Arquivo de etiquetas: Mar

Os vários rostos dos oceanos

Os mares são verdadeiras autoestradas que aproximam povos e possibilitam o transporte de bens até ao outro lado do mundo. Também produzem alimento, sustentam comunidades e alimentam o planeta acolhendo plataformas de exploração energética. Permitem que entremos neles e nos deslumbremos com as suas maravilhas subaquáticas. Mas são também fonte de enorme preocupação. São nos oceanos que se manifestam algumas das mais galopantes evidências da degradação ambiental terrestre e são cada vez mais usados para preparar e lançar ataques bélicos. Várias facetas do mar em 25 imagens

SEGURANÇA. Um navio caça-minas da Marinha turca zela pela proteção da navegação e “varre” as águas junto a Erdek, na região de Mármara ALI ATMACA / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
ENERGIA. Uma estação e turbinas eólicas evidenciam uma aposta nas renováveis ao largo da Península de Shandong (China) GETTY IMAGES
ALIMENTO. Numa praia de Muanda (República Democrática do Congo), um grupo de pescadores prepara as redes para mais um dia na faina ALEXIS HUGUET / AFP / GETTY IMAGES
COMUNIDADE. Entre o povo Moken, chamado “ciganos do mar”, a pesca é subaquática, neste caso ao largo da ilha de Phuket (Tailândia) LILLIAN SUWANRUMPHA / AFP / GETTY IMAGES
DESCONTRAÇÃO. Na Faixa de Gaza, surfistas palestinianos preparam-se para apanhar as ondas do Mediterrâneo MAJDI FATHI / NURPHOTO / GETTY IMAGES
DEGELO. A fragmentação das calotas de gelo, como na Gronelândia, é uma das manifestações mais visíveis das alterações climáticas ULRIK PEDERSEN / NURPHOTO / GETTY IMAGES
VULNERABILIDADE. Esta vista aérea sobre Funafuti, a capital do Tuvalu, revela a grande exposição do arquipélago à subida do mar MARIO TAMA / GETTY IMAGES
POLUIÇÃO. Um mar de lixo ao largo de Ortakoy, um bairro de Istambul SEBNEM COSKUN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
ÊXODO. Um barco com dezenas de migrantes é escoltado pela guarda costeira italiana, junto à cidade siciliana de Catânia FABRIZIO VILLA / GETTY IMAGES
RELAXE. Mar e praia, dois dos ecossistemas mais procurados nas férias de verão TAYFUN COSKUN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
DESASTRE. A praia de Mae Ramphueng (Tailândia) está interdita a banhos, após o derramamento de petróleo no mar ATHENS ZAW ZAW / GETTY IMAGES
TREINO. Duas embarcações participam no exercício militar “Escudo Protetor”, no Mar Negro, perto da Roménia MIHAI BARBU / AFP / GETTY IMAGES
VIDA. Uma tartaruga recém-nascida num centro de incubação da cidade de Chennai (Índia) “ganhou asas” e segue na direção do Golfo de Bengala ARUN SANKAR / AFP / GETTY IMAGES
INDÚSTRIA. Um drone capta uma piscicultura de atum, no Mar Egeu MAHMUT SERDAR ALAKUS / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
COMÉRCIO. Três porta-contentores, de outras tantas empresas de transporte marítimo internacional, atravessam o Mar do Norte JONAS WALZBERG / GETTY IMAGES
PRODUÇÃO. Vista aérea sobre barcos de pesca numa quinta de algas, na cidade portuária de Dalian (China) GETTY IMAGES
TURISMO. Uma fila de barcos de cruzeiro ancorados junto à cidade de Miami (Estados Unidos) JOE RAEDLE / GETTY IMAGES
CRENÇAS. Numa praia de Bali (Indonésia), devotos hindus lavam a cara com água do mar, durante uma cerimónia de purificação GARRY LOTULUNG / NUR PHOTO / GETTY IMAGES
EXPLORAÇÂO. Um mergulhador verifica o estado dos recifes de coral, nas Ilhas da Sociedade (Polinésia Francesa) ALEXIS ROSENFELD / GETTY IMAGES
COMPETIÇÃO. Prova de vela, nas águas da cidade de Kiel (Alemanha), junto ao Mar Báltico SASCHA KLAHN / GETTY IMAGES
ABASTECIMENTO. Um navio-tanque descarrega petróleo, num terminal do porto de Yantai (China) GETTY IMAGES
RECREAÇÃO. Um pescador solitário exibe a captura de um polvo, na baía de Akyaka (Turquia) ONUR DOGMAN / GETTY IMAGES
SOBREVIVÊNCIA. Nas Maldivas, ameaçadas pela subida do nível do mar, um grupo de mulheres antecipa adversidades futuras e aprende a nadar ALLISON JOYCE / GETTY IMAGES
TRABALHO. Em Izmir (Turquia), os mergulhadores são fundamentais à apanha do atum MAHMUT SERDAR ALAKUS / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
CENÁRIO. Onde quer que se localize, o mar é garantia de um pôr do Sol espetacular, como na ilha de Föhr (Alemanha), junto ao Mar do Norte CHRISTIAN CHARISIUS / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de junho de 2022. Pode ser consultado aqui

Dez anos depois de um conselho de ministros debaixo de água, as Maldivas continuam a afundar-se

A 17 de outubro de 2009, o Governo das Maldivas, um dos países mais ameaçados pela subida da água dos oceanos, reuniu-se no fundo do mar para alertar para os efeitos das alterações climáticas. Dez anos depois, o Presidente que promoveu o insólito encontro está frustrado com a falta de ação e cansado da “linguagem jurássica” usada para defender o planeta

Há exatamente dez anos, o então Presidente das Maldivas, Mohamed Nasheed, promoveu um conselho de ministros original. Num país rodeado pelo azul do Índico, e onde saber mergulhar é algo quase tão natural como aprender a ler, aquela reunião decorreu debaixo de água.

A cinco metros de profundidade, de máscara posta e comunicando por gestos, o Presidente, 14 ministros e o Procurador-Geral do país assinaram um “SOS desde a linha da frente” para enviar às Nações Unidas: “As alterações climáticas estão a acontecer e ameaçam os direitos e a segurança de toda a gente na Terra”, defenderam. “Temos de nos unir num esforço mundial para parar mais aumentos de temperatura.”

A iniciativa foi simultaneamente um alerta para o mundo e um pedido de ajuda: a manter-se o aquecimento global e o consequente degelo dos graciares, as Maldivas — cujo ponto mais alto é inferior a dois metros — vão afundar-se no meio do oceano.

António Guterres está atento

O drama dos países insulares chegou, recentemente, à capa da revista “Time” que fotografou o secretário-geral da ONU, António Guterres, com a água do Oceano Pacífico pelos joelhos e ar de grande preocupação. A foto foi tirada junto à costa de Tuvalu, outro país ameaçado pela subida das águas do mar, mas bem poderia ter sido disparada nas Maldivas.

Neste arquipélago composto por 1192 ilhas (a maioria desabitadas), 26 grandes atóis (anéis de coral à volta de uma lagoa interior) e onde vivem cerca de 400 mil pessoas, as alterações climáticas são uma questão de segurança nacional.

Em 2008, quando se tornou o primeiro Presidente democraticamente eleito — derrotando Maumoon Abdul Gayoom, um dos ‘dinossauros’ da política africana que levava 30 anos na liderança do país —, Mohamed Nasheed comprometeu-se a tornar as Maldivas num exemplo a seguir em matéria de preservação ambiental. A evolução política do país feriu de morte essa ambição pessoal.

Em 2012, em circunstâncias que não colhem a unanimidade no país, foi afastado do poder — por “um golpe de Estado”, diz. Acusado de traição, foi preso e julgado sem direito a testemunhas de defesa. Condenado a 13 anos de prisão, ficou impossibilitado de se recandidatar à presidência durante 16.

Autorizado a sair do país para ser submetido a uma cirurgia, obteve asilo no Reino Unido, em 2016. A vontade de regressar à política subsiste mas para voltar a disputar a liderança do país precisa de resolver os assuntos com a justiça. A advogada Amal Clooney integra a equipa que o defende.

Fala-se muito, faz-se pouco

Em dezembo do ano passado, o ex-Presidente retomou o combate pelo futuro das Maldivas convidado pelo atual chefe de Estado, Ibrahim Mohamed Solih, para liderar a delegação nacional à Conferência de Katowice (Polónia) sobre as alterações climáticas. Foi o 24ª encontro do género organizado pelas Nações Unidas para discutir regras com vista à aplicação do Acordo de Paris de 2015.

Para Nasheed, foi um regresso frustrante. “Quase dez anos passaram desde que eu estive pela última vez nestas negociações climáticas, e devo dizer que nada parece ter mudado muito. Continuamos a usar a mesma linguagem jurássica de sempre”, denunciou ele em Katowice. “As emissões de dióxido de carbono aumentam, aumentam, aumentam e tudo o que parece que fazemos é falar, falar, falar. E continuamos a fazer as mesmas observações entediantes.”

FOTOGALERIA

O ministro das Pescas e da Agricultura das Maldivas assina o “SOS climático” aprovado numa reunião subaquática, a 17 de outubro de 2009 MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
Duas bandeiras das Maldivas sinalizam a realização de um evento oficial MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
A caminho da reunião, levando em mãos um documento para ser assinado MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
Participaram no conselho de ministros subaquático 16 pessoas MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
Mesas, cadeiras e canetas, o essencial para uma reunião fora do comum MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
O Presidente Mohamed Nasheen foi o grande promotor da iniciativa MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
A reunião decorreu com recurso a linguagem gestual MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
O “SOS climático” foi assinado por todos os participantes MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
A vez do ministro do Interior, Mohamed Shihab MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
O equipamento de mergulho não atrapalhou os trabalhos MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES
De regresso à superfície, cumprida a missão MOHAMED SEENEEN / DIVERS ASSOCIATION OF MALDIVES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de outubro de 2019. Pode ser consultado aqui

Paraísos ao fundo

Perdidas na imensidão dos oceanos, pequenas ilhas correm o risco de ficar submersas. A confirmar-se as alterações climáticas recentemente projectadas, o mar ameaça engolir países inteiros

A ilha Havelock, no Mar de Andamão, pertence à Índia DR. K. VEDHAGIRI / WIKIMEDIA COMMONS

Se o leitor está em vésperas de se casar e sonha com uma lua-de-mel nas Maldivas ou se está determinado a viajar até ao Tuvalu para apreciar coloridos recifes de corais, saiba que, provavelmente, no tempo dos seus netos, Maldivas e Tuvalu serão duas lendas — tal qual a Atlântida —, perdidas nas profundezas dos oceanos. Se os peritos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas tiverem razão, até 2100 o nível do mar subirá entre 18 e 59 centímetros. Que hipóteses em manter-se à tona terá então o Tuvalu, cujo ponto mais alto não vai além dos 4,5 metros, ou as Maldivas, cuja altitude média é de 1,5 metros?

É mais do que evidente que o nosso país está em perigo e que precisamos de agir para assegurar a nossa sobrevivência, afirmou recentemente o Presidente das Maldivas, Maumoon Abdul Gayoom. Para ele, as 1192 ilhas de palmeiras, água límpida, praias paradisíacas e exóticos resorts — a imagem de marca das Maldivas — estão condenadas a desaparecer dentro de poucas gerações.

A ameaça dos oceanos sobre os países insulares vem-se sentindo a um ritmo lento mas constante. Nos últimos 100 anos, o mar subiu 25 centímetros. Há oito anos, o Pacífico engoliu as primeiras ilhas desabitadas, no atol de Kiribati. Logo as atenções se viraram para as Carteret, na Papua-Nova Guiné, temendo-se que pudessem vir a ser as primeiras ilhas habitadas a serem submersas. Em Dezembro passado, um estudo da Universidade Jadavpur, de Calcutá, atribuiu essa distinção à ilha de Lohachara, na Índia, outrora habitada por 10 mil pessoas.

Insignificantes politicamente — ainda que representando 5% da população mundial —, as pequenas ilhas são a linha avançada dos territórios a experimentar, em primeira-mão, os efeitos adversos das alterações climáticas. Em sua defesa, os cálculos do Painel Intergovernamental revelam que elas são responsáveis por apenas 1% das emissões globais de gás com efeito de estufa. Ironicamente, o campeão mundial da produção de dióxido de carbono per capita é as ilhas Virgens.

Um dos primeiros sintomas do avanço do mar terra adentro são as migrações forçadas que já se fazem sentir. Um estudo recente das Nações Unidas prevê que, até 2010, cerca de 50 milhões de pessoas tornar-se-ão refugiados ambientais, obrigados a abandonarem as suas casas devido à desertificação, à subida das águas dos mares ou a catástrofes naturais cada vez mais devastadoras. Na Indonésia, o Ministério do Ambiente já anunciou que até 2030, o país perderá 2000 das suas 17 mil ilhas. O arquipélago das Bahamas é outro candidato a paraíso submerso. Mas reduzir a ameaça dos oceanos às pequenas ilhas seria redutor. Países como a Holanda, o Egipto, o Vietname ou o Bangladesh, e cidades como Tóquio, Xangai, Hong Kong, Mombai (ex-Bombaim), Calcutá, Carachi, Buenos Aires, São Petersburgo, Nova Iorque, Miami e Londres são vulneráveis à subida do mar. A maioria das 25 megacidades existentes no mundo — metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes — situam-se nas faixas costeiras e em países em desenvolvimento.

No ano passado, discursando nas Nações Unidas, o primeiro-ministro do Tuvalu, Saufatu Sapoaga, afirmou que a ameaça do aquecimento global não difere muito de uma lenta e traiçoeira forma de terrorismo. Fátima Veiga não vai tão longe, mas alerta para as consequências, a longo prazo, das alterações climáticas: Provocarão migrações em massa, problemas decorrentes do acesso aos recursos hídricos e ainda problemas em matéria de gestão dos recursos marinhos e dos recursos naturais. Tudo isso poderá ser fonte de tensão, crise e perturbação entre países. E sendo assim, poderá também constituir um factor de ameaça à estabilidade e à paz no mundo.

Afectado por uma seca profunda há várias décadas, o arquipélago de Cabo Verde é a prova de como o apetite devorador dos oceanos não ameaça somente as ilhas do Pacífico, do Índico ou das Caraíbas. A erosão da zona costeira é uma realidade que tem vindo a agravar-se graças à intervenção humana. Temos um boom da construção muito forte e as pessoas vão às praias apanhar areia para a construção. Isso provoca não só a erosão como também a salinização de terrenos que eram votados à agricultura, afirmou ao “Expresso” Fátima Veiga, embaixadora cabo-verdiana nas Nações Unidas.

Como em muitos outros países com recursos e configuração geográfica limitados, em Cabo Verde a pobreza é um aspecto transversal a esta luta, estando na origem de atentados ambientais. Desde a independência, levamos a cabo uma campanha de arborização, mas, infelizmente, porque as populações necessitam de lenha para a confecção dos alimentos, muitas dessas matas foram destruídas, refere a diplomata. A nossa luta prende-se com a mudança de mentalidades e com a criação de condições para o desenvolvimento das populações, acrescentou.

Nos corredores da ONU, a embaixadora cabo-verdiana é uma espécie de porta-voz da vulnerabilidade das pequenas ilhas perante a crescente agressividade da natureza. Fátima Veiga é vice-presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), uma coligação de 43 ilhas — tão heterogéneas quanto Cuba, Vanuatu ou Singapura — que tenta sensibilizar a comunidade internacional para as suas vulnerabilidades.

A outra parte do combate é travada internamente, pelos governos, no sentido de adaptar a vida das populações às novas circunstâncias. Em Cabo Verde, estamos a pôr em prática uma política nacional de promoção das energias renováveis. Temos um estudo — Estratégia para as Energias Renováveis — que prevê a elaboração de um atlas eólico para todas as ilhas, a aquisição de equipamento e formação de pessoas nessa área», explica a embaixadora. Há toda uma série de medidas destinadas a diminuir o recurso às fontes fósseis para produção de energia e a aumentar o recurso a certas fontes de energia renováveis.

Artigo publicado na revista Única do “Expresso”, a 17 de fevereiro de 2007

Terroristas dos mares

A sofisticação da pirataria marítima é uma ameaça à economia global

Os piratas estão de volta aos mares do Sudeste Asiático. As consequências do tsunami de 26 de Dezembro e a súbita quebra nos ataques a embarcações que se lhe seguiu lançaram a dúvida quanto ao futuro da pirataria marítima. Mas a “trégua” revelar-se-ia uma ilusão.

A 12 de Março, 35 homens munidos de armas automáticas e lança-granadas tomavam de assalto um navio-tanque indonésio e raptavam dois membros da tripulação. Dois dias depois, um rebocador japonês era atacado no estreito de Malaca e três tripulantes feitos reféns. Era a confirmação de que a “saison” 2005 da pirataria — iniciada a 28 de Fevereiro com um assalto a um rebocador malaio — começava tarde mas de forma inequívoca.

Em qualquer dos casos, os reféns foram libertados, mas nem sempre o desfecho é feliz. Os piratas de hoje já pouco se assemelham aos dos livros de aventuras. Dispõem de um pesado arsenal e obedecem a autênticas tácticas terroristas. De acordo com o relatório anual do Gabinete Marítimo Internacional (GMI), o ano de 2004 foi o mais violento de sempre, com um total de 30 tripulantes mortos — metade dos quais ao largo da Nigéria.

Estreito traiçoeiro

Segundo o GMI, o número de ataques em todo o mundo diminuiu de 445 em 2003 para 325 no ano passado — excepto no estreito de Malaca.

No mapa das rotas perigosas para o tráfego marítimo, esse canal — 900 quilómetros de mar entre a Malásia e a ilha indonésia de Sumatra — ocupa o primeiro lugar. Visando o roubo de carga para venda no mercado negro ou o rapto de tripulantes para pedidos de resgate, o estreito registou 28 incidentes em 2003 e 37 em 2004.

Todos os anos o estreito de Malaca é atravessado por 50 mil navios e, segundo algumas estatísticas, por um terço do comércio mundial e metade das remessas de petróleo; 90% do crude importado pelo Japão, por exemplo, passa por lá.

Polvilhadas por milhares de ilhas, as águas da Indonésia foram palco em 2004 do maior número de ataques — 93. As autoridades de Jacarta têm acusado o Movimento Aceh Livre — um grupo separatista islâmico que luta pela independência da província de Aceh, no norte de Sumatra — pela crescente sofisticação e violência dos ataques.

A confirmar-se esta aliança entre a pirataria e o terrorismo será caso para temer pela economia global. “Tal como os terroristas aprenderam a pilotar para o 11 de Setembro, podem aprender a ser piratas”, escreve John Burnett, autor de Águas Perigosas: Pirataria Moderna e Terror no Alto Mar. “Fazer encalhar um petroleiro transportando dois milhões de barris de crude num sítio como Batu Berhanti (Indonésia), onde o estreito tem pouco mais de uma milha de largura (1852 metros), fecharia o canal indefinidamente. Atrasar o fornecimento de petróleo à China, Japão e Coreia do Sul provocaria uma crise económica global”.

Artigo publicado no Expresso, a 30 de abril de 2005

O país que desapareceu por um dia

As marés vivas são uma crescente ameaça à vida no Tuvalu, que corre o risco de desaparecer de vez do mapa

Vista aérea sobre Funafuti, a capital do Tuvalu LILY-ANNE HOMASI / DFAT / WIKIMEDIA COMMONS

Há países que só em circunstâncias muito excepcionais conquistam espaço no noticiário internacional. É o caso do Tuvalu, um arquipélago perdido no Pacífico, a meio caminho entre a Austrália e o Havai, que, uma vez por ano, se vê na iminência de ser engolido pelo mar. Estamos só dois ou três metros acima do nível do mar, tão espalmados como uma omeleta. Não temos para onde subir, diz Mataio Tekinene, do Ministério do Ambiente local.

Na semana passada, o Tuvalu — 26 quilómetros quadrados dispersos por nove atóis, nenhum deles a mais de 4,5 metros acima do nível do mar —esteve parcialmente submerso pelo Pacífico, após ondulações três metros mais altas do que o habitual terem inundado casas, escritórios e parte do aeroporto de Funafuti, a capital.

É assim todos os anos, e os 11.500 habitantes do arquipélago parecem já estar habituados ao fenómeno. “Já não se preocupam com o que vai acontecer. Acomodam-se à mesma situação que já viveram em anos anteriores. Ficam em casa durante as marés vivas e desfrutam da enchente no exterior das suas casas”, afirma Tekinene.

Em 2001, a água chegou aos 3,3 metros, e o susto foi valente. “Temos marés cada vez mais altas e alagamentos maiores”, declara Hilia Vavae, meteorologista local. Em 1997, as marés levaram ao desaparecimento da ilha de Tepukasavalivili. “Pode-se olhar para dentro de água e ver o contorno da ilha”, acrescenta.

Com maior ou menor contratempo, a vida vai sendo possível no Tuvalu, embora as condições de sobrevivência estejam cada vez mais comprometidas: o avanço da água salgada contamina as reservas de água potável, provoca a erosão dos solos e inviabiliza as plantações.

Em 1997, as marés levaram ao desaparecimento da ilha de Tepukasavalivili. Pode-se olhar para dentro de água e ver o contorno da ilha

Para algumas correntes científicas, o afundamento das ilhas é uma consequência directa do uso indevido da terra e da pressão populacional. Em territórios exíguos como o Tuvalu, o destino a dar ao lixo ou os exageros cometidos pela construção civil ganham a dimensão de verdadeiras questões de Estado. Mas as autoridades locais preferem responsabilizar o aquecimento do planeta pelo “mergulho” do arquipélago.

Durante as negociações do Protocolo de Quioto, não se cansaram de chamar a atenção para o perigo de os habitantes se tornarem a primeira legião de refugiados ambientais, “vítimas mundiais das alterações climáticas”. Então, o secretário-geral da ONU alertou para a existência de “problemas no paraíso”. O Tuvalu aproveitou o tempo de antena que Kofi Annan lhe concedeu e tentou convencer os vizinhos australianos e neo-zelandeses a conceder aos seus cidadãos um regime especial de emigração para as ocasiões em que o país se torne inabitável.

Mas ninguém parece interessado em encarnar o papel de salvador de nações alagadas. Por isso, 12 anos após Quioto, o paraíso continua ameaçado e corre o risco de desaparecer do mapa.

Artigo publicado na revista Única do Expresso, a 28 de fevereiro de 2004