A instabilidade na Tunísia, a ausência de Estado na Líbia e a tensão militar entre Marrocos e Argélia podem alimentar fluxos migratórios na direção da Península Ibérica. Ao Expresso, o diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group diz que “um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não é provável para já”, mas… esta terça-feira o tema será discutido numa conferência organizada pelo Observatório do Mundo islâmico, em Lisboa
Nos últimos anos, o Mediterrâneo tornou-se um cemitério para migrantes desesperados que arriscam a vida (e em muitos casos perdem-na) em frágeis embarcações para tentar chegar às costas da Europa. Um fluxo migratório tem-se feito sentir com maior intensidade junto às fronteiras da Europa de Leste, com milhares de pessoas escondidas em florestas (onde já existem campas de migrantes que morreram ao frio) à espera de oportunidade para pôr o pé em território da União Europeia.
De forma mais discreta e menos numerosa, há cada vez mais embarcações provenientes do continente africano a lançarem-se na direção da Península Ibérica e a chegarem à costa algarvia.
“Por enquanto, o número de tentativas para chegar ao Algarve é limitado. Não é possível falar numa verdadeira rota de imigração ilegal a partir de Marrocos. Portugal já recebeu cerca de 100 migrantes provenientes de Marrocos dessa forma e parece haver um ligeiro aumento este ano comparado com 2020”, diz ao Expresso Riccardo Fabiani, diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group.
“Ao longo deste ano, já foi possível observar um aumento (comparativamente a 2020) de embarcações provenientes de Marrocos para Espanha. Vale a pena lembrar também que a rota do Mediterrâneo Ocidental é a segunda mais importante, depois da rota entre Líbia/Tunisia e Itália.”
Maioria dos migrantes é magrebina
Uma constatação importante para se perceber e conseguir prever a evolução deste fenómeno prende-se com o facto de a maioria dos migrantes que usam a rota do Mediterrâneo Ocidental ser magrebina. “Isso revela que a situação política e económica no Norte de África está a piorar e que esta instabilidade já tem impacto na população e nos fluxos migratórios para a Europa”, explica Fabiani, que esta terça-feira irá desenvolver o tema na conferência “Norte de África: tensões e conflitos”, organizada pelo Observatório do Mundo Islâmico e realizada na Biblioteca Arquiteto Cosmelli Sant´Anna, em Lisboa (18h30), com transmissão online aqui.
“Há várias explicações para este fenómeno. Em primeiro, a situação económica no Norte de África é cada dia mais difícil, especialmente por causa da covid-19 mas também porque a esses países falta um modelo de desenvolvimento capaz de oferecer um número suficiente de empregos, sobretudo para os jovens”, desenvolve o investigador do International Crisis Group. “Em segundo, nos últimos anos, a promessa de abertura política e democracia desapareceu.”
TUNÍSIA: Dez anos após o movimento da Primavera Árabe, o país onde tudo começou continua sem consolidar a sua democracia e sem conseguir estabilidade. Invocando a urgência em combater a corrupção, em julho passado, o Presidente Kaïs Saïed dissolveu o Parlamento e concentrou em si os principais poderes do Estado. “A maioria da população está desiludida com a democracia, que não produziu os efeitos esperados de desenvolvimento económico e de combate à corrupção”, comenta Fabiani.
LÍBIA: É outro país que ainda não encontrou o seu rumo após a queda do ditador Muammar Kadhafi, há dez anos. Duas autoridades políticas disputam o poder, condenando a sociedade a uma ausência de perspetivas que se arrasta. “Assistimos a um impasse político devido às divisões crescentes entre as fações líbias relativamente às eleições [legislativas e presidenciais] previstas para 24 de dezembro”, neste país rico em petróleo.
MARROCOS: Em novembro de 2020, a Frente Polisário pôs termo a um cessar-fogo que durava há dez anos e retomou a luta armada contra Marrocos em nome da autodeterminação do território do Sara Ocidental. Este conflito contamina a relação entre Marrocos e a vizinha Argélia (que abriga milhares de refugiados sarauís). “Estas tensões militares entre Marrocos e a Frente Polisário e um risco cada dia maior de uma guerra entre Argélia e Marrocos podem alimentar nova vaga migratória”, alerta Fabiani.
“Embora um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não seja provável para já, há uma hipótese de a desestabilização do Norte de África poder levar mais pessoas a tentar chegar a Espanha e a Portugal, e tornar a gestão da imigração ilegal nessa região muito mais complicada do ponto de vista político e logístico”, alerta Fabiani.
A estratégia de Portugal
A chegada ao Algarve de embarcações com migrantes marroquinos levou Portugal, em agosto do ano passado, a encetar conversações com Marrocos com vista à criação de uma rede de migração legal, dada a necessidade de Portugal relativamente a mão de obra estrangeira para determinadas atividades.
“O Governo português parece apostar numa estratégia preventiva face ao risco de um aumento da imigração ilegal e negocia com Marrocos um acordo para permitir a imigração legal deste país para Portugal. Parece-me uma estratégia inteligente mas também um sinal de que o problema da imigração clandestina poderia se tornar mais perigoso nos próximos anos.”
Com os migrantes a procurarem rotas alternativas para tentarem para chegar à Europa, a abordagem da União Europeia mantém-se a mesma de sempre: desembolsar milhões para conter o problema na margem sul do Mar Mediterrâneo. “A estratégia nunca mudou: a UE continua a apoiar os Estados ‘tampão’ do Norte de África para gerir os fluxos provenientes da África subsariana e para monitorizar o litoral e assim impedir tentativas de travessia para a Europa”, conclui Fabiani.
“Trata-se de uma estratégia focada na segurança e no controlo das fronteiras e que não presta muita atenção aos outros fatores por detrás deste fenómeno, como o desemprego, a instabilidade, as alterações climáticas e a falta de desenvolvimento económico.”
(FOTO Refugiados tentam atravessar o Mediterrâneo num insuflável, desde a costa da Turquia até à ilha grega de Lesbos MSTYSLAV CHERNOV / WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui
Ao mesmo tempo que saudava a oficialização da relação diplomática entre marroquinos e israelitas, o Presidente dos Estados Unidos anunciou que vai reconhecer a soberania de Marrocos sobre o território do Sara Ocidental
E vão quatro. Depois de Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Sudão, o reino de Marrocos tornou-se, esta quinta-feira, o quarto país árabe a aceitar a normalização da sua relação diplomática com Israel. Tudo isto em apenas quatro meses.
O anúncio foi feito na rede social Twitter pelo Presidente dos Estados Unidos, que mediou o processo. Na sua reta final em funções, a Administração Trump tem investido na aproximação entre Israel e o mundo árabe sunita, num quadro designado por Acordos de Abraão.
Donald Trump saudou “outro avanço histórico”. “Os nossos dois GRANDES amigos, Israel e o reino de Marrocos, concordaram em estabelecer relações diplomáticas plenas — um imenso avanço pela paz no Médio Oriente!”
Este passo entre Rabat e Telavive é a consagração oficial de uma relação que já existia clandestinamente e que agora vai desenvolver-se sem constrangimentos. Segundo a imprensa israelita, a companhia aérea El Al está a equacionar pelo menos um voo diário entre os dois países e operadores turísticos estimam que 150 mil israelitas possam, em 2021, escolher Marrocos como destino de férias.
Para Israel, trata-se da confirmação de que é um país cada vez menos só entre os vizinhos árabes. Em comunicado, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, agradeceu ao rei de Marrocos a sua “decisão histórica” e prometeu uma “paz muito calorosa” entre os dois países.
Uma palavra aos palestinianos
Já o monarca de Marrocos, Mohammed VI, falou ao telefone com o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas — que vê mais um “irmão” árabe afastar-se da solidariedade árabe em torno da causa palestiniana —, a quem reafirmou o compromisso de Marrocos em relação à solução de dois Estados para o conflito israelo-palestiniano.
Porém, para Marrocos, este acordo traz um bónus precioso oferecido por Washington: os Estados Unidos comprometem-se a reconhecer a soberania marroquina sobre o Sara Ocidental. O território está ocupado desde 1975 por Marrocos (que o encara como as suas províncias do sul), mas as Nações Unidas prometeram ao povo sarauí um referendo de autodeterminação.
No Twitter, Trump defendeu que “a proposta de autonomia séria, credível e realista de Marrocos é a ÚNICA base para uma solução justa e duradoura” para o conflito do Sara Ocidental. E acrescentou: “Marrocos reconheceu os Estados Unidos em 1777. É portanto adequado que reconheçamos a soberania deles sobre o Sara Ocidental”.
Esta alteração da posição dos Estados Unidos já mereceu reação das autoridades da República Árabe Sarauí Democrática (RASD) — que é reconhecida por dezenas de países e membro de pleno direito da União Africa, em igualdade de condições com Marrocos.
Em comunicado, a RASD e a Frente Polisário (reconhecida pela comunidade internacional como legítima representante do povo sarauí) condenam a decisão de Trump “em fim de mandato” de reconhecer a Marrocos “aquilo que nunca foi seu, ou seja, a soberania sobre o Sara Ocidental”.
“A decisão do senhor Trump constitui uma flagrante violação da Carta das Nações Unidas e dos princípios que regem a legalidade internacional, governos e tribunais internacionais, ao mesmo tempo que constitui uma séria obstrução dos esforços da comunidade internacional na busca de uma solução justa e pacífica para o conflito entre a República Sarauí e o reino de Marrocos. Além disso, esta decisão acontece a poucos dias de Marrocos ter feito explodir o cessar-fogo com a agressão perpetrada a 13 de novembro.”
A aproximação entre Israel e o mundo árabe sunita tem sido prioridade da diplomacia norte-americana, e em especial, do conselheiro e genro de Trump, Jared Kushner. Visa não só criar erosão na parede árabe que isolava Israel na região, como sobretudo unir e fortalecer uma frente de oposição ao grande inimigo de todos na região — o Irão.
Egito foi pioneiro
Abdel Fattah al-Sisi, Presidente do Egito — outro dos pesos-pesados da geopolítica do Médio Oriente —, foi o primeiro dirigente árabe a reagir ao novo acordo. “Se esta etapa der frutos, criará mais estabilidade e cooperação na nossa região”, afirmou em comunicado.
O Egito foi o primeiro país árabe a estabelecer um tratado de paz com Israel, assinado em 1978, seguido pela Jordânia, em 1994. No total, são agora seis os membros da Liga Árabe (de um total de 22) com relações diplomáticas com o Estado judeu. Porém, uma coisa são acordos celebrados entre governos, outra a sua aceitação pelos povos árabes, no seio dos quais continua a prevalecer um forte sentimento anti-Israel.
Esta semana, a imprensa israelita deu conta de preparativos para uma visita oficial de Netanyahu ao Egito. A confirmar-se, será a primeira de um líder israelita desde 2010, ano em que Netanyahu se encontrou com o então Presidente egípcio, Hosni Mubarak, no Cairo. Poucas visitas para dois países que têm entre si um território problemático chamado Faixa de Gaza.
A morte, há oito dias, de um peixeiro marroquino no interior de um camião do lixo, levou milhares de pessoas às ruas de várias cidades do reino em protesto contra as autoridades. Mouhcine Fikri, de 31 anos, foi engolido por uma trituradora quando — numa atitude desesperada, defendem os manifestantes — tentou salvar 500 kg de espadarte confiscados pela polícia. Uma investigação está em curso para apurar se, de facto, foi um ato de desespero ou um acidente. Se a trituradora estava ligada quando Fikri caiu ou foi acionada depois e quem deve ser penalizado pelo negócio do espadarte, já que a sua pesca está proibida no Mediterrâneo entre 1 de outubro e 30 de novembro.
O facto é que logo se estabeleceram paralelismos entre este caso e o do tunisino Mohamed Bouazizi, o vendedor ambulante que, a 17 de dezembro de 2010, se imolou pelo fogo após a polícia municipal lhe ter apreendido a banca de fruta, e que foi considerado o tiro de partida da Primavera Árabe. Iria agora a morte trágica de Mouhcine Fikri desencadear uma segunda ronda de protestos visando a monarquia, direta ou indiretamente?
Regime vai cedendo
Há cinco anos, Marrocos também não foi poupado aos ventos da Primavera Árabe, mas Mohammed VI foi hábil na contenção das manifestações dinamizadas pelo Movimento 20 de Fevereiro (M20). Promoveu um referendo constitucional e abdicou de prerrogativas, transferindo para o primeiro-ministro o poder de dissolver o Parlamento e para o Parlamento a concessão de amnistias, por exemplo. Com os marroquinos de volta às ruas, estará agora pressionado a fazer novas cedências?
“Este tipo de casos são balões de oxigénio que alimentam o M20, o qual continua a fazer sentido na pressão pelos direitos cívicos, sobretudo no que toca à mulher”, explica ao Expresso Raúl Braga Pires, investigador no Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação da Academia Militar (CINAMIL). “O regime tem cedido e ajustado as leis aos tempos modernos, como foi o caso da anulação da alínea do código penal que permitia a um violador safar-se caso acordasse casar com a sua vítima.”
O investigador compara este caso a outro, em agosto de 2013, que levou a população às ruas para contestar uma amnistia concedida ao espanhol Daniel Galvan Viña, o “Monstro de Kenitra”, condenado a 30 anos de prisão por crimes de pedofilia, “um assunto sujo e tabu e sempre escondido”. O caso surgira numa altura em que o confronto provocado pela Primavera Árabe tinha dividido profundamente a sociedade marroquina entre “esquerda” e “direita”, mas perante esse caso lealistas e membros do M20 surgiram lado a lado, independentemente de, na véspera, nas ruas, se terem agredido.
“Tensão com as autoridades existe sempre, mas os marroquinos têm noções muito claras sobre os limites e nunca acontecerá o mesmo que na Tunísia”, prossegue Braga Pires, professor na Universidade Mohammed V, em Rabat, entre 2011 e 2014. “Uma das formas inteligentes de conter os ânimos coletivos marroquinos mais impulsivos, durante o inverno de 2011, foi o facto de os cafés do reino estarem permanentemente sintonizados em canais de informação contínua, sobretudo a Al-Jazeera Árabe, que passavam em direto os acontecimentos no Egito, Iémen e, mais tarde, Síria. Os marroquinos viam e diziam: ‘Não queremos isto aqui!’”
O poder dos súbditos
Após a Primavera Árabe, qualquer governante — de Rabat a Muscate (Omã) — sabe que pode ter os dias contados e o mesmo destino do egípcio Hosni Mubarak (preso e condenado) ou do líbio Muammar Kadhafi (linchado na rua). O poder em Marrocos está atento a isso. “Estes casos que mobilizam a opinião pública de forma transversal reforçam ainda mais o poder e a autoridade do monarca”, diz o investigador. “Tudo isto provoca nos súbditos a certeza de que hoje são mais livres e informados do que nunca e que vivem num país/regime que lhes permite manifestarem-se à vontade e provocar justiça em casos de gritante injustiça.”
Outra questão levantada por este caso prende-se com a sua localização. Fikri morreu a 28 de outubro, em Al Hoceima, cidade costeira do Mediterrâneo, na região rebelde e esquecida do Rif (norte). “O Rif já fez as pazes com o Palácio”, diz Raúl Braga Pires. “Foi Hassan II que lhes chamou insetos e nunca se deslocou ao Rif, oficial ou oficiosamente, durante a sua vida/reinado. O filho, Mohammed VI, construiu estradas, deu um novo impulso económico a toda a região com investimento interno e estrangeiro e até já celebrou a Festa do Trono em Tetuão, o que muito bem caiu no goto dos rifenhos. O sentimento independentista característico desta região tem tido razões para se ir esboroando.”
Artigo publicado no “Expresso”, a 5 de novembro de 2016
As transições políticas pós-revolução tardam em produzir estabilidade. No Egito e na Líbia, dois militares agarraram o leme
O deposto Hosni Mubarak “na sombra” do general Mohssen El–Fangari, membro do Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF) CARLOS LATTUF / WIKIMEDIA COMMONS
A revolução egípcia acaba de colocar um militar no poder — o marechal Abdel Fattah al-Sisi, eleito por sufrágio universal por uma maioria esmagadora. Na Líbia, um general na reserva declarou guerra às milícias islamitas e desencadeou uma ofensiva por conta própria, na região de Bengasi (leste). Líder de um país em guerra, o sírio Bashar al-Assad sobrevive ao conflito apoiado numas forças armadas que continuam a ser-lhe leais, apesar de múltiplas deserções no início dos protestos. São apenas três exemplos que revelam uma crescente preponderância do poder militar sobre regimes bafejados pela Primavera Árabe.
“Há uma grande preocupação nas populações árabes de que a relativa segurança e estabilidade em que viviam sob regimes autocráticos dê lugar ao caos e à desintegração das instituições, como acontece na Síria e, até certo ponto, na Líbia e no Iémen”, diz ao “Expresso” Manuel Almeida, editor da edição inglesa do jornal árabe “Asharq Al-Awsat”. “Neste contexto, as forças armadas, que eram uma pedra basilar dos regimes e que têm privilégios próprios a defender, são para muitos a principal garantia de que as transições políticas não deem lugar ao caos e de que, pelo menos, o exército zele pelo interesse nacional.”
Três anos após o início da Primavera Árabe — Manuel Almeida prefere chamar-lhe “despertar árabe”, por refletir a ideia de que os árabes acordaram de um sono induzido e não voltarão ao estado anterior de medo e indiferença —, é legítimo interrogar se este protagonismo dos militares não significará um regresso às ditaduras contra as quais os povos se rebelaram. “O risco de um retorno a regimes autocráticos e despóticos com os militares no topo da hierarquia existe”, defende o editor daquele conceituado jornal pan-árabe publicado em Londres.
Pelo povo e para o povo
Mas hoje, entre os árabes, nem tudo é exatamente como antes das revoluções, a começar pela forma como encaram os seus governantes. “O sentimento que se estabeleceu, nos últimos três anos, de que o poder político (seja de que natureza for) tem de prestar contas pelas suas decisões, implica que haja uma pressão maior sobre quem assumir o poder”, continua o editor português. “A necessidade de apresentar trabalho e resultados vai existir, seja o governo em causa democrático ou não, civil ou militar.”
Será assim com o marechal Sisi no Egito, apesar do apoio incondicional que recebeu nas presidenciais de maio (96,9% dos votos). “Sisi poderá ser alvo de um forte descontentamento popular a médio prazo, principalmente se não conseguir reavivar a economia e reduzir o desemprego. A reforma da economia vai inevitavelmente envolver medidas impopulares, como a diminuição dos subsídios. Para partilhar responsabilidades, acredito que Sisi se veja obrigado a garantir que, a breve prazo, haja um governo maioritariamente de civis e tecnocratas.”
Para Manuel Almeida, uma segunda razão concorre para a popularidade e ascensão política das forças armadas nos países árabes: “Uma reação ao poder dos islamitas, principalmente dos vários grupos nacionais da Irmandade Muçulmana”. Embora, em muitos casos, estivesse banida ou proibida de participar no processo político, “a Irmandade Muçulmana é um movimento extremamente determinado e organizado. Esse facto e a ausência de oposição ativa permitiu-lhe tirar partido das transições políticas e posicionar-se como uma das principais forças políticas, como aconteceu no Egito, Tunísia e Líbia.”
Precisamente a Líbia é, hoje, outro país onde o poder militar impõe as regras. Khalifa Haftar — um general na reforma, laico, que lutou ao lado dos rebeldes contra Muammar Kadhafi — lançou a “Operação Dignidade” contra posições islamitas na região de Bengasi, onde começaram os protestos antirregime, coordenando ataques terrestres e bombardeamentos com caças e helicópteros.
A Líbia organiza eleições legislativas a 25 de junho e o general já prometeu um cessar-fogo para essa altura.
“Este combate às milícias surgiu numa altura em que crescia a preocupação em relação ao domínio islamita — e da Irmandade Muçulmana em particular —, tanto no Parlamento como nas regiões estratégicas exportadoras de petróleo, como Bengasi”, explica Almeida. “Há certamente um interesse da parte de Haftar em reclamar para si uma posição de relevo, que procura desde há décadas no exílio (nos EUA). No entanto, o país está bastante fragmentado, existem demasiadas divisões regionalistas e tribais, assim como milícias fortemente armadas, para permitir que um general assuma o controlo facilmente.”
Na falta de um projeto nacional que una as diferentes fações líbias — regionais, tribais, religiosas ou seculares —, a possibilidade de o país se desintegrar não é ficção. “O mais grave é o facto de não existir qualquer tipo de monopólio do uso da força. Há dezenas de milícias e grupos armados e uma forte presença de jihadistas nacionais e de outros países árabes. É uma receita explosiva.”
Militares impiedosos
No contexto das revoltas árabes, dois países preocupam particularmente o editor. Por um lado, o Iémen, palco de uma tragédia humana com tendência para se agravar. “O Iémen quase não tem petróleo e espera-se que a sua população duplique em menos de 20 anos.” Por outro, a Síria. “Talvez a Síria não tenha matado a Primavera Árabe, mas foi certamente um travão.”
No Norte de África, a Argélia destoa por ser o único país onde não se fizeram sentir esses “ventos da mudança”. “Além do eterno Abdelaziz Bouteflika, que foi reeleito recentemente para um quarto mandado presidencial — apesar da deterioração da sua saúde indicar que provavelmente não o irá terminar —, a Argélia é dominada pelos militares e pelos serviços secretos de uma maneira particularmente eficiente e impiedosa”, diz o editor do “Asharq Al-Awsat” (“Médio Oriente”, na língua árabe). “Existe não só a preocupação da oposição em não ir longe demais na exigência de reformas para não dar azo a instabilidade, mas há também reformas tímidas”, como as legislativas de 2012, que a oposição considerou serem um esquema do Governo para prolongar o poder de Bouteflika, mas que foram um passo no sentido da democracia.
Também os fantasmas da guerra civil dos anos 90 — a repressão à violência islamita por parte das forças de segurança provocou, em números redondos, 200 mil mortos — inibem os argelinos na hora de sair à rua para reivindicar.
“Para muitos” no mundo árabe, conclui Manuel Almeida, “a intervenção política das Forças Armadas é, no máximo, um mal menor. Mas inevitavelmente há um preço a pagar, por se colocar o futuro das transições políticas nas mãos dos militares. Como diz o ditado, quando se tem um martelo, todos os problemas começam a assemelhar-se a pregos.”
O QUE CONQUISTARAM OS PAÍSES DA PRIMAVERA ÁRABE?
TUNÍSIA: Avanço a conta-gotas
Ben Ali fugiu do país a 14 de janeiro de 2011, mas só a 27 de janeiro passado foi aprovada a primeira Constituição pós-revolução. Governo, oposição e sociedade civil discutem agora se realizam primeiro legislativas ou presidenciais. Estes sufrágios concluirão a fase de transição, que foi liderada pelos islamitas do Movimento Ennahda (moderado), vencedor das eleições de 2011 para a Assembleia Constituinte.
O processo tunisino avança lentamente e com recuos, como o assassínio de dois líderes da oposição laica, em 2013. Mas é notória a procura de consensos. A 9 de janeiro, o primeiro-ministro Ali Larayedh (Ennahda) demitiu-se para desbloquear o impasse político e viabilizar a aprovação da Constituição.
Capa do “El País” de 15 de janeiro de 2011
EGITO: De volta à estaca zero
Com a eleição de Abdel Fattah al-Sisi, os militares regressaram à cadeira do poder de onde os revolucionários da Praça Tahrir tinham apeado Hosni Mubarak a 11 de fevereiro de 2011. Como previsto na Constituição aprovada em janeiro, o Governo interino demitiu-se segunda-feira, tendo Sisi reconduzido o primeiro-ministro Ibrahim Mehleb, que formará Governo até novas legislativas, previstas para este ano.
Em mais de dois anos, a transição egípcia decorreu ao estilo de uma falsa partida. Sempre que o povo votou (legislativas, presidenciais e referendo constitucional), a Irmandade Muçulmana venceu. A experiência islamita no país dos faraós terminou a 3 de julho de 2013, quando os militares, liderados por Sisi, afastaram o Presidente Mohamed Morsi após, num abaixo-assinado, milhões terem pedido a sua demissão.
Capa do “The New York Times” de 4 de julho de 2013
LÍBIA: Muitas armas na rua
Muammar Kadhafi foi executado a 20 de outubro de 2011. Desde então, o país continua refém das milícias (muitas delas armadas durante a intervenção da NATO em apoio dos rebeldes), que se recusam a depor as armas até que a sua participação na “libertação” da Líbia se traduza em ganhos políticos.
A segurança no país é intermitente, interrompida ocasionalmente por episódios de violência extrema, como o ataque ao consulado dos EUA em Bengasi, a 11 de setembro de 2012 (o embaixador Christopher Stevens foi um dos 11 mortos). Também a 10 de outubro de 2013, o então primeiro-ministro Ali Zeidan foi levado por homens armados do Hotel Corinthia, em Tripoli, sendo libertado horas depois.
A Líbia elegeu uma Assembleia Constitucional a 20 de fevereiro passado e realiza legislativas a 25 de junho. As últimas, em julho de 2012, foram ganhas por uma aliança composta por 58 partidos. Delas saiu um Parlamento interino que, em fevereiro, por pressão popular, acordou a sua dissolução. Os líbios responsabilizam os deputados pelo caos generalizado.
Árabes e árabes-berberes (amarelo), tubus (azul), tuaregues (vermelho), berberes (preto), zona desabitada (branco) CBC / RADIO-CANADA
IÉMEN: O poder das tribos
Ali Abdullah Saleh abandonou o poder a 23 de novembro de 2011, após dez meses de protestos pró-democracia e após garantir imunidade total. Sucedeu-lhe o seu vice, Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, para um mandato de dois anos — prorrogado, em janeiro, por mais um ano.
Lançada em março de 2013, a Conferência para o Diálogo Nacional aprovou, em fevereiro, um sistema federativo que divide o país em seis regiões. “É uma resposta às reivindicações das regiões que se sentem historicamente marginalizadas pelo poder central”, diz Manuel Almeida, editor no jornal “Asharq al-Awsat”. “É o modelo que mais poderá contribuir para a resolução dos gravíssimos problemas do Iémen.”
O país foi unificado em 1990, mas enfrenta uma rebelião huthi (xiita) a norte e pretensões separatistas a sul. Alberga ainda a Al-Qaida na Península Arábica, um dos braços mais ativos da organização. “Julgo que não voltará a haver dois Estados. Mesmo regiões como Hadramaut, historicamente parte do Iémen do Sul, escolheram ser autónomas e não integrar uma solução de dois Estados, o que foi um sério revés para o movimento separatista do sul, baseado em Aden.”
O Iémen antes da unificação, em 1990 WIKIMEDIA COMMONS
SÍRIA: Guerra sem fim
A 3 de junho, Bashar al-Assad fez-se reeleger Presidente, por 88,7%, indiferente ao facto de já não mandar em todo o país (os curdos declararam autonomia a norte e fações rebeldes, algumas islamitas radicais, disputam parcelas de território), mas convicto de que o seu “reinado” está para durar. A Constituição aprovada em 2012 — com a guerra em curso — instituiu o multipartidarismo (nas presidenciais de 3 de junho houve três candidatos) e permitirá a recandidatura de Assad. Se sobreviver politicamente ao conflito poderá ficar no poder até 2028.
A contestação ao Presidente começou a 15 de março de 2011 com o mesmo espírito de Tunis e do Cairo. Assad não hesitou em recorrer às armas e à supremacia aérea para reprimir a oposição. Porém, “o fator desequilibrador da guerra tem sido o enorme apoio, a todos os níveis, que Assad tem recebido do Irão, do Hizbullah (a milícia xiita libanesa), e da Rússia”, diz Almeida. “Comparativamente, o apoio à oposição política e militar dos EUA e de países da União Europeia e do Golfo fica muito aquém daquele que Assad tem recebido.”
Notícia da Al-Jazeera de 5 de junho de 2014
MARROCOS: Um rei com visão
Mohammed VI foi hábil a tirar conclusões das consequências da Primavera Árabe noutras latitudes e antecipou-se a problemas. Com o Movimento 20 de Fevereiro nas ruas, reivindicando mais democracia, o monarca promoveu uma revisão constitucional, aprovada em referendo a 1 de julho de 2011.
O novo texto obriga o rei a nomear para primeiro-ministro uma personalidade do partido mais votado, a transferir prerrogativas para o primeiro-ministro, como a possibilidade de dissolver o Parlamento, e outras para o Parlamento, como a concessão de amnistias. E torna o berbere língua oficial. O rei também convocou eleições antecipadas, que foram ganhas, a 25 de novembro de 2011, pelo Partido Justiça e Desenvolvimento (islamita).
Notícia do “El Mundo” de 16 de fevereiro de 2011
BAHRAIN: Luta já não é notícia
O Bahrain é a única monarquia do Golfo com uma população etnicamente divergente da família real: os bahrainis são maioritariamente xiitas e os Al-Khalifa sunitas. A tensão entre povo e poder é, por isso, latente. A 18 de março de 2011, as autoridades mandaram derrubar a estátua do centro da Praça da Pérola, em Manama, que fora palco de protestos que pediam, entre outros, reconhecimento político para os xiitas e que foram reprimidos com a ajuda de tanques enviados pela Arábia Saudita (sunita).
A revolução desapareceu das televisões, mas, na internet, o Centro para os Direitos Humanos do Bahrain noticia diariamente atentados à liberdade e à condição humana. A 1 de junho, Firas al-Saffar, de 15 anos, foi levado de casa por polícias à paisana. Num posto de Manama, foi interrogado e acusado de “filmar reuniões não autorizadas”.
“Direitos humanos não são permitidos no Bahrain”, lê-se neste “aviso” acompanhado pela imagem do ativista Nabeel Rajab CARLOS LATUFF / WIKIMEDIA COMMONS
Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de junho de 2014
O nosso país está cada vez mais presente no Norte de África. Mas os povos continuam de costas voltadas. No Magrebe, conhece-se o futebol português e pouco mais
Os portugueses não hesitam em ir de férias a Marrocos ou à Tunísia, sabem que a Líbia tem um Presidente um pouco excêntrico e que foi por causa de um ataque terrorista na Mauritânia que o Lisboa-Dakar foi cancelado. E partilham do fascínio universal de, um dia, avistarem as Pirâmides de Gizé. No Estreito de Gibraltar, escassos 14,4 quilómetros de mar impedem que o Sul da Europa e o Norte de África se toquem. Mas, nas duas margens do Mediterrâneo, a imagem que os povos projectam do ‘outro’ permanece refém de estereótipos e de ideias feitas.
Amanhã e segunda-feira, decorre em Argel a II Cimeira Luso-Argelina. Em paralelo, será inaugurada a Feira Internacional de Argel que em 2007 recebeu mais de 1,5 milhões de visitantes e que, este ano, tem como convidado de honra Portugal. “Sempre tivemos uma relação excelente do ponto de vista político e diplomático. A Argélia desempenhou um papel muito importante na formação da nossa revolução”, recorda o embaixador português em Argel, Luís de Almeida Sampaio. “Aquilo que não existia, como agora, era o aprofundamento da dimensão económica”, diz.
Cerca de metade do gás natural consumido pelos portugueses é importado da Argélia. Por força dessa dependência energética, a balança comercial é altamente deficitária para Portugal, mas, aos poucos, empresas portuguesas vão cunhando a paisagem local. Foi à Parque Expo, por exemplo, que foi adjudicada a elaboração do Plano Director do Reordenamento Urbano de Argel, até 2010.
Geograficamente, Argel está mais próxima de Lisboa do que Paris ou Bruxelas — uma constatação ainda mais válida para Rabat. “Neste momento, há mais de 130 PME portuguesas em Marrocos, que dão trabalho a 30 mil pessoas”, refere o embaixador em Rabat, João Rosa Lã. Um dos logotipos de Marrocos no estrangeiro, o Hotel La Mamounia (Marraquexe), está a ser recuperado pela empresa Casais, de Braga.
Hoje, 58% do total de exportações portuguesas para o Norte de África vão para Marrocos e 90% do mercado das parabólicas é português. “Estamos dependentes da situação que se viver no Magrebe. Se houver um surto terrorista ou problemas relacionados com a imigração clandestina, Portugal e Espanha serão os primeiros a sofrer”, alerta Rosa Lã.
Na corrida das empresas lusas ao mercado magrebino, o Egipto — ficou claramente para trás. Ainda assim, a Cimpor, por exemplo, controla 10% do mercado do cimento. É o mais longínquo dos países da orla Sul e tem uma vocação diferente do ponto de vista geopolítico — é um palco, por excelência, do diálogo israelo-árabe. “Uma das funções da embaixada é seguir os trabalhos da Liga Árabe. Em 2007, Portugal assinou um Memorando de Entendimento com a organização que nos permite assistir às reuniões. Poucos países da União Europeia têm-no”, refere Paulo Martins Santos, cônsul no Cairo.
A funcionar há pouco mais de um ano, a embaixada em Tripoli já constatou o potencial de um país com dimensão para ‘engolir’ a Península Ibérica. Só no primeiro trimestre de 2008, foram assinados contratos que rondam os 1000 milhões de euros. Mas para o diplomata Rui Lopes Aleixo, “a nossa imagem não pode ser só a das empresas que chegam aqui. Há que mostrar a cultura portuguesa e aquilo que somos capazes de fazer noutros domínios”, diz. Recentemente, três investigadores das Universidades de Coimbra, Porto e do Centro de Mértola visitaram a Líbia e receberam luz-verde das autoridades para apresentarem um projecto de elaboração do mapa arqueológico do país.
No término das conversas que o “Expresso” manteve com representantes de quatro das cinco missões diplomáticas portuguesas no Norte de África, é impossível iludir o forte contributo do futebol na imagem que os povos do Sul têm dos portugueses. No Cairo, Manuel José, que treina o Al-Ahly — um clube com 50 milhões de adeptos… — é um ídolo. Já em Argel, é o embaixador Almeida Sampaio que não passa despercebido na rua… “As cores de um dos principais clubes de Argel — o Mouloudia — são o verde e o vermelho. Quando fico parado no trânsito, os miúdos vêm dar beijos à flâmula (pequena bandeira) que tenho no carro. Apanho banhos de multidão por causa das nossas cores”.
O que nos une
Durante a ocupação islâmica da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XV, o território recebeu o nome de Al-Andalus. Situado em Granada, o palácio de Alhambra é o expoente máximo desse legado. Mas mais do que um património comum, hoje, os países da Península partilham com a orla árabe fóruns de diálogo que visam a aproximação entre as margens do Mediterrâneo: o Diálogo 5+5 (os cinco países da UMA, da Mauritânia à Líbia, e cinco do Sul da Europa) e o Processo de Barcelona da União Europeia (37 membros). A União para o Mediterrâneo, de Nicolas Sarkozy, será a próxima ‘ponte’ sobre o ‘Mare Nostrum’.
MAURITÂNIA Aprendeu a falar português a bordo dos barcos de pesca luso-mauritanos, ao largo do Sara. Hoje, Yussuf, um mauritano de 37 anos imigrado há oito em Portugal, tem no português a sua língua de trabalho, num posto de combustível de Portimão. “Integrei-me bem. Há pessoas que não gostam de imigrantes, mas não ligo”. Nas férias, vai à Mauritânia de carro. “O trajecto é fácil, há sempre estrada até lá”, durante 4000 quilómetros.
MARROCOS Quando chegou a Portugal há nove anos, para fazer investigação, Omar, de 35 anos, teve de fazer “uma grande ginástica” para evitar a carne de porco e “adaptar-se à comida portuguesa”. Hoje, este professor de Estudos Árabes diz apreciar “a capacidade de desenrascar” dos portugueses. E critica a “falta de pontualidade e o ‘deixa andar’”, atitudes, confessa, também marroquinas.
ARGÉLIA Em Portugal há 24 anos, Farida tem um sonho: “Criar uma associação de amizade luso-argelina. Temos uma história comum que deve ser publicada”, diz esta consultora internacional na área alimentar, de 58 anos. “Temos uma geração de casamentos mistos. O que vai ser feito dela? Não há uma escola de língua árabe, não temos onde praticar e mostrar a nossa cultura”. Preocupa-a o futuro do neto luso-argelino.
TUNÍSIA A vida de Amel deu uma volta de 180 graus desde que chegou a Portugal, há 10 anos. Então, seguira o marido até um novo posto profissional; hoje, administra o Santarém Hotel e gere o operador turístico ‘Beauty Village’. “Gostamos muito do país, não é muito diferente da Tunísia, desde logo no clima. E o contacto entre as pessoas é muito caloroso”.
LÍBIA O bigode escuro faz Saud, muitas vezes, passar na rua por português. Nascido há 48 anos, a 60 quilómetros de Tripoli, veio para Portugal como bolseiro e por cá ficou. “Gostei do país e da forma como fui tratado”. As duas filhas apreciam ir à Líbia de férias, mas “falam pouca coisa” de árabe. Gostava que os portugueses fossem “mais ambiciosos” e que “não dramatizassem tanto”. Faz de tudo um pouco na embaixada líbia. E torce pelo Sporting.
EGIPTO “Nós, orientais, acreditamos muito no destino”, diz Badr. E o destino quis que este egípcio de 46 anos viesse a Portugal há 12 estudar a língua de Camões. “Gosto de fado e conheço todas as casas no Bairro Alto. É um tipo de música muito próxima da música árabe. Fala de pátria, saudade e amor”. Se dependesse de si, os portugueses não seriam tão passivos: “Recentemente, no Egipto, aumentou o preço do pão e houve logo protestos”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 7 de junho de 2008
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.