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Predadores dos mares

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A pirataria marítima é um fenómeno em expansão, sobretudo no sueste asiático, sulcado diariamente por milhares de embarcações — e onde os novos Barba Negra se deslocam em lanchas rápidas e atacam de Kalashnikov e granada

Herdeiros dos ideais de Barba Negra — o mais carismático e temido dos corsários —, os piratas do terceiro milénio já pouco têm em comum com os seus “antepassados”: substituíram os floretes por Kalashnikov e M-16, ganharam em agressividade aquilo que perderam em romantismo e não “pedem licença” para matar.

No século XVIII — a Idade de Ouro da pirataria marítima —, os bandidos, regra geral, observavam um código de conduta, assente em regras democráticas no que respeita quer à eleição do capitão do navio quer à decisão de atacar ou não determinada embarcação. Em muitos casos, o produto do assalto era mesmo dividido em partes iguais.

Hoje, tudo isto é ficção. O pirata não vive necessariamente numa ilha, isolada de tudo e de todos. Pode ser um discreto funcionário de um porto, um militar com acesso privilegiado a armamento ou, simplesmente, gente desesperada sem possibilidade de recorrer a meios legítimos de subsistência. A corrupção e a pobreza são, hoje, aliás, os dois motores de crescimento da pirataria moderna.

Intersetados pela Marinha dos Estados Unidos, no Golfo de Aden, estes homens são suspeitos de pirataria JASON R. ZALASKY / MARINHA DOS EUA

“Crocodilos marítimos”

Os piratas modernos obedecem a tácticas e estratégias como no caso dos fuzileiros. Estabelecem objectivos concretos, definem racionalmente os meios e, tal qual Neptuno, conhecem os mares como a palma das mãos. Deslocam-se em lanchas rápidas, atacam em bando e, como em qualquer actividade económica, vão-se especializando em formas precisas de ataque.

Uma das principais é o “ataque-relâmpago”, quer em portos — aproveitando o desmazelo em muitos deles ao nível da segurança — quer no mar. Munidos de facas ou armas de fogo de baixa potência, aproximando-se dos alvos com grande discrição e desferem ataques com grande rapidez e agilidade, sendo, por isso, vulgarmente conhecidos como “crocodilos marítimos”. Buscam, essencialmente, dinheiro e objectos pessoais de grande valor.

EXEMPLO: Em Maio de 1997, piratas albaneses atacaram um iate alugado por um casal de turistas ingleses quando navegava ao largo da ilha grega de Corfu. Os quatro assaltantes estavam munidos de espingardas e granadas e roubaram todos os bens que o casal levava a bordo, bem como os equipamentos de navegação.

Pilhagens em alto-mar

O ataque em alto-mar é o tipo de pirataria mais frequente e aquele que, quando levado a cabo em estreitos de mar, mais perturbações causa à navegação, sobretudo nos casos em que os piratas aprisionam a população, assumem o leme do navio e abandonam-no, posteriormente, deixando-o à deriva. Trata-se de ataques violentos, perpetrados por grupos bem organizados e, normalmente, muito bem armados e que funcionam como extensões de um navio-mãe. Frequentemente, registam-se mortos e feridos.

EXEMPLO: Em Fevereiro de 1996, ao sul das Filipinas, um bando a bordo de duas lanchas rápidas e munido de armas automáticas abordou a traineira MN-3 Normina e disparou sobre a tripulação, desarmada. Por umas poucas toneladas de peixe, nove pescadores foram mortos e um único — que resistiu aos ferimentos na nuca e conseguiu nadar para terra — sobreviveu.

Navios-fantasmas

Outro tipo de actuação dos piratas modernos é tomarem o controlo de navios em alto-mar e descarregarem as mercadorias para pequenos barcos, quer para benefício próprio quer para as venderem, posteriormente, a licitadores privados, a baixo preço. Depois, os navios são, fraudulentamente, registados de novo, rebaptizados e reingressam no circuito comercial.

Os ataques são feitos por grandes grupos de operacionais, fortemente armados e altamente treinados. A margem de erro de cada operação é pequena pois, previamente, os piratas são informados sobre a natureza das cargas, a sua propriedade bem como a bandeira do navio. Têm os seus informadores nos portos que mais lhes interessam, normalmente funcionários de companhias de navegação corruptos.

EXEMPLO: Em Setembro de 1998, o cargueiro japonês Tenyu desapareceu, no Estreito de Malaca, após deixar a Indonésia rumo à Coreia do Sul, com cerca de 3000 toneladas de lingotes de alumínio (com um valor comercial superior a 3 milhões de dólares) e uma tripulação de treze chineses e dois sul-coreanos. Três meses depois, foi encontrado num porto no leste da China, com um outro nome — Sanei-I — e dezasseis tripulantes indonésios.

Perdas de 36 milhões de contos por ano 

Segundo o Gabinete Marítimo Internacional (GMI), este tipo de pirataria provocará, num futuro próximo, problemas económicos de dimensão equiparável aos causados pela Mafia italiana. O GMI estima que o valor dos carregamentos roubados desta forma atinja já um montante anual superior aos 200 milhões de dólares.

Duas embarcações sobrelotadas: uma com elementos da Marinha norte-americana, outra com suspeitos da prática de pirataria, no Golfo de Aden MARINHA DOS EUA

O PIRATA ACTUAL

ASPECTO: barba por fazer, lenço na cabeça ou fita na testa, pode usar uma farda

MEIOS: Desloca-se em lanchas rápidas: está armado de facas (os menos perigosos), de espingardas e granadas (os intermédios) e de metralhadoras, ligeiras ou pesadas (os mais perigosos)

PERFIL: actua em grupo; o mais perigoso é sangrento e impiedoso, recorrendo a uma força desproporcional ao fim que pretende, não é necessariamente um homem que vive isolado numa ilha e pode ser um militar ou um funcionário de um porto

ALVOS: iates, traineiras, cargueiros, petroleiros e até pequenos navios de cruzeiro; rouba de tudo, de dinheiro e bens pessoais (os menos perigosos) a peixe e matérias-primas

1989, ANO DE VIRAGEM

O ano de 1989 constitui o marco histórico da pirataria moderna, essencialmente por duas razões: a redução da presença de forças navais norte-americanas no sueste asiático (ver texto sobre a Indonésia) e a intensificação do tráfego comercial marítimo, que colocou na mira dos piratas um maior número de alvos potenciais.

Os números do Centro Regional de Pirataria do Gabinete Marítimo Internacional (GMI), sediado em Kuala Lumpur, na Malásia, não desmentem os factos: se, em 1988, apenas 3 ataques foram denunciados, no ano seguinte o número cresceu até aos 60. E, em 1991, aumentou para 102.

Contudo, e apesar do aumento exponencial de ataques de pirataria na década de 90, há fortes indícios que apontam para que apenas uma ínfima parte dos casos verdadeiramente ocorridos, nomeadamente no mar alto, sejam denunciados pelas vítimas. De facto, não faz grande sentido que, em 1992, o número de denúncias tenha descido, drasticamente, até aos 69. Os argumentos em defesa desse receio em fazer queixa são, aliás, inatacáveis:

1. A morosidade das investigações implica a paralisação dos navios durante bastante tempo, o que traz custos avultados para os armadores.

2. Há o medo declarado de que a denúncia deste tipo de incidentes apenas sirva para aumentar os seguros sobre os navios.

3. A fama da vulnerabilidade da navegação a actos de pirataria traz graves consequências ao nível das trocas comerciais para os agentes e países envolvidos.

Por exemplo, Hong Kong teve, de 1992 a 1995, a reputação de ser um porto de perigo extremo. Tanto o NUMAST (um sindicato inglês que representa 20 mil mestres, oficiais e cadetes) como a Associação de Armadores do Japão ameaçaram reduzir ou redireccionar os fluxos comerciais, até que a segurança e vigilância marítimas fossem garantidas.

Paralelamente ao aumento do número de casos de pirataria, regista-se, igualmente, um agravamento qualitativo na forma como esses ataques são efectuados.

Os actos de violência radicalizaram-se e mesmo aqueles — como a tortura — que são, normalmente, associados a situações de conflito específicas, já foram adoptados pelos piratas.

Um exemplo disso foi o que aconteceu em Novembro de 1998 com um pesqueiro chinês: ao içar as redes, viu emergir seis cadáveres amordaçados e com contrapesos atados. Mais tarde, foram identificados como sendo marinheiros do cargueiro Cheung Son, que tinha sido assaltado, quando seguia da China para a Malásia, carregado de minério de ferro, e os seus 23 tripulantes chacinados e lançados ao mar.

Nas palavras de Eric Ellen, o director executivo do GMI, “a pirataria moderna é violenta, sangrenta e impiedosa. Tornou-se mais assustadora porque as suas vítimas sabem que estão sós e desarmadas”.

PARAÍSO E SANTUÁRIO

Apesar de a pirataria ser uma realidade galopante na costa da Somália e nos portos brasileiros, é no sueste asiático — região onde o corso, desde há centenas de anos, é um fenómeno endémico — que ela assume os contornos mais preocupantes. Por lá passam as principais rotas de navegação comercial, sendo as inúmeras ilhas que salpicam os mares asiáticos serpenteadas, diariamente, por milhares de embarcações.

As estatísticas dizem que, de ano para ano — sobretudo após a crise económica ter atingido a Ásia —, os ataques se fazem com menor discrição e redobrada intensidade. Na Indonésia, os actos de pirataria tornaram-se mesmo uma praga. Em 1997, foram reportados 47 casos, no ano seguinte 59 e, só nos primeiros meses de 1999, já foram denunciados 36 ataques (ver mapa).

A experiência do capitão Newton…

Desde que se tornou, internamente, um turbilhão de instabilidade e insegurança, a Indonésia tem vindo a perder influência sobre as vitais e estratégicas rotas marítimas que atravessam a região. A continuar a convulsão, a Indonésia poderá, em breve, tornar-se um verdadeiro paraíso para qualquer pirata que se preze. É a Câmara Internacional do Comércio — o organismo que superintende quer o GMI, em Londres, quer o Centro de Pirataria, em Kuala Lumpur — a primeira a alertar para esta eventualidade.

“Os piratas da Indonésia mostraram, ao longo de muitos anos, capacidade para atacar navios, particularmente nas águas junto à costa. Eles sabem como fazê-lo e têm o armamento necessário. Pessoas desesperadas fazem coisas desesperadas e, dada a instabilidade social no país, será muito fácil começar com ataques piratas”.

Oficiais da marinha mercante testemunham que muitos dos raides piratas na zona são protagonizados por membros de uma unidade militar desertora do Exército indonésio, treinada pelos ingleses, ironicamente… para combater os crimes de pirataria. A experiência do capitão Peter Newton — feito refém por um bando de piratas cujo líder, segundo ele, falava um inglês perfeito — é disso uma evidência: “Era, obviamente, um oficial militar”.

… e o apito de McDwall

Igual certeza, mas denotando a mesma dificuldade em apresentar provas, tem Allan McDwall, um comandante inglês que, em 1992, ao largo de Sumatra, conseguiu afugentar um bando de piratas, recorrendo a um sistema de bloqueamento das portas do seu petroleiro e a um ensurdecedor apito de vapor que “abanava o cérebro e não deixava falar”.

McDwall viria a testemunhar que os assaltantes estavam armados, chegaram em barcos insufláveis e usavam uniformes escuros e camuflados como os dos fuzileiros indonésios. “Sabia que havia um navio de guerra daquele país na zona, porque os podíamos ouvir através do rádio”, disse. Mas a verdade é que nunca conseguiu provar nada. Ainda assim McDwall admite ter tido sorte: “Nos velhos tempos, eles tinham mosquetes, mas nós também. Agora, estamos proibidos de trazer armas a bordo”.

O CÚMPLICE ‘DESCARADO’

Jayant Abhyankar, um alto responsável do Gabinete Marítimo Internacional (GMI), não tem papas na língua: A China é o único país que deixa os piratas irem embora. Constatamos isso em quase todos os casos que envolvem a China.

Segundo o GMI, um dos factores que têm contribuído para a massificação do problema da pirataria marítima — sobretudo nas águas entre o Mar do Sul da China e o Mar de Java —, é, de facto, a cumplicidade implícita na forma de Pequim (não) actuar.

As suspeitas partem do pressuposto de que as autoridades chinesas sofrerão ainda de um trauma provocado por um certo vazio de poder e autoridade, resultante da menor presença, na região, de vasos de guerra americanos e soviéticos, comparativamente ao que se passava antes de 1989.

Exemplos: em 1997, a China mandou para casa, sem julgamento, os catorze piratas que, em Setembro de 1995, tinham tomado o “Anna Sierra” — um cargueiro cipriota que transportava 5 milhões de dólares de açúcar, para as Filipinas —, alegando não ter legitimidade para julgar um caso que ocorrera na jurisdição da Tailândia. Contudo, ficou provado que as autoridades chinesas venderam a carga do navio — aprisionado em Beihai, um porto no sul do país cujas autoridades já ganharam fama de cumplicidade descarada — e multaram o armador em 400 mil dólares para cobrir os custos dos “inquéritos”.

Outro caso ocorreu em Abril de 1998. O petroleiro malaio “Petro Ranger”, tomado de assalto quando seguia de Singapura para o Vietname, foi encontrado posteriormente num porto chinês, com a sua carga de diesel e querosene intacta. Os piratas, indonésios, foram repatriados sem qualquer punição.

Artigo publicado no Expresso, a 11 de dezembro de 1999

Luta para ficar à tona

As  pequenas ilhas, que raramente prendem as atenções, concentram em si vários dos problemas que afligem a Humanidade, servindo de laboratório para a ONU, que na segunda e terça-feira dedica uma sessão especial à questão 

Vista aérea sobre Malé, a capital das Maldivas, no Oceano Índico SHAHEE ILYAS / WIKIMEDIA COMMONS

As pequenas ilhas — que polvilham o planisfério nas zonas onde, aparentemente, só vemos azul — raramente prendem as atenções. No entanto, elas existem, são aos milhares, muitas são habitadas e têm preocupações “do tamanho do mundo”.

Muitas das vulnerabilidades que afectam estas ilhas advêm quer dos seus contornos físicos quer da sua localização geográfica. Por isso, 41 delas instituíram, em 1990, a AOSIS (Aliança das Pequenas Ilhas Estados), uma organização que, desde então, tem funcionado como um laboratório das Nações Unidas para os problemas mais prementes. Quanto mais não seja porque muitas dessas “dores de cabeça” — as ecológicas, especificamente — serão partilhadas pelos países maiores (e mais desenvolvidos) num futuro não muito distante.

Longe do mediatismo que caracteriza outras reuniões do género — com participantes bem menos discretos — a Assembleia Geral da ONU vai dedicar, na segunda e terça-feira, uma sessão especial às pequenas ilhas e suas especificidades.

As alterações climáticas

Na viragem do milénio, as alterações climáticas constituem uma das principais fontes de preocupação para as pequenas ilhas. O aquecimento global da Terra (entre 1 e 3,5 graus centígrados, até 2100) e a consequente subida do nível do mar (entre 15 e 95 centímetros) colocam estas ilhas na “linha da frente”, como potenciais vítimas das catástrofes naturais.

As ilhas Tuvalu, por exemplo — que são o quinto Estado independente mais pequeno do mundo — correm mesmo o risco de, no próximo século, desaparecerem do mapa. Elas consistem em nove atóis de origem coralinea, habitados por cerca de 9500 pessoas, e o seu ponto mais alto não ultrapassa os cinco metros. Também as Maldivas — um arquipélago com quase 2000 ilhas, onde habitam cerca de 275 mil pessoas e cujo “pico montanhoso” não vai além dos seis metros — poderão ter a mesma “sorte”.

Para agravar a situação, todas as ilhas membros da AOSIS (exceptuando Malta, Chipre, Bahrein e parte das Bahamas) situam-se na região intertropical do Globo, onde o clima é mais quente e mais húmido do que em qualquer outra parte do planeta.

A Ásia-Pacífico, em particular, é a região onde as manifestações naturais decorrentes dos fenómenos “El Niño” e “La Niña” se tem feito sentir, desde há 20 anos, com maior frequência e intensidade. Logicamente, os seus efeitos devastadores ganham maior amplitude quando estão em causa pequenas massas de terra.

Com excepção da Papua Nova Guiné e Cuba, todas as outras ilhas da AOSIS são mais pequenas do que Portugal e mais de metade têm, inclusivamente, um tamanho inferior ao da Grande Lisboa. Em Março de 1982, em virtude do “El Niño”, o arquipélago do Tonga — uma área que, apesar de ser inferior à da ilha da Madeira, detém o recorde mundial de terrenos cultivados (79%) — viu a maior parte das suas colheitas (amêndoa e banana) serem completamente destruídas pelo ciclone “Isaac” que se abateu sobre a Oceania.

Mais recentemente, em Julho de 1998. a província de Sepik, no Noroeste da Papua-Nova Guiné, foi atingida por um forte maremoto, seguido de uma onda gigante de 10 metros de altura, que mataram perto de 2000 pessoas, ou seja, aproximadamente um quinto da população que habitava a região.

A pequenez das ilhas face à agressividade climática contribuiu para que elas tomassem consciência da sua importância ao nível das energias alternativas. Muitos especialistas defendem já que as pequenas ilhas reúnem condições invejáveis para liderar a revolução energética global, através da utilização de fontes “verdes”, tais como a água, o vento e a biomassa.

Em Sukiki, nas Ilhas Salomão, o aproveitamento energético da luz solar, em detrimento das lâmpadas de querosene, foi feito com muito sucesso e com inegáveis benefícios económicos e ambientais para as populações.

O desgaste do turismo

As costas das ilhas são as zonas mais expostas às intempéries. Para além de concentrarem a maior parte da população, elas abrigam os principais recursos económicos — o peixe e o potencial turístico (praias exóticas, águas límpidas e recifes de corais). A sua degradação significa, portanto, um sério revés para a capacidade de sobrevivência das ilhas.

O turismo, em particular, é vital para estas ilhas. Verdadeiros “paraísos na Terra”, quanto mais pequenas, isoladas e longínquas são, mais apetecíveis se tornam. As pequenas praias das Seychelles, por exemplo, atraem, anualmente, mais de 130 mil turistas. Tendo em conta que este arquipélago é constituído por mais de 100 ilhas que, juntas, têm uma área pouco superior a metade da ilha da Madeira e que só tem cerca de 77 mil habitantes, os receios da pressão humana são evidentes e compreensíveis.

Mas nem só a intervenção humana desgasta estes “lugares de sonho”. Também as forças da natureza afastam os turistas. Na ilha de Nevis, por exemplo, a praia de Pinney vem sofrendo uma erosão permanente, desde a década de 70. Periodicamente, mais uma fila de palmeiras é arrancada ao solo e o hotel já forma mesmo uma pequena península no meio do mar. O seu restaurante, com a ajuda do furacão “Luís”, em 1995, perdeu mesmo toda a clientela: um mês após estar pronto, já só via peixes, algas e muita água entrarem pela porta adentro. A UNESCO está ciente destes fenómenos e informou que há regiões insulares no Leste das Caraíbas, onde a erosão das praias e das dunas avança à razão de cinco metros por ano.

Ecossistemas em crise

As populações nativas, nem sempre dão o melhor exemplo aos forasteiros, no que se refere à necessidade imperiosa de manter os ecossistemas em equilíbrio. Inevitavelmente, quem acaba por pagar, directamente, esta cara factura é a biodiversidade das ilhas, que se vê amputada de algumas das suas espécies mais apreciadas.

Neste âmbito, a amplitude da degradação dos bandos de aves nas Caraíbas é particularmente preocupante. O “Pato Sibilante da Índia Oriental”, por exemplo, uma espécie que habita os pântanos de vários países da região, é já considerado uma espécie ameaçada: em Cuba e nas Bahamas, devido à caça ilegal; no Haiti, devido à utilização dos seus “habitats” para o cultivo do arroz; na República Dominicana, por causa dos pesticidas e, na Antígua e Barbuda, devido ao desvaste de extensas áreas de mangais.

O recurso a áreas protegidas é uma solução que algumas ilhas adoptam para salvaguardar a biodiversidade. A Jamaica, por exemplo, já delimitou cinco extensões com esse objectivo, a maior das quais Portland Bight — ocupa quase o dobro da área do Parque Natural da Serra da Estrela. Estabelecida em Abril passado, esta reserva abriga as maiores florestas secas de origem calcária de toda a América Central e Caraíbas. São cerca de 48 quilómetros quase contíguos de mangais, 53 espécies vegetais que só existem na Jamaica e pântanos habitados por aves aquáticas e crocodilos, o símbolo nacional do país.

A falta de água

Rodeadas de água por todos os lados, é difícil perceber em que medida este recurso pode constituir, por si só, um motivo de preocupação para as ilhas. Mas, mesmo as ilhas onde chove abundantemente podem não ter vida fácil.

Por um lado, a sua baixa altitude proporciona que os lençóis freáticos subterrâneos sejam facilmente contaminados, quer por agentes poluidores, quer pela água salgada dos oceanos. Por outro lado, o abastecimento de água às populações implica infra-estruturas de armazenamento e distribuição de vulto, raramente existentes.

Em Tarawa, o atol mais populoso do arquipélago de Kiribati, o acesso às reservas subterrâneas de água doce gerou, em 1996, um conflito, que se arrastou por dois anos, entre a comunidade de Bonkiri e o Governo. Em Tarawa, os cuidados com a água são tais, que já se tornou um hábito ferver toda a água que se bebe. Periodicamente, o dispêndio da água que se consome é racionado, e os filtros para a sua purificação já fazem parte dos utensílios domésticos.

Artigo publicado no Expresso, a 25 de setembro de 1999