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Mike Pompeo visitou cinco países em cinco dias. Objetivo: pressionar os árabes a normalizarem a relação com Israel

Entre domingo e quinta-feira, o secretário de Estado dos Estados Unidos desdobrou-se em contactos em Israel, Sudão, Bahrain, Emirados Árabes Unidos e Omã. Donald Trump precisa de um sucesso ao nível da política externa, comenta ao Expresso um cientista político israelita

O principal interesse é de Israel mas as despesas parecem estar a cargo dos Estados Unidos. Duas semanas após o anúncio da normalização da relação diplomática entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, mediada pela Casa Branca, o Estado judeu tem novos alvos árabes em mira. Esta semana, as autoridades de Sudão, Bahrain e Omã foram sondadas acerca da possibilidade de seguirem o exemplo dos Emirados. A abordagem foi feita não por um governante ou diplomata israelita mas por um dos principais governantes da Administração norte-americana: o secretário de Estado Mike Pompeo.

“A tempo das eleições, Donald Trump quer apresentar ao povo norte-americano pelo menos um sucesso ao nível da política externa”, diz ao Expresso Ely Karmon, investigador do Instituto de Política e Estratégia, de Herzliya (Israel). “Ele não foi bem sucedido com os europeus, nem com a China, Coreia do Norte e Irão. Esta é uma possibilidade que lhe permitirá dizer: ‘Eu trouxe a paz, não ao Médio Oriente mas pelo menos entre Israel e alguns países árabes’.”

No universo de 22 países árabes, apenas três reconhecem o cialmente o Estado judeu: Egito (1979), Jordânia (1994) e Emirados Árabes Unidos (2020). Para o cientista político israelita, o Sudão pode ser o próximo. “Está muito interessado em normalizar a sua relação com os Estados Unidos, deixar de ser considerado um Estado pária e sair da lista de países que apoiam o terrorismo. Possivelmente, este é um incentivo americano para convencer o Sudão a iniciar a normalização com Israel.”

Segundo a publicação noticiosa “Sudan Tribune”, as autoridades de Cartum apelaram a que os EUA desvinculem os dois processos. Em comunicado posterior às conversações com Pompeo, o Governo sudanês fez saber que “no que respeita ao pedido dos EUA no sentido da normalização das relações com Israel, o primeiro-ministro [Abdallah Hamdok] explicou ao secretário do Estado que o período de transição no Sudão é liderado por uma ampla coligação com uma agenda específica que visa concluir o processo de transição, alcançar a paz e a estabilidade no país antes de realizar eleições livres”.

O Sudão vive uma fase de transição que decorre da deposição de Omar al-Bashir, a 1 de abril de 2019, após 30 anos de poder, e essa parece ser a prioridade do Conselho Soberano (composto por seis civis e cinco militares) quem manda atualmente no país.

Inegável é que, num passado recente, os dois países têm vindo a esboçar uma aproximação. A 3 de fevereiro, Abdel Fattah al-Burhan foi ao encontro do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, quando este realizava uma visita o cial ao Uganda. Então, o gabinete de Netanyahu fez saber que “ficou acordado o início de uma cooperação que conduzirá à normalização dos laços entre os países”.

“Apesar do Sudão ter participado em guerras contra Israel, algo mudou no ano passado, após a revolução”, comenta Ely Karmon. “O novo governo mudou a política e está a tentar que o país seja membro de uma coligação sunita mais moderada.”

O peso do Irão

Depois da visita ao Sudão, Mike Pompeo seguiu para o Bahrain, um pequeno reino ribeirinho ao Golfo Pérsico particularmente permeável a promessas de mais segurança. “Uma das razões que leva o Bahrain a querer ter relações diretas com Israel é o facto de se sentir ameaçado pelo Irão”, diz o israelita. “Talvez seja o Estado mais ameaçado pelo Irão.”

O país vive a singularidade de ter no poder uma família real sunita enquanto a maioria da população ser xiita (como o Irão). No Bahrain, “há muitos grupos xiitas contrários ao regime que são nanciados e apoiados pelo Irão”, recorda Ely Karmon.

À semelhança do que aconteceu no Sudão, as declarações públicas das autoridades do Bahrain não foram no sentido de uma adesão imediata à proposta de Pompeo. Segundo a agência noticiosa o cial local, o Rei Hamad bin Isa Al-Khalifa “realçou a importância da intensificação de esforços para se acabar com o conflito israelo-palestiniano de acordo com a solução de dois Estados” que leve ao “estabelecimento de um Estado palestiniano independente com Jerusalém Oriental como capital”.

Apesar do discurso oficial, é inegável que, nos últimos anos, o Bahrain tem dado sinais de abertura em relação a Israel. Em 2017, o monarca denunciou o boicote árabe a Israel e afirmou que os seus súbditos são livres de visitar o Estado judeu. No ano passado, o ministro dos Negócios Estrangeiros reafirmou o direito à existência de Israel e, em dezembro, Shlomo Amar, o rabino chefe de Jerusalém, participou num evento inter-religioso no Bahrain.

Omã, de bem com todos

A última viagem de Mike Pompeo neste périplo levou-o a Omã, um sultanato que nas últimas décadas, sob a liderança do Sultão Qaboos, que morreu a 10 de janeiro passado, após mais de 50 anos no poder, tem adotado uma política de coexistência pacífica com todos os países da região, Israel e Irão incluídos.

Omã tem relações amigáveis com Israel desde os anos 1960, de forma especialmente secreta. Ainda assim, em 1994, o primeiro-ministro Yitzhak Rabin visitou o país, naquela que foi a primeira deslocação conhecida de um líder israelita a um país do Golfo. E em 2018, também Benjamin Netanyahu foi recebido em Muscate.

Relativamente ao Irão, Omã também tem um histórico de não hostilidade. Não tomou parte na guerra Irão-Iraque e atuou como mensageiro entre Washington e Teerão durante as negociações internacionais relativas ao programa nuclear iraniano.

“Omã tem um novo líder [Haitham bin Tariq Al Said, primo de Qaboos] que não tem o mesmo prestígio do anterior e que tem de levar em consideração a estabilidade do seu regime e do próprio país”, alerta Ely Karmon. “E tem relações sensíveis e economicamente importantes com Teerão. Poderá não querer colocar-se na mira do Irão.”

Esta sexta-feira, Mike Pompeo regressou aos Estados Unidos com cansaço acumulado e aparentemente de mãos vazias. De nenhum dos países sondados, o governante norte-americano leva notícias sonantes que possam ser utilizadas, a curto prazo, como bandeira eleitoral.

(FOTO: Bandeiras de Israel e dos Estados Unidos, no aeroporto Ben Gurion, em Telavive, para dar as boas-vindas ao Presidente dos EUA Barack Obama, a 20 de março de 2013 EMBAIXADA DOS EUA EM ISRAEL)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de agosto de 2020. Pode ser consultado aqui

Como o Irão encostou Trump às cordas

Além da contenção para evitar uma guerra, houve recados na forma como Teerão vingou Soleimani. Há espaço para dialogar

O assassínio do general Qasem Soleimani — alvejado por um drone dos Estados Unidos, dia 3, no aeroporto de Bagdade (Iraque) — desencadeou uma comoção entre os iranianos como não se via desde a morte do ayatollah Ruhollah Khomeini, fundador da República Islâmica. As ruas gritaram por “vingança”, e o regime foi destemido na hora de levá-la a cabo, bombardeando duas bases norte-americanas no Iraque. “Uma bofetada na cara” dos EUA, declarou o Líder Supremo, ayatollah Ali Khamenei.

Talvez em Washington a pancada tenha sido sentida mais como um murro, daqueles que deixa qualquer um atordoado. No discurso à nação com que reagiu ao ataque do Irão — e quando a imprevisibilidade de Donald Trump fazia prever um contra-ataque militar —, o Presidente dos EUA ‘fcou-se’ pela aprovação de novas sanções a Teerão e declarou-se disposto ao diálogo. “Todos devemos trabalhar juntos para fazer um acordo com o Irão que torne o mundo um lugar mais seguro e pacífico”, disse, quarta-feira. “O Irão pode ser um grande país.”

Responder à letra ao Irão poderia ser o gatilho de uma guerra total no Médio Oriente. A retaliação iraniana pela morte do general teve pelo menos três avisos importantes nesse sentido. Os 22 mísseis usados foram lançados de território iraniano, o que revela vontade de vingar a execução de Soleimani pelas próprias mãos e não “por procuração”, como acontece muitas vezes. Uma grande vantagem estratégica do Irão na região é possuir um “arco de infuência xiita” no mundo árabe, maioritariamente sunita — o país não é árabe, antes persa. São exemplos de grupos aliados do Irão o Hezbollah no Líbano, forças paramilitares na Síria, milícias armadas no Iraque e os huthis no Iémen.

Um segundo recado é a promessa de retaliação iraniana sobre alvos sensíveis como o Dubai e Haifa. O Dubai é um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos, país aliado dos EUA na região, e Haifa é uma cidade de Israel, o país que mais tem pressionado os americanos no sentido de um confronto militar com Teerão. Um ataque a estes dois alvos arrastaria o Médio Oriente para uma guerra total, com consequências em todo o mundo.

Um ataque do Irão a Israel ou ao Dubai arrastaria o Médio Oriente para uma guerra com impacto em todo o mundo

Um terceiro aspeto de grande significado neste ataque tem que ver com a utilização de mísseis balísticos, projéteis com capacidade para transportar ogivas nucleares. Uma vitória do Irão aquando da negociação do acordo internacional sobre o seu programa nuclear, em 2015, foi a não inclusão dos mísseis balísticos no programa. Este ataque prova que, apesar de condicionado na produção de armas nucleares, o Irão tem capacidade para ameaçar com o seu veículo de entrega, ou seja, os mísseis balísticos.

Ao atacar sem provocar vítimas, o Irão procurou o maior efeito psicológico com o mínimo de estragos. Em Washington acredita-se que Teerão não derramou sangue americano de forma deliberada, apesar de o Governo iraniano ter anunciado, para consumo interno, a morte de “80 terroristas”. O Irão revelou não querer a escalada e a predisposição para o diálogo possível.

(FOTO Mural no exterior do edifício da antiga embaixada dos EUA em Teerão KAMYAR ADL / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de janeiro de 2020

Um país unido em redor de um mártir (e com sede de vingança)

O Irão está em lágrimas, comovido pela ‘procissão de despedida’ do general Qasem Soleimani, que vai a enterrar esta terça-feira. Uma investigadora iraniana identifica uma vitória póstuma do general assassinado pelos EUA: a inevitável saída dos norte-americanos do Iraque

Qasem Soleimani vai a enterrar esta terça-feira, em Kerman, no sul do Irão. Terminarão então três dias de luto decretados para que o povo possa despedir-se do seu principal comandante militar — arquiteto das intervenções militares iranianas no Médio Oriente —, assassinado na sexta-feira por um drone dos Estados Unidos no aeroporto de Bagdade (Iraque).

Esta segunda-feira, em Teerão, multidões compactas rodearam o féretro do general, transportado em mãos pelas ruas da capital. O lento avanço da urna, entre uma massa de gente fervorosamente comovida, trouxe à memória vivências de 1989 quando Teerão estava igualmente em choque e despedia-se do ayatollah Ruhollah Khomeini, o fundador da República Islâmica.

“Este assassínio uniu o povo iraniano como nunca antes”, diz ao Expresso a politóloga iraniana Ghoncheh Tazmini. “Antes da sua morte, as sondagens atribuíam-lhe uma taxa de aprovação superior a 65%. Para todos os iranianos, isto foi uma afronta, uma violação e um ataque direto aberto ao povo iraniano, e não apenas ao general e ao regime. A manifestação de tristeza e o sentimento geral de alienação e incerteza quando ao futuro do Irão não se limitam àqueles que são pró-regime.”

Desde que chegaram ao país, no domingo, que os restos daquele que era uma das personalidades mais populares entre os iranianos atravessaram várias cidades ao estilo de uma procissão nacional. Começou em Ahvaz (sudoeste), seguiu para Mashad (nordeste), Teerão e Qom (norte). Vai terminar esta terça-feira em Kerman (sudeste), onde o general nasceu a 11 de março de 1957.

O rasto de comoção chegou à capital do Iraque onde, no sábado, milhares de pessoas acompanharam o féretro desde o santuário de Kadhimiya (nas margens do rio Tigre) até à Zona Verde (um bairro blindado onde se situam os principais órgãos do Governo e as embaixadas). “Vingança”, “Morte à América”, gritou-se em Bagdade.

Iraque e Irão são países maioritariamente xiitas ainda que, em contextos específicos, a rivalidade cultural entre ambos — os iraquianos são árabes e os iranianos persas — os coloquem em lados opostos da barricada. Não é o caso desta morte que a todos une.

Em Bagdade, as cerimónias fúnebres adiaram um dia uma votação no Parlamento que fez soar alarmes em Washington. No domingo, vexados pelo que consideram ter sido uma violação da sua soberania por parte dos EUA, os deputados iraquianos aprovaram uma resolução exigindo a retirada das tropas estrangeiras do país. O diploma reflete receios de que um futuro confronto entre EUA e Irão transforme o Iraque no principal campo de batalha.

“Instamos fortemente os líderes iraquianos a reconsiderarem a importância da relação entre os dois países a nível económico e de segurança bem como a presença contínua da Coligação Global contra o Daesh”, reagiu o Departamento de Estado dos EUA.

Entendida como uma declaração de guerra, o Irão já prometeu retaliar a morte do seu general. No domingo, deu mais uma machadada no debilitado acordo internacional de 2015 sobre o seu programa nuclear (que Donald Trump rasgou em maio de 2018) e anunciou que vai deixar de respeitar os limites ao enriquecimento de urânio impostos. Esta segunda-feira, França, Reino Unido e Alemanha apelaram a que Teerão se mantenha dentro dos “seus compromissos”.

Quanto a uma resposta militar, será uma questão de tempo. “O Irão fará o que o general teria feito. A mesma abordagem sábia, imparcial e calculada que o falecido estratega teria adotado. Ele preparou muitos como ele e, postumamente, alcançou uma grande vitória — a inexorável saída dos EUA do vizinho Iraque”, diz a investigadora iraniana. “Os iranianos seguirão os passos daquele que é hoje o maior mártir xiita iraniano contemporâneo.”

Os EUA já anunciaram o reforço do seu contingente militar na região em cerca de 3000 operacionais. No Twitter, Donald Trump carregou na retórica belicista e ameaçou bombardear… alvos culturais: “Se o Irão atacar quaisquer americanos, ou interesses americanos, nós temos identificados 52 locais iranianos (que representam os 52 reféns americanos que os iranianos fizeram há muitos anos), alguns de alto nível e importantes para o Irão e para a cultura iraniana”, escreveu o Presidente dos EUA.

“Este tweet foi provavelmente tão significativo quanto o assassínio do general, no seu impacto e nas implicações que ele traz”, comenta Ghoncheh Tazmini. “Tem como alvo direto o povo iraniano, no Irão e na diáspora. Aqueles que duvidaram das intenções malignas e destrutivas do Governo dos EUA em relação ao povo iraniano ganharam 100% de certeza. O que é cultura? Cultura são pessoas.”

(FOTO Qasem Soleimani, em oração junto ao túmulo do Imã Khomeini, numa foto de 2015 WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 6 de janeiro de 2020. Pode ser consultado aqui

Influência iraniana não para de crescer na região

As recentes eleições no Líbano ditaram um reforço das fações pró-Irão. O mesmo poderá acontecer nas legislativas deste sábado no Iraque. Do Golfo ao Magrebe, Teerão está em alta

Aeroportos e postos de fronteira no Iraque estão, este sábado, encerrados para que milhões de eleitores possam ir às urnas com um sentimento mínimo de segurança. Derrotado no país, o autodenominado Estado Islâmico (Daesh, sunita) — que chegou a controlar um terço do território — ameaçou cobrir de sangue as primeiras eleições desde a sua capitulação. A circulação entre províncias está suspensa e a circulação rodoviária tem grandes restrições. O alerta é máximo.

Quinze anos após o início da guerra do Iraque, a segurança nacional continua a ser um projeto e a influência iraniana uma constante neste país de maioria xiita. Nas legislativas deste sábado, 27 coligações compostas por 143 partidos vão disputar lugares no Parlamento, entre as quais cinco importantes blocos xiitas — a coligação “Vitória do Iraque”, do atual primeiro-ministro xiita Haider al-Abadi procurará tirar dividendos do anúncio do fim do Daesh. Num país onde a política se faz em obediência a uma lógica sectária, a vitória dos xiitas não estará em causa. Resta saber se a influência iraniana em Bagdade se manterá ou se aumentará — como acaba de acontecer no Líbano.

Faz amanhã uma semana que o Irão foi um dos grandes vencedores das legislativas libanesas, as primeiras em nove anos. Hezbollah (elegeu 13 deputados) e Amal (15) — o “duo xiita” próximo de Teerão — foram quem mais ganhou num Parlamento de 128 lugares em que, por imperativo constitucional, 64 terão de ser preenchidos por cristãos (maronitas, ortodoxos, católicos, protestantes, etc.) e os outros 64 por muçulmanos (sunitas, xiitas, alauitas) e druzos.

Inversamente aos resultados xiitas, o partido do primeiro-ministro Saad al-Hariri, sunita e próximo da Arábia Saudita, foi um dos grandes derrotados. O Movimento Futuro perdeu deputados inclusive nos seus bastiões (Beirute, Trípoli e Sidon), o que fez soar os alarmes em Riade e, por “amizade”, em Washington também.

Donald Trump tinha até este sábado para decidir se continuaria a apoiar ou se retiraria os EUA do acordo sobre o nuclear iraniano. Não deixou que o prazo se esgotasse, nem esperou por eventuais cedências iranianas de última hora no sentido de uma revisão do acordo. Pressionado pela Arábia Saudita (que tem no Irão o grande rival) e por Israel (que tem fronteira com o Líbano e vive em alerta permanente em relação às movimentações do Hezbollah), Trump cortou a eito. Os resultados eleitorais no Líbano podem ter sido a provocação final à sua conhecida impaciência.

Do Iémen a… Marrocos

Iraque e Líbano são barómetros da influência iraniana na região, tal como a Síria, onde, ao apoiar Bashar al-Assad, que sobreviveu à guerra, Teerão mantém a sua influência intacta. Ontem, ao bombardear território sírio (ver texto de cima), foi o Irão que os israelitas quiseram atingir.

Teerão está em alta também na outra grande guerra em curso no Médio Oriente, no Iémen, onde apoia os rebeldes huthis, que controlam a capital. Na quarta-feira, o dia seguinte a Trump ter rasgado o acordo, os huthis dispararam mísseis que foram intercetados na direção de Riade, a capital da Arábia Saudita (árabe sunita). Esta lidera uma operação no Iémen para acabar com os huthis e, consequentemente, com a influência persa xiita no sul da península arábica.

A 1 de maio, sem alarido, Marrocos cortou relações com o Irão. Segundo Rabat, Teerão está por trás de ações do Hezbollah em território argelino, junto da Frente Polisário (que luta pela independência do Sara Ocidental). Do Golfo ao Magrebe, os tentáculos do Irão são sinónimos de crise.

Artigo publicado no “Expresso”, a 12 de maio de 2018

As conquistas envenenadas de Israel na Guerra de 1967

CISJORDÂNIA

CONQUISTADA À JORDÂNIA — “Para assegurarmos a nossa existência temos de ter o controlo militar e policial de todo o território a oeste do [rio] Jordão. A ideia de que podemos abdicar de território e fazer a paz não é correta.” Estas palavras do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, esta semana, são um murro no estômago dos palestinianos, para quem a retirada israelita da Cisjordânia tem de ser total. Além de 2,9 milhões de árabes palestinianos, ali vivem quase 600 mil colonos judeus. Pelos Acordos de Oslo (1993), o território foi dividido em áreas A (18%), controladas pela Autoridade Palestiniana, B (22%), em que os palestinianos têm o controlo civil e os israelitas o militar, e C (60%), que correspondem aos colonatos e às zonas agrícolas do Vale do Jordão, totalmente controladas por Israel. Após a Intifada de Al-Aqsa (2000/05), Telavive começou a construir o polémico muro que hoje serve de fronteira. Para a comunidade internacional, Cisjordânia e Faixa de Gaza fazem parte do futuro Estado independente da Palestina.

FAIXA DE GAZA

CONQUISTADA AO EGITO — Esteve ocupada até meados de 2005, quando Israel desmantelou os 21 colonatos (onde viviam 8000 judeus) e retirou as tropas unilateralmente. Gaza passou então para os palestinianos, a braços com um conflito entre fações políticas rivais: a Fatah (que controla a Autoridade Palestiniana) e o grupo islamita Hamas. Este nasceu sob ocupação israelita, fez-se anunciar com a primeira Intifada (1987) e chocou o mundo ao vencer as eleições legislativas palestinianas de 25 de janeiro de 2006. A vitória não foi reconhecida a nível internacional e, cerca de meio ano depois, o grupo tomou o poder em Gaza pela força. Desde então, Israel e Hamas já travaram três guerras (2008, 2012 e 2014) e o território — onde vivem dois milhões de palestinianos em 360 km — é alvo de um bloqueio por terra, mar e ar, imposto por Israel e pelo Egito. Através de túneis clandestinos entra em Gaza de tudo um pouco, de gado a armas.

MONTES GOLÃ

CONQUISTADOS À SÍRIA — Foram formalmente anexados por Israel após uma votação no Parlamento (Knesset), a 14 de dezembro de 1981. A decisão não foi reconhecida pela comunidade internacional — foi condenada na ONU (resolução 497) — que reconhece a soberania síria sobre os Golã. “Cinquenta anos depois, é tempo de a comunidade internacional perceber que os Golã permanecerão sob soberania israelita”, disse Netanyahu a 17 de abril de 2016. O território é vigiado pela ONU desde 1974, através da missão UNDOF (Força das Nações Unidas de Observação da Separação) que garante o cessar-fogo e a inviolabilidade de uma “terra de ninguém” entre os dois países. O território não tem escapado à guerra na Síria, com trocas de fogo ocasionais entre Israel e diferentes fações em combate. Telavive está especialmente atento às movimentações do grupo xiita libanês Hezbollah, inimigo declarado de Israel e aliado de Bashar al-Assad.

JERUSALÉM ORIENTAL

CONQUISTADA À JORDÂNIA — Em 1967, Israel conquistou a parte árabe da cidade que quer para sua capital “una e indivisível” — e onde se situam o Muro das Lamentações (o lugar mais sagrado para os judeus), a Mesquita de al-Aqsa (terceiro lugar mais importante para os muçulmanos, a seguir a Meca e Medina) e o Santo Sepulcro (túmulo de Cristo). Desde então, Israel tem promovido políticas discriminatórias, quer no acesso à terra quer do direito de construção, com o intuito de aumentar a população judaica e diminuir a árabe. Em Jerusalém Leste, apenas 13% da área municipal é zona de construção para palestinianos. Mais de um terço destes corre o risco de ver as suas casas demolidas com base em subterfúgios administrativos — em 2016, a quantidade de casas palestinianas demolidas foi a mais alta desde 2000. O isolamento de Jerusalém Leste em relação ao resto da Cisjordânia é outra vertente da anexação de Jerusalém Leste por Israel — através de projetos como o E1, por exemplo, que visa unir a cidade santa ao gigantesco colonato de Maale Adumim e dificultar o acesso dos palestinianos da Cisjordânia à cidade onde vão rezar.

PENÍNSULA DO SINAI

CONQUISTADA AO EGITO — Perdido o Sinai em 1967, o Egito tentou, sem sucesso, reconquistar a península na Guerra de Outubro de 1973 (os israelitas chamam-lhe Guerra do Yom Kippur). O território seria devolvido sem ser pela força das armas. Em 1982, na sequência dos Acordos de Camp David de 1978, um tratado assinado em Washington pelo Presidente egípcio Anwar al Sadat e pelo primeiro-ministro israelita Menachem Begin (e testemunhado pelo Presidente dos EUA Jimmy Carter) instituiu a paz entre os dois países e levou à retirada dos colonos israelitas do Sinai. Nos últimos anos este território que une África e Ásia transformou-se em refúgio de grupos armados (alguns formados por beduínos locais, outros jiadistas, nomeadamente o Daesh). A insegurança aumentou após a Primavera Árabe, que no Egito resultou na deposição de Hosni Mubarak e no enfraquecimento do poder central. Os ataques visam sobretudo as forças de segurança egípcias, mas também a minoria cristã copta.

Artigo publicado no Expresso, a 3 de junho de 2017