O governo da Líbia abriu os cordões à bolsa e desbloqueou uma verba avultada para investimentos, sobretudo em construções e turismo. A bola está agora do lado dos empresários portugueses
A Líbia está numa fase de grande crescimento e conta com os empresários portugueses para concretizar alguns projectos.
“Dispomos de 180 mil milhões de dólares (123 mil milhões de euros) em fundos para investir entre 2008 e 2010 e queremos que as empresas portuguesas aproveitem esta oportunidade para reforçar a cooperação económica com o nosso país”, afirmou na sexta-feira o ministro-adjunto líbio das Relações Exteriores e da Cooperação, Mohamed Siala, após um encontro com o presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Basílio Horta, em Lisboa.
Apesar da Líbia ter representação diplomática em Portugal há mais de 30 anos, só muito recentemente Portugal abriu uma embaixada em Tripoli, tendo como principal eixo estratégico a grande oportunidade económica que o país de Khadafi será nos próximos anos.
Este encontro nas instalações da AICEP, que também contou com a presença de vários empresários portugueses, inseriu-se na visita oficial que Muammar Khadafi efectuou a Portugal, antecedendo a participação do chefe de Estado líbio na Cimeira UE-África de Lisboa.
Orador num seminário realizado na reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, o próprio Khadafi deu outra boa notícia aos portugueses. “Pessoalmente, insisti que o português fosse uma das línguas oficiais da União Africana”, afirmou. E prometeu voltar a fazer a proposta na próxima cimeira pan-africana.
Portugal vai finalmente abrir uma embaixada na Líbia — o país que hoje assinala o 38.º aniversário da revolução de Kadhafi e onde vivem… três portugueses. A liderar a missão — a 91.ª a abrir portas em Tripoli e a 21ª da União Europeia (UE) — estará o embaixador Rui Lopes Aleixo, que parte com uma certeza na bagagem: “Nos próximos dois anos, a Líbia será um país de oportunidades”.
Quais as prioridades desta embaixada? Há três. Por um lado, era necessário completar a nossa cobertura dos países do Norte de África, que são a fronteira sul da Europa. Durante o processo de alargamento, a UE olhou muito mais para a fronteira leste e, infelizmente, só olhou para sul quando começou a haver problemas de terrorismo e de imigração ilegal.
E as outras duas? Em segundo lugar, a Líbia representa um mercado potencial muito importante em termos de investimentos, de exportações e de fornecimento de gás e petróleo. Além disso, a Líbia tem um papel em África que não se pode ignorar. A influência do Presidente Kadhafi é muitíssimo importante e decisiva na União Africana que, no seu modelo actual, é uma concepção do próprio Kadhafi.
Os Estados Unidos de África… Ainda não estamos lá, mas a Líbia é incontornável no diálogo mediterrânico. A curto prazo, a prioridade passa pela realização da cimeira Europa-África [Lisboa, 8 e 9 de Dezembro] em que Tripoli terá um papel muito importante como interlocutor da parte africana.
Qual a mais-valia do mercado líbio para os empresários lusos? O Governo líbio tem um plano de investimentos em infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, hospitais e universidades que quer ver concluído a tempo de comemorar o 40.º aniversário da revolução, a 1 de Setembro de 2009, e que oferece aos nossos empresários enormes oportunidades. Amanhã partem daqui seis empresários para desenvolver contactos. Ao nível da indústria do petróleo, temos empresas com grande capacidade tecnológica para fornecer materiais e equipamentos.
Agora, as partes interessadas têm de se encontrar… A embaixada vai criar um “site” para anunciar os grandes concursos. E se a AICEP abrir uma delegação em Tripoli será a oportunidade para divulgar as oportunidades de negócio na Líbia e de apresentarmos as nossas potencialidades.
A cultura costuma ser um bom ponto de partida… Tenho esperança que seja possível estabelecer uma cooperação cultural com a Líbia e ao nível da conservação dos sítios arqueológicos. Temos este grande elo do passado greco-romano…
A presidência portuguesa da UE tem iniciativas para impulsionar a cooperação com a Líbia? Vamos pedir à Comissão um mandato para a negociação de um acordo de cooperação com a Líbia. Nesse mandato vai assentar o desenvolvimento de cooperação em áreas como a energia, o combate à imigração ilegal e o apoio à reestruturação económica e financeira e à exploração arqueológica.
ALVO: MAGREBE
Coma abertura da embaixada na Líbia, Portugal reforça a presença no Magrebe. O “Expresso” ouviu parceiros essenciais para o sucesso da cooperação. Basílio Horta, presidente da AICEP, diz que “não está prevista a abertura de uma delegação na Líbia”, mas revela que no futuro, “se o volume de oportunidades de negócios para as empresas portuguesas o justificar”. De mangas arregaçadas está o Instituto Camões, que vai iniciar actividades na Argélia e no Egipto. “Estamos a trabalhar na abertura de um leitorado na Líbia”, diz a presidente Simonetta Luz Afonso. Com delegações nos cinco países do Magrebe, o Instituto Luso-Árabe para a Cooperação orgulha-se de estar na Líbia desde 2004. Porém, o presidente Manuel Pechirra alerta para “a escassez de meios humanos e materiais que limita a actividade dos diplomatas e dificulta melhores resultados”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 1 de setembro de 2007
A Líbia pôs-se em bicos de pés ao anunciar, esta semana, que os Estados Unidos vão ajudá-la a construir uma central nuclear no seu território. Washington diz que a história não é bem assim…
“O que dissemos aos líbios, depois de eles abandonarem o programa nuclear, é que estaríamos abertos a conversações sobre alguns aspectos do poder nuclear para fins civis”, disse em entrevista à Reuters e a coberto do anonimato um funcionário da Administração norte-americana perito em matéria de não-proliferação. “Falamos de um centro de medicina nuclear ao qual nos comprometemos a dar assistência”, acrescentou.
Com o dossiê nuclear do Irão ao rubro, muito irónico seria que o nuclear se tornasse um dos principais eixos de cooperação entre os Estados Unidos e a Líbia. Recorde-se que os dois países só normalizaram as suas relações diplomáticas no ano passado.
Acresce ainda que o nervosismo provocado pela ‘crise’ iraniana incitou vários países árabes, como o Egipto e os Estados do Golfo, a tirarem da gaveta planos nucleares antigos, para fins civis… segundo palavras dos próprios.
A longo prazo, o espectro da proliferação de centrais nucleares nas já de si conturbadas regiões do Médio Oriente e do Norte de África — ainda que algumas sejam construídas em parceria com os Estados Unidos — representa um potencial de insegurança assinalável.
Os cheques da redenção
Em 2003, a renúncia da Líbia ao seu programa de armas de destruição maciça e o “mea culpa” no caso Lockerbie — a explosão de um avião da Pan Am sobre a Escócia, em 1988 —, sob a forma de um cheque de dez milhões de dólares entregue a cada família das 270 vítimas, resgataram o país do ostracismo.
Na comunidade internacional, a Líbia deixava de ser um Estado pária e Muammar Kadhafi ascendia ao estatuto de estadista. Na semana passada, o chefe de Estado líbio afirmou que essa metamorfose não foi devidamente reconhecida. “A Líbia não recebeu as compensações adequadas, pelo que outros países, como o Irão e a Coreia do Norte, não seguirão o nosso exemplo”, advertiu.
Levantado o embargo decretado pelas Nações Unidas, os investimentos norte-americanos e europeus não fluíram à Líbia com a velocidade desejada. Hoje, esse precedente pode ser perigoso.
Selo comemorativo do Seminário Internacional do Livro Verde de 1979, na cidade líbia de Bengazi
Há duas semanas, por ocasião do 30.º aniversário da declaração da ‘jamahiriya’ — um neologismo inventado por Kadhafi que significa “Estado das massas” e onde o povo é quem mais ordena através de uma rede de comités populares —, o Presidente da Líbia esclareceu quem ainda não acredita nos novos trilhos da revolução líbia. “Não há dúvidas, a Líbia pertence a um mundo no qual a globalização predomina. Não pode remar contra a maré”, disse.
Muammar Kadhafi participava num debate em Sabha e por si só inédito. Moderado pelo famoso jornalista britânico David Frost, tinha como interlocutores o analista político norte-americano Benjamin Barber e o sociólogo britânico Anthony Giddens.
O Presidente líbio nunca largou das mãos um exemplar do seu ‘Livro Verde’, ainda que o seu discurso seja cada vez menos revolucionário e mais politicamente correcto. “A Líbia não dará um passo atrás”, disse. “Creio que a época da hostilidade e da confrontação ficou para trás”.
AS MULHERES QUE ACODEM AO CORONEL
No poder desde 1969, o coronel Kadhafi sonha com o Estado israelo-palestiniano e convida chefes de Estado a visitarem-no na sua tenda
Excêntrico, megalómano, autocrata — alguns dos adjectivos usados para caracterizar Muammar Kadhafi são, no mínimo, excessivos. Para tal, muito contribuem as mediáticas aparições do Presidente da Líbia, trajando túnicas coloridas e rodeado de vistosas guerreiras: as ‘amazonas’, da sua guarda pessoal, que o protegem dia e noite.
Treinadas para matar, estas mulheres arriscam a vida para salvar a de Muammar Kadhafi. Esta tarefa granjeia prestígio entre as jovens líbias, pelo que não há falta de voluntárias. Numa escola especial, as recrutas são submetidas a um rigoroso programa de formação. As que não desistem tornam-se peritas no manejamento de armas de fogo e em artes marciais. No final, Kadhafi faz a sua selecção. Conta a lenda que as ‘amazonas’ permanecem virgens.
No poder desde 1 de Setembro de 1969 — quando liderou um golpe militar que depôs o rei Idris, criando a República Árabe Líbia — o coronel Kadhafi explanou a sua filosofia política no ‘Livro Verde’: “Os Parlamentos são a falsificação da democracia” e “o sistema de partidos faz abortar a democracia”, escreve.
Fora de portas, sonha com os Estados Unidos de África e invoca a criação de um Estado único israelo-palestiniano, denominado “Isratina”, como a solução para o conflito no Médio Oriente.
Nascido no seio de uma família de beduínos, recebe os visitantes ilustres numa tenda forrada com tapeçarias luxuosas instalada no deserto, a sul de Sirte, onde nasceu em 1942. Por lá passou o ex-ministro português dos Negócios Estrangeiros, António Martins da Cruz, depois de andar mais de uma hora nas areias do deserto para lhe entregar uma missiva de Durão Barroso.
O mesmo percurso terá efectuado o famoso jornalista britânico John Simpson (BBC) que, no livro ‘A mad world, my masters’, conta como durante uma entrevista no acampamento, o líder líbio reagiu impávido e sereno a um ataque de flatulência: “Kadhafi levantava-se ligeiramente do assento, a trovoada durava entre quinze e vinte segundos de cada vez e depois voltava a encostar-se na cadeira com uma expressão de alívio”.
LISBOA MAIS PERTO DE TRIPOLI
Com a nova missão em Tripoli, Portugal faz o pleno no Magrebe, uma região que Sócrates diz ser de “interesse estratégico”
Há 26 anos que a Líbia tem uma embaixada em Lisboa. Apesar disso, Portugal só pensa abrir a sua missão diplomática em Tripoli, no próximo mês de Maio. Rui Lopes Aleixo é o diplomata indigitado para o posto, que servirá para abrir portas aos empresários portugueses.
Rui Esteves trabalha há um ano na Líbia como director-geral de uma empresa norueguesa de exploração petrolífera. Observador privilegiado do potencial económico do país de Kadhafi, diz: “Falando com o pessoal que está aqui há mais tempo, dizem que houve uma mudança drástica, em todos os sentidos, de há quatro anos para cá”, afirmou ao Expresso este português de 44 anos.
Findo o embargo da ONU, a economia líbia começa a mexer. “Fala-se numa abertura ao turismo e em grandes investimentos nessa área. Há milhares de quilómetros de costa mediterrânica praticamente inexplorados”, diz Rui Esteves.
A grande oportunidade
Paralelamente, o país vive um “boom” na construção. “É incrível! De mês a mês, por onde passo, vejo novas construções a serem feitas, algumas colossais. Habitação social, estradas, fábricas, armazéns. Se os portugueses entrarem têm uma vantagem comparativa grande”, comenta Rui Esteves.
Segundo o ICEP, a balança comercial é altamente deficitária ao lado português. Em 2006, a Líbia foi o 95.º principal cliente e o 20.º fornecedor, com quotas de 0,02% e 0,87% nas nossas exportações e importações, respectivamente. Entre Janeiro e Novembro desse ano, as nossas exportações não foram além dos 5.415 milhões de euros e as importações da Líbia ascenderam a 461.134 milhões de euros.
No plano político, Portugal e a Líbia partilham várias plataformas multilaterais, designadamente a Parceria de Barcelona e o Diálogo 5+5, vocacionados para a aproximação das duas margens do Mediterrâneo.
Artigos publicados no “Expresso”, a 17 de março de 2007
O maior paladino do pan-africanismo, o líder líbio, Muammar Kadhafi, está a tornar-se um campeão das mediações e um actor incontornável da paz em África
Ao leme de um país politicamente marginalizado, o Presidente da Líbia, Muhammar Kadhafi, tem-se afirmado como um diplomata de eleição, que soma êxitos onde as diplomacias ocidentais fracassam redondamente.
No início da semana passada, os separatistas muçulmanos filipinos do grupo Abu Sayyaf libertaram seis reféns — um alemão, uma franco-libanesa, duas francesas e dois sul-africanos — do cativeiro na ilha de Jolo, no Sul das Filipinas. A libertação surgiu na sequência de 15 semanas de negociações, mediadas por uma fundação líbia, dirigida por Seif al-Islam, um dos filhos de Kadhafi.
Fontes filipinas dizem que Tripoli terá pago 1 milhão de dólares por cada refém libertado, mas a Líbia alega que apenas prometeu um pacote financeiro para o desenvolvimento da região.
Uma festa nas ruínas
A vitória diplomática foi comemorada a preceito. Na terça-feira, em Tripoli, realizou-se uma recepção aos reféns, junto às ruínas da residência de Kadhafi que, em 1986, foi bombardeada pela aviação dos EUA — matando 37 pessoas, entre as quais uma filha adoptiva.
Estiveram presentes representantes dos governos dos países de origem dos reféns e, durante os discursos, a Kadhafi — surpreendentemente ausente — foi dito tudo o ele gostaria de ter ouvido. «Esta acção positiva da Líbia só pode melhorar a relação entre os nossos países», afirmou o ministro francês da Cooperação.
Com uma diplomacia activa e influente e um mercado sem a concorrência dos EUA, a Líbia é uma tentação para a Europa. Inversamente, uma aproximação ao Velho Continente significará para a Líbia o fim do isolamento a que foi condenada, após a explosão, em 1988, de um avião da Pan Am sobre a localidade escocesa de Lockerbie, fazendo 270 mortos — da qual a Líbia foi acusada.
A afirmação política de Kadhafi chega a ter requintes de ironia. Na segunda-feira, um outro grupo rebelde filipino raptou um norte-americano. De imediato, Tripoli ofereceu os seus préstimos: «Se pudermos fazer alguma coisa para salvar a vida de um ser humano, seja americano ou europeu, não hesitaremos», afirmou o subsecretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Sem surpresa, os EUA exigiram a libertação incondicional do refém, afastando assim a suprema das humilhações: a hipótese de um Estado pária libertar um norte-americano das garras de um grupo terrorista.
Se nos primeiros anos do seu «reinado» Kadhafi colocou a tónica na união do mundo árabe, quando, após o embargo decretado pelas Nações Unidas na sequência do «caso Lockerbie», não sentiu a solidariedade dos irmãos árabes, converteu-se ao pan-africanismo. «África é o meu lugar natural. Os árabes de África são africanos e os árabes que vivem na Ásia são asiáticos», diz, convicto.
As etapas do sonho
Gradualmente, o sonho pan-africano foi ganhando forma. Em 1997, a Líbia financiou a criação da Comunidade de Estados Sahelo-Sarianos (Comessa) e, em Julho passado, fez aprovar o seu projecto de União Africana, na Cimeira da Organização de Unidade Africana de Lomé (Togo).
Paralelamente, tem marcado presença nos bastidores dos principais conflitos: República Democrática do Congo, Grandes Lagos, Etiópia/Eritreia, Libéria, Serra Leoa, Somália e Sudão, onde todas as facções estão, actualmente, em diálogo, após aceitarem uma proposta de Kadhafi.
Presentemente, ninguém duvida que Kadhafi é não «um» mas «o» actor incontornável das relações interafricanas. Circula bem junto dos beligerantes mais complicados e consegue acordos que ninguém acha possível. Mas para voltar ao concerto internacional terá de provar que o apoio ao terrorismo faz parte do passado.
Ontem, a Líbia comemorou o 31º aniversário da revolução que colocou Kadhafi no poder. Mais de dez chefes de Estado africanos confirmaram a sua ida a Tripoli para o saudar, discutir os desenvolvimentos de Lomé e, eventualmente, solicitar-lhe os «bons ofícios».
O futuro próximo pertence-lhe. O julgamento de Lockerbie está a decorrer e, segundo uma carta de 17 de Fevereiro de 1999 — divulgada na semana passada pelo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan —, Kadhafi tem a garantia dos EUA e do Reino Unido que o seu nome não será beliscado.
Por outro lado, está agendada para Outubro, em Marselha, a Cimeira do Mediterrâneo. A presença de Kadhafi não é um dado adquirido, mas não é provável que deixe escapar mais uma oportunidade para negar o seu isolamento e se aproximar da União Europeia.
Artigo publicado no “Expresso”, a 2 de setembro de 2000
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.