O governo da Líbia decretou o cessar-fogo, mas há relatos de confrontos em Ajdabiya e Misurata. Em Tripoli, há rumores de que um ataque internacional está iminente
Informações contraditórias chegam da Líbia sobre a aplicação, no terreno, do cessar-fogo anunciado, esta tarde, pelo ministro líbio dos Negócios Estrangeiros, Moussa Koussa.
David Sendra, o repórter que está em Tripoli a cobrir os acontecimentos para o Expresso, conta que há relatos contrários sobre a situação no leste do país. “Confirmaram-me que, pelo menos em Ajdabiya, os combates continuavam junto à entrada sul. Pouco depois, chegaram-me informações contrárias sobre a situação na mesma cidade. É impossível confirmar, a partir de Tripoli, se os ataques das forças de Kadhafi pararam.”
Fogo dos arredores para o centro
Segundo a estação árabe Al-Jazeera, as forças governamentais continuaram a bombardear a cidade de Misurata, a oriente, ainda nas mãos dos rebeldes.
“As forças de Kadhafi estão nos arredores, mas continuam a bombardear o centro da cidade”, testemunhou Abdulbasid Abu Muzairik, um morador em Misurata. “O cessar-fogo não está em vigor. Kadhafi ainda continua a alvejar e a matar o povo nesta cidade.”
Ataque este fim-de-semana?
As autoridades líbias anunciaram um cessar-fogo imediato unilateral das operações de combate contra os rebeldes — sedeados em Bengasi (no leste) —, horas após o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter aprovado uma zona de exclusão aérea sobre o país, isentando apenas os voos de caráter humanitário.
David Sendra reporta ainda que há notícias de que a oposição líbia está a coordenar-se com as forças internacionais para ver quais os objetivos que serão atacados. Há rumores em Tripoli que o ataque será este fim-de-semana.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de março de 2011. Pode ser consultado aqui
Acossado pela contestação interna e internacional, Muammar Kadhafi diz-se firme no poder. A sua influência no exército e as sensibilidades tribais podem dificultar uma eventual entrega do poder aos militares
Ao fim de 41 anos no poder, Muammar Kadhafi é um homem cada vez mais só. Com os jornalistas estrangeiros impedidos de entrar no país, os relatos chegam a conta-gotas e dão conta do alastramento dos confrontos desde a região de Benghazi (no leste) até à capital, Tripoli. E nos corredores da diplomacia, vários embaixadores líbios, após demitirem-se das suas funções, estão a apelar a uma intervenção internacional.
Num discurso à nação, Muammar Kadhafi afirmou, hoje, a sua autoridade e determinação perante a contestação. Mas, na realidade, a sobrevivência do seu regime e a sua própria continuidade em terras líbias depende menos da sua vontade e mais da lealdade de duas instituições: o exército e as tribos.
Primeiro a tribo
Apesar do tribalismo continuar a ser visto como um obstáculo à mobilidade social, à igualdade de oportunidades e ao desenvolvimento da sociedade, muitos líbios continuam a identificar-se, prioritariamente, com uma tribo. Pertencer a uma tribo pode abrir portas nos serviços públicos, garantir um emprego ou resolver disputas familiares.
A rivalidade tribal é evidente, inclusivé, no coração do exército, onde os Qadhadfa — tribo à qual pertencem os Kadhafi — rivalizam com os Magariha. Há dias, Saif al-Islam, de 38 anos, apontado como o sucessor do coronel, alertou para a possibilidade de uma guerra civil no país, com membros de diferentes tribos a “matarem-se uns aos outros nas ruas”.
Solução à egípcia?
Mas não são apenas as sensibilidades tribais que podem condicionar o comportamento do exército durante a revolta popular. Ian Black, analista do diário britânico “The Guardian”, cita fontes não confirmadas para referir que a repressão em Benghazi está a ser dirigida por Jamis, um dos filhos de Muammar Kadhafi, que comanda uma unidade de forças de elite.
Na região, estará também Saadi, outro dos sete filhos do coronel, juntamente com o chefe da inteligência militar, Abdullah al-Senusi. A preponderância dos Kadhafi nas Forças Armadas pode dificultar um cenário “à egípcia” para a Líbia: a demarcação do exército em relação ao regime para assumir o controlo da situação.
(FOTO Manifestação em Bayda, no litoral nordeste da Líbia, a 22 de julho de 2011 WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui
O nosso país está cada vez mais presente no Norte de África. Mas os povos continuam de costas voltadas. No Magrebe, conhece-se o futebol português e pouco mais
Os portugueses não hesitam em ir de férias a Marrocos ou à Tunísia, sabem que a Líbia tem um Presidente um pouco excêntrico e que foi por causa de um ataque terrorista na Mauritânia que o Lisboa-Dakar foi cancelado. E partilham do fascínio universal de, um dia, avistarem as Pirâmides de Gizé. No Estreito de Gibraltar, escassos 14,4 quilómetros de mar impedem que o Sul da Europa e o Norte de África se toquem. Mas, nas duas margens do Mediterrâneo, a imagem que os povos projectam do ‘outro’ permanece refém de estereótipos e de ideias feitas.
Amanhã e segunda-feira, decorre em Argel a II Cimeira Luso-Argelina. Em paralelo, será inaugurada a Feira Internacional de Argel que em 2007 recebeu mais de 1,5 milhões de visitantes e que, este ano, tem como convidado de honra Portugal. “Sempre tivemos uma relação excelente do ponto de vista político e diplomático. A Argélia desempenhou um papel muito importante na formação da nossa revolução”, recorda o embaixador português em Argel, Luís de Almeida Sampaio. “Aquilo que não existia, como agora, era o aprofundamento da dimensão económica”, diz.
Cerca de metade do gás natural consumido pelos portugueses é importado da Argélia. Por força dessa dependência energética, a balança comercial é altamente deficitária para Portugal, mas, aos poucos, empresas portuguesas vão cunhando a paisagem local. Foi à Parque Expo, por exemplo, que foi adjudicada a elaboração do Plano Director do Reordenamento Urbano de Argel, até 2010.
Geograficamente, Argel está mais próxima de Lisboa do que Paris ou Bruxelas — uma constatação ainda mais válida para Rabat. “Neste momento, há mais de 130 PME portuguesas em Marrocos, que dão trabalho a 30 mil pessoas”, refere o embaixador em Rabat, João Rosa Lã. Um dos logotipos de Marrocos no estrangeiro, o Hotel La Mamounia (Marraquexe), está a ser recuperado pela empresa Casais, de Braga.
Hoje, 58% do total de exportações portuguesas para o Norte de África vão para Marrocos e 90% do mercado das parabólicas é português. “Estamos dependentes da situação que se viver no Magrebe. Se houver um surto terrorista ou problemas relacionados com a imigração clandestina, Portugal e Espanha serão os primeiros a sofrer”, alerta Rosa Lã.
Na corrida das empresas lusas ao mercado magrebino, o Egipto — ficou claramente para trás. Ainda assim, a Cimpor, por exemplo, controla 10% do mercado do cimento. É o mais longínquo dos países da orla Sul e tem uma vocação diferente do ponto de vista geopolítico — é um palco, por excelência, do diálogo israelo-árabe. “Uma das funções da embaixada é seguir os trabalhos da Liga Árabe. Em 2007, Portugal assinou um Memorando de Entendimento com a organização que nos permite assistir às reuniões. Poucos países da União Europeia têm-no”, refere Paulo Martins Santos, cônsul no Cairo.
A funcionar há pouco mais de um ano, a embaixada em Tripoli já constatou o potencial de um país com dimensão para ‘engolir’ a Península Ibérica. Só no primeiro trimestre de 2008, foram assinados contratos que rondam os 1000 milhões de euros. Mas para o diplomata Rui Lopes Aleixo, “a nossa imagem não pode ser só a das empresas que chegam aqui. Há que mostrar a cultura portuguesa e aquilo que somos capazes de fazer noutros domínios”, diz. Recentemente, três investigadores das Universidades de Coimbra, Porto e do Centro de Mértola visitaram a Líbia e receberam luz-verde das autoridades para apresentarem um projecto de elaboração do mapa arqueológico do país.
No término das conversas que o “Expresso” manteve com representantes de quatro das cinco missões diplomáticas portuguesas no Norte de África, é impossível iludir o forte contributo do futebol na imagem que os povos do Sul têm dos portugueses. No Cairo, Manuel José, que treina o Al-Ahly — um clube com 50 milhões de adeptos… — é um ídolo. Já em Argel, é o embaixador Almeida Sampaio que não passa despercebido na rua… “As cores de um dos principais clubes de Argel — o Mouloudia — são o verde e o vermelho. Quando fico parado no trânsito, os miúdos vêm dar beijos à flâmula (pequena bandeira) que tenho no carro. Apanho banhos de multidão por causa das nossas cores”.
O que nos une
Durante a ocupação islâmica da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV, o território recebeu o nome de Al-Andalus. Situado em Granada, o palácio de Alhambra é o expoente máximo desse legado. Mas mais do que um património comum, hoje, os países da Península partilham com a orla árabe fóruns de diálogo que visam a aproximação entre as margens do Mediterrâneo: o Diálogo 5+5 (os cinco países da UMA, da Mauritânia à Líbia, e cinco do Sul da Europa) e o Processo de Barcelona da União Europeia (37 membros). A União para o Mediterrâneo, de Nicolas Sarkozy, será a próxima ‘ponte’ sobre o ‘Mare Nostrum’.
MAURITÂNIA Aprendeu a falar português a bordo dos barcos de pesca luso-mauritanos, ao largo do Sara. Hoje, Yussuf, um mauritano de 37 anos imigrado há oito em Portugal, tem no português a sua língua de trabalho, num posto de combustível de Portimão. “Integrei-me bem. Há pessoas que não gostam de imigrantes, mas não ligo”. Nas férias, vai à Mauritânia de carro. “O trajecto é fácil, há sempre estrada até lá”, durante 4000 quilómetros.
MARROCOS Quando chegou a Portugal há nove anos, para fazer investigação, Omar, de 35 anos, teve de fazer “uma grande ginástica” para evitar a carne de porco e “adaptar-se à comida portuguesa”. Hoje, este professor de Estudos Árabes diz apreciar “a capacidade de desenrascar” dos portugueses. E critica a “falta de pontualidade e o ‘deixa andar’”, atitudes, confessa, também marroquinas.
ARGÉLIA Em Portugal há 24 anos, Farida tem um sonho: “Criar uma associação de amizade luso-argelina. Temos uma história comum que deve ser publicada”, diz esta consultora internacional na área alimentar, de 58 anos. “Temos uma geração de casamentos mistos. O que vai ser feito dela? Não há uma escola de língua árabe, não temos onde praticar e mostrar a nossa cultura”. Preocupa-a o futuro do neto luso-argelino.
TUNÍSIA A vida de Amel deu uma volta de 180 graus desde que chegou a Portugal, há 10 anos. Então, seguira o marido até um novo posto profissional; hoje, administra o Santarém Hotel e gere o operador turístico ‘Beauty Village’. “Gostamos muito do país, não é muito diferente da Tunísia, desde logo no clima. E o contacto entre as pessoas é muito caloroso”.
LÍBIA O bigode escuro faz Saud, muitas vezes, passar na rua por português. Nascido há 48 anos, a 60 quilómetros de Tripoli, veio para Portugal como bolseiro e por cá ficou. “Gostei do país e da forma como fui tratado”. As duas filhas apreciam ir à Líbia de férias, mas “falam pouca coisa” de árabe. Gostava que os portugueses fossem “mais ambiciosos” e que “não dramatizassem tanto”. Faz de tudo um pouco na embaixada líbia. E torce pelo Sporting.
EGIPTO “Nós, orientais, acreditamos muito no destino”, diz Badr. E o destino quis que este egípcio de 46 anos viesse a Portugal há 12 estudar a língua de Camões. “Gosto de fado e conheço todas as casas no Bairro Alto. É um tipo de música muito próxima da música árabe. Fala de pátria, saudade e amor”. Se dependesse de si, os portugueses não seriam tão passivos: “Recentemente, no Egipto, aumentou o preço do pão e houve logo protestos”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 7 de junho de 2008
O governo da Líbia abriu os cordões à bolsa e desbloqueou uma verba avultada para investimentos, sobretudo em construções e turismo. A bola está agora do lado dos empresários portugueses
A prova de que quase ninguém fica indiferente a Muammar Khadafi aconteceu na sexta-feira de manhã quando o Presidente líbio se predispôs a participar no seminário “Problemas da Sociedade Contemporânea”, na reitoria da Universidade Clássica de Lisboa. A curiosidade era imensa, a segurança aparatosa e os notáveis abundavam na plateia, de militares a embaixadores. Mas Khadafi foi tudo menos diplomático: “A esperança que depositamos nas Nações Unidas está a desaparecer. Actualmente, a lei da força foi imposta no sentido de ser a lei da concordância e os abusos continuam. É o mais forte quem redige as leis”, disse. Khadafi considerou mesmo que “nas Nações Unidas assistimos a uma ditadura”.
Os ecos da intervenção do Presidente líbio chegariam ao Pavilhão Atlântico onde decorre a Cimeira UE-África. Após Khadafi ter defendido que “os colonizadores devem indemnizar os povos que colonizaram”, o comissário europeu para o Desenvolvimento, Louis Michel, não se poupou ao bate-boca e reagiu dizendo que os “colonizadores já pagaram” e “não têm lições a receber”.
Sem nunca se referir a um país em particular, o Presidente líbio defendeu ainda a proibição total de armas nucleares: “A arma nuclear é permitida para uns e proibida para outros. Se essa arma ameaça a vida, deve ser proibida para todos”. E concluiu com um apelo às massas: “Gostava de me dirigir à opinião pública: se deixarmos esta situação difícil que se vive no mundo nas mãos dos políticos, eles nunca a vão resolver. Não podemos contar com eles. Os políticos necessitam de ser pressionados”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui
O Presidente da Líbia correu as cortinas da sua tenda no Forte S. Julião da Barra às mulheres portuguesas, para falar de direitos e deveres. Corresponderam ao convite sobretudo africanas
Selo comemorativo do 13º aniversário da revolução de 1 de setembro de 1969, liderada por Muammar Kadhafi, que depôs o rei Idris WIKIMEDIA COMMONS
Muammar Kadhafi tinha pedido um encontro com 600 mulheres portuguesas, mas metade das cadeiras colocadas no interior da tenda destinada para o efeito, no Forte de S. Julião da Barra (Oeiras), ficaram por ocupar.
Maioritariamente, corresponderam ao convite do Presidente da Líbia africanas. Num dos lugares com melhor visibilidade para o palco, a guineense Ivone, de 35 anos, está particularmente animada, não se cansando de exibir um poster do coronel.
“Estou muito entusiasmada. Ele é um Presidente que apoia sempre as mulheres”, diz. Ao seu lado, Leónia, guineense da mesma idade, fala das expectativas em relação ao que Kadhafi terá para dizer: “Espero ouvir algo que seja interessante para nós, imigrantes em Portugal. Estamos a passar por dificuldades, temos problemas económicos e espero que o Presidente Kadhafi possa indicar-nos uma solução que seja boa para a nossa vida”.
Vestidas discretamente ou com vistosos e coloridos trajes africanos, todas as mulheres passaram, à entrada da tenda, pela inspecção minuciosa das amazonas, a guarda pretoriana feminina que é a sombra de Kadhafi onde quer que ele vá. “Ao escolher mulheres para serem seguranças, ele mostra o papel que as mulheres podem ter”, continua Leónia. “As mulheres não são para estar só na cozinha ou a fazer trabalho doméstico. Eu não me importava nada de ser uma das seguranças dele”, diz, provocando risos.
Ivone e Leónia souberam deste encontro através de uma associação guineense e deslocaram-se até ao Forte num autocarro fretado para o efeito. O mesmo aconteceu com a sãotomense Susana, de 60 anos, que à falta de alternativa para melhor passar o tempo apanhou a excursão que partia da Quinta do Mocho sem saber muito bem ao que ía. “Eu só vim porque sou doente e estou sozinha. As minhas amigas vieram para aqui e eu também vim”, diz. Susana não sabe o que se vai ali passar nem quem será a ilustre figura que vai ocupar a poltrona colocada no centro do palco.
Conduzir comboios é para os homens
Uma fila à frente, a actriz Raquel Henriques aguarda Kadhafi com grande serenidade. “Estou ligada a questões humanitárias, sobretudo envolvendo crianças, e estou a fazer uma formação no Centro Português para os Refugiados. Surgiu um convite para vir cá e quero ouvir o que o Presidente Kadhafi tem para dizer. Além disso, ele é uma personagem um pouco especial. Ainda não consegui perceber se ele é uma pessoa amada ou odiada e fiquei curiosa”.
Mais de uma hora depois do horário previsto, Kadhafi irrompe pelo palco e arranca os primeiros aplausos. Sorri, acena e coloca a mão direita sobre o coração. A plateia está munida de auscultadores que vão traduzindo, de árabe para português, o que ele diz. Kadhafi invoca várias vezes o seu famoso ‘Livro Verde’ para dizer de sua justiça: “Nos deveres, não pode haver igualdade entre homens e mulheres, apenas nos direitos”. E socorre-se de um exemplo: se uma mulher quiser conduzir um comboio tem o direito de o fazer, mas não o dever porque essa é uma tarefa dos homens.
Raquel parece interessada. Já Susana, vai dormitando à medida que o discurso se prolonga. Bem ao seu estilo, Kadhafi foi-se deixando ficar, enquanto, em Lisboa, começavam a chegar ao Pavilhão Atlântico as delegações participantes na Cimeira UE-África para o jantar inaugural.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de dezembro de 2007. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.