemos que a livre circulação de informação é a fundação de uma sociedade civil e que informar os cidadãos é a fundação da democracia”, disse Wu’er Kaixi, antigo dirigente dos protestos estudantis na Praça Tiananmen, durante a apresentação do relatório dos RSF.

“Na China, não temos democracia nem sociedade civil, temos totalitarismo, um regime que oprime a dissidência do seu povo, envia jornalistas para a prisão, dissemina informação falsa e transforma os media do Estado numa máquina de propaganda que mente não só ao seu povo como a todo o mundo, mesmo perante a verdade.”

O ativista justifica o declínio da liberdade de imprensa na China com “as atrocidades que o regime comete contra o povo uigur. No século XXI, [a China] mantém mais de um milhão de uigures em campos de concentração”, diz Wu’er Kaixi, que se questiona como é possível que tal aconteça nos dias de hoje.

“Como pode um regime realizar tal ato? Com a tolerância do mundo”, continua. “O mundo tem concordado com a China. Não fazer nada, é concordar”, diz. “É muito importante acordarmos que as democracias ocidentais lideradas pelos EUA e a Europa têm sido cúmplices nas últimas décadas. E é hora de parar.”

No Índice Mundial de Liberdade de Imprensa 2021, dos RSF, a China surge na 177ª posição entre 180 países. Atrás de si, tem apenas o Turquemenistão, a Coreia do Norte e a Eritreia.

Badiucao, o cartoonista político que desenhou a capa do relatório dos RSF, e que vive na Austrália, viu recentemente o Governo chinês tentar cancelar uma exposição sua num museu de Brescia, no norte de Itália. A pressão foi exercida de múltiplas formas: sobre as autoridades italianas, nas redes sociais do artista, junto da sua família em Xangai e através de visitas suspeitas, durante a sua estadia em Itália, onde recebeu ameaças de morte de forma velada.

“A liberdade do jornalismo na China não diz respeito apenas ao bem-estar das pessoas na China. Também tem tudo a ver com as pessoas de fora da China, com a sociedade democrática, com os países que ainda gozam de liberdade de imprensa”, disse Badiucao.

“A propaganda da China como um vírus, que não pára dentro da China e infetará o mundo exterior, e o objetivo é tirar a liberdade de todos. O problema da liberdade de imprensa da China é também um problema nosso”

Badiucao
 cartoonista político chinês

A divulgação deste relatório teve em conta a realização de dois eventos, nos próximos dias, com potencial para indispor a China. Por um lado, a Cimeira pela Democracia, organizada de forma virtual pelo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, esta quinta e sexta-feiras, que reunirá cerca de 110 países. “A China, claro, não foi convidada, mas estará com toda a certeza nas mentes de todos, uma vez que o regime de Pequim é uma das mais importantes ameaças à democracia em todo o mundo”, disse Christophe Deloire.

Por outro, a entrega do prémio Nobel da Paz, sexta-feira, a dois jornalistas — a filipina Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov — numa cerimónia em Oslo, na Noruega. “Será uma mensagem muito forte e poderosa para os predadores da liberdade de imprensa e um encorajamento para todos aqueles que defendem o jornalismo em todo o mundo”, concluiu o secretário-geral dos RSF. “Esta é, na realidade, uma semana muito especial para o jornalismo.”

Os Repórteres Sem Fronteiras divulgaram apenas as versões inglesa e francesa do relatório, disponíveis neste link. A 24 de janeiro, dez dias antes dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Pequim, o documento será divulgado em outras oito línguas, inclusive em português

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Condicionar a fé para fazer face ao medo

As restrições à liberdade religiosa estão em crescendo por todo o mundo. Nuns casos para os Estados blindarem a sua identidade, noutros para se defenderem de medos exteriores

Símbolos religiosos do Judaismo, Islão, Taoismo e Cristianismo WIKIMEDIA COMMONS

César o que é de César, a Deus o que é de Deus. A máxima atribuída a Jesus Cristo — em resposta a um grupo de fariseus que o tentou apanhar em falso, perguntando se era lícito um judeu pagar impostos a César (Mateus 22:21) — tornou-se, com o tempo, um chavão utilizado para enfatizar a separação entre os poderes político e religioso. Passados 2000 anos, contudo, a realidade política global aponta para uma evolução no sentido inverso à sentença bíblica. Hoje, mais de 80 países têm uma religião oficial ou conferem um tratamento preferencial a uma determinada confissão sobre todas as outras. A maioria deles privilegia o Islão, mas a realidade não é estranha à velha Europa cristã.

A Grécia, por exemplo, é um Estado confessional. Os salários dos padres da Igreja Ortodoxa Grega — que a Constituição reconhece como a “religião prevalecente” — são pagos pelo erário público. Nas escolas, só em setembro de 2016 (sob o Governo do Syriza) deixaram de ser obrigatórias as orações de alunos e professores no início de cada dia de aulas. No palco da política, a religião não fica arredada do protocolo: há três semanas o novo primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, tomou posse diante do arcebispo Jerónimo, a máxima autoridade religiosa.

No Reino Unido, o monarca é membro da Igreja de Inglaterra (anglicana) e seu governador supremo. Na Finlândia, a Igreja Ortodoxa Finlandesa e a Igreja Evangélica Luterana da Finlândia são reconhecidas como “igrejas nacionais”. Já na Islândia, a Constituição reconhece a Igreja da Islândia como a “igreja do Estado”.

“Desde a mais distante pré-história, encontramos pontos de contacto muito fortes entre as estruturas religiosas e as políticas”, explica ao Expresso Paulo Mendes Pinto, coordenador da Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. “Esses contactos foram muitas vezes de ajuda, mas também de afronta. Sempre houve contacto porque ambas são estruturas de organização da sociedade.”

Na Rússia, jeovás têm rótulo “extremista”

Um relatório recente publicado pelo Pew Research Center, um think tank com sede em Washington D.C., conclui que “ao longo da década 2007-2017, as restrições governamentais à religião — leis, políticas e ações de funcionários do Estado restritivas de crenças e práticas religiosas — aumentaram acentuadamente em todo o mundo”.

Em 2007 estavam identificados 40 países com níveis “altos” ou “muito altos” de restrições à liberdade religiosa. Dez anos depois, eram já 52. Um deles é a Rússia, onde, recorda o académico, “toda uma narrativa de fausto e glória, marcada por uma visão etnocentrada, encontra na Igreja Ortodoxa a ligação a uma legitimação história e, assim, fortemente identitária”. O relatório refere o assédio das autoridades russas a minorias religiosas através de ‘visitas’ da polícia a propriedades, em especial das Testemunhas de Jeová, rotuladas como grupo “extremista” desde 2017.

“Por parte do que hoje designamos por Estados, a religião surge como forma de criar uniformidades, discursos e narrativas de identidade”, comenta o professor. “Hoje, a relação que vemos cada vez mais forte entre muitos Estados e algumas religiões vem no seguimento da criação de narrativas de instabilidade, onde o fator religioso é instrumental na solução.”

Fobias várias num quadro de medo

Na Hungria, em 2012, uma nova lei introduziu alterações ao processo de registo de grupos religiosos, as quais afetaram o estatuto de mais de 350, com consequências ao nível do seu financiamento e da prestação de serviços de caridade. Na chefia do Governo desde 2010, Viktor Orbán tem-se destacado, na Europa e no mundo, com um discurso populista, xenófobo e anti-imigração.

“Parte do movimento geral de limitação da liberdade religiosa advém de um quadro de medo, relacionado diretamente com o pós-11 de Setembro de 2001 e, mais recentemente, com o fenómeno do radicalismo islâmico do Daesh”, explica Mendes Pinto. “Esta onda de perceção e representação de insegurança, de medo, condicionou os cidadãos a aceitarem limitação às suas mais variadas liberdades como um sacrifício necessário para a sua segurança.”

Em dez anos, o número de países europeus que levantam obstáculos à liberdade religiosa aumentou de cinco para 20. Este processo vem sendo fortalecido “através de fobias várias”, conclui Paulo Mendes Pinto. “Fobias que levam, por exemplo, a que França seja hoje tida como um Estado que ergue grandes restrições à liberdade religiosa, fruto de um extremar das suas posições laicistas que advogam a proibição, muitas vezes, do uso de vestes religiosas.”

UMA TENDÊNCIA GLOBAL

ANGOLA — A 23 de janeiro deste ano, a Assembleia Nacional aprovou a nova Lei sobre a Liberdade de Religião, Crença e Culto para organizar a proliferação de grupos. Há mais de 2000 ilegais

TAILÂNDIA — A Constituição de 2017 elevou o estatuto do budismo Theravada, quase que dotando o reino de uma religião oficial

SAMOA — Este país da Polinésia passou a ser uma “nação cristã” após a revisão constitucional de 2017

ERITREIA — O Governo reconhece apenas a Igreja Ortodoxa Eritreia, o Islão sunita, a Igreja Católica e a Igreja Evangélica Luterana da Eritreia. Desde 2002 não são autorizadas cerimónias de nenhum outro culto

CHINA — Apenas são autorizados a realizar cultos grupos que pertençam às religiões reconhecidas por Pequim: Budismo, Taoismo, Islão, Catolicismo e Protestantismo. Mas há milhares de muçulmanos (uigures) em “campos de reeducação”

CABO VERDE — A concordata de 2013 garante ao Vaticano privilégios inacessíveis a outro credo

COMOROS — Aprovado em referendo, em 2009, o Islão passou a ser a religião do Estado

MALDIVAS — Promover uma religião que não o Islão é crime punido com até cinco anos de prisão

ALEMANHA — Em 2012, um tribunal de Colónia criminalizou a circuncisão por razões não-médicas. Pressionado por judeus e muçulmanos, Berlim legalizou essa prática religiosa

BIRMÂNIA — A minoria muçulmana (rohingya) não tem direito à cidadania. Tem sido perseguida e alvo de grande violência

HÁ UMA ILHA DE TOLERÂNCIA NO MÉDIO ORIENTE

Arábia Saudita, Irão e Israel são dos países com leis mais restritivas em matéria de liberdade religiosa. Na região, só um país não favorece uma fé

Em todo o mundo, a maioria dos Estados que submetem a vida dos seus cidadãos à vontade de Deus (de forma mais ou menos formal) é muçulmana. No Médio Oriente e Norte de África, há apenas um país que não tem uma única religião oficial ou favorece declaradamente um só credo — o Líbano. Independente desde 1943, o “País do Cedro” é um xadrez étnico-religioso complexo, organizado politicamente com base num Pacto Nacional celebrado entre as principais confissões religiosas. Este acordo não escrito determina que o Presidente da República é sempre um cristão maronita, o Parlamento é presidido por um muçulmano xiita e o primeiro-ministro é um muçulmano sunita.

Este entendimento sobreviveu a uma sangrenta guerra civil (1975-1990). Depois do conflito a proporção entre cristãos e muçulmanos no Parlamento passou de 6/5 para a paridade (5/5). E resistiu também à evolução demográfica do Líbano: se em 1943 havia uma curta maioria de cristãos no país, hoje estima-se que a larga maioria dos quase sete milhões de libaneses seja muçulmana.

Na classificação do Pew Research Center, o Líbano não consta do grupo mais preocupante de países com leis mais restritivas à liberdade religiosa, que é liderado pela Eritreia. Não é o caso, porém, da Arábia Saudita (8º lugar), do Irão (12º) e de Israel (13º).

Israel não tem uma Constituição escrita mas sempre se definiu — e assim foi concebido — como um Estado judaico onde a religião está omnipresente na vida quotidiana. Casamentos, divórcios e funerais, por exemplo, competem à jurisdição do Rabinato Chefe de Israel, uma instituição ortodoxa. E, na maioria das cidades, o respeito pelo Shabat (sábado) implica que não haja transportes públicos a circular.

Na Jordânia, o Governo vigiou as prédicas nas mesquitas e exigiu aos pregadores que não falassem de política

A relação entre o Estado e o judaísmo definiu-se mais claramente a 19 de julho de 2018, com a aprovação de uma nova Lei da Nacionalidade: Israel passou a ser “a nação do povo judeu” e o hebraico a única língua oficial. A aprovação do diploma fez disparar acusações de discriminação e lançou o ceticismo sobre o futuro das minorias, nomeadamente os israelitas árabes (muçulmanos e cristãos), que são 20% da população. Representados no Parlamento, são muitas vezes impedidos de aceder a lugares sagrados como o Monte do Templo, em Jerusalém.

Pátria de uma das comunidades de judeus mais antigas do Médio Oriente — os judeus da Pérsia, anteriores ao advento do Islão —, o Irão tem um histórico de perseguição da comunidade bahai (não-muçulmana). Outrora a maior minoria no Irão, as autoridades consideram-na hoje “herética” e “imunda”.

Teocracia muçulmana xiita desde 1979, o Irão tem no topo da sua hierarquia política um ayatollah. Oficialmente, a República Islâmica reconhece três minorias — zoroastras, judeus e cristãos — e reserva-lhes assentos parlamentares. Uma diferença substancial em relação à rival sunita Arábia Saudita, onde não existem igrejas nem sinagogas. Guardião das mesquitas sagradas de Meca e Medina, o reino considera ilegal a prática de outras religiões, bem como o uso de símbolos religiosos. Os sauditas estão proibidos de se converterem a outras fés e os que professam o ramo xiita são olhados com grande desconfiança.

Em novembro de 2017, Riade fez aprovar uma nova lei de combate ao terrorismo que criminaliza “qualquer pessoa que desafie, direta ou indiretamente, a religião ou a justiça do rei ou do príncipe herdeiro” e proíbe “qualquer tentativa de lançar dúvidas sobre os fundamentos do Islão”. No mesmo ano, alegando preocupações com o terrorismo, as autoridades ordenaram a demolição de um bairro antigo de maioria xiita.

No Médio Oriente, com maior ou menor formalidade, todos os países árabes são condescendentes em relação ao Islão. No Egito, em caso de disputa familiar, por exemplo, se um dos cônjuges for muçulmano e o outro cristão copta, a lei que se aplica é a islâmica (Sharia).

Mas casos há também em que o alvo das restrições governamentais é o próprio Islão. Na Jordânia, o Governo vigiou as prédicas nas mesquitas e exigiu aos pregadores que se abstivessem de falar de política, para não contribuírem para agitação social e visões extremistas. Sugeriu temas e recomendou textos para orientar os imãs. Quem não acatar é multado ou proibido de voltar ao púlpito.

Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui